Discurso durante a 106ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Registro da outorga do Prêmio da Pesquisa para a Paz, ao Presidente Lula, e sugestão de temas que poderiam ser abordados por S.Exa. no discurso de recebimento do referido Prêmio, no dia 7 de julho em Paris, na sede da Unesco.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONCESSÃO HONORIFICA. POLITICA SOCIAL. EDUCAÇÃO.:
  • Registro da outorga do Prêmio da Pesquisa para a Paz, ao Presidente Lula, e sugestão de temas que poderiam ser abordados por S.Exa. no discurso de recebimento do referido Prêmio, no dia 7 de julho em Paris, na sede da Unesco.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/2009 - Página 27765
Assunto
Outros > CONCESSÃO HONORIFICA. POLITICA SOCIAL. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • IMPORTANCIA, RECEBIMENTO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PREMIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), PESQUISA, PAZ.
  • SUGESTÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, SOLENIDADE, RECEBIMENTO, PREMIO, PRONUNCIAMENTO, DEFESA, PAZ, POPULAÇÃO CARENTE, SITUAÇÃO, MISERIA, FOME, AUSENCIA, RISCOS, TERRORISMO, IMPORTANCIA, DESCOBERTA, MODELO, DESENVOLVIMENTO, COMPATIBILIDADE, PROTEÇÃO, MEIO AMBIENTE, DIVERSIDADE, CULTURA, ADVERTENCIA, DESTRUIÇÃO, SOLIDARIEDADE, POPULAÇÃO, MUNDO, MANUTENÇÃO, DESEMPREGO, FALTA, IDEOLOGIA, EDUCAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO, SOCIEDADE.
  • SUGESTÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, COBRANÇA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), EFICACIA, ATUAÇÃO, ALTERAÇÃO, DESTINO, MUNDO, REFORÇO, ENTIDADE, IMPLEMENTAÇÃO, PLANO, REVOLUÇÃO, EDUCAÇÃO, GARANTIA, PRESENÇA, CRIANÇA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, IMPORTANCIA, EXPERIENCIA, BRASIL, ADOÇÃO, PROGRAMA, BOLSA FAMILIA, CONCESSÃO, RENDA, FAMILIA, MANUTENÇÃO, MENOR, ESCOLA PUBLICA.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito bem. Muito obrigado, Senador.

Nesses dias de crise que estamos vivendo, muitas vezes já se falou aqui que o Presidente Lula está navegando nos seus 80% de popularidade enquanto o Senado, de certa maneira, nada, tentando sair da crise.

E esqueceram muitos de falar um detalhe: o Presidente Lula ganhou um dos maiores prêmios dados a qualquer pessoa no mundo inteiro. É um prêmio tão famoso, conhecido, que alguns chamam de prêmio pré-Nobel, porque, se o senhor olhar aqui a lista dos que receberam esse prêmio, criado em 1990, sob a orientação e financiamento do ex-Presidente da Costa do Marfim, o Presidente Houphouët-Boigny, em 1990, se olhar os nomes, você vê, cada um de nós, que é um pré-Nobel. Ganharam esse prêmio Mandela, de Klerk, Carter, Rabin, Shimon Peres, Arafat, Xanana Gusmão.

Esse é um prêmio que muitos dizem que abre as portas para o Nobel. Esse prêmio, cujo título, na verdade, é Prêmio da Pesquisa para a Paz, coloca o Presidente Lula entre os grandes nomes que há no mundo. O Presidente do Conselho é Henry Kissinger, para ver que não é uma questão ideológica.

E eu quero falar desse prêmio, quero lembrar que o Presidente Lula não o ganhou sozinho - o Brasil e outros líderes nacionais colaboraram com isso - e quero sugerir, talvez de uma maneira até pretensiosa, algumas das palavras que o Presidente Lula terá a chance de falar para o mundo inteiro no dia 7, em Paris, quando vai receber o prêmio.

O mérito é do Presidente Lula, mas, se não fosse a democracia conquistada por centenas, milhares de pessoas, o Presidente Lula nem estaria na Presidência, quanto mais ganhando esse prêmio. Então, por trás dele, está cada um que, neste País, lutou pela democracia, cada um daqueles que ajudaram a construir a democracia - e aí fazendo justiça, de maneira até especial, ao Presidente do Senado José Sarney, que foi o condutor dos cinco anos da transição. Por trás desse prêmio, está o Partido dos Trabalhadores, na sua totalidade, sem o quê, o Luiz Inácio Lula da Silva não seria Presidente e não ganharia esse prêmio. Por trás, estão os Presidentes anteriores a ele: Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, sem os quais, esse prêmio não seria viável, porque ele teria recebido um país sob o caos - ou sobre o caos - da inflação, um país perdido economicamente. Ele recebeu um País com rumo. Mas foi ele o grande responsável pelo prêmio. Foi ele, pela responsabilidade de manter aquilo que tinha que ser mantido, vindo dos Governos anteriores, como, sobretudo, a responsabilidade fiscal e a política econômica, pelo menos nas suas bases. E foi ele que soube agregar a isso uma ampliação radical dos programas que já vinham em andamento, como o Bolsa Escola, quando se amplia com o nome de Bolsa Família, o Fundeb, que é uma extensão do Fundef, e o ProUni, que não existiria se não fosse o gesto do Governo Fernando Henrique Cardoso de possibilitar o aumento substancial das vagas nas escolas, nas faculdades particulares.

Ele soube dar continuação, de maneira rígida, ao que era preciso na economia e ampliar, de uma maneira bastante grande, os programas sociais, criando, no Brasil, uma grande rede de proteção social, que já vem de algum tempo, mas que ele soube ampliar. Ele não teria recebido também este prêmio se não fosse ele, mas se não fosse brasileiro.

Senador Mão Santa, só o Brasil é hoje um país que não tem os recursos da Europa, mas não tem a pobreza da África. Só o Brasil é o país que tem todos os problemas do mundo hoje e tem, ao mesmo tempo, os recursos para resolver esses problemas. Só o Brasil, dos países grandes, representa a média da crise mundial. O Brasil tem a mesma renda per capita do mundo, e os indicadores sociais são muito parecidos com a média. Por isso, o Brasil é um País que facilita a um líder como Luiz Inácio Lula da Silva, contando com o que aconteceu antes neste País, receber este prêmio.

Por isso, o Brasil pode falar, através da voz do Presidente Lula, no dia 7 de julho em Paris, na sede da Unesco, para o mundo inteiro. É o Brasil, Senador Mozarildo, que pode falar através dele. E eu sou brasileiro, um brasileiro que tem o privilégio de ter esta tribuna. E é como brasileiro que eu quero sugerir que o Presidente Lula, de fato, perceba a chance que ele tem de falar ao mundo sobre os temas que nós hoje atravessamos.

O primeiro item é a definição do conceito de paz no mundo de hoje, porque, se o prêmio diz “pesquisas para a paz”, é preciso que ele diga que a paz de hoje não é aquela de 1990, quando foi criado o plano e quando havia ainda os resquícios da busca da paz em relação a uma hecatombe nuclear, que poderia acontecer ainda, apesar de a União Soviética já estar desaparecendo.

Hoje, a paz tem que ser feita não entre países. A primeira paz que precisamos fazer é com os pobres do mundo. Nunca antes o mundo teve 1 bilhão de pessoas esfomeadas, como as Nações Unidas disseram que tem neste momento. Nunca havia chegado a 1 bilhão o número de esfomeados. Nunca! Em nenhuma época, em nenhum momento, em nenhuma tragédia.

O Presidente Lula, em nome do Brasil, tem que falar da paz com os pobres do mundo, especialmente com as crianças pobres do mundo, especialmente da paz com as crianças esfomeadas e sem escola. Essa é a primeira paz sobre a qual acho que ele deve falar.

Ele deve falar também sobre a paz que a gente precisa ter com aqueles que estão dependentes científica e tecnologicamente. Há uma guerra hoje entre os que têm acesso e os que não têm acesso à ciência e tecnologia. É uma guerra que faz com que alguns vivam mais e outros vivam menos, dependendo do médico que pode ir ou não pode ir; dependendo dos equipamentos que os médicos tenham para levar aonde vão; dependendo da orientação de como se comportar para ter saúde.

Temos que fazer a paz com aqueles que não têm acesso à ciência e à tecnologia, que são patrimônios da humanidade, e não apenas do cientista que a descobriu.

Ele tem que trazer também a ideia de uma paz com aqueles que podem ser vítimas do terrorismo. Precisamos construir uma paz em que não haja risco de terrorismo. Agora, essa paz em relação ao risco do terrorismo tem que vir aliada a uma outra, a uma quarta paz. É a paz daqueles que hoje sofrem o colonialismo cultural, que tenta fazer com que todos pensem igualmente, todos tenham o mesmo deus, todos tenham a mesma religião. Temos que fazer paz com esses, que são excluídos da maneira como o Ocidente tenta impor sua visão de mundo, sua fé, seus rituais religiosos.

O Presidente Lula tem que falar da necessidade de paz com todas as culturas do mundo: a paz da diversidade. E mais uma paz, Senador Mão Santa - eu poderia falar de outras: ele precisa dizer que a gente tem que fazer paz com as próximas gerações; paz com aqueles que ainda não nasceram e que já está escrito que serão vítimas da depredação ecológica, que vai fazer com que lhes entreguemos, quando nasçam, um mundo mais quente, uma agricultura desarticulada, um oceano num nível mais elevado.

O Presidente Lula, falando em nome do Brasil, no dia 7 de julho, em Paris, na sede da Unesco, ao receber esse prêmio, que ele merece receber, tem que falar da necessidade de termos paz com as próximas gerações. O prêmio dele chama-se “Pesquisas pela Paz”. Ele tem, portanto, que explicitar que, no mundo de hoje, a paz não é apenas aquela que a gente consegue desligando os motores das guerras, mas, sim, a paz que a gente constrói, aumentando o entendimento entre os seres humanos.

O Presidente Lula pode, portanto, aproveitar para dizer ao mundo o que os outros Chefes de Estado não têm condições, porque, ou são de países muito pobres, sem recursos, ou de países muito ricos, sem problemas. O Brasil é um país que carrega todos os problemas do mundo e todos os recursos necessários para corrigir essas dificuldades. Por isso, o Presidente Lula é o único que pode chegar e dizer, alto e bom som, que vivemos um tempo de cataclismo; vivemos tempos cataclísmicos, tempos de mutações profundas, e temos que enfrentar esses cataclismos que estão diante de nós. E o primeiro cataclismo, obviamente, o mais visível, é o cataclismo ambiental, é a catástrofe da destruição da vida no planeta por conta de uma civilização industrial estúpida, que baseia toda a sua economia na destruição dos recursos naturais. E, pior: no uso dos recursos naturais para provocar o aquecimento global.

O Presidente Lula tem que dizer que não há paz se não houver paz com a natureza. Tem que, portanto, exigir que o mundo inteiro descubra o modelo de desenvolvimento que seja compatível com a proteção ambiental e com a proteção da diversidade cultural, porque os tempos cataclísmicos que vivemos estão provocando a destruição da vida, o desequilíbrio ecológico. Mas há um que considero mais grave ainda: é o cataclismo, é a catástrofe de um processo de dominação da ciência e tecnologia por alguns, que está levando a humanidade a caminhar para uma ruptura da semelhança entre os seres humanos. Continuando, por mais 20 ou 30 anos, o uso da ciência e da tecnologia para poucos, sobretudo na área da Biologia, na área da Engenharia Genética, nas áreas da Saúde - não há duvida, é uma questão de olhar o que está acontecendo -, se continuar esse uso das ciências médicas para poucos, não demoraremos - e o Senador Mão Santa é médico - para que a espécie humana se divida entre aqueles que vão viver mais, mais inteligentes e com mais saúde; e aqueles que vão viver pouco, sem inteligência e sem saúde.

Não podemos deixar que seja, nessa próxima geração, esse salto maldito de uma evolução biológica a serviço de poucos, quebrando o sentimento de semelhança entre os seres humanos; a tal ponto que, se isso continuar, bem antes do final do século XXI, haverá uma espécie de neo homo sapiens - os homos sapiens de hoje; haverá uma espécie produzida através de mutação induzida pela ciência, fazendo seres superiores e seres inferiores.

           O Presidente Lula precisa falar sobre esse risco; o Presidente Lula precisa fazer um alerta ao mundo de que estamos diante do risco dessa catástrofe da destruição do sentimento de semelhança entre os seres humanos, que demorou tanto a ser construído. Porque houve tempo em que alguns seres humanos se consideravam filhos de Deus; outro em que certos seres humanos se sentiam superiores, por serem brancos, comparados com os negros; ou por serem livres, comparados com os escravos.

           É muito recente essa ideia do sentimento de semelhança plena, e a gente está a ponto de perdê-la da maneira pior do que em qualquer outra época da história, porque o próprio corpo vai indicar uma dessemelhança - mais do que desigualdade.

O Presidente Lula precisa aproveitar essa chance e fazer esse alerta. Ele precisa, ao mesmo tempo, fazer o alerta de que não podemos continuar com o risco do desemprego como característica permanente. Não apenas o desemprego temporário, com o qual a humanidade aprendeu a conviver ao longo de alguns séculos, mas um desemprego estrutural, em que não haverá chance de a pessoa ter emprego. Está surgindo a criação desse conceito novo dos sem-emprego permanentemente, dos não apenas desempregados, mas desempregáveis por toda a vida.

O Presidente Lula precisa fazer um alerta sobre isso. Ele precisa fazer um alerta também sobre o fato de que a divisão que há hoje no mundo não é entre países ricos e países pobres, mas entre ricos e pobres dentro de todos os países do mundo. Ele ainda costuma falar muito na ideia de que existem países pobres e países ricos, esquecendo-se de que nos países pobres, como o Brasil, há fortunas maiores do que nos países ricos. E isso não é uma característica do Brasil. Isso acontece no México, na Venezuela, no Irã; isso acontece em todos os países do mundo hoje, em que algumas pessoas têm riqueza, mesmo dentro de um país pobre, nos níveis das maiores riquezas dos países ricos.

Hoje, a divisão social não é por país - o Presidente Lula precisa dizer isso; hoje, a divisão é entre classes globalizadas, que se formaram em um primeiro mundo internacional dos ricos, que leem os mesmos livros, que comem as mesmas comidas, que usam roupas parecidas e que formam um mundo de ricos, e uma espécie de arquipélago de pobres espalhados, que não se identificam entre eles nem mesmo dentro do mesmo país.

Ele precisa deixar claro ao mundo que é preciso evitar essa catástrofe de uma cortina de ouro que substituiu a cortina de ferro, uma cortina de ferro que dividiu os países por ideologias - socialistas e capitalistas - e, hoje, uma cortina de ouro que serpenteia por todo o Planeta, dividindo todos os países e separando os ricos dos pobres, os que têm acesso à ciência e à tecnologia, ao consumo, ao emprego daqueles que não têm acesso.

O Presidente Lula pode fazer esse alerta, mas, mais que isso, Presidente Mão Santa, o Presidente Lula pode fazer um alerta mais grave: o de que, hoje, diferentemente de alguns anos atrás, nós não temos o mapa da saída.

A paz contra a guerra nuclear era simples: era desarmar as bombas, era fazer acordos entre os países e a paz chegava. Hoje, não há um mapa claro de como fazer um desenvolvimento sustentável com a natureza. Não há um mapa claro de como incorporar as massas excluídas. Não há um mapa claro de como levar a todos o avanço da ciência e da tecnologia.

Nós vivemos um cataclismo da perplexidade, também. Nós temos as catástrofes no mundo real e nós temos uma catástrofe no mundo das ideias. O Presidente Lula precisa falar isso. Precisa dizer que o neoliberalismo não é uma resposta para a crise do mundo de hoje, mas ter a coragem de dizer que o socialismo que nós defendemos também não é a saída para o que a gente vive hoje.

Mas tem de ter uma coragem ainda maior: romper com a maneira como ele pensa e dizer que o desenvolvimentismo não é o caminho para fazer a paz com a natureza, para fazer a paz com os pobres, para fazer a paz com as próximas gerações, para fazer a paz com os excluídos da ciência e da tecnologia.

Nos discursos normais do Presidente, ainda se passa esse ranço, essa ideia de que o desenvolvimentismo é capaz de construir a paz por cuja luta ele recebeu esse prêmio. Há Ministros do Presidente Lula dizendo que é o desenvolvimento a maneira como se ocupam as florestas no Brasil. Isso não é o desenvolvimento que se deseja, por isso, a palavra desenvolvimento, hoje, também não serve.

O Presidente Lula precisa alertar o mundo de que vivemos catástrofes sociais, catástrofes ecológicas, catástrofes financeiras e uma catástrofe ideológica pelo vazio de ideias que nós atravessamos. Aí, eu também dou a sugestão ao Presidente Lula, com toda a modéstia que é preciso ter, que, pelo menos para mim, por falta de outra ideia melhor, considero que o mapa está na educação, que o caminho está naquilo que a gente poderia chamar de educacionismo, substituindo o socialismo, substituindo o capitalismo ou, melhor ainda, convivendo com o socialismo e com o capitalismo, mas tendo como vetor do progresso a educação de todas as crianças do mundo inteiro.

Este eu gostaria que fosse o discurso do Presidente Lula: a ideia de que a utopia, hoje, está em uma educação igual para todos. O Presidente Lula tem a chance de falar isso para o mundo inteiro como não apenas o premiado, mas como candidato automático ao Nobel da Paz, que é o que acontece com quase todos que recebem esse prêmio que ele vai receber, nesta semana, em Paris.

E, aí, eu também me atrevo a sugerir que, na ideia desse educacionismo, dessa procura de enfrentar o vazio de ideias com uma ideia e de enfrentar as catástrofes do real com propostas, eu me atreveria a dizer que o Presidente Lula poderia fazer algumas cobranças. A primeira é que a instituição da qual ele vai receber o prêmio, a instituição que administra o prêmio, que tem um fundo específico separado dela, essa entidade chamada Unesco, tenha um papel mais presente nos destinos da humanidade.

Em 1945, nós imaginamos que o futuro estava na economia e demos poder ao Fundo Monetário, ao Banco Mundial, ao Banco Interamericano, ao Banco Amazônico. Cada país fez seu banco de desenvolvimento, cada Estado, no Brasil, fez seu banco de desenvolvimento, e os resultados não foram satisfatórios do ponto de vista da decência da civilização, embora tivessem sido certos, corretos do ponto de vista do produto. Aumentamos o produto, não aumentamos a felicidade. Aumentamos o produto, não aumentamos a felicidade. Aumentamos o produto, não diminuímos a violência. Aumentamos o produto, não reduzimos a corrupção. Aumentamos o produto, mas não distribuímos o produto de uma maneira igualitária. Portanto, é preciso que, agora, em vez de Banco Mundial, Fundo Monetário, que devem continuar, as entidades das Nações Unidas voltadas para a educação tenham um papel presente, ativo, forte no mundo inteiro..

A segunda ideia é defender o fortalecimento dessa entidade através de um grande, imenso plano mundial, um plano global para a educação global do mundo.

Nos anos 45, Senador Mozarildo, foi feito o Plano Marshall para recuperar as economias que estavam em crise por causa da destruição da guerra. É preciso, agora, um plano global para resolver o problema da destruição mais grave de todas que a gente pode viver: a destruição dos cérebros dos seres humanos.

A Alemanha quase teve todos os seus prédios destruídos; teve quase todas as suas fábricas não só destruídas e as que sobraram foram levadas, especialmente, para a União Soviética e em pouco se recuperaram. Por quê? Porque as bombas que caíam nas cidades alemãs destruíam os prédios, destruíam as fábricas, mas não destruíam os cérebros, que continuaram vivos. Mataram muitos cérebros, e a guerra certamente foi perdida porque eles mataram - os nazistas - alguns cérebros que poderiam ter ajudado no avanço científico daquele país. Contudo, os vivos continuaram com seus cérebros intactos e educados por um sistema educacional que já tinha um século de existência.

Hoje, só no Brasil, são sessenta crianças cujos cérebros são incinerados por minuto de ano letivo, porque são expulsas da escola. Multipliquemos isso por todo o Planeta - e o Presidente Lula vai falar para o Planeta, não para o Brasil apenas - e vamos ver que, provavelmente, um bilhão de seres humanos, hoje, poderiam ter seus cérebros recuperados, desenvolvidos, progredindo, servindo para aumentar a cultura, a ciência e a tecnologia do mundo se uma ajuda fosse dada para a educação, nos seus países, nas suas classes sociais, porque mesmo nos países ricos há educação desigual.

O Brasil é um exemplo de país médio onde, com todos os recursos que temos, somos um crematório de cérebros. O Presidente Lula deve fazer um discurso propondo o fechamento dos crematórios que existem hoje, discretamente, nos países do mundo inteiro, incinerando os cérebros das nossas crianças e fazendo com que, quando adultas, os seus cérebros não tenham tido o desenvolvimento completo. Ao nascer, todas crianças têm cérebros iguais, mas a maternidade apenas fabrica o cérebro, graças ao pai e à mãe, obviamente. O desenvolvimento desse cérebro, porém, não é na maternidade; é na escola. Cada cérebro nasce duas vezes: uma vez na maternidade e uma segunda vez na escola.

É preciso levar a escola para todas as crianças do mundo inteiro, e o Presidente Lula, hoje, é a pessoa que poderia defender isso, obviamente se comprometendo a dar o exemplo no Brasil.

O Presidente Lula poderia ser aquele que lançaria essa ideia de fazer com que a Unesco coordenasse uma espécie de Plano Marshall, dessa vez para a educação, e ele pode fazer aquilo que o Brasil inventou: o casamento da morte da fome com o nascimento da inteligência. Um programa que se chamava Bolsa Escola e que, ao pagar uma renda à família, tirava-a da fome e, ao botar as crianças na escola, elevava a inteligência. Um Programa, Senador Mozarildo que, um pouco na linha do que o senhor falou, não se limitava a uma rede social de proteção, como o é o Bolsa Família, mas que seja uma escada social de promoção, graças à escola. A bolsa é capaz de acabar com a fome, mas só a escola é capaz de dar ascensão social. Não bastam programas de rede de proteção social para impedir que se caia na fome; é preciso um programa de ascensão social para que se suba na vida - e isso vem da escola.

O Presidente Lula, pela experiência que tem o Brasil de criar o Programa Bolsa Escola, que hoje é um programa conhecido no mundo inteiro - às vezes, com outros nomes, quase sempre, aliás -, este programa pode ser levado pelo Presidente Lula para ser implantado em escala mundial. Mas, ele tem de tomar cuidado! Ele não pode propor a ideia apenas do Bolsa Família, sem a escola, e imaginar que vai mudar o mundo. Aí, ele vai diminuir a fome de um bilhão de pessoas, mas os filhos continuarão precisando de dinheiro, de novo, para matar a fome. Agora, se vincular a fome e sua eliminação com a escola e seus resultados, os filhos dos que hoje passam fome não passarão fome.

O Presidente Lula poderia levar, sim, essa ideia: de um programa que juntasse a renda que se pagaria às famílias - como no Brasil hoje se paga a Renda Família - com um programa radical de construção de escolas, de contratação de professores, de formação de professores, de equipamento de escolas, e isso tudo junto conseguiria construir a paz que a gente deseja. Não só a paz contra as guerras militares, mas a paz contra a guerra das moto serras, a guerra da biotecnologia, derrubando o sentimento de semelhança entre os seres humanos.

Todas as formas de paz poderiam vir de um programa como esse. Um programa como esse, para atender dois bilhões de pessoas, matando a fome de um bilhão, e colocando na escola todos os seus filhos, não custaria mais que 2% da renda mundial que, hoje, está em quase R$50 trilhões, se não levarmos em conta a queda que houve pela crise de 2008. Se colocarmos R$40 trilhões, precisaríamos de 2% disto no máximo, e não precisaríamos de 2% no primeiro momento, mas só daqui há dez anos, porque, no primeiro momento, nem há capacidade de absorção.

Dinheiro num fundo, trancado no banco, não resolve nenhum problema. É preciso descobrir toda a logística necessária para que o dinheiro chegue na ponta. Se dinheiro chovesse hoje nas escolas, na primeira chuva, viraria lama, porque a gente não sabe como fazer com que o dinheiro chegue dentro do cérebro das crianças, porque não temos professores preparados em número suficiente; porque se colocarmos computadores nas escolas, serão roubados na primeira semana, porque os prédios são ruins; porque ficar duas horas na escola, até a hora da merenda...

(Interrupção do som.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PTB - DF) - (...) transforma a escola em um restaurante-mirim.

O Presidente Lula tem a chance que a história lhe deu e que dificilmente qualquer outro vai tê-la no futuro, e que certamente ninguém a tem hoje. Ninguém tem a credibilidade de sair do Brasil, País símbolo da tragédia mundial e símbolo dos recursos para resolver a crise. Nenhum tem a origem dele, nenhum tem um Governo como o que ele está fazendo. Ele tem essa chance e ele deve usar essa chance em nome de todos nós, brasileiros. E, como brasileiro, não falando em nome de todos, que eu não os represento, mas é como um brasileiro que faço esse apelo ao Presidente Lula: aproveite essa chance e faça o discurso da transformação mundial, não o da aceleração.

(Interrupção do som.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PTB - DF) - O Presidente Lula gosta muito de falar em aceleração, mas não é aceleração; é transformação.

Presidente Lula, aceleração no rumo que estamos indo hoje, o mundo inteiro, é correr mais depressa para o abismo. Por isso, aceleração não é boa quando a gente vai na direção errada. Ele tem de propor uma mudança de rumo nos destinos da humanidade. Ele tem autoridade para isso. Ele tem toda competência para isso. Vim apenas dar uma sugestão.

Peço um minuto mais, Senador Mão Santa, para concluir, com o último ponto, que realmente é rápido.

Para fechar esse discurso, para fechar o discurso dele na luta contra a tragédia da dessemelhança, a tragédia do aquecimento global, a tragédia do desemprego, a tragédia da apropriação da ciência e tecnologia apenas para poucos, eu acho que ele deve concluir o seu discurso pedindo uma grande desculpa ao povo da África, que, ao longo de séculos, enviou a mão de obra necessária para realizar esse desenvolvimento que temos hoje. Pedir desculpas em nome dos Chefes de Estado de todos os países que tiveram as suas economias crescendo aceleradamente por meio dos escravos, e, ao mesmo tempo, propondo que paremos a próxima África que está vindo aí. Uma África global de pobres espalhados pelo mundo. Uma África que nem emprego vai ter. Uma África que nem comida terá, como os escravos tinham. Eu sugiro que o Presidente Lula peça desculpas à África pelo que fizemos e use isso como alerta para que não...

(Interrupção do som.)

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PTB - DF) - (...) E use essas desculpas à África do passado para evitarmos a “África global”, não só de negros, mas de todas as raças que hoje tomam conta do mundo.

            Essa seria a minha sugestão. Finalmente, diria que o Presidente Lula poderia concluir citando um dos maiores poetas que o século passado teve, que morreu há poucos meses, Aimé Césaire que, negro, mas nascido nas Américas, lutou contra o colonialismo no século XX: o colonialismo da economia. Que cite Aimé Césaire - não vou sugerir nenhuma das citações, porque seria uma intromissão minha -, mas que cite aquele que lutou contra o colonialismo visível da economia no século XX, para lutarmos contra todas as formas novas de colonialismo que sofremos hoje: o colonialismo desta geração com as gerações passadas; o colonialismo de uma parte da humanidade contra outra parte da humanidade, criando seres diferentes, e, sobretudo, o colonialismo da atual geração contra a geração do futuro.

O Presidente Lula tem uma chance ímpar de fazer um discurso não apenas em nome dos brasileiros, mas, na língua dos brasileiros, um discurso para a humanidade inteira.

Essa era a contribuição que eu queria dar hoje, Senador Mão Santa, e que eu teria concluído como discurso, mas gostaria muito de acrescentar o aparte do Senador Mozarildo, se o Presidente conceder esse tempo.

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Eu agradeço a V. Exª pelo aparte e ao Senador Mão Santa pela oportunidade de poder dizer o seguinte: primeiro, valeu a pena V. Exª vir, mesmo adoentado, fazer esse brilhante discurso.

(Interrupção do som.)

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Um pronunciamento, como os de V. Exª são sempre, é muito importante para a Nação e é um recado para o Presidente Lula, porque sei do empenho de V. Exª pela educação. Também eu, modestamente, embora não tenha a formação de V. Exª, mas sou professor da Universidade Federal de Roraima na área de Medicina, tenho a convicção de que, sem a educação, as outras coisas não acontecem. Preocupa-me quando vejo dizerem: “Ah, tem muita criança na escola; quase não tem criança fora da escola”. Mas, em que escola?

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Que escola?

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - E, na Amazônia - dado recente da Unicef -, temos 97 mil jovens analfabetos - jovens analfabetos! Imagine que essa estatística talvez não esteja correta, porque dificilmente percorreram toda a Amazônia. E pior: 160 mil crianças...

(Interrupção do som.)

O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB - RR) - Cento e sessenta mil crianças fora da escola. Realmente, o Brasil avançou em muitos aspectos da educação, mas é muito importante.que o Presidente Lula não só dê esse recado que V. Exª recomenda, mas que volte mais atenção para a educação no Brasil. Eu tenho o prazer de dizer que, realmente, com isso, este País será outro muito em breve.

O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador Mão Santa, eu apenas quero agradecer o aparte do Senador Mozarildo, que enriquece o discurso, mas nem mesmo comentários eu preciso fazer. Apenas dizer que é uma boa maneira de fechar o meu discurso e que o Presidente Lula, se quiser levar em conta o que eu falei, leve também a sua contribuição.

Muito obrigado, Senador Mão Santa.


Modelo1 6/1/248:05



Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/2009 - Página 27765