Discurso durante a 106ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre a Medida Provisória 458, sancionada e transformada na Lei 11.952/2009. Manifestação sobre a crise no Senado Federal. Anúncio da apresentação de requerimento à Comissão de Direitos Humanos para a criação de uma Subcomissão Temporária, destinada a acompanhar a execução da regularização fundiária na Amazônia.

Autor
Marina Silva (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Considerações sobre a Medida Provisória 458, sancionada e transformada na Lei 11.952/2009. Manifestação sobre a crise no Senado Federal. Anúncio da apresentação de requerimento à Comissão de Direitos Humanos para a criação de uma Subcomissão Temporária, destinada a acompanhar a execução da regularização fundiária na Amazônia.
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/2009 - Página 27782
Assunto
Outros > SENADO. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • RECONHECIMENTO, ESFORÇO, GRUPO, SENADOR, CONTRIBUIÇÃO, BUSCA, SAIDA, CRISE, SENADO.
  • DEFESA, OPORTUNIDADE, DEBATE, CRISE, SENADO, PARTICIPAÇÃO, DIVERSIDADE, PARTIDO POLITICO, SENADOR, SERVIDOR, ESPECIALISTA, CIENCIAS POLITICAS, CIENCIAS HUMANAS, BUSCA, CRIAÇÃO, PROCESSO, REESTRUTURAÇÃO, ADMINISTRAÇÃO, ATUAÇÃO, INSTITUIÇÃO PUBLICA, COMBATE, DESVALORIZAÇÃO, LEGISLATIVO.
  • QUESTIONAMENTO, UTILIZAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), REGULARIZAÇÃO, TERRAS, REGIÃO AMAZONICA, DEFESA, PRIORIDADE, PROJETO DE LEI, EFICACIA, ESTABELECIMENTO, DIREITO DE PROPRIEDADE, GARANTIA, FISCALIZAÇÃO.
  • COMENTARIO, SANÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, LEGISLAÇÃO, REGULARIZAÇÃO, TERRAS, REGIÃO AMAZONICA, POSSIBILIDADE, PROBLEMA, AUSENCIA, SEPARAÇÃO, POSSEIRO, RESPONSAVEL, GRILAGEM, ESTABELECIMENTO, VISTORIA, GARANTIA, CUMPRIMENTO, NORMAS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
  • APRESENTAÇÃO, REQUERIMENTO, COMISSÃO, DIREITOS HUMANOS, SOLICITAÇÃO, CRIAÇÃO, SUBCOMISSÃO, CARATER PROVISORIO, ACOMPANHAMENTO, EXECUÇÃO, REGULARIZAÇÃO, TERRAS, REGIÃO AMAZONICA, VIABILIDADE, SENADO, IMPEDIMENTO, FAVORECIMENTO, GRILAGEM, VIOLENCIA, PREJUIZO, COMUNIDADE, LOCAL.

  SENADO FEDERAL SF -

SECRETARIA-GERAL DA MESA

SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


A SRª MARINA SILVA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, venho a esta tribuna para falar de dois assuntos. Um deles diz respeito à Medida Provisória nº 458, que agora se transformou na Lei nº 11.952.

O outro assunto é sobre a crise que estamos vivendo aqui, no Senado. Vários Srs. Senadores têm, reiteradas vezes, vindo a esta tribuna para dar suas contribuições em relação àquilo que acreditam poder ajudar. Nesse processo de crise, concordo com quem já disse que ela já beira a uma crise institucional.

É de tamanha magnitude que os Srs. Senadores, homens que vêm se esforçando, como Pedro Simon, Eduardo Suplicy, Senador Arthur Virgílio e tantos outros, tentam contribuir com uma saída para esse problema, mas ainda não se conseguiu dar encaminhamento adequado.

E o que vou dizer aqui talvez traga alguma originalidade, mas não tem nenhuma pretensão de se sobrepor às inúmeras iniciativas que já vêm sendo aqui apontadas. Independentemente de estar aqui fazendo juízo de valor sobre cada uma delas, ainda que concorde com a maioria, quero também fazer uma manifestação.

Temos aqui propostas apresentadas pelos Srs. Senadores, como, por exemplo, a demissão imediata do Diretor-Geral do Senado e de toda a diretoria - isso, enfim, foi apresentado pelos Senadores; indicação de novo dirigente geral, referendado pelo Plenário, na forma de projeto de resolução a ser apresentado; apresentação de proposta de reforma administrativa pelo novo dirigente geral; estabelecimento de meta de redução de pessoal e suspensão de novas contratações; eliminação de vantagens acessórias inerentes a mandato parlamentar; realização de reunião ordinária mensal no plenário para estabelecer pauta de votação do período seguinte; realização de reunião ordinária do Plenário para votação de medidas administrativas propostas pela Mesa Diretora; auditoria externa para todos os contratos firmados pelo Senado.

São todas iniciativas dos Srs. Senadores que merecem respeito e apoio, na sua grande maioria, além de outras iniciativas, como uma que está em curso, do Senador Nery. Falei para ele que queria entender melhor o mérito da proposta de CPI, até porque a própria sociedade nos indaga como vamos fazer uma CPI - nós mesmos é que vamos fazer a CPI -, mas, enfim, é uma iniciativa do Senador Nery. A representação é contra o Presidente do Senado, que foi cogitada pelo PSOL - e me parece que adiaram essa proposição -, e a sugestão do Senador Pedro Simon é de que haja afastamento do Presidente, para que esse processo possa ter curso adequado com o devido distanciamento, já que a natureza dos problemas envolve diretamente pessoas muito próximas e com nível de ligação parental com o Senador Presidente, Senador José Sarney.

Independentemente daquilo que possa ser apurado, é fundamental que os processos possam acontecer da melhor forma possível e da forma mais equidistante possível, para que se tenha um desfecho adequado, que preserve dois pontos: aqueles que de fato procuram, na gestão pública, agir mediante os princípios da probidade, da legalidade, da impessoalidade, e isso é válido tanto para Senadores quanto para servidores de todos os segmentos e em todos os níveis; e fazer essa separação e salvaguardar esses bons propósitos daqueles que infelizmente não souberam honrar a posição de gestores públicos, ou de servidores públicos, ou de agentes públicos, como é o nosso caso.

Acho que temos que fazer esse debate. Com certeza, os que vêm à frente desse debate, na linha de frente, têm se esforçado para isso.

Concordo com aqueles que dizem que, para se fazer esse debate, não é preciso se colocar no lugar de santo nem de perfeito, até porque santos e perfeitos não temos nenhum, nem Senadores nem servidores; mas também bandidos não temos. Muitas vezes, é como se todos fôssemos iguais, ainda que todos procurem se aperfeiçoar. Nunca foi tão oportuno o provérbio bíblico que diz: “Aquele que pensa que está de pé cuide para que não caia”. Porque todos aqui vivem uma situação de muita insegurança, porque existem regras para tudo. Você pede uma orientação, e existem regras que dizem “sim”. Mas, para as regras que dizem “sim”, também existem outras que dizem “não”. E você, mesmo quando pensa que agiu de acordo com as regras, lá na frente acaba descobrindo que aquelas não eram as regras; que havia outras regras. Portanto, para qualquer gestor, para qualquer dirigente público, fica muito difícil dirigir esta Casa, fazer a gestão desta Casa, a gestão pública, com toda essa ambiguidade.

Diante disso, Sr. Presidente, falo sem prejuízo dos esforços que já vêm sendo feitos e sem querer aqui levantar o bastião, fazendo prejulgamentos, mas defendendo que as coisas sejam investigadas com todo o rigor, que seja passada a limpo a gestão do Congresso Nacional, de todos os períodos em que aparecem os problemas e a natureza dos problemas, para que possamos sair dessa crise pelo menos um pouco melhor do que o que éramos quando ela se iniciou.

De sorte que minha sugestão aqui é de que, dado o esforço que vem sendo feito e dada a ausência ainda de um caminho e de um desfecho para esse processo, sem prejuízo das investigações, sem prejuízo de todos os mecanismos que envolvem as instituições públicas, desde os órgãos da própria Casa ao Ministério Público, ao Tribunal de Contas, todos eles, sem prejuízo desse trabalho, que se possa estabelecer aquilo que eu chamaria de um processo instituinte dentro da Casa; uma espécie de constituição do próprio Senado, uma espécie de constituição para que se envolvam os diferentes partidos, os Srs. Senadores, os servidores, os gestores, enfim, todos os segmentos do Senado, para que se crie um processo de reelaborar, de ressignificar a ação do Senado Federal.

Para esse processo instituinte - é claro que não tenho aqui seus contornos -, se for algo viável, teremos que pedir o socorro das pessoas que pensam a gestão pública, das pessoas que pensam e trabalham a elaboração da política, no sentido de que é possível um processo de refundação dos processos administrativos da ação política a partir da própria Casa. E, quando digo a partir da própria Casa, não me refiro só aos Senadores, porque, neste momento, há uma perda enorme para a sociedade, em primeiro lugar; para os Senadores, homens e mulheres de bem, que tentam fazer seu trabalho de acordo com os princípios da legalidade, como falei anteriormente, e para os servidores que também têm a mesma prática. Há uma perda, uma perda do lugar do trabalho, há uma perda da constituição da referência, das significações que as pessoas fazem das suas vidas aqui dentro, diante de tantos problemas - e não se podem olvidar nem minimizar os problemas. Eles são graves. A crise é profunda e deve ser tratada dessa forma.

É por isso que um processo instituinte deveria envolver o olhar de especialistas do campo da ciência política, do campo da academia, dos movimentos sociais, do Congresso Nacional, obviamente dentro do próprio Senado, mas também trazendo para o debate pessoas especializadas no campo das relações humanas, pessoas especializadas no campo das ações comportamentais, porque já temos, agora, quase que um processo de adoecimento da instituição, onde a repetição do erro permanece, prevalece quase que de uma forma estagnante. Os mesmos erros são praticados reiteradas vezes e parece que a gente não tem aprendido com o conjunto de problemas que têm vindo à tona a cada momento.

De sorte que se deve ter o olhar, também, daqueles que lidam com o comportamento humano, para que as pessoas recuperem o lugar da autoestima ou da heteroestima dentro do Congresso Nacional. As pessoas estão-se sentindo aviltadas e isso não é bom para aqueles que têm dedicado a sua vida de forma correta. Serão esses que poderão fazer com que se tire das cinzas aquilo que pode nos fazer sobrevoar rumo a uma instituição à altura da democracia brasileira, sob pena de jogarmos toda a tradição democrática que precisamos construir e instituir junto com toda essa crise.

É o momento de termos toda a indignação possível e, ao mesmo tempo, a capacidade de, com serenidade e com uma boa dose de humildade, botar à mesa todos, para que todos possam dar a sua contribuição. Obviamente, quando falo “todos” não estou dizendo que aqueles que estão passando por processos investigatórios e que devem responder perante processos de investigação, e que merecem ser punidos, devem vir, também, sentar-se à mesa. Não é isso o que eu estou dizendo. Eu estou dizendo que a Casa tem muito mais contribuição a ser dada e que, neste momento, ela está, digamos assim, silenciosa. Chegou o momento de todos virem, também, em favor e em apoio àqueles que estão-se esforçando de forma corajosa, colocando suas posições, se expondo aqui e, inclusive, pagando o preço por essa exposição.

Eu não estou, aqui, dizendo que estou fazendo algo original. Estou, aqui, me colocando também, juntamente com esses que citei a título de exemplo, para apoiar a coragem e a ousadia de buscar uma saída para essa crise, mas acho que se ela for feita de cima para baixo, num processo unicamente verticalizado, não chegará, não alcançará a magnitude dos problemas que nós estamos vivendo.

As instituições também adoecem, as relações sociais, culturais, políticas e institucionais também adoecem e se nós não formos capazes de olhar para essa crise como um problema grave, político, sob o ponto de vista ético, sob o ponto de vista moral, das relações públicas, onde as pessoas, infelizmente, tentam transformar, usurpar os espaços públicos para a esfera privada, se nós não extrapolarmos, inclusive, essa forma que já é um adoecimento, também, para outros níveis de relação e interação com as pessoas, vai ser muito difícil sobrevivermos a essa crise e ela vai-se arrastar. Quando eu digo um processo instituinte, é claro que as pessoas podem dizer: “Bem, mas isso vai levar tempo. Como fazer uma discussão? O Senado precisa debater, precisa aprovar as medidas, etc, etc”.

Nós vamos ter um período de recesso, agora, no meio do ano. Por que a gente não estabelece esse momento para, talvez, iniciarmos esse debate, convidando os setores da sociedade, em sessões, inclusive no plenário, com a contribuição de especialistas que possam discutir essa crise? Talvez, com isso, nós poderíamos voltar, após o que seria o recesso, com alguns encaminhamentos concretos para sairmos dessa situação que já levou a um processo de degradação.

Essa degradação não é apenas das pessoas. Ela é também, infelizmente, da instituição. As instituições virtuosas precisam de pessoas virtuosas, mas não basta a virtude das pessoas. É preciso que as instituições existam e funcionem de acordo com os princípios pactuados em uma sociedade democrática para corrigir os indivíduos, inclusive quando eles não conseguem se manter no caminho da virtude.

Então, essa era a primeira natureza de observação, apenas para me somar aos esforços e reconhecer que existe um grupo de Srs. Senadores, que já mencionei anteriormente, que está, corajosamente, se esforçando para fazer isso.

Eu não poderia deixar de fazer este registro, mas não queria fazê-lo de forma maniqueísta, como se existissem um grupo que é o supremo bem e um grupo que é o supremo mal. As instituições são processos históricos feitos por pessoas reais, concretas, com problemas, com defeitos, mas que devem ter sempre como orientação para a sua ação querer acertar. Quando não conseguem acertar, devem pagar o preço pelo erro, o preço que, no meu entendimento, não é de vingança. Eu não encaro os processos de justiça como vingança. Para mim, são processos de correção de todos aqueles que erraram. É por isso que existem as leis, é por isso que nós, aqui, somos uma Casa de leis e, como Casa de leis, devemos aplicá-las, inclusive com regras claras, a nós mesmos. A mim me incomoda muito o que vai desde o nosso Regimento. Sempre se diz: “Tem uma regra que diz ‘sim’, mas tem uma regra que diz ‘não’”. Na gestão, parece-me que também tem sido assim.

O outro assunto, Sr. Presidente - e nesse, sim, pretendo-me demorar muito mais -, diz respeito à Medida Provisória nº 458, como já disse, que agora é a Lei nº 11.952.

A medida provisória tem um problema, um problema de origem, porque, no meu entendimento, como falei anteriormente, nunca deveria ter sido feita dessa forma, utilizando-se este mecanismo: o expediente da medida provisória. Deveria ser um projeto de lei.

Quando fizemos o plano de combate ao desmatamento, um dos eixos do plano de combate ao desmatamento era o ordenamento territorial e fundiário, dentro do qual estava prevista a regularização fundiária. A regularização fundiária, se feita corretamente, tem, sim, um alcance importante, principalmente a tentativa de esclarecer, de estabelecer claramente os direitos de propriedade na Amazônia. Com esses direitos claramente estabelecidos, ela permitiria maior transparência, maior condição de fiscalização, de ação para os agentes públicos, em relação àqueles que se tornariam detentores daquelas áreas para as sua atividades produtivas.

As demais áreas teriam a sua destinação como unidade de conservação, de proteção integral, uso sustentável, como terras indígenas ou como terras da União, para as finalidades a que a União as destinasse.

Agora, do jeito que foi feito, no meu entendimento, acho que não se favorece esse ideário, essa visão correta de regularização fundiária, que deveria, inclusive, ter considerado as contribuições já elaboradas nos Estados, como é o caso do zoneamento ecológico e econômico feito pelo Estado do Acre, pelo Estado de Rondônia e por outros que estão em fase de finalização.

Digo que a medida provisória, agora lei, sancionada ontem pelo Presidente com o veto do artº 7º, ainda que um artigo muito importante a ser vetado... Eu tinha feito a carta aberta, fiz a carta aberta ao Presidente da República pedindo três vetos e devo dizer, Sr. Presidente, ainda que não tenha tido a oportunidade de um diálogo com o Presidente Lula ou alguém da sua assessoria mais próxima, que acho que foi a melhor forma de ajudar, de contribuir para com essa situação, primeiro porque houve uma grande manifestação da sociedade, dando sustentabilidade política para os vetos. O Presidente, com certeza, deve ter-se sentido respaldado, porque milhares e milhares de pessoas tanto mandaram e-mails, como telefonaram de todas as partes do Brasil, pedindo que fossem feitos os vetos na forma que foi encaminhada pela carta aberta ao Presidente.

Entendo que os dirigentes públicos, que os governantes, em alguns momentos, precisam do claro sinal da sociedade para que se sintam seguros em relação a determinadas questões, que, se não forem adequadamente encaminhadas, acarretarão graves prejuízos para o conjunto da sociedade.

Acredito que o veto ao art. 7º significou a ação da sociedade e a compreensão por parte do Governo de que era inaceitável que se rompesse com o preceito constitucional de que só pode fazer alienação de terras públicas mediante o cumprimento da função social da terra e do relevante interesse social. Se esses artigos não tivessem sido vetados, eles, com certeza, teriam uma ação de inconstitucionalidade, porque são claramente inconstitucionais. Havia outros artigos que não foram vetados, como, por exemplo, o art. 13, que estabelecia o veto à dispensa da vistoria. Mas, Sr. Presidente, ainda que não tenha sido vetado, o projeto de lei diz que está dispensada a vistoria de 100 hectares a quatro módulos fiscais, mas não está dito que está proibido. Então, eu espero sinceramente que o Ministro Guilherme Cassel, que é uma pessoa comprometida com a reforma agrária, com a defesa dos direitos humanos, que ele estabeleça urgentemente, juntamente com os demais setores do Governo, com o próprio Presidente Lula, um processo de regulamentação, para que se tenha toda a transparência e acompanhamento daqueles casos que, com certeza, não atendem aos princípios da posse mansa e pacífica.

Fico estarrecida - e fiquei estarrecida - ao ouvir de algumas pessoas o que eu jamais imaginei que ouviria: que não existe grilagem na Amazônia, que todas as pessoas foram para lá incentivadas por políticas públicas.

           Se isso é verdade, então o recorte deveria ter sido até os programas feitos na época da ditadura militar. E o que aconteceu nos últimos quinze, vinte anos para cá, após toda uma legislação estabelecida depois da promulgação da Constituição de 1988, toda lei infraconstitucional que veda a ocupação irregular, mediante a especulação fundiária, a grilagem, o uso da violência, ao desmando em termos do cumprimento da legislação ambiental? Então, dizer que não houve grilagem de terra na Amazônia nos últimos vinte anos é, no mínimo, considerar ou querer aviltar a inteligência das pessoas que conhecem a natureza dos problemas, e daqueles que vivem a natureza dos problemas e daqueles que têm bom senso para os problemas da Amazônia! São 60% do Território Nacional, a última fronteira a ser ocupada, e que vem sendo ocupada a sangue e ferro em muitos casos, e dizer que não houve grilagem nos últimos quinze, vinte anos, tratar como fato consumado, dizer que o que está lá está lá! Então, vamos regularizar, é dar uma senha para que, daqui para a frente, aqueles que já estão preparados para ocuparem novas áreas contem com a expectativa de que, daqui a alguns anos, eles terão também as áreas que ocuparam ilegalmente regularizadas. Eu repeti várias vezes que não estavam em jogo as pessoas que têm direito: os que foram estimulados por políticas públicas, aqueles que cumprem a função social da terra e os que se caracterizam como pessoas de interesse social relevante.

A origem dos problemas que eu posso identificar com essa medida provisória, e agora com essa lei, está da seguinte forma: parte desse princípio equivocado do fato consumado, de que o Dr. Mangabeira Unger é o maior porta-voz, inclusive fazendo comparações com outras realidades que, no meu entendimento, não são comparáveis. Querer comparar a ocupação da Amazônia em pleno século XXI com o que aconteceu com os Estados Unidos no século XIX e início do século XX é não ter o alcance do desafio civilizatório que nós temos, da necessidade de mudança de paradigmas para apontar para o futuro. O futuro de uma forma, aí, sim, estratégica, e não casuística, para tentar resolver problemas pontuais em cima dos interesses de todos os brasileiros.

Essa visão de fato consumado é altamente equivocada. A visão de fato consumado leva à anistia de pessoas que ocuparam terras na Amazônia após o período de incentivo do governo militar, nos anos 70. E essas pessoas deveriam, então - se era esse o argumento -, ter feito esse recorte e não ter chegado até 1º/12/2004. Dizer que, da década de 70 para 2004, todas as ocupações foram feitas mediante esses programas é, no mínimo, desconhecer a realidade das políticas da Amazônia.

Também não estabelece claramente os mecanismos de separação entre posseiros e grileiros, nem estabelece formas de checagem dos requisitos constitucionais por meio da vistoria, apostando tão somente nos processos de autodeclaração.

Agravamento dos problemas, sobre os quais falei anteriormente aqui, no Congresso Nacional. No Senado, não tivemos nenhuma emenda, porque o que foi feito na Câmara dos Deputados foi aprovado da forma como veio. Mas existem sérios problemas que o Congresso Nacional, através da Câmara dos Deputados, conseguiu agravar: a extensão do direito à grilagem para prepostos, empresas e funcionários públicos, que foi vetado agora com o art. 7º; a redução do tempo para a venda da terra para grandes. Ou seja, daqui a três anos, aqueles que ficaram com a maior área, cerca de 54 milhões de hectares, poderão vender essas terras para aumentar os seus patrimônios, em prejuízo de todos os brasileiros. Aliás, esses três anos, incorretamente, permaneceram dez anos para as pessoas que ocupam pequenas propriedades.

O veto do Presidente ao art. 7º atinge os prepostos e as empresas, mas não o art. 13, da dispensa de vistoria. Como já disse anteriormente, o fato de não tê-lo vetado não significa que não possa fazê-lo. Há um apelo neste momento para que todos os mecanismos sejam criados para que essa vistoria aconteça.

Eu já falei que a atitude do Presidente contou com o forte respaldo da opinião pública nacional e com a mobilização da sociedade. E eu me junto a essa mobilização, porque só acredito em mudanças que envolvam efetivamente os grandes setores da sociedade, ainda que em alguns momentos o gestor público tenha que se expor, mesmo quando tem de fazer medidas que são impopulares para alguns setores.

Diante de tudo isso, Sr. Presidente, é que apresentei, junto à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, o seguinte requerimento:

Requeiro, nos termos regimentais, baseada no art.70 do Regimento Interno, a constituição de uma Subcomissão Temporária da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, para acompanhar a execução da regularização fundiária na Amazônia, proveniente da Lei nº 11.952, de 2009, que dispõe sobre a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no âmbito da Amazônia Legal, e altera as Leis nºs 8.666, de 1993, e a Lei nº 6.015, de 1974.

Por que a necessidade dessa Subcomissão no âmbito da Comissão de Direitos Humanos? Para que o Congresso Nacional - no caso, o Senado - possa arcar com parte da responsabilidade daquilo que temos dito aqui: que não vamos favorecer grileiros, e não vamos favorecer aqueles que usam da violência e do dolo para aumentarem o seu patrimônio, em prejuízo de comunidades locais, de pessoas fragilizadas, que não têm a menor condição de fazer a disputa, agora que se tornou viável, palpável a privatização de 67 milhões de hectares de terras na Amazônia.

Eu defendo essa Subcomissão para que os Srs. Senadores - e eu desde já me coloco à total disposição para fazer parte dessa Subcomissão - possam visitar as áreas mais difíceis que nós temos de conflitos na Amazônia, nos Estados do Pará, de Rondônia, de Mato Grosso, do Acre, onde quer que existam os conflitos, para que as pessoas possam ter a oportunidade de, pelo menos, colocar para o Congresso Nacional, para o Senado da República, a natureza dos problemas que estarão enfrentando. Até porque, com a certeza da regularização, da privatização, muitas áreas que estão apenas demarcadas “teoricamente” - entre aspas - por aqueles que agora se sentem no direito de regularizá-las em seus nomes, estão cheias de pessoas, pessoas simples, pessoas humildes, que moram há 20, 30, 50 anos como extrativistas e que não terão como ter advogados, não terão como competir para provar que são posseiras daquelas áreas. E também para evitar o laranjal nas propriedades até 400 hectares, ou quatro módulos fiscais. Uma boa parte de pessoas pode ocupar essas áreas e depois elas serão vendidas para aqueles que querem fazer a reconcentração fundiária. Além do que, de 1.500 em 1.500 hectares, também poderá haver esse processo de reconcentração para que essas áreas, que podem ser consideradas médias, sejam transformadas em latifúndios.

Esse requerimento vai ser apresentado já agora, Sr. Presidente, na Comissão de Direitos Humanos, e eu espero que se constitua, no âmbito da Comissão de Direitos Humanos, essa comissão de acompanhamento, porque, ainda que tenhamos tido esse gesto do veto do art. 7º, não foram vetados os demais artigos.

E, como eu disse várias vezes, a lei já tinha problemas na origem, e esses problemas não foram sanados.

Vou repetir aqui: talvez, essa seja uma das piores coisas que estejamos fazendo após as políticas de ocupação da Amazônia durante o período da ditadura militar. Há uma diferença: naquela época, não havia a infraestrutura que hoje existe, não tínhamos a possibilidade de deslocamento que hoje temos, não havia a estrutura de comunicação nem a quantidade de pessoas que há hoje. Portanto, será bem mais grave o impacto dessa medida provisória daqui a alguns anos.

O que se está fazendo com as tentativas de flexibilização da legislação ambiental brasileira e com essa medida provisória é um processo do qual vamos ver os efeitos daqui a algum tempo. Ainda estamos vivendo a queda do desmatamento por causa do Plano de Combate ao Desmatamento, que começou a ser implementado a partir de 2004, somando-se a ele as medidas tomadas no final de 2008, que levaram a mais redução de desmatamento, e, agora, a crise econômica. Quando voltar o processo de crescimento econômico no Brasil, essas pessoas que agora estão recebendo essas áreas com a regularização terão a possibilidade de desmatar legalmente treze milhões de hectares, ou seja, 20% da área, descontado o que já foi desmatado até agora. Isso é muito grave, Sr. Presidente.

Essa comissão de acompanhamento, no meu entendimento, deverá, primeiro, fazer todo o esforço para contribuir com as medidas no processo de regulamentação, para que haja fiscalização, para que haja controle e total transparência, envolvendo o Ministério Público, envolvendo a academia e os representantes do setor agrário, tanto de pequenos quanto de grandes. Ao mesmo tempo, essa comissão deve esforçar-se para que o Plano de Combate ao Desmatamento e o Plano Amazônia Sustentável sejam considerados; para que o zoneamento ecológico e econômico dos Estados seja considerado; para que as áreas prioritárias para preservação da biodiversidade sejam respeitadas. Que se leve em conta todo o esforço que vem sendo feito nesses últimos anos para haver uma política de desenvolvimento sustentável para a Amazônia! A ideia de que esse é um fato consumado nos levará a perpetuar esse modelo predatório.

Como alguém já disse, aqueles que amam a Amazônia apenas pelo lucro que ela lhes pode dar, mesmo temporariamente, perdoarão o modelo predatório de desenvolvimento, mas aqueles que amam e respeitam a Amazônia por ela ser a Amazônia - parafraseando quem disse que aqueles que amam a França por ela ter uma vocação militar perdoariam o exército de 1870, mas que aqueles que amam a França por ela ser a França iriam reformar o exército de 1870 - lutarão para mudar o modelo de desenvolvimento da Amazônia, na área da pecuária, da agricultura e da exploração florestal; lutarão para que a economia seja diversificada; lutarão para mudar os paradigmas. E não farão o discurso fácil, que rende aplausos, que anistia todo mundo, que leva tudo para o senso comum. Lutarão para mudar inclusive isso.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/2009 - Página 27782