Discurso durante a 109ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Quinze anos de implantação do Plano Real no Brasil, política que estabilizou a economia do País.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EXERCICIO PROFISSIONAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. SENADO.:
  • Quinze anos de implantação do Plano Real no Brasil, política que estabilizou a economia do País.
Publicação
Publicação no DSF de 01/07/2009 - Página 28786
Assunto
Outros > EXERCICIO PROFISSIONAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. SENADO.
Indexação
  • MANIFESTAÇÃO, SOLIDARIEDADE, LUTA, MOTORISTA, TAXI, BICICLETA, APROVAÇÃO, PROJETO, REGULAMENTAÇÃO, CATEGORIA PROFISSIONAL.
  • COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, IMPLANTAÇÃO, PLANO, REAL, RESPONSAVEL, ESTABILIDADE, POLITICA MONETARIA, CONTROLE, INFLAÇÃO, DEFESA, IMPORTANCIA, SEMELHANÇA, OBJETIVO, RECUPERAÇÃO, REPUTAÇÃO, SENADO.
  • DEFESA, NECESSIDADE, AFASTAMENTO, PRAZO DETERMINADO, JOSE SARNEY, PRESIDENTE, SENADO, GARANTIA, IMPARCIALIDADE, APURAÇÃO, DENUNCIA, IRREGULARIDADE, ADMINISTRAÇÃO, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL.
  • IMPORTANCIA, REESTRUTURAÇÃO, SENADO, BENEFICIO, EFETIVAÇÃO, REFORMA POLITICA, EXTINÇÃO, PRIVILEGIO, CONGRESSISTA, INCENTIVO, MELHORIA, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, DEFINIÇÃO, POLITICA DO MEIO AMBIENTE, GARANTIA, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REORGANIZAÇÃO, MODELO INDUSTRIAL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Mão Santa, muito obrigado pelo convite.

            Eu que tive a honra, Senador Mário Couto, de escutar sua fala, quero dizer que, aqui em cima, nas galerias, está uma espécie de “pescadores da modernidade”, porque levam a vida correndo tanto risco para ganhar a vida quanto os pescadores sempre levaram. São os pescadores urbanos nas suas jangadas chamadas motos. Espero que, hoje, esta Casa faça justiça com os direitos de vocês.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, Senadora Kátia, aqui presente, nós estamos comemorando, Senador Mão Santa, ontem e hoje, uma das datas mais marcantes da História do Brasil, que foi a implantação do Plano Real. Eu não tenho visto pessoas levantando isso como dado fundamental, e o fato de que isso não esteja sendo lembrado é prova do êxito daquele Plano Real. Senador Suplicy, deu tão certo que nos esquecemos dele!

            Entretanto, quem viveu - a nossa geração -, durante quase todo tempo, sob inflação, sob hiperinflação inclusive, não acreditava que fosse um dia o Brasil viver com estabilidade monetária por um período tão longo. Eu fico feliz porque, desde o primeiro momento do Plano Real, eu reconheci que ali estava a possibilidade de pôr ordem no caos monetário brasileiro. Cheguei a dizer, naquele tempo, que a criatividade, do ponto de vista técnico, do Plano Real merecia dar aos seus autores um prêmio Nobel em Economia.

            Eu era militante do Partido dos Trabalhadores, naquele momento, e lembro como enfrentei, dentro do Partido, dificuldades para defender o que para mim parecia uma obviedade técnica: que, diante da criatividade daqueles economistas, nós íamos poder conquistar a estabilidade. Criatividade que poucos lembram, em algo que nunca foi feito no mundo inteiro: a ideia da convivência de duas moedas simultaneamente, Senador José Agripino; uma que não mudava de valor e a outra que se desvalorizava todos os dias. Esta foi a genialidade: conseguir fazer com que a gente se acostumasse com uma moeda que não existia, que era referência e que, depois de um certo dia, mudou de nome, e a gente retirou a anterior. Esse foi o ato de genialidade.

            Outro teve um alto preço, que foi a âncora cambial. Mas era necessário aquele sistema de âncora cambial. E o outro já vinha até do Governo Collor, é preciso dizer, que era a abertura comercial como forma de, através da concorrência internacional, manter os preços aqui sob controle. Mas o fato é que, 15 anos depois, apesar de termos tido inflação nesse período, foram inflações suportáveis, como acontece nos países decentes, civilizados do ponto de vista da moeda.

            Por isso, quero aqui comemorar esta data, mas, sobretudo, comemorar uma lição que nós brasileiros conseguimos fazer com o Plano Real: a possibilidade de, pela primeira vez, Senadora Kátia, um programa atravessar governos sem modificações. Começou com o Presidente Itamar, atravessou oito anos do Presidente Fernando Henrique - que, obviamente, era natural que assim fizesse, porque ele foi o grande artífice, como Ministro da Fazenda -, mas está atravessando todo o período do Governo Lula, apesar de alguns sinais inquietantes em relação às contas públicas neste momento.

            De qualquer maneira, nós conseguimos fazer uma programação, um projeto, uma moeda que nos uniu a todos, e hoje ninguém é contra. O PT foi contra. Eu lembro que, quando eu disse, em 1998, se eleito Lula naquele momento, ele deveria manter o Malan por 100 dias, houve pessoas que chegaram a sugerir minha expulsão do PT, no meio de uma campanha para Governador, como eu estava atravessando. E hoje ninguém duvida que isso aconteceu. Não o nome Malan, mas tudo que ele representava.

            Então, conseguimos fazer alguma coisa de unidade neste País. Nós precisamos, Senador Eurípedes, aprender com isso. Por que não conseguimos fazer o mesmo em relação ao Senado neste momento? Por que não conseguimos aqui uma unidade para tirar o Senado da crise que atravessa? Por que fomos capazes de fazer o impossível de construir uma moeda estável, através de governos de partidos tão diferentes, como nós tivemos desde aquela época, e não conseguimos aqui fazer aquilo que é necessário para retirar o Senado dessa situação?

            A primeira coisa, volto a insistir - já faz algum tempo que digo -, é que a apuração de tudo seja feita com a transparência e a credibilidade da opinião pública, o que a meu ver requer a licença, a saída por um tempo do Senador Sarney. Eu considero que isso é algo necessário, até porque quero dizer que li no jornal que ele falava que dois Senadores o incomodaram pelo que disseram: o Senador Simon e eu. Quero dizer aqui, Senador Agripino - repetindo o que falei há pouco no aparte -, que existem pessoas que respeitam o passado do Senador Sarney e pessoas que tiram proveito do presente do Senador Sarney. Eu não quero tirar proveito do presente; quero continuar respeitando o passado e, para isso, seria correto que a apuração que ele mesmo determinou tenha credibilidade suficiente para que ele diga “eu não tenho nada a ver com isso”. Essa é uma coisa. Mas não vai bastar isso. Vai ser necessário apurar tudo o que aconteceu aqui em relação a servidores e a Senadores, mas apurar com transparência absoluta para que a população inteira saiba. Vai ser preciso também punir; punir Senadores, se estiverem envolvidos, e punir servidores que estiveram envolvidos. Se não fizermos isso, a apuração ficará incompleta.

            Vai ser preciso mais do que isso; vai ser preciso, sim, reestruturar o Senado, que não está pronto, que não está adaptado para uma realidade nova, que é a realidade da comunicação instantânea, que é o fato de que os eleitores hoje estão nas ruas, permanentemente, de forma virtual através desses canais que levam as notícias de um lado para outro instantaneamente.

            Nós temos que nos reestruturar. Temos que nos reestruturar em um momento em que o Poder Executivo e o Poder Judiciário ocuparam um espaço e uma força que fizeram de nós um Poder irrelevante, sem força, além da desmoralização que sofremos.

            E nós precisamos quebrar todos os privilégios. Não podemos ter credibilidade na opinião pública vivendo com privilégios. Guardemos, sim, aquilo que for necessário para o exercício da profissão, da atividade, da função pública que exerçamos. Mas nada, nada que vá além da necessidade do exercício da função.

            Por que não somos capazes de nos unir para estas quatro coisas: apurar, punir, reestruturar e quebrar os privilégios? Nós fomos capazes de nos unir, ao longo do tempo, para implantar uma política econômica que ninguém acreditava que seria possível, que dividia todo mundo num certo momento, até porque muitos ganhavam com a inflação, e ela não veio por acaso, ela veio como parte de uma arquitetura de concentração da renda neste País, por meio de uma inflação que depredava os salários dos que ganhavam pouco e corrigia a renda dos que ganhavam muito. E todos terminaram aceitando, porque viram que a tragédia que nós vivíamos, de uma inflação descontrolada, exigia uma saída. Quando o momento exige uma saída, todos se unem em torno dela.

            O que acontece hoje? É que nós não estamos vendo a crise com a dimensão real que ela implica. E aí é uma coisa que eu acho que o Presidente Sarney tem uma certa dificuldade, ou seja, ter a consciência plena da dificuldade, da dimensão da crise por que passamos. Até pelo tamanho da sua biografia, muito maior do que Presidente do Senado, ele talvez não consiga ver a real dimensão da crise que vivemos aqui. Por que não nos unimos para tirar o Senado dessa situação? Para salvar a democracia agora, como salvamos num momento que nem tanta união houve? Havia um grupo que não queria, mas fomos capazes de unir pessoas que antes estavam com a ditadura com pessoas que lutaram, sofreram na luta pela democracia; nós nos unimos e saímos do Regime Militar; nós nos unimos anos depois e saímos do regime inflacionário. Vamos nos unir outra vez e sair dessa crise ética e estrutural que o Senado atravessa.

            Todos sabemos o que é preciso fazer, mais fácil do que tirar o Brasil da inflação. Nem vai precisar da genialidade daqueles meninos economistas que, 15 anos atrás, conseguiram construir aquele modelo surpreendente que foi o Plano Real. Agora não vai bastar isso. Para voltarmos a ter a credibilidade que há algum tempo não temos, é preciso trazer para cá, e rapidamente fazer, as decisões necessárias, tomar as decisões necessárias para algumas coisas. Eu vou pôr apenas quatro. Uma delas é a reforma política. Como é possível que nós que fizemos a reforma monetária não fazemos a reforma política? Como é possível que nós que quebramos os vícios dos que viviam da inflação não quebramos os vícios dos que vivem dos privilégios que a política oferece?

            Vamos fazer uma reforma política radical, Senador Mão Santa.

            Segundo, é fazer uma revolução na Educação neste País. Por que nós não conseguimos fazer uma revolução na Educação, se conseguimos fazer sim uma verdadeira revolução monetária neste País há 15 anos, unindo todo mundo?

            Terceiro, é definir uma política ambiental que permita casar o desenvolvimento econômico com o respeito à natureza. Nós precisamos fazer isso. Já há um sentimento unitário de que não é possível continuar tomando as medidas depredadoras que transformam o planeta em um forno dentro de mais algum tempo.

            E, finalmente, a reorientação do modelo industrial. Não é possível que continuemos presos à armadilha do crescimento elaborado nos anos 50, em que para que este País saia da crise tem-se que acabar com o IPI dos produtos que são comprados pelas classes médias e altas. Não é possível que a gente, para sair da crise econômica, tenha que esquentar o planeta, tenha que depredar a natureza. Não é possível que a gente não tenha maneiras diferentes de crescer sem ser vendendo mais produtos industriais que não são capazes de suportar por muito tempo mais, Senador Augusto Botelho, esse crescimento. Não vai dar. Não vai ter onde colocar automóveis. Como é que a gente reduz o IPI de automóvel como forma de manter o crescimento? Não vai ter como colocar combustível, nem como limpar o ar que eles gastam.

            Por que a gente não é capaz de entender que é possível uma economia baseada no público e não só no privado? E eu não falo “público” da propriedade estatal; falo “público” no beneficiado do ônibus, por exemplo, da educação. Por que não se cresce através dos investimentos na educação, na saúde, no meio ambiente?

            Nós poderíamos estar aqui dentro trabalhando um programa que nos unisse, como nós conseguimos nos unir com o Plano Real. Houve resistência, sim. O Partido dos Trabalhadores sobretudo e uma parte considerável da Esquerda tradicional não foram capazes de perceber a riqueza que havia por trás do Real. Mas terminaram chegando. Hoje são mais ortodoxos ainda do que foram os criadores do Plano Real quinze anos atrás.

            Senador Mão Santa, parece que estou saindo do tema que todos querem debater. Mas eu estou absolutamente dentro do tema que todos querem debater, que é a ética, mas fazer o debate sobre a ética não apenas com as críticas que cada um de nós vem fazendo, mas um debate sobre a ética buscando a unidade, que nos junte, que faça com que sejamos capazes de sacrificar aquilo que não é possível continuar em benefício de cada um, para que o conjunto de nós continue merecendo o respeito da opinião pública, sem o que a democracia não existe.

            Eu vim falar dos 15 anos passados do Plano Real, mas querendo buscar inspiração nesse Plano para olhar os 15 anos adiante; os 15 anos da reforma política, da revolução educacional e de uma reorientação do nosso modelo industrial, da defesa da natureza brasileira em perigo.

            Eu vim falar baseado no passado, provocado pelo passado, mas olhando o futuro. E com uma confiança muito maior de que é possível esse futuro do que 18 anos atrás, 17 anos atrás em que a gente sentia, quando olhava a inflação ao redor e não acreditava que seria possível superar aquela tragédia. A tragédia de hoje da corrupção no comportamento e da corrupção nas prioridades do uso público do País, essa tragédia também pode ser superada. E oxalá, quem dera, daqui a 15 anos alguém venha aqui falar que nós conseguimos fazer para o social e para o moral e para o econômico o que há 15 anos nós fizemos para o monetário.

            Era isso, Senador Mão Santa, que eu tinha a falar, e agradeço o tempo que o senhor me permitiu.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/07/2009 - Página 28786