Discurso durante a 107ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Voto de pesar pelo falecimento do jurista Goffedro da Silva Telles.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Voto de pesar pelo falecimento do jurista Goffedro da Silva Telles.
Aparteantes
José Nery, Marcelo Crivella.
Publicação
Publicação no DSF de 30/06/2009 - Página 27914
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, JURISTA, PROFESSOR, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), EX-DEPUTADO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ELOGIO, ETICA, VIDA PUBLICA, LUTA, DEFESA, ESTADO DE DIREITO, DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA, LEITURA, CARTA, AUTORIA, ADVOGADO, PERIODO, GOVERNO, ERNESTO GEISEL, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, IMPORTANCIA, DOCUMENTO, PROCESSO, REDEMOCRATIZAÇÃO, REFERENCIA, SAUDAÇÃO, ESTUDANTE, FACULDADE, DIREITO.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Para encaminhar. Sem revisão do orador.) - “Goffredo, Goffredo, nós queremos fazer revolução.”

            Sr. Presidente, Senador Mão Santa, ontem, alguns dos mais distinguidos juristas, advogados, professores e Ministros de Estado; o Procurador, Advogado-Geral da União, Dr. Toffoli, em nome do Presidente da República; ex-Ministros de Estado; Ministros do Supremo Tribunal Federal, todos compareceram ao salão nobre do Largo do São Francisco, e, depois, muitos compareceram ao Cemitério da Consolação, onde, por volta das 18 horas, foi realizado o funeral do eminente e um dos mais brilhantes juristas da história do Brasil, Prof. Goffredo da Silva Telles. Ali estavam sua esposa, Maria Eugênia Raposo da Silva Telles, e seus filhos Goffredo Neto e Olívia.

            A democracia e a ética na vida pública perderam um de seus mais ferrenhos defensores. Nascido em São Paulo, em 16 de maio de 1915, Goffredo da Silva Telles dedicou sua vida à luta incansável pelo Estado de Direito, pelos direitos humanos, pelas liberdades democráticas. Professor emérito da Universidade de São Paulo (USP), estudou e lecionou por 45 anos na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco. Em 1985, foi aposentado compulsoriamente, ao atingir 70 anos, mas continuou a atuar, revisando suas obras. Produziu extensa obra de ensino do Direito. Entre elas, estão A criação do Direito, Ética - Do Mundo da Célula ao Mundo dos Valores e Direito Quântico e Ensaio sobre o Fundamento da Ordem Jurídica.

            Goffredo foi Deputado Constituinte Federal em 1946, Deputado Federal entre 1946 e 1950 e foi também Secretário de Educação e Cultura da Prefeitura de São Paulo no ano de 1957.

            Em 8 de agosto de 1977, quando era Presidente o General Ernesto Geisel, ele entrou para a história com a Carta aos Brasileiros, lida por ele no pátio da Faculdade de Direito da USP. O documento se tornou um marco histórico do processo de redemocratização do País, como ainda hoje registram alguns dos principais jornais brasileiros, como a Folha de S.Paulo, em que foi publicado “O Estado legítimo é o Estado de Direito, e o Estado de Direito é o Estado constitucional”, e também como o jornal O Estado de S.Paulo. Ambos os jornais colocam a fotografia de Goffredo da Silva Telles, fazendo aquele pronunciamento histórico, com lições tão importantes, Sr. Presidente, que aqui resolvo ler este documento importante e atual para a história do Brasil:

“Das arcadas do Largo de São Francisco, do ‘Território Livre’ da Academia de Direito de São Paulo, dirigimos a todos os brasileiros esta Mensagem de Aniversário, que é a Proclamação de Princípios de nossas convicções políticas.

Na qualidade de herdeiros do patrimônio recebido de nossos maiores, ao ensejo do Sesquicentenário dos Cursos Jurídicos no Brasil, queremos dar o testemunho para as gerações futuras de que os ideais do Estado de Direito [inclusive, são os ideais do patrono de nosso Senado, Rui Barbosa], apesar da conjuntura da hora presente, vivem e atuam, hoje como ontem, no espírito vigilante da nacionalidade.

Queremos dizer, sobretudo, aos moços que nós aqui estamos e aqui permanecemos, decididos, como sempre, a lutar pelos Direitos Humanos, contra a opressão de todas as ditaduras.

Nossa fidelidade de hoje aos princípios basilares da Democracia é a mesma que sempre existiu à sombra das Arcadas: fidelidade indefectível e operante, que escreveu as Páginas da Liberdade, na História do Brasil.

Estamos certos de que esta Carta exprime o pensamento comum de nossa imensa e poderosa Família - da Família formada, durante um século e meio, na Academia do Largo de São Francisco, na Faculdade de Direito de Olinda e Recife, e nas outras grandes Faculdades de Direito do Brasil - Família indestrutível, espalhada por todos os rincões da Pátria, e da qual já saíram, na vigência de Constituições democráticas, dezessete Presidentes da República.

1. O Legal e o Legítimo

Deixemos de lado o que não é essencial.

O que aqui diremos não tem a pretensão de constituir novidade. Para evitar interpretações errôneas, nem sequer nos vamos referir a certas conquistas sociais do mundo moderno. Deliberadamente, nada mais diremos do que aquilo que, de uma ou outra maneira, vem sendo ensinado, ano após ano, nos cursos normais das Faculdades de Direito. E não transporemos os limites do campo científico de nossa competência.

Partimos de uma distinção necessária. Distinguimos entre o legal e o legítimo.

Toda lei é legal, obviamente. Mas nem toda lei é legítima. Sustentamos que só é legítima a lei provinda de fonte legítima.

Das leis, a fonte legítima primária é a comunidade a que as leis dizem respeito; é o Povo ao qual elas interessam - comunidade e Povo em cujo seio as idéias das leis germinam, como produtos naturais das exigências da vida.

Os dados sociais, as contingências históricas da coletividade, as contradições entre o dever teórico e o comportamento efetivo, a média das aspirações e das repulsas populares, os anseios dominantes do Povo, tudo isto, em conjunto, é que constitui o manancial de onde brotam normas espontâneas de convivência, originais intentos de ordenação, às vezes usos e costumes, que irão inspirar a obra do legislador.

Das forças mesológicas, dos fatores reais, imperantes na comunidade, é que emerge a alma dos mandamentos que o legislador, na forja parlamentar, modela em termos de leis legítimas.

A fonte legítima secundária das leis é o próprio legislador, ou o conjunto dos legisladores de que se compõem os órgãos legislativos do Estado.

Mas o legislador e os órgãos legislativos somente são fontes legítimas das leis enquanto forem representantes autorizados da comunidade, vozes oficiais do Povo, que é a fonte primária das leis.

O único outorgante dos poderes Legislativos é o Povo. Somente o Povo tem competência para escolher seus representantes; somente os Representantes do Povo são legisladores legítimos.

A escolha legítima dos legisladores só se pode fazer pelos processos fixados pelo Povo em sua Lei Magna, por ele também elaborada, e que é a Constituição.

Consideramos ilegítimas as leis não nascidas do seio da coletividade, não confeccionadas em conformidade com os processos prefixados pelos Representantes do Povo, mas baixadas de cima, como carga descida na ponta de um cabo.

Afirmamos, portanto, que há uma ordem jurídica legítima e uma ordem jurídica ilegítima. A ordem imposta, vinda de cima para baixo, é ordem ilegítima. Ela é ilegítima porque, antes de mais nada, ilegítima é a sua origem. Somente é legítima a ordem que nasce, que tem raízes, que brota da própria vida, no seio do Povo.

Imposta, a ordem é violência. Às vezes, em certos momentos de convulsão social, apresenta-se como remédio de urgência. Mas, em regra, é medicação que não pode ser usada por tempo dilatado, porque acaba acarretando males piores do que os causados pela doença.

2. A ordem, o Poder e a Força.

Estamos convictos de que há um senso leviano e um senso grave da ordem. O senso leviano da ordem é o dos que se supõem imbuídos da ciência do bem e do mal, conhecedores predestinados do que deve e do que não deve ser feito, proprietários absolutos da verdade, ditadores soberanos do comportamento humano.

O senso grave da ordem é o dos que abraçam os projetos resultantes do entrechoque livre das opiniões, das lutas fecundas entre idéias e tendências, nas quais nenhuma autoridade se sobrepõe às Leis e ao Direito.

Ninguém se iluda. A ordem social justa não pode ser gerada pela pretensão de governantes prepotentes. A fonte genuína da ordem não é a Força, mas o Poder.

O Poder, a que nos referimos, não é o Poder da Força, mas um Poder de persuasão.

Sustentamos que o Poder Legítimo é o que se funda naquele senso grave da ordem, naqueles projetos de organização social, nascidos do embate das convicções e que passam a preponderar na coletividade e a ser aceitos pela consciência comum do Povo como os melhores.

O Governo, com o senso grave da ordem, é um Governo cheio de Poder. Sua legitimidade reside no prestígio popular de quase todos os seus projetos. Sua autoridade se apóia no consenso da maioria.

Nisto é que está a razão de obediência voluntária do Povo aos Governos legítimos.

Denunciamos como ilegítimo todo Governo fundado na Força. Legítimo somente o é o Governo que for órgão do Poder.

            Sr. Presidente, Senador Mão Santa, veja como próprias, adequadas, corretas e atuais são as palavras do Professor Goffredo da Silva Telles, inclusive para analisar a tragédia que ocorre hoje em Honduras, onde ontem foi realizado um golpe de Estado.

            Prossegue o Professor Goffredo:

A nós nos repugna a teoria de que o Poder não é mais do que a Força. Para nossa consciência jurídica, o Poder é produto do consenso popular e a Força um mero instrumento do Governo.

Não negamos a utilidade de tal instrumento. Mas o que afirmamos é que a Força é somente útil na qualidade de meio, para assegurar o respeito pela ordem jurídica vigente e não para subvertê-la ou para impor reformas na Constituição.

A Força é um meio de que se utiliza o Governo fiel aos projetos do Povo. Desgraçadamente, também a utiliza o Governo infiel. O Governo fiel a utiliza a serviço do Poder. O Governo infiel, a serviço do arbítrio.

Reconhecemos que o Chefe do Governo é o mais alto funcionário nos quadros administrativos da Nação. Mas negamos que ele seja o mais alto Poder de um País. Acima dele, reina um Poder de uma Idéia: reina o Poder das convicções que inspiram as linhas mestras da Política nacional. Reina o senso grave da Ordem, que se acha definido na Constituição.

3. A soberania da Constituição.

Proclamamos a soberania da Constituição.

Sustentamos que nenhum ato legislativo pode ser tido como lei superior à Constituição.

Uma lei só é válida se a sua elaboração obedeceu aos preceitos constitucionais, que regulam o processo legislativo. Ela só é válida se, em seu mérito, suas disposições não se opõem ao pensamento da Constituição. Aliás, uma lei inconstitucional é lei precária e efêmera, porque só é lei enquanto sua inconstitucionalidade não for declarada pelo Poder Judiciário. Ela não é propriamente lei, mas apenas uma camuflagem da lei. No conflito entre ela e a Constituição, o que cumpre, propriamente, não é fazer prevalecer a Constituição, mas é dar pela nulidade da lei inconstitucional. Embora não seja razoável considerá-la inexistente, uma vez que a lei existe como objeto do julgamento que a declara inconstitucional, ela não tem, em verdade, a dignidade de uma verdadeira lei.

Queremos consignar um simples mas fundamental princípio. Da conformidade de todas as leis com o espírito e a letra da Constituição dependem a unidade e a coerência do sistema jurídico nacional.

Observamos que a Constituição também é uma lei. Mas é a Lei Magna. O que, antes de tudo, a distingue nitidamente das outras é que sua elaboração e seu mérito não se submetem a disposições de nenhuma lei superior a ela. Aliás, não podemos admitir como legítima lei nenhuma que lhe seja superior. Entretanto, sendo lei, a Constituição há de ter, também, sua fonte legítima.

Afirmamos que a fonte legítima da Constituição é o Povo.

4 .O Poder Constituinte.

Costuma-se dizer que a Constituição é obra do Poder. Sim, a Constituição é obra do Poder Constituinte. Mas o que se há de acrescentar, imediatamente, é que o Poder Constituinte pertence ao povo, e ao povo somente.

Ao Povo é que compete tomar a decisão política fundamental que irá determinar os lineamentos da paisagem jurídica em que se deseja viver.

Assim como a validade das leis depende de sua conformação com os preceitos da Constituição, a legitimidade da Constituição se avalia pela sua adequação às realidades sócio-culturais da comunidade para a qual ela é feita.

Disto é que decorre a competência da própria comunidade para decidir sobre o seu regime político; sobre a estrutura de seu Governo e os campos de competência dos órgãos principais de que o Governo se compõe; sobre os processos de designação de seus governantes e legisladores.

Disto, também, é que decorre a competência do povo para fazer a Declaração dos Direitos Humanos fundamentais, assim como para instituir os meios que os assegurem.

Em conseqüência, sustentamos que somente o povo, por meio de seus representantes, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte, ou por meio de uma revolução vitoriosa, tem competência para elaborar a Constituição; que somente o povo tem competência para elaborar a Constituição; que somente o povo tem competência para substituir a Constituição vigente por outra, nos casos em que isto se faz necessário.

Sustentamos, igualmente, que só o povo, por meio de seus representantes no Parlamento Nacional, tem competência para emendar a Constituição.

E sustentamos, ainda, que as emendas na Constituição não se podem fazer como se fazem as alterações na legislação ordinária. Na Constituição, as emendas somente se efetuam, quando apresentadas, processadas e aprovadas em conformidade com preceitos especiais, que a própria Constituição há de enunciar, preceitos estes que têm por fim conferir à Lei Magna do povo uma estabilidade maior do que a das outras leis.

           Note, Senador Mão Santa, que Goffredo da Silva Telles estava dizendo isso em 1977, onze anos antes da Constituição de 88.

           Em breve, lhe darei o aparte, Senador Marcelo Crivella. Permita-me que eu possa, pelo menos, continuar para concluir a carta aberta ao povo brasileiro.

Declaramos ilegítima a Constituição outorgada por autoridade que não seja a Assembléia Nacional Constituinte, com a única exceção daquela que é imediatamente imposta por meio de uma revolução vitoriosa, realizada com a direta participação do Povo.

Declaramos ilegítimas as emendas na Constituição que não forem feitas pelo Parlamento, com obediência, no encaminhamento, na sua votação e promulgação, a todas as formalidades do rito, que a própria Carta Magna prefixa, em disposições expressas.

Não nos podemos furtar ao dever de advertir que o exercício do Poder Constituinte, por autoridade que não seja o povo, configura, em qualquer Estado democrático, a prática de usurpação de poder político.

Negamos peremptoriamente a possibilidade de coexistência, num mesmo País, de duas ordens constitucionais legítimas, embora diferentes uma da outra. Se uma ordem é legítima, por ser obra da Assembléia Constituinte do povo, nenhuma outra ordem, provinda de outra autoridade, pode ser legítima.

Se, ao Poder Executivo fosse facultado reformar a Constituição, ou submetê-la a uma legislação discricionária, a Constituição perderia, precisamente, seu caráter constitucional e passaria a ser um farrapo de papel.

A um farrapo de papel se reduziria o documento solene, em que a Nação delimita a competência dos órgãos do Governo, para resguardar, zelosamente, de intromissões cerceadoras dos poderes públicos, o campo de atuação da liberdade humana.

5. O Estado de Direito e o Estado de Fato

Proclamamos que o Estado legítimo é o Estado de Direito, e que o Estado de Direito é o Estado Constitucional.

O Estado de Direito é o Estado que se submete ao princípio de que Governos e governantes devem obediência à Constituição.

Bem simples é este princípio, mas luminoso, porque se ergue, como barreira providencial, contra o arbítrio de vetustos e renitentes absolutismos. A ele as instituições políticas das Nações somente chegaram após um longo e acidentado percurso na História da Civilização. Sem exagero, pode dizer-se que a consagração desse princípio representa uma das mais altas conquistas da cultura, na área da Política e da Ciência do Estado.

O Estado de Direito se caracteriza por três notas essenciais, a saber: por ser obediente ao Direito; por ser guardião dos Direitos; e por ser aberto para as conquistas da cultura jurídica. 

É obediente ao Direito, porque suas funções são as que a Constituição lhe atribui, e porque, ao exercê-las, o Governo não ultrapassa os limites de sua competência.

É guardião dos Direitos, porque o Estado de Direito é o Estado-Meio, organizado para servir o ser humano, ou seja, para assegurar o exercício das liberdades e dos direitos subjetivos das pessoas.

E é aberto para as conquistas da cultura jurídica, porque o Estado de Direito é uma democracia, caracterizado pelo regime da representação popular, nos órgãos legislativos e, portanto, é um Estado sensível às necessidades de incorporar à legislação as normas tendentes a realizar o ideal de uma Justiça cada vez mais perfeita.

Os outros Estados, os Estados não constitucionais, são os Estados cujo Poder Executivo usurpa o Poder Constituinte. São os Estados cujos chefes tendem a se julgar onipotentes e oniscientes, e que acabam por não respeitar fronteiras para sua competência. São os Estados cujo Governo não tolera crítica e não permite contestação. São os Estados-Fim, com Governos obcecados por sua própria segurança, permanentemente preocupados com sua sobrevivência e continuidade. São Estados opressores, que muitas vezes se caracterizam por seus sistemas de repressão, erguidos contra as livres manifestações da cultura e contra o emprego normal dos meios de defesa dos direitos da personalidade.

Esses Estados se chamam Estados de Fato. Os otimistas lhe dão o nome de Estados de Exceção. Na verdade, são Estados autoritários que facilmente descambam para a ditadura.

Ilegítimos, evidentemente, são tais Estados porque seu Poder Executivo viola o princípio soberano da obediência dos Governos à Constituição e às leis.

Ilegítimos, em verdade, porque seus Governos não têm Poder, não têm o Poder legítimo, que definimos no início desta Carta.

Destituídos de Poder Legítimos, os Estados de Fato duram enquanto poder contar com o apoio de suas forças armadas.

Sustentamos que os Estados de fato, os Estados de Exceção, são sistemas subversivos, inimigos da ordem legítima, promotores da violência contra Direitos Subjetivos, porque são Estados contrários ao Estado constitucional, que é o Estado de Direito, o Estado da Ordem Jurídica.

Nos países adiantados, em que a cultura política já organizou o Estado de Direito, a insólita implantação do Estado de Fato ou de Exceção - do Estado em que o Presidente da República volta a ser o monarca lege solutus - constitui um violento retrocesso no caminho da cultura. [Como ontem aconteceu em Honduras, eu acrescento.] 

Uma vez reimplantado o Estado de Fato, a Força torna a governar, destronando o Poder. Então, bens supremos do espírito humano, somente alcançados após árdua caminhada da inteligência, em séculos de História, são simplesmente ignorados. Os valores mais altos da Justiça, os direitos mais sagrados dos homens, os processos mais elementares de defesa do que é de cada um, são vilipendiados, ridicularizados e até ignorados, como se nunca tivessem existido.

O que os Estados de Fato, Estados Policiais, Estados de Exceção, Sistemas de Força apregoam é que há Direitos que devem ser suprimidos ou cerceados, para tornar possível a consecução dos ideais desses próprios Estados e Sistemas.

Por exemplo, em lugar dos Direitos Humanos, a que se refere a Declaração Universal das Nações Unidas, aprovada em 1948; em lugar do habeas corpus; em lugar do direito dos cidadãos de eleger seus governantes, esses Estados e Sistemas colocam, freqüentemente, o que chamam de Segurança Nacional e Desenvolvimento Econômico.

Com as tenebrosas experiências dos Estados Totalitários europeus, nos quais o lema é, e sempre foi, "Segurança e Desenvolvimento", aprendemos uma dura lição. Aprendemos que a Ditadura é o regime, por excelência, da Segurança Nacional e do Desenvolvimento Econômico. O Nazismo, por exemplo, tinha por meta o binômio Segurança e Desenvolvimento. Nele ainda se inspira a ditadura soviética. [Coragem teve o Prof. Goffredo da Silva Telles para dizer isso em pleno 1977, em meio ao Regime Militar.]

Aprendemos definitivamente que, fora do Estado de Direito, o referido binômio pode não passar de uma cilada.

Fora do Estado de Direito, a Segurança, com seus órgãos de terror, é o caminho da tortura e do aviltamento humano; e o Desenvolvimento, com o malabarismo de seus cálculos, a preparação para o descalabro econômico, para a miséria e a ruína.

           "Não nos deixaremos seduzir pelo canto das sereias de quaisquer Estados de Fato, que apregoam a necessidade de Segurança e Desenvolvimento, com o objetivo de conferir legitimidade a seus atos de Força, violadores frequentes da Ordem Constitucional.

Afirmamos que o binômio Segurança e Desenvolvimento não tem o condão de transformar uma Ditadura numa Democracia, um Estado de Fato num Estado de Direito.

Declaramos falsa a vulgar afirmação de que o Estado de Direito e a Democracia são "a sobremesa do desenvolvimento econômico". O que temos verificado, com frequência, é que desenvolvimentos econômicos se fazem nas mais hediondas ditaduras.

Nenhum País deve esperar por seu desenvolvimento econômico, para depois implantar o Estado de Direito. Advertimos que os Sistemas, nos Estados de Fato, ficarão permanentemente à espera de um maior desenvolvimento econômico, para nunca implantar o Estado de Direito.

Proclamamos que o Estado de Direito é sempre primeiro, porque primeiro estão os direitos e a segurança da pessoa humana. Nenhuma ideia de Segurança Nacional e de Desenvolvimento Econômico prepondera sobre a ideia de que o Estado existe para servir o homem.

Estamos convictos de que a segurança dos direitos da pessoa humana é a primeira providência para garantir o verdadeiro desenvolvimento de uma Nação.

Nós queremos segurança e desenvolvimento. Mas queremos segurança e desenvolvimento dentro do Estado de Direito.

Em meio da treva cultural dos Estados de Fato, a chama acesa da consciência jurídica não cessa de reconhecer que não existem, para Estado nenhum, ideais mais altos do que os da Liberdade e da Justiça.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Agradeceria ao Presidente Mão Santa que, tendo em conta que, por quase quatro horas, ao Líder do PSDB foi dado um direito extraordinário hoje, possamos fazer aqui a justa homenagem a Goffredo da Silva Telles.

6. A Sociedade Civil e o Governo.

           O que dá sentido ao desenvolvimento nacional, o que confere legitimidade às reformas sociais, o que dá autenticidade às renovações do Direito, são as livres manifestações do povo em seus órgãos de classe, nos diversos ambientes da vida.

Quem deve propulsionar o desenvolvimento é o Povo organizado, mas livre, porque é ele quem tem competência, mais do que ninguém, para defender seus interesses e seus direitos.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) -

            Sustentamos que uma Nação desenvolvida é uma Nação que pode manifestar e fazer sentir a sua vontade. É uma Nação com organização popular, com sindicatos autônomos, centros de debates, com partidos autênticos, com veículos de livre informação. É uma Nação em que o Povo escolhe seus dirigentes, e tem meios de introduzir sua vontade nas deliberações governamentais. É uma Nação em que se acham abertos os amplos e francos canais de comunicação entre a Sociedade Civil e o Governo.

            Nos Estados de Fato, esses canais são cortados. Os Governos se encerram em Sistemas fechados nos quais se instalam os ‘donos do poder’. Esses ‘donos de poder’ não são, em verdade, donos do Poder Legítimo: são donos da Força. O que chamam de Poder não é o Poder oriundo do Povo.

            A órbita da política não vai além da área palaciana, reduto aureolado do mistério hermeticamente trancado para a Sociedade Civil.

            Nos Estados de Fato, a Sociedade Civil é banida da vida política da Nação. Pelos chefes do Sistema, a Sociedade Civil é tratada como um confuso conglomerado de ineptos, sem discernimento e sem critério, aventureiros e aproveitadores, incapazes...

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) -

            ...para a vida pública, destituídos de senso moral e de idealismo cívico. Uma multidão de ovelhas negras, que precisa ser continuamente contida e sempre tangida pela inteligência soberana do sábio tutor da Nação.

           Nesses Estados, o Poder Executivo, por meios dos atos arbitrários, declara a incapacidade da Sociedade Civil, e decreta a sua interdição.

           Proclamamos a ilegitimidade de todo o sistema político em que fendas ou abismos se abrem entre a sociedade civil e o Governo.

           Sr. Presidente, vejo, pela campainha, que V. Exª se encontra um pouco impaciente. Então, sinto-me na responsabilidade de lhe perguntar se poderei acabar de ler a “Carta aos Brasileiros”, se V. Exª permitir, e também a proclamação que ele fez aos calouros de 2007, há apenas dois anos...

(Interrupção do som.)

           O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) -...que foi lida ontem, durante o seu funeral, ali no Largo São Francisco, pelo professor Sérgio Resende de Barros, algo que asseguro a V. Exª tem extrema relevância para o momento que nós vivemos hoje no Brasil e no Senado Federal, porque ele vai tratar nessa outra carta das questões éticas. Então, se V. Exª me permitir, sugiro que possa eu dar como lido os Capítulos, o que falta do VI e VII, Dos Valores Soberanos do Homem dentro do Estado de Direito, que assim conclui a “Carta aos Brasileiros”, para que eu, então, possa ler. E V. Exª vai apreciar a saudação que Goffredo da Silva Telles, em fevereiro de 2007, fez aos...

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) -...calouros da Faculdade de Direito. V. Exª, como médico, gostaria de ter um orador, por ocasião da sua formatura, que falasse com a beleza com que falou apenas há dois anos. Portanto, com 92 anos, com uma consciência notável de tudo o que ocorreu no Brasil, mas também dos problemas éticos que V. Exª então acompanhou tão de perto comigo, que estavam ocorrendo no Brasil, aos quais ele se refere, e aos problemas que hoje estamos vivendo no Senado.

            Posso lhe assegurar que, se me der um pouquinho mais de tempo, eu vou ler, e V. Exª vai cumprimentar não a mim, mas este homem fantástico que foi o Professor Goffredo da Silva Telles, ontem mencionado por Cezar Britto, Presidente da OAB; pelo Presidente Lula; pelo ex-Ministro Celso Laffer; pelo Professor Dalmo de Abreu Dallari; pelo Ministro Ricardo Lewandowski e por tantos que ali estiveram.

            O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - Senador Suplicy, me permita apenas um aparte?

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Senador Marcelo Crivella, com muita honra.

            O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - Eu gostaria de celebrar esse discurso de V. Exª, que é um discurso de estadista. Certamente o Senador Mão Santa vai lhe garantir mais meia hora, 40 minutos, o tempo que for necessário, e dizer que tem uma influência tremenda sobre o nosso Presidente Lula. O Presidente Lula aprendeu muito com esse grande jurista e professor. Há seis anos, Legislativo e Executivo estão intocáveis na sua majestade; seis anos de prática ilesa da democracia, e, quando alguns grupos tentaram reconduzir o Presidente ao poder, ele foi o primeiro a se negar, garantindo a alternância do poder e até indicando a Ministra Dilma para sucedê-lo. V. Exª tem toda a razão. Não podemos deixar de reafirmar nesta Casa o respeito ao direito, o culto à liberdade, o acatamento às decisões dos tribunais íntegros e livres, porque, sem isso, Senador Mão Santa, as nações se transformam em verdadeiros campos de concentração, e os povos se isolam no medo, na covardia, na mediocridade. São regimes ditatoriais que se extravasam sempre na intolerância, no ódio e muitas vezes no sangue. V. Exª faz um discurso de estadista que honra esta Casa, e eu não poderia deixar aqui de citar a figura do nosso Presidente Lula. Vindo do povo, teve muita influência na sua formação política desses grandes líderes e conduz este País com a serenidade e a lucidez que merecem, Senador Mão Santa, os nossos aplausos, sobretudo em um momento em que se faz um discurso sobre uma grande figura do mundo jurídico. Prossiga, Senador Suplicy, fale em nosso nome e realmente enalteça essa grande figura que ontem a morte nos levou tragicamente. Muito obrigado.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador Marcelo Crivella. De fato, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva manifestou que o Professor Goffredo da Silva Telles foi um dos mais destacados combatentes pela democracia e pelo Estado de Direito na história do Brasil e que, como professor na Faculdade de Direito, conquistou a admiração de milhares de alunos, dando lições não apenas de Direito, mas também de humanismo, generosidade e fé.

            O Advogado-Geral da União, José Antonio Toffoli, levou a sua solidariedade, assim como também se manifestaram os Ministros Tarso Genro e Ricardo Lewandowski, o Presidente da OAB, Cezar Britto, o Ministro Márcio Thomaz Bastos, o Prefeito Gilberto Cassab e tantos outros.

            Se me permite, então, Presidente, vou ler essa bonita oração aos jovens que estavam se formando.

            Posso ler, Sr. Presidente?

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - De quantos minutos V. Exª precisa?

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Acredito que, em sete minutos, conseguirei ler. Está bem?

Prezados amigos, estudantes da Academia, Calouros de 2007, sejam bem-vindos! As Arcadas da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco os acolhem amorosamente! Recebam nosso quente abraço!

E queremos aplaudi-los com efusão sincera. Parabéns! Queremos aplaudi-los vivamente pela decisão que tomaram. Desejamos felicitá-los pela excelente deliberação de fazer o curso universitário numa Faculdade de Direito.

(...)

Ah, meus amigos, permitam que eu lhes diga sinceramente, nesta intimidade familiar, que vocês optaram pelo estudo da Ciência mais preciosa da vida.

A Ciência mais preciosa?

Sim! A mais preciosa, sem dúvida. Não estou exagerando. Bem fácil é comprová-lo.

Vocês sabem, é claro, que a nossa vida - a nossa vida comum, de todos os dias - sempre se desenrola dentro de agrupamentos humanos; dentro de sociedades diversas. De fato, para os seres humanos, viver é conviver. Desde seu nascimento, o ser humano convive com seus semelhantes. Começa convivendo com mãe, pai, irmãos. Depois, na escola, convive com seus colegas. Depois, convive com domésticos, com condôminos, com vizinhos, com sócios, com rivais e adversários, com amigos e inimigos. Vocês sabem que cada um de nós convive com toda essa multidão de pessoas de que a vida social é feita.

Notem, prezados amigos, notem que a convivência não é uma criação da nossa vontade. Não! Ela é - vocês bem sabem - uma imposição de nossa natureza. Já o velho e eterno Aristóteles dizia: “O ser humano é um animal político”. É um animal feito para viver na “pólis”; um animal feito para viver “na cidade”, ou seja, na sociedade.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Permita-me prorrogar a sessão por mais dez minutos, porque já extrapolou o tempo.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Pois não.

Ora, para viver bem, para bem conviver, é necessário bem se relacionar com o próximo. E isto significa que o relacionamento há de se realizar em consonância com normas, com imperativos que as contingências da vida social vão suscitando e impondo. Significa que a convivência exige disciplina. Sem disciplina para o comportamento das pessoas, a vida em sociedade seria uma permanente guerrilha, e se destruiria por si própria. Tornar-se-ía impossível.

Pois bem, tal disciplina - que eu denomino DISCIPLINA DA CONVIVÊNCIA HUMANA - é, precisamente, o objeto cardeal do Curso na Faculdade.

Durante os cinco anos do Curso, matérias muitas e diversas são explicadas. Mas vocês vão ver que todas elas se prendem umas às outras. Embora cada matéria tenha seu objeto específico, todas elas se relacionam (...). Elas são ramos múltiplos de uma só árvore: da árvore da Ciência do Direito. Em verdade, podemos até dizer que, durante todo o multifário curso da Faculdade de Direito, o de que se estará sempre cuidando é da Disciplina da Convivência Humana. (É isto a Ciência do Direito).

Extraordinário objeto, este, para um Curso Universitário! Extraordinário, em verdade, porque é um curso sobre as condições essenciais da vida em sociedade.

(...)

Quando o estudante termina seu Curso, recebe um Diploma: o Diploma de Bacharel em Direito, ele se torna Bacharel na Disciplina da Convivência e se promove a cientista da convivência humana.

            Prossegue depois falando das distinções entre a legalidade e a legitimidade.

Utilíssima chave aquela que abre tantas portas do mundo! Reparem que a ciência jurídica da convivência é luz até para eventos comuns do dia-a-dia. É luz para o relacionamento de marido e mulher, do companheiro e companheira. É luz para entendimentos dos pais com seus filhos, dos filhos com seus pais, dos adotados com seus adotantes; para o trato com empregados, com patrões; para a vinculação com sócios, com parceiros, com condôminos, com vizinhos. É luz até para o comportamento com inimigos. É luz inspiradora da lealdade, da moderação e da paciência. É luz para as decisões cardeais, para as grandes e pequenas decisões, diante das embaraçosas alternativas. É luz para a escolha do caminho nas encruzilhadas da existência.

(...)

E, finalmente, o diplomado em Curso de Direito adquiriu a visão científica do Direito-Justiça. E vocês vão logo verificar que a Justiça - a Justiça humana... - é a operação de reconhecer e de declarar, em cada caso, o que É o SEU.

Em verdade, a Disciplina da Convivência Humana é a ordenação do respeito pelo próximo. Ordenação do respeito mútuo: do respeito pelos direitos dos outros; do respeito dos outros pelos direitos próprios, de cada um.

Vocês estão vendo que, em verdade, a Disciplina da Convivência é um conjunto de princípios morais; é a Ética para o comportamento na “polis”, na sociedade. É a Ética social, a Ética PolÍtica, em sentido amplo. A violação dessa Ética sempre perturba a convivência humana. Infringe a ordem, e necessita repressão.

Não é de estranhar que, em épocas corruptas, de “mensalões”, “sanguessugas” et cætera, os setores normais da população vivam a clamar por “Ética na Política”.

Ah, meus amigos Calouros, [prosseguia o Professor Goffredo da Silva Telles] permitam que eu, aqui, lhes dirija um veemente apelo. Não se deixem jamais seduzir pelas tentações da corrupção! O advogado corrupto é uma triste figura - eu me refiro diretamente aos advogados porque eu sou advogado. Mas fiquem certos de que todo bacharel corrupto - seja advogado, juiz, promotor público, delegado de polícia, seja o que for - todo bacharel corrupto abre chaga no seio da sociedade. Ele é traidor de seu diploma, traidor da categoria de profissionais a que pertence. É traidor da ordem instituída na sociedade - dessa ordem de que ele é esteio...

            E obviamente isso serve para os administradores, economistas, médicos, para as pessoas de todas as profissões, Presidente Mão Santa.

(...) O bacharel corrupto é traidor da Disciplina da Convivência, traidor da ordem social de que ele precisa ser sentinela e guardião.

Aliás, toda corrupção constitui atentado ao respeito pelo próximo.

Tenho a certeza de que muitos de vocês são pensadores. E eu sei que os pensadores descobrirão, certamente, na já referida necessidade de respeito de uns pelos outros, um sentimento anterior, um sentimento liminar, que é uma aspiração, um anseio do espírito, almejo de paz, de entendimento entre os seres da comunidade; um impulso do coração, elã espontâneo de solidariedade, de amor pelos outros, de amor pelos que compartilham a sorte da mesma comunidade. Um sentimento de amor! Tal é, em verdade, a primordial razão de ser do respeito pelo próximo.

Sim, os estudantes pensadores descobrirão, na gênese do respeito pelo próximo (...), aquele mesmo sentimento que, um dia, foi manifestado no sábio e doce aconselhamento de Jesus: “Ama teu próximo como a ti mesmo”.

Em suma, os estudantes pensadores, os “filósofos” de cada turma, perceberão, sem demora, que este amor, esta adesão espiritual à Disciplina da Convivência Humana e à Ética, é a condição da harmonia entre os seres humanos. Aliás, todos vocês logo verificarão que tal condição constitui, em verdade, o primeiro fundamento da Filosofia Jurídica das Arcadas.

Condição da HARMONIA! (...) O Curso nesta Faculdade é um Curso de Harmonia. Logo, é um Curso de Beleza. E isto explica o fato de ser nosso pátio, nosso mágico Pateo das Arcadas, o jardim de pedra onde sempre floresceu a Poesia.

Queridos Calouros (...)! Recebam nosso abraço fraterno! Desejamos a todos saúde e paz! Formulamos votos para que vocês logo sejam, no Brasil, fiéis guardiões da Ética, sentinelas atentas da Disciplina da Convivência Humana.

            Não é à toa, pois, Presidente Mão Santa, que ouvi tanta beleza, todos aqueles estudantes e a própria Talita, Presidente do XI de Agosto, diante de todos os professores e juristas que ali estavam, na hora em que o caixão...

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - (...) se fechou e estava pronto para ser levado para o cemitério, todos ali cantarem aquele hino que faz vibrar as Arcadas de São Francisco:

Goffredo, Goffredo,

Vamos fazer revolução.

Nosso chefe é você,

Goffredo, e nossa arma

O coração.

            Algo assim, Sr. Presidente. Mas uma coisa tão bonita, tão vibrante! Professor Goffredo da Silva Telles... Eu, inclusive, fui aluno, na Fundação Getúlio Vargas, de seu irmão Ignácio da Silva Telles, que também era um homem brilhante, que me ensinou os primeiros caminhos da ciência e das instituições políticas. Foi a esse homem que, em 1977, fui assistir a Carta aos Brasileiros. Eu já era um professor de Economia, um jornalista que estava considerando ser, pela primeira vez, um representante do povo. E, ali, aprendi extraordinariamente com as palavras que hoje recordo.

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Senador Suplicy, um breve aparte.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Senador José Nery, com muita honra.

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Para cumprimentá-lo pela homenagem que V. Exª faz, neste momento, ao jurista Goffredo da Silva Telles, que, em oito de agosto de 1977, leu a Carta aos Brasileiros. Eu havia iniciado a minha militância nos movimentos sociais, nos da Igreja e nos da luta contra a Ditadura Militar nos sertões do Ceará, naquela época, há praticamente dois anos, promovendo atos para o retorno da democracia ao País, em defesa dos perseguidos políticos. Naquele período, ingressava na luta pela anistia ampla, geral e irrestrita para todos os brasileiros que foram alcançados pelos atos de exceção e de violência da Ditadura. A homenagem que V. Exª faz à memória e à luta do Dr. Goffredo Telles conta, sem dúvida, com a nossa solidariedade a sua família, a seus amigos e a todos que participaram da luta pela redemocratização no País. Eu lembro de ter utilizado a Carta aos Brasileiros em reuniões e em debates que procuravam reorganizar o Movimento Sindical rural junto aos estudantes para, naquele momento, fomentar uma participação mais decisiva no enfrentamento da Ditadura. Sem dúvida, o marco que representou a leitura dessa Carta, esse brado pela volta à normalidade e ao pleno funcionamento das instituições democráticas no País, foi muito importante no recente processo de redemocratização. Com certeza, todos os democratas devem lembrar, com orgulho, do brasileiro, do advogado, do jurista, que proferiu sábias palavras, profundamente sintonizadas com aquele tempo de horror e de violência. O professor Goffredo Telles continua, com certeza, vivo na memória de todos que lutaram para que o Brasil experimentasse o processo de decisão democrática, onde houvesse eleições diretas, como há hoje; onde as pessoas tivessem o direito de manifestar suas opiniões, suas idéias e suas convicções sem serem perseguidas, presas, sequestradas, cassadas, como ocorreu em muitas situações. Parabéns a V. Exª. Somo-me ao seu pronunciamento para homenagear a memória do Dr. Goffredo Telles, como parte dessa homenagem que presta o Senado Federal a um grande brasileiro. Obrigado. Parabéns a V. Exª. Peço ao Senador Mão Santa minha inscrição para fazer um rápido pronunciamento de três minutos, a respeito da crise institucional e do golpe em Honduras. Obrigado.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador José Nery, que também assinou o requerimento, assim como o Presidente Mão Santa.

            Gostaria, finalmente, de dizer que, em 1989, quando fui Presidente da Câmara Municipal, surgiu a dúvida se deveria publicar ou não a lista de servidores, cargos, funções e respectivas remunerações. Solicitei, então, ao eminente jurista, professor Goffredo da Silva Telles, bem como ao professor José Afonso da Silva, e ambos disseram que o princípio da publicidade é o que devia prevalecer e, como eram servidores remunerados pelo povo, era direito do povo saber o quanto ganhavam. Então...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Vou prorrogar a sessão por mais cinco minutos...

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Não precisará...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Porque me adverte o Secretário sobre o Regimento. Um minuto para V. Exª, três para o Senador Nery e um para que eu termine a sessão.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador Mão Santa, pela paciência e atenção para que pudéssemos, aqui no Senado, fazer essa homenagem ao brilhante professor Goffredo da Silva Telles.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - V. Exª foi brilhante. A Presidência encaminhará o voto de pesar solicitado por V. Exª.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - E quero lhe dizer que ele revive Rui Barbosa. Sinteticamente, permita-me - eu estava atentamente ouvindo - repetir o que Rui Barbosa disse: só tem um caminho, uma salvação, é a lei e a justiça. Rui Barbosa, no fim da vida, também se celebrizou, embora vinte anos mais novo, porque morreu aos 74 anos, e o nosso Goffredo da Silva Telles, aos 94. O nosso Rui Barbosa escreveu a Oração aos Moços, que recomendo a todo brasileiro. Todo pai e mãe deve dar aos jovens. V. Exª trouxe, vamos dizer, uma pessoa que mais se aproxima das lutas democráticas do Estado de Direito defendido por Rui Barbosa. Nossos cumprimentos!

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/06/2009 - Página 27914