Discurso durante a 115ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Destaque para artigo do economista Cláudio de Moura Castro, publicado na revista Veja desta semana, intitulado "Os meninos-lobo", em defesa da educação de base.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Destaque para artigo do economista Cláudio de Moura Castro, publicado na revista Veja desta semana, intitulado "Os meninos-lobo", em defesa da educação de base.
Publicação
Publicação no DSF de 09/07/2009 - Página 30976
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, VEJA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), NECESSIDADE, INVESTIMENTO, EDUCAÇÃO BASICA, GARANTIA, DESENVOLVIMENTO, CAPACIDADE, LINGUAGEM, APRESENTAÇÃO, DADOS, DIFICULDADE, RECUPERAÇÃO, JUVENTUDE, ADULTO, AUSENCIA, ENSINO PRIMARIO.
  • ELOGIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), EXPECTATIVA, FUTURO, EDUCAÇÃO, BRASIL, ESPECIFICAÇÃO, QUALIDADE, ENSINO, IGUALDADE, ACESSO, UNIVERSIDADE, REDUÇÃO, EMPREGO.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Papaléo Paes, eu pedi minha inscrição para uma comunicação inadiável, porque eu vou fazer uma coisa rara nos meus pronunciamentos: ler um texto que eu li na revista Veja desta semana, escrito pelo professor Claudio de Moura Castro, chamado “Os meninos-lobo”.

            Nesse artigo, o Claudio de Moura Castro, uma das figuras mais conhecidas da educação brasileira, lembra que há um conto antigo do Kipling em que ele descreve um menino que foi abandonado na selva e que sobreviveu graças a uma loba. Esse menino cresceu entre animais e, depois, foi encontrado e, aí, tratado por uma família. É um conto que li quando era muito jovem, provavelmente adolescente e, obviamente, era uma ficção naquele momento.

            Acontece que a ciência estudou crianças desse tipo em alguns momentos posteriores. Alguns fatos aconteceram de crianças serem encontradas, já adolescentes, sem ter tido nenhum contato com outro ser humano. E, aí, muitos filósofos, fisiologistas e neurobiólogos estudaram o que acontece na cabeça de uma pessoa que cresce sem contato com pessoas que falam. E a grande pergunta que eles faziam era: “As palavras vêm antes do pensamento ou o pensamento vem antes das palavras?”.

            E o Claudio mostra que o Brasil de hoje - é triste dizer isto - é cheio de “meninos-lobo”. Meninos-lobo entre aspas porque eles são criados entre pessoas, mas são criados com um vocabulário pequeno, são criados sem acesso à linguagem mais completa. Então, eles são criados sem o acesso à verdadeira educação que viria da convivência, desde pequeno, na escola.

            E como o tempo para uma comunicação inadiável é muito curto, eu não vou ler todo o artigo. Mas eu quero dizer que, depois dessa introdução em que ele fala dos meninos que são encontrados sem terem tido contato com seres humanos, ele diz:

Talvez veredicto mais brutal sobre o assunto [o pensamento vem antes da palavra ou a palavra antes do pensamento] tenha sido oferecido pelo filósofo Ludwig Wittgenstein: "Os limites da minha linguagem são também os limites do meu pensamento" [os limites da minha linguagem são também os limites do meu pensamento] Simplificando um pouco, o bem pensar quase se confunde com a competência de bem usar as palavras. Nesse particular não temos dúvidas: a educação tem muitíssimo a ver com o desenvolvimento da nossa capacidade de usar a linguagem. Portanto, o bom ensino tem como alvo número 1 a competência linguística.

Pelos testes do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb), na 4ª série, 50% dos brasileiros são funcionalmente analfabetos [ou seja, 50% dos brasileiros na 4ª série têm algum tipo daquela doença, daquela síndrome do menino-lobo, porque não tiveram a convivência com as palavras]. Segundo o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), a capacidade linguística do aluno brasileiro corresponde à de um europeu com quatro anos a menos de escolaridade. Sendo assim, o nosso processo educativo deve se preocupar centralmente com as falhas na capacidade de compreensão e expressão verbal dos alunos.

            Eu vou reler a frase que eu disse anteriormente: “Segundo o Programa Internacional de Avaliação de Alunos, a capacidade linguística do aluno brasileiro [médio] corresponde à de um europeu com quatro anos a menos de escolaridade”.

Ao estudar a Inconfidência Mineira [ele diz], a teoria da evolução das espécies ou os afluentes do Amazonas, o aprendizado mais importante se dá no manejo da língua. É ler com fluência e entender o que está escrito [isso é que determina o grau de inserção da pessoa numa sociedade] É expressar-se por escrito com precisão e elegância. É transitar na relação rigorosa entre palavras e significados.

No conto [que eu falei ao princípio, que ele cita, chamado Mogli], Mogli se ajustou à vida civilizada [ou seja, ele foi recuperado da selva e, mesmo sem ter convivido com seres humanos, ele foi integrado]. Infelizmente para nós, Kipling estava cientificamente errado [esse menino-lobo não seria ajustado]. Nossa juventude [hoje, diz o Claudio] estará mal preparada para a sociedade civilizada se insistirmos em uma educação que produz uma competência linguística pouco melhor do que a de meninos-lobo.

            Senador Mão Santa, esse artigo deveria ser distribuído, divulgado para fazer com que a gente possa sentir a verdadeira profundidade do drama de alguém que não teve a chance de participar do processo educacional. Quem não participou do processo educacional é como um daqueles meninos-lobo, aqueles meninos criados sem convívio com seres humanos até já adultos.

            É possível que, na literatura - como diz o autor do artigo, Claudio de Moura Castro -, na ficção, uma criança dessas seja recuperada e se desenvolva plenamente. Mas, na vida real, dificilmente vai ter a plenitude dos desempenhos da sua intelectualidade se não tiver acesso, desde pequeno, a uma educação de base. Nós estamos - isto é o que diz o autor - colocando nossas crianças na selva. É isso que ele está dizendo. Naquele conto, uma criança se perdeu dos pais e ficou na selva; no Brasil, as crianças não se perdem dos pais na selva, elas são jogadas na selva de um mundo sem escolaridade.

            Eu achei que devia tomar o tempo desta comunicação inadiável para ler esse texto do professor Claudio de Moura Castro e agradeço por ter podido falar.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Acabei de dar-lhe cinco minutos a mais, embora V. Exª mereça mais. Cinco minutos. E a nota que V. Exª tem é dez.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Eu agradeço. E, lido esse artigo e já que o senhor me concedeu esse tempo, eu quero falar também - não estou aqui para lê-lo, pois lamentavelmente não o trouxe - sobre um artigo publicado hoje, no Correio Braziliense, do professor Isaac Roitman, que merecia ser lido, pelo outro lado. Ele escreveu um sonho. Ele escreve sonhando com um relatório da Unesco escrito daqui a algumas décadas. E ele já vai direto ao relatório.

            O relatório diz - assim começa o artigo - que, diferentemente do que acontecia no começo do século XXI, em que os meninos e meninas do Brasil tinham uma educação sem qualidade e, ainda pior, com qualidade desigual muito grande; diferentemente do tempo em que o Brasil não ganhava prêmios Nobel; diferentemente do tempo em que 60 crianças eram jogadas por minuto para fora da escola; hoje - obviamente, o hoje dele é daqui a algumas décadas -, o Brasil tem uma escola igual às melhores do mundo. E, nessa escola, estão todos os meninos e meninas do País; e todos eles, concluindo o 2º grau com qualidade; todos eles, disputando, com igualdade, a possibilidade de entrar na universidade. E, portanto, como todos tiveram uma boa educação, os que conseguem entrar, “hoje” - daqui a alguns anos - são os melhores dos melhores, como os que entram na Seleção Brasileira de Futebol são os melhores dos melhores do mundo inteiro. Como eu já disse diversas vezes aqui, a bola é redonda para todos. E todos começam a jogar futebol aos quatro anos de idade. Aí, chegam lá em cima os que tiverem talento, os que tiverem vocação, os que tiverem persistência.

            Ele diz, no artigo, que, graças a isso, “hoje”, daqui a alguns anos, o Brasil é um dos países que mais produz ciência e tecnologia no mundo inteiro. Ele conclui, dizendo que prefere sonhar com o futuro a chorar com o passado.

            Eu achei esse artigo extremamente tocante do ponto de vista de dizer para nós que nada impediria que a gente fizesse isso, nada impediria que a gente chegasse lá, nada impediria que a gente realizasse o sonho se a gente realmente quisesse fazer.

            Este País já sonhou com coisas que ninguém imaginava que eram possíveis. Pouco tempo atrás, o Senador Crivella citou um exemplo: quem diria que o Brasil seria capaz de projetar os aviões que hoje projeta e constrói, que o Brasil seria capaz de fazer os navios que faz? Mas são coisas pontuais.

            Nada impede que a gente possa sonhar, como o professor Isaac Roitman, com este Brasil diferente daqui a alguns anos. Porque a gente fez esta cidade, Brasília, que ninguém imaginava ser capaz de fazer num deserto que aqui existia, do ponto de vista de habitação. Ninguém imaginava que teríamos a capacidade de ser uma das grandes potências do mundo, Senador Papaléo - e somos, economicamente falando; não somos do ponto de vista de civilização.

            Por que a gente não consegue sonhar que este País poderá, um dia, não ter a violência que tem? Que um dia não tenha as filas que tem nos hospitais? Que um dia o pagamento ao médico não seja a vergonha que é hoje na rede pública? O que impede que a gente sonhe que, neste País, não haja desemprego gritante, e aqueles poucos que ficam desempregados o sejam por pouco tempo e com a compensação para que sua família não passe necessidades? O que impede que a gente sonhe com esse Brasil diferente?

            E o caminho para isso é uma revolução, hoje, na educação. Não há outro caminho. É uma pena que seja tão difícil convencer a opinião pública brasileira de que o caminho é esse e de que esse caminho é possível.

            Muito obrigado, Presidente, pelo tempo que concedeu.

            Era isso que eu tinha para falar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/07/2009 - Página 30976