Discurso durante a 117ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao governo brasileiro pela posição assumida na reunião do G8, em Áquila, na Itália, a respeito de cortes na emissão de gases visando combater o aquecimento global. Defesa da urgente instalação e funcionamento da CPI da Petrobras.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Críticas ao governo brasileiro pela posição assumida na reunião do G8, em Áquila, na Itália, a respeito de cortes na emissão de gases visando combater o aquecimento global. Defesa da urgente instalação e funcionamento da CPI da Petrobras.
Publicação
Publicação no DSF de 10/07/2009 - Página 31326
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • COMENTARIO, RELEVANCIA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONTRIBUIÇÃO, POLITICA INTERNACIONAL, ELOGIO, RECEBIMENTO, PREMIO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), PROMOÇÃO, PAZ.
  • QUESTIONAMENTO, POSIÇÃO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REUNIÃO, GRUPO, PAIS INDUSTRIALIZADO, NEGLIGENCIA, MEIO AMBIENTE, AUSENCIA, ASSINATURA, ACORDO, REDUÇÃO, EMISSÃO, GAS CARBONICO, INCENTIVO, UTILIZAÇÃO, COMBUSTIVEL FOSSIL, OBJETIVO, CRESCIMENTO ECONOMICO, FRUSTRAÇÃO, ORADOR, INCOMPATIBILIDADE, MODELO ECONOMICO, FUTURO, PLANETA TERRA, OMISSÃO, LIDERANÇA, BRASIL, PROCESSO, EDUCAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO, ECONOMIA, INFLUENCIA, PAIS ESTRANGEIRO, CHINA, INDIA, BUSCA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.
  • EXPECTATIVA, LIDERANÇA, BRASIL, APRESENTAÇÃO, ALTERNATIVA, PROBLEMA, MUNDO, CONCLAMAÇÃO, CANDIDATO, ELEIÇÕES, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, AMPLIAÇÃO, DEBATE.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, creio que qualquer brasileiro que seja minimamente imparcial tem que reconhecer o papel expressivo que o Presidente Lula desempenha no exterior. Não precisa ter votado nele, como votei; não precisa ser opositor. Creio que até mesmo o Senador Mão Santa, aqui presente, tem que reconhecer que o Presidente Lula, hoje, se comporta no cenário internacional com dimensão que talvez nunca tenhamos tido no passado, salvo no século XIX, com Dom Pedro II, que, realmente, conseguia sentar-se com os grandes, mas, para isso, ele precisou ficar 50 anos no poder. Além disso, naquela época, não havia ninguém com destaque. Não era o tempo global, não era o tempo da mídia informática. Hoje, o Presidente Lula senta-se, e as pessoas sabem que está ali o Presidente Lula. Senta-se com o grupo do G5, do G8, do G20, dá seu recado, dá a sua fala.

            Creio que nós, brasileiros, podemos, sim, sentir certo orgulho pela maneira como ele se apresenta. Agora, não sinto orgulho pelas posições que ele andou tomando. São duas coisas diferentes.

            Vejam que, antes de ontem, ele recebeu um dos maiores prêmios que se dá, que é o prêmio pela promoção da paz. Ele o recebeu na Unesco. Um prêmio que, se olharmos a lista dos nove ou dos dez que já o receberam, dá orgulho o fato de o Presidente brasileiro estar ao lado, pelo destaque desses personagens. Além disso, quase todos eles, pouco tempo depois, receberam o Prêmio Nobel da Paz.

            Sai dali, vai para a Itália como grande estadista e senta-se com os outros chefes de estado e de governo em condições de igualdade. Qualquer brasileiro imparcial tem que reconhecer esse desempenho.

            Agora, qualquer brasileiro preocupado com o futuro do País e do mundo não pode estar de acordo com as posições que ele tomou ontem, e está tomando hoje, na reunião do Grupos dos 5, dos 20 e dos 8. Isso porque, quando a gente vê o mundo inteiro caminhando na direção de uma preocupação com o meio ambiente, preocupação com o aquecimento global, preocupação com o desequilíbrio ecológico, preocupação com os riscos da cadeia de vida que há no planeta; quando a gente vê o Presidente dos Estados Unidos, os chefes de estado e de governo da Europa Ocidental defendendo um compromisso pela redução das emissões que aquecem o planeta, o Presidente Lula, ao lado dos Primeiros-Ministros da Índia e da China, assume posição contrária a isso.

            Senador Mão Santa, isso tem duas gravidades muito grandes, que já vou adiantar quais são e depois explico. A primeira é que, como Chefe do Governo brasileiro, percebe-se que ele defende um modelo incompatível com o futuro, um modelo que tende ao fracasso a médio e longo prazos. E a segunda, sobre a qual depois falo, é que, com o carisma, com a liderança que ele tem, quando defende isso, ele corrompe - vou repetir a palavra que usei, ele corrompe - a imaginação dos brasileiros, especialmente a dos jovens, que começam agora a despertar para o problema ecológico, para o problema do meio ambiente; que começam a ter a sensibilidade da importância do verde. Ao ouvirem o Presidente Lula dizer que o importante é queimar mais combustível fóssil, aumentar a emissão de dióxido de carbono, que isso não é nenhum problema, que não podemos parar a aceleração do crescimento econômico que está aí, é claro que os brasileiros vão levar em conta essa posição equivocada do nosso Presidente.

            Como cidadão preocupado com o futuro e como educador, quero dizer que o mesmo orgulho que tenho ao ver o nosso Presidente se destacando no meio dos grandes do mundo, do mesmo tamanho desse orgulho, tenho frustração profunda ao vê-lo defender posições que não são as posições progressistas necessárias para enfrentar o futuro.

            O Presidente tomou posições absolutamente conservadoras, reacionárias. Claro que a gente pode até dizer que podem ser progressistas do ponto de vista do vermelho dos trabalhadores, mas é reacionária do ponto de vista do verde do meio ambiente. E o desafio da esquerda, hoje, é casar o vermelho com o verde. Esse é o desafio. Quando o Presidente abandona esse lado verde e assume - e olhe que não muito - o lado vermelho, no máximo um amarelo, a gente tem que se preocupar com o que vem por aí.

            Sabemos que não é viável a continuação da economia baseada na indústria mecânica, que o futuro está no desenvolvimento de uma indústria baseada no conhecimento, e a gente vê o nosso Presidente insistir em que não podemos tomar medidas contra a emissão do dióxido de carbono porque isso impediria o crescimento da economia, sem se perguntar, na posição de líder que ele é, de estadista que deve ser, compromissado com o futuro, se esse é o crescimento que a gente deve ter. Acelerar é muito bom quando a gente vai no rumo certo, mas, quando a gente vai na direção do abismo, melhor pisar no freio e desviar de direção.

            Hoje, mais importante que a velocidade com a qual nós seguimos é o ângulo em que nós vamos dobrar para construirmos uma economia que seja baseada no conhecimento que não polui, que seja produtora do meio ambiente e que, ao mesmo tempo, seja distribuidora da renda - três pontos que são o contrário do que o Governo vem fazendo com o seu PAC, que é um programa de aceleração “desse” crescimento. Na verdade, o nome devia ser PADC - Programa de Aceleração desse Crescimento -, quando o que a gente precisa é de um Programa de Transformação do Crescimento, de Reorientação do Crescimento, um PRC. É disso que o Brasil precisa. Mas não foi isso que nós vimos ontem, nem hoje também, pelo que se vê, nas posições do nosso, sem dúvida alguma, Chefe de Estado, que nos orgulha pela sua presença no cenário internacional, mas que nos frustra e preocupa pelo conteúdo do que ele defende.

            O primeiro ponto, portanto, é esta preocupação de que ele não apenas vai impedir um grande acordo mundial por não colocar a assinatura dele. Por não trazer, com a influência que ele hoje tem, sim, a Índia e a China, ele vai impedir um acordo internacional. É triste, mas no momento em que o Brasil começa a ter a dimensão internacional, em vez de usá-la para mudar, usa-a para conservar, para impedir as mudanças. É triste que o homem que hoje mostra que é possível do Brasil sair uma liderança, use essa liderança conservadoramente, reacionariamente, e não revolucionariamente, do ponto de vista da transformação da economia, produzindo bens que sejam conservadores do meio ambiente, que sejam baseados na produção de conhecimento da ciência e da tecnologia e que sejam distributivos da renda. Não é isso que a gente está vendo nas posições do Presidente Lula. É lamentável!

            Outro ponto, como já adiantei de propósito, para mostrar quais são os dois pontos preocupantes, o ponto dele como gerente da economia e o ponto dele como educador, que é todo líder, é que ele está prestando um desserviço à opinião pública nascente no Brasil em defesa de um movimento em prol de um desenvolvimento equilibrado. Ele está prestando um desserviço ao passar à opinião pública, ao passar sobretudo aos jovens a ideia de que o futuro é a repetição dos erros do passado; ao não trazer, como líder e educador, a aventura de evitarmos os erros que os outros países cometeram.

            O argumento que eles dão, os três chefes de governo e estado - o Lula, o da Índia e o da China -, é que os países ricos já chegaram aonde queriam, por isso podem reduzir, e nós não chegamos ainda. Mas é lá que a gente quer chegar? É a esse tipo de crescimento que a gente quer chegar, ou é a um outro crescimento? É claro que é a um outro crescimento.

            Além disso, vamos falar com a seriedade dos números: não dá para caberem outros Estados Unidos no mundo, com aquele consumo absurdo, depredador e alienante que existe nos Estados Unidos. Agora, se não cabem outros Estados Unidos, com 300 milhões, imaginem com 1,2 bilhão, como a China, imaginem com 1 bilhão, como a Índia, ou mesmo com os 200 milhões do Brasil!

            Não é esse o caminho, Presidente Lula! Como líder carismático que é, o senhor precisa usar a sua força para trazer os dirigentes do mundo para uma posição de desenvolvimento sustentável e equilibrado, e trazer a consciência dos brasileiros para defender essa posição, fazer elevar a consciência brasileira para a necessidade de um desenvolvimento sustentável.

            Eu sei que, do ponto de vista eleitoral, essa não é uma posição simpática. Eu sei que não é simpático dizer que é preciso reorientar, mas não foi para isso que o Partido dos Trabalhadores foi criado? Não foi para substituir o caminho equivocado do desenvolvimento capitalista e o caminho equivocado do comunismo, trazendo uma esperança nova, de um desenvolvimento baseado no conhecimento, baseado no meio ambiente, baseado na distribuição? Não foi para isso que nós criamos o partido, que temos uma esquerda tentando nascer diferente daquela do passado, mas sem aceitar a ideia de que morreram os sonhos?

            Por que o nosso Presidente não aceita a ideia de que, além do seu Governo, o Brasil ainda vai existir? Mas não só em 2011, em 2020, em 2030, em 2100 - e a 2100 não chegaremos se continuarmos baseando o nosso crescimento numa aceleração em direção ao desastre ecológico, que leva à depredação do meio ambiente, que leva à desarticulação da agricultura.

            O Presidente Lula precisa entender que, como estadista, ele tem de pensar além, muito além do seu Governo, e levar em conta os impedimentos à continuação desse crescimento. Deve entender, também, que esse crescimento não apenas depreda a natureza, mas que ele, necessariamente, precisa concentrar a renda. Não dá para ele continuar achando que, pelos próximos 30, 50 anos, a gente concentrará a renda para vender mais carros e distribuir Bolsa Família para calar os esfomeados.

            Tem-se que encontrar uma outra alternativa. E essa outra alternativa tem tudo para sair do Brasil, porque é um país que tem todos os problemas do mundo e tem todos os recursos necessários. A África tem os problemas sem os recursos. Os americanos têm os recursos sem os problemas. Nós temos os dois, e temos uma massa de pensadores, já, capazes de formular um projeto alternativo.

            Agora - e eu peço mais um pouco de tempo, Senador -, o que me preocupa é que, em 2010, vamos ter uma eleição presidencial e o debate que vamos ter entre os dois candidatos que estão postos aí é um debate de nada mudar. A discussão entre Serra e Dilma vai ser de quem acelera mais para chegar mais depressa ao abismo, porque o abismo é depois do mandato deles. É depois do mandato deles. E não há uma preocupação de estadista, de longo prazo. É triste, mas vai ser um debate sobre velocidade e não sobre ângulo; sobre a velocidade da aceleração e não o ângulo do desvio, da inflexão, da mudança.

            É por isso que, ao mesmo tempo em que temos que reconhecer a dimensão da presença do Presidente Lula, do ponto de vista da importância que ele adquiriu - e, com isso, deu ao Brasil uma dimensão maior - no cenário nacional, temos de nos preocupar, porque suas posições são retrógradas, suas posições são imediatistas. Não há uma posição de longo prazo, nem progressista. Não há posição do progressismo do meio ambiente, nem do progressismo da reorientação do nosso parque produtivo para bens intensivos em conhecimento, em ciência e tecnologia.

            Concluo neste minuto, Senador Papaléo, dizendo que os outros países começam, agora, a aceitar a redução das emissões de dióxido de carbono, a mudança do seu parque industrial, porque eles já desenvolveram a economia do conhecimento, porque eles não vão precisar produzir carros. Eles vão exportar chips e comprar carros produzidos em outros lugares, mas numa quantidade menor, porque eles já são capazes de vender a tecnologia para fazer as coisas e de não ficar, ainda, na velha indústria dos séculos XIX e XX de produzir as coisas. Hoje, o que dá valor às coisas, o que dá valor a este microfone não é ele, o produto, é o que está dentro dele, o desenho, o chip, aquilo que faz com que isto seja um produto da inteligência.

            Eu faço um apelo ao Presidente para que mantenha essa sua dimensão. Faço um agradecimento, como brasileiro. Agora, faço também, ao lado do agradecimento, um apelo: pense um pouco mais no futuro do Brasil depois do seu mandato! Pense um pouco mais na necessidade de reorientação que nós tanto esperamos do seu Governo, do Partido dos Trabalhadores, dos outros partidos que formaram o Governo! Pense um pouco mais e use a força que o senhor adquiriu, graças a sua competência, ao seu carisma, para tentar mudar o mundo e não acelerar o mundo em direção ao desastre que todos já vemos!

            É isto, Sr. Presidente, uma mistura de admiração e frustração com o comportamento do Presidente nesses dias na Europa.

            O SR. PRESIDENTE (Papaléo Paes. PSDB - AP) - Antes, o Senador Cristovam Buarque.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Sr. Presidente, Senador Papaléo, quero fazer um comentário sobre o assunto da CPI.

            Assinei a convocação da CPI. Eu retirei a minha assinatura da convocação da CPI.

            Aliás, o Senador Papaléo, hoje, em seu discurso, falou que a Petrobras é um patrimônio que a gente não pode deixar ficar na lama. Então, precisa saber o que acontece ali. Eu assinei a CPI. Depois, houve a possibilidade de o presidente da Petrobras vir aqui fazer o seu depoimento diante do Senado, nós o perguntaríamos e, se ele não nos satisfizesse, levaríamos adiante a CPI. Fechamos esse acordo. As assinaturas ficaram guardadas, e traríamos aqui o Presidente da Petrobras.

            Aí, mudou tudo e decidiu-se convocar a CPI imediatamente. Fui contra, então, e retirei a minha assinatura.

            Quero dizer que se tivéssemos trazido o presidente da Petrobras, hoje ou já teríamos tudo explicado, ou, como as suspeitas aí estão, já teríamos tido todos os argumentos para convocar a CPI imediatamente.

            Mas quero dizer, Senador Alvaro, que agora sou um defensor ferrenho de que esta CPI comece o mais depressa possível. E mais que isso: que ela vá fundo, porque, se ela não for fundo, vai parecer que houve algum acordo relacionando a crise que o Senado vive à CPI: que o Governo teria cedido em troca de blindar o Presidente Sarney.

            Eu, hoje, sou um defensor da CPI e acho um absurdo, Senador Alvaro, que a gente não esteja fazendo a CPI imediatamente. Espero até que, se for o caso, não se entre em recesso para que essa CPI entre, sim, em atividade, porque o povo brasileiro está querendo saber o que de fato acontece naquela empresa.

            Esta é uma posição que eu queria deixar clara aqui: assinei, retirei e continuo fazendo a mesma posição: defendendo a existência de um sistema para apurar o que acontece na Petrobras. E hoje não há outro caminho - já não dá mais para ser aquilo que eu queria, que era ouvir o Presidente da Petrobras - , não há outro caminho a não ser a CPI.

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/07/2009 - Página 31326