Discurso durante a 118ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas às prioridades eleitas pelo Governo, na área da saúde, e ao seu desempenho no combate à malária, à febre amarela e à dengue. Registro de matérias publicadas nos jornais Correio Braziliense e O Globo, intituladas "Mosquito na gangorra" e "Saúde desiste de modernizar gestão da rede", e outras.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Críticas às prioridades eleitas pelo Governo, na área da saúde, e ao seu desempenho no combate à malária, à febre amarela e à dengue. Registro de matérias publicadas nos jornais Correio Braziliense e O Globo, intituladas "Mosquito na gangorra" e "Saúde desiste de modernizar gestão da rede", e outras.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Geraldo Mesquita Júnior.
Publicação
Publicação no DSF de 11/07/2009 - Página 31941
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, PRIORIDADE, IMPRENSA, AMBITO INTERNACIONAL, DIVULGAÇÃO, EPIDEMIA, DOENÇA TRANSMISSIVEL, MOTIVO, INCIDENCIA, PAIS INDUSTRIALIZADO, DIFERENÇA, TRATAMENTO, GRAVIDADE, DOENÇA TROPICAL, VITIMA, POPULAÇÃO, TERCEIRO MUNDO, PROTESTO, FALTA, INCENTIVO, PESQUISA, COBRANÇA, INVESTIMENTO, GOVERNO BRASILEIRO, PRODUÇÃO, VACINA, CAMPANHA, PREVENÇÃO.
  • ANALISE, SITUAÇÃO, BRASIL, DOENÇA TRANSMISSIVEL, AEDES AEGYPTI, MALARIA, FEBRE AMARELA, MANIPULAÇÃO, GOVERNO, DADOS, AUSENCIA, ERRADICAÇÃO.
  • APOIO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), NECESSIDADE, REFORMA ADMINISTRATIVA, EXTINÇÃO, ORGÃOS, ESPECIFICAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, CONTINUAÇÃO, CORRUPÇÃO, DESVIO, RECURSOS, REGISTRO, PRISÃO, COORDENADOR, ESTADO DE RORAIMA (RR).
  • DENUNCIA, DISCRIMINAÇÃO, POPULAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, MORTE, VITIMA, DOENÇA TRANSMISSIVEL, FALTA, PESQUISA, MOTIVO, INFERIORIDADE, PRODUTO INTERNO BRUTO (PIB), NUMERO, ELEITOR.
  • PROTESTO, INEFICACIA, ATUAÇÃO, FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAUDE, ATENDIMENTO, SAUDE, COMUNIDADE INDIGENA.
  • LEITURA, TRECHO, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, CORREIO BRAZILIENSE, DISTRITO FEDERAL (DF), O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), COMPARAÇÃO, DADOS, DOENÇA TRANSMISSIVEL, GOVERNO, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESISTENCIA, MINISTERIO DA SAUDE (MS), PROJETO, MODERNIZAÇÃO, SAUDE PUBLICA, MOTIVO, OPOSIÇÃO, MEMBROS, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), CRIAÇÃO, FUNDAÇÃO, DIREITO PRIVADO, DEFESA, ORADOR, PARCERIA, SETOR PUBLICO, SETOR PRIVADO, AREA, SAUDE.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Mão Santa, como sempre brilhantemente presidindo as sessões do Senado, com a gentileza de suas palavras; Srªs e Srs. Senadores; senhores telespectadores da TV Senado e ouvintes da Rádio Senado, como disse o Senador Mão Santa, sexta-feira é dia de sessão não deliberativa, mas os Senadores vêm para cá para discutir temas de interesse nacional, regional e de seus Estados. Afinal, o Senado é exatamente isto: a Casa que representa os Estados, a Federação. Aqui, estão igualmente representados todos os Estados. Qualquer Estado do Brasil conta com três Senadores, tanto o meu pequenino Estado de Roraima - digo pequenino no sentido da pouca população - como o gigantão São Paulo, e isso propicia realmente que não apenas dois ou três Estados populosos dominem politicamente o País e possam impor uma espécie de colonialismo interno.

            Mas, Sr. Presidente, hoje, quero abordar um tema que nos diz respeito muito de perto, como médicos, que é a questão da saúde no Brasil.

            Hoje, o noticiário está focado na popularmente chamada gripe suína, que, aliás, é um termo que não foi inventado aqui, no Brasil, mas nos Estados Unidos e no México, mas que de suína nada tem. Portanto, a chamada Influenza ou Gripe H1N1 domina o noticiário. Por quê? Porque afeta os países ricos, Senador Mão Santa. Porque há casos na Europa, nos Estados Unidos, no Japão. Então, aí, domina o noticiário mundial e nacional. Se fosse algo circunscrito ao Brasil ou até mesmo à América do Sul, com certeza, não mereceria o destaque que tem. Por isso, vou fazer aqui uma análise de três doenças apenas, três doenças que afligem o Brasil inteiro e, notadamente, nossa região amazônica, Senador Geraldo Mesquita.

            O Governo está se notabilizando por fazer a propaganda de que as coisas ficaram menos ruins. Ao invés de se comemorarem avanços, comemora-se, na verdade, o recuo, quando este é menor, quando se recua menos. Por exemplo, hoje, o jornal oficial e de propaganda do Governo Lula, da Presidência da República exatamente, traz uma matéria: “Casos de Dengue caem quase 50%”. Quem lê só a manchete diz: “Puxa! Que coisa importante, caiu 50%”. E a gente sabe que as epidemias de dengue são cíclicas. Elas têm períodos de alta e de baixa. Mas o que é importante é que, na base, historicamente, não avançamos nada, não! Não avançamos nada, não! É dito aqui: de 719.593, caiu para 361 mil os casos de dengue de 2008 para 2009, ou seja, em 2008, houve aproximados 719 mil casos e, em 2009, 361 mil. Ora, são 361 mil casos de dengue, usando os dados deles!

            Vamos analisar aqui - ao final, vou voltar ao assunto da dengue -, por exemplo, o caso da febre amarela, que é doença quase sempre mortal e que, infelizmente, merece, na verdade, pouco destaque na mídia nacional e menos ainda na internacional, porque a febre amarela praticamente não atinge os países ricos. Há vacinação, e, quando se viaja, já se é vacinado previamente. Mas é só olharmos os dados para vermos que o quadro da febre amarela no Brasil realmente não vem melhorando. Em 2008, houve um avanço considerável da febre amarela no Brasil. Em 2007, houve treze casos e, em 2008, 46 casos. Então, vejam que, na verdade, o número aumentou de 2007 para 2008. Nos dados oficiais, é muito complicado haver dados claros, facilmente inteligíveis e traduzíveis para a população, mas o que é certo é que a febre amarela, hoje, já aparece nos Estados do Sul e do Sudeste. No Centro-Oeste e no Norte, isso já vem acontecendo com frequência. Infelizmente, esse combate não é feito de maneira eficaz.

            Aliás, aqui, quero até defender o Ministro Temporão. Na verdade, o Ministro, enquanto não se livrar de órgãos anacrônicos dentro do organograma do Ministério da Saúde, não vai avançar muito nessa questão, não. A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) está atolada em desvios de recursos públicos e, reiteradamente, vem fazendo disso uma rotina de corrupção. Lá, no meu Estado, um coordenador anterior da Funasa foi preso, juntamente com outros funcionários e empresários; e a constatação da Polícia Federal, inicialmente, era a de um desvio de R$34 milhões, só no Estado de Roraima. O atual coordenador da Funasa foi preso pela Polícia Federal em outra operação; depois, foi liberado. Está respondendo a processo e continua coordenador. Já fiz aqui algumas denúncias e as encaminhei para o Ministério Público e para o Tribunal de Contas da União (TCU). Vou continuar denunciando o que considero crime hediondo, que é roubar dinheiro da área da saúde.

            Enquanto isso, os dados em nada ajudam o Governo Federal. Por exemplo, vamos para outra doença: a malária. Vamos nos basear em apenas três anos: em 2007, havia 458 mil casos de malária; em 2008, 306 mil casos; em 2009, ainda não há dados disponíveis, mas não vem melhorando significativamente. Mas é lógico que o Governo Lula vai comemorar, porque reduziu de 458 mil casos para 306 mil casos de 2007 para 2008. Mas vejam que a quantidade de pessoas infectadas pela malária e pela febre amarela é superior à infectada pela gripe suína no mundo todo. Mas, como é doença de país pobre, não merece sequer atenção dos centros de pesquisa, dos laboratórios farmacêuticos do mundo, porque não existe malária nos Estados Unidos, na Europa, no Japão. Então, evidentemente, eles não investem, porque não dá lucro. Mas o Governo deveria investir, por meio dos seus institutos de pesquisa, para que fosse produzida vacina contra a malária, como já existe para a febre amarela; para que fosse feito um trabalho mais eficiente, efetivamente, de educação sanitária e de prevenção da doença. Mas isso não vem sendo feito.

            Aí, vamos para a dengue. Tomemos os dois anos em que o Governo comemora, porque reduziu a doença em 50%. Houve 361 mil casos de dengue em 2009 - está aqui, inclusive, no jornalzinho deles -, e ainda estamos em julho. No ano passado, houve 719 mil casos. O mais grave é que, em 2008, houve 201 mortes por febre hemorrágica e 235 mil mortes por complicações da dengue. Veja, Senador Geraldo Mesquita, que o número é maior do que o dos casos da chamada gripe suína. Mas por que não há investimento para se desenvolver uma vacina, com mais pesquisas sobre a dengue? Porque essa doença só existe nos países pobres e, notadamente, na nossa região amazônica, no Centro-Oeste. Quando a dengue chega ao Rio - e já chegou várias vezes -, aí, pronto, mobilizam-se Deus e o mundo para combatê-la, até porque o Ministro é de lá. Mas, quando estão morrendo no Acre, no seu Estado, no meu Estado, não há essa preocupação. Entendo que a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) ou a Organização Pan-Americana da Saúde agem de forma vagarosa nessa questão, porque, se fossem mais eficientes, não haveria tantos casos assim!

            Quero ouvir, Senador Geraldo Mesquita, com muito prazer, seu aparte.

            O Sr. Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - AC) - Quero só corroborar o que V. Exª está dizendo, Senador Mozarildo, em se tratando de doença de país pobre. No Acre, morre gente de malária ainda. Acredita num negócio desse? Malária! Malária não existe nos Estados Unidos, não existe na França; só existe aqui, na nossa região, na África, em países realmente pobres, em Estados como os nossos. Malária, Senador Mozarildo! Se se fizesse um alarde em torno da malária, como se faz em torno da tal gripe suína, tenho a impressão de que a gente já teria erradicado esse mal da nossa região amazônica. V. Exª foi muito feliz, hoje, em abordar esse assunto. Parabéns!

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Senador Geraldo Mesquita, para se ter uma ideia, no Brasil, houve um caso comprovado de morte pela chamada gripe suína ou Influenza A (H1N1) - quer-se desviar o nome original, inventado nos Estados Unidos. Ao todo, no Brasil, houve 977 casos. Foram 977 casos! São dados do Ministério da Saúde. E houve uma morte. Mas veja quantos casos de morte por dengue em 2008: 201 casos pela dengue hemorrágica e 235 casos por complicações da dengue, a chamada DCC. Portanto, são 536 mortes no ano passado contra uma da gripe suína.

            E há algo mais interessante: se V. Exª prestar atenção, Senador Mão Santa, nos dados mundiais, dá para entender por que, até nisso, o Brasil vai a reboque nessa questão de tanto destaque para a gripe suína. Nos Estados Unidos, morreram 170 pessoas; no México, 119; no Canadá, 25; no Reino Unido, 13. Aí, mexeu com os ricos, é mobilizada toda a estrutura mundial, e o alarme é feito.

            Mas repito: essas doenças - para as quais eu usaria até um termo inadequado - tradicionais no Brasil, como disse o Senador Geraldo Mesquita, estão matando na Amazônia. Morrem por malária, por febre amarela, por dengue. E morrem! Vejo tanta gente se mobilizar para demarcar terra indígena, mas não vejo ninguém se preocupar seriamente com os índios que morrem de malária, de dengue, de febre amarela. Não vejo isso.

            Já que falei na população indígena, quero dizer que é a Funasa que cuida da saúde indígena não só na Amazônia, mas no Brasil todo. É um desastre! Aliás, vou relembrar aqui a frase do General Heleno, ex-Comandante Militar da Amazônia: “A política indigenista, como um todo, é um caos, mas, na área da saúde, é um caos multiplicado por mil”.

            Quero chamar a atenção aqui também para matéria publicada hoje no jornal Correio Braziliense que diz: “Mosquito na Gangorra”. Olha aqui, Senador Geraldo Mesquita, Senador Mão Santa, Senador Heráclito: “Número de casos de dengue na era Lula é 22% maior do que na de FHC [isso a propaganda oficial do Governo não diz]. Mas cai em relação a 2008 [aí o Governo pega esse detalhe e o destaca como grande vitória]”. Durante o Governo Lula, ocorreram 22% a mais de casos de dengue do que nos oito anos do Governo Fernando Henrique Cardoso. Isso é lamentável! O Governo deveria ter mais preocupação e vergonha na cara quando lidasse com esses números, para não enganar a população, porque dá a falsa sensação de que as coisas estão melhores. Manipular números é muito fácil: é como manipular pesquisas em campanha política.

            Leio também hoje em O Globo: “Saúde desiste de modernizar gestão da rede [de saúde]. Temporão enfrentava resistência do PT a fundações estatais de direito privado, projeto que tramita no Congresso”.

            Vou ler só uma parte da matéria:

Enfrentando oposição dentro do PT, partido do governo, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, desistiu do projeto de implantação das fundações estatais de direito privado, que tramita no Congresso Nacional. O anúncio de que Temporão não brigará mais pela criação dessas entidades, que modernizariam a gestão da rede pública de saúde, foi feito ontem, por dois de seus principais assessores, em reunião com integrantes do Conselho Nacional de Saúde, que festejaram a iniciativa. A fundação permitiria, por exemplo, a cobrança de metas e a contratação de servidores pelo regime da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho).

O projeto enviado pelo Executivo tem a assinatura de seis ministros, mas Temporão era o único que, até agora, saía em defesa da proposta.

            Então, vejam bem, quando se tratava de modernizar, o PT entrava, porque quer o modelo estatizante. Como, aqui, fala-se que é uma fundação de direito público, mas que pode ter a participação da iniciativa privada, como é o caso da Rede Sarah, que é semelhante e que é eficientíssima na gestão de recursos públicos, o Ministro jogou a toalha. Por quê? Porque, embora mandado pelo Governo, com a assinatura de seis Ministros, deixaram Temporão sozinho. E S. Exª já jogou a toalha.

            Mas vamos ver, Senador Mão Santa, como realmente é triste. A Diretora de Vigilância Epidemiológica do Distrito Federal disse que a dificuldade de eliminar a dengue se dá por que 80% das larvas se concentram nos domicílios. Está aqui a dengue em números. No Brasil, em 2008, os dados são de 585 mil casos e, como eu já disse, de mais de 500 mortes.

            Faço esse registro, Senador Mão Santa, para pedir seriedade no trato de algo fundamental para o ser humano, que é sua saúde, sua vida. Não se pode ficar brincando de fazer propaganda política com dados estatísticos manipulados.

            Quero repetir: estamos fazendo um esforço muito grande para fazer até um diagnóstico e ouvimos, há poucos dias, num trabalho conjunto entre a Comissão de Ciência e Tecnologia e a Subcomissão Permanente da Amazônia, que presido - e a outra é presidida pelo Senador Flexa Ribeiro -, representantes do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, do Centro de Biotecnologia da Amazônia, do Instituto Evandro Chagas, do Museu Emilio Goeldi, enfim, de várias instituições. Vamos ouvir mais, vamos ouvir as faculdades, as universidades, porque devemos apresentar um diagnóstico e uma proposta da Amazônia, para a Amazônia, a partir da Amazônia.

            Já me convenci de uma coisa: o Governo brasileiro não dá valor à Amazônia, por algumas razões, e a primeira delas é a econômica, Senador Mão Santa. Qual é nossa participação no Produto Interno Bruto (PIB) nacional? É de 8%. Por que não produzimos mais? Porque o Governo Federal entrava de toda forma o desenvolvimento da Amazônia. Aí, vamos para a população. Somos 25 milhões de habitantes, que é a população de toda a Venezuela, que é uma população maior do que a das três Guianas: a República da Guiana, o Suriname, que é a ex-Guiana Holandesa, e a Guiana Francesa - a nossa é uma população muitas vezes maior, aliás. No entanto, o Governo e muitos políticos importantes deste País analisam assim: “São 25 milhões de habitantes, mas São Paulo tem 41 milhões de habitantes. Há muito mais eleitor em São Paulo do que na Amazônia toda. A Amazônia não é importante sob o ponto de vista da participação no PIB nacional, não é importante quanto ao número de habitantes”. É importante em quê? Para servir de charme. Num evento no exterior em que o Presidente Lula estava presente, apareceram uns militantes do Greenpeace com faixas com os dizeres “Lula, salve a Amazônia!”. Eu diria: Presidente Lula, salve a Amazônia, sim!

            O Presidente Lula deu um passo importante, reconheço, com a aprovação da medida provisória da regularização fundiária, que vai permitir a legalização das terras de milhares de pessoas que estão lá - a lei diz que é de 2004 para trás - há décadas, produzindo numa terra que não era deles. Mas o Governo precisa avançar na saúde, na educação, na ciência, na tecnologia e na inovação. É preciso que a gente avance. Estamos fazendo esse trabalho no Senado, junto com outras Comissões.

            Esses dados sobre febre amarela, dengue e malária, só para citar três exemplos de doenças, comprometem todo o Brasil e exigem que seja dada maior atenção do que a que está sendo dada, atualmente, para a chamada gripe suína ou Influenza A (H1N1), para ser tecnicamente de acordo com o que está sendo divulgado.

            Então, Sr. Presidente, quero terminar meu pronunciamento, solicitando que V. Exª autorize a transcrição de algumas matérias a que me referi, mas deixando esse alerta.

            Aqui, até já fiz algumas críticas ao Ministro Temporão. Disse até, usando o popular, que a gente sabe que temporão - não é, Senador Geraldo Mesquita? - é aquele filho que chega fora de época, quando não estava mais sendo esperado. Eu disse que o Ministro Temporão chegou, fazendo jus ao seu sobrenome, fora de época. S. Exª, pessoalmente, tem feito um esforço, mas, infelizmente, não o deixam avançar. S. Exª já disse que a Funasa é um antro de corrupção - foi S. Exª que disse - e teve de, praticamente, desdizer isso. S. Exª quer criar essas fundações - repito que o Executivo mandou, com a assinatura do Presidente Lula e de seis Ministros -, mas o Partido do Presidente Lula, na Câmara, fez com que o Ministro jogasse a toalha, e não vai mais haver as fundações que, segundo está dito aqui, modernizariam a gestão da saúde no Brasil. E é disto que está precisando na saúde: modernizar a gestão, ser honesto na aplicação dos recursos.

            Lembro-me de que a diretora do Instituto Evandro Chagas, em Belém, que é um centro de referência centenário, disse que dinheiro existe, que dinheiro não é o que está faltando, que o que está faltando é seriedade na aplicação do dinheiro público, isto é, honestidade. Mostrou como, realmente, há descaso com a saúde pública. V. Exª se lembra, Senador Geraldo Mesquita? Ela falou, muito claramente, que o Instituto tem mais bolsistas trabalhando do que funcionários concursados, e o Ministério do Planejamento e Gestão não autoriza a realização de concursos públicos. Então, como é que vamos fixar, Senador Cristovam, na Amazônia, pesquisadores, doutores? Não os fixamos. Eles ficam lá por um período e, depois, vão embora para trabalhar em alguma fundação, em alguma empresa importante do Sul e do Sudeste.

            Senador Cristovam, honra-me muito o aparte de V. Exª.

            O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador Mozarildo, aproveitando a sexta-feira, quero tocar em dois pontos do seu discurso, felicitando-o em ambos. Primeiro, quero falar dessa diferença no cuidado que a gente tem com certas doenças e com outras doenças. Se prestarmos atenção - e, aqui, o médico não sou eu -, vamos perceber que às doenças que vêm por vírus dá-se mais atenção. Por quê? Porque elas são democráticas. O vírus é democrático. O vírus não escolhe classe social. O mosquito a escolhe, porque o mosquito mora onde moram as pessoas que não têm dinheiro, onde não há esgoto e diversas formas de proteção. O vírus se espalha independentemente das fronteiras sociais. Por isso, no caso da poliomielite, é um exemplo brasileiro para o mundo inteiro a forma como a erradicamos. Outro exemplo brasileiro é o cuidado com o HIV, com o problema da Aids no Brasil. São doenças que atravessam as fronteiras sociais. O mesmo não acontece com dengue, com malária, com tuberculose. E esta é uma característica trágica do Brasil: essa linha que separa a parcela que pode ter acesso aos serviços daquela que não pode ter acesso aos serviços, que divide o Brasil em dois, como divide o mundo também. Há pouco, o senhor e o Senador Geraldo Mesquita falavam de doenças que existem na África e de doenças que existem aqui, diferentes das dos Estados Unidos. Mas não é só na saúde. Há uma linha que atravessa entre os que moram em casas boas e os que moram em casas ruins, entre os que têm acesso a atendimento médico bom e os que têm acesso a atendimento médico ruim. Atualmente, por exemplo, está havendo uma grande crítica, que é correta, do quanto se gasta no Senado com o serviço de saúde, mas ninguém percebe que há uma coisa por trás disso tão grave quanto gastar muito: o fato de que haja uma saúde para Senador diferente de uma saúde para o povo. A gente nem percebe isso! É como se fosse uma coisa natural, no Brasil, haver uma saúde para os ricos diferente da dos pobres. Alguns servidores públicos, como nós, têm acesso a serviços especiais, mas há os que não contam com serviços sociais. Ainda que se gaste pouco em um serviço médico, ele não é republicano se ele é especial. Serviço médico ou é para todos ou não é republicano. E aí vem outro ponto que o senhor tocou, e quero manifestar meu apoio: o que é público, e o que é particular? Essa ideia, de que o senhor falou, do projeto de lei que cria permissão para os hospitais funcionarem de maneira pública, mesmo que não estatal, tem de ser apoiada. O que é um hospital público? É aquele que tem duas características: atende a todos gratuitamente e tem qualidade. Um hospital do Estado sem qualidade não é público; é estatal, mas não é público. E um hospital que atende a poucos não é público, mesmo que seja estatal. O que a gente precisa é publicizar a saúde. Em alguns momentos, a publicização pode ser feita em entidades hospitalares, administradas de forma privada, com donos. Algumas entidades religiosas, que sempre existiram no Brasil em muitos lugares, tinham dono, mas eram públicas, porque serviam ao público e o serviam com qualidade. Creio que há um equívoco que vem dessa ideia de que só é público o que é estatal e de que é privado tudo o que for particular. Não, há coisa que é propriedade privada, mas que presta serviço público. O que é importante é que seja gratuito, que não selecione quem entre e que seja de qualidade. E, nesse sentido, deve haver cooperação entre o público e o privado, com o Estado pagando e com uma administração que pode ser, sim, particular. Ela pode ser pública, de interesse público. E o senhor fez bem em levantar isso. É lamentável que o Ministro da Saúde tenha recuado desse caminho. Ouço muita gente dizer: “Saúde só é boa se for estatal”. Pergunto: “Você nunca foi a um médico particular?”. Não é ruim que seja particular; ruim é que tenha de pagar, e, aí, poucos têm acesso. Todos deveriam ter acesso, como foi durante muito tempo no sistema inglês, em que o médico recebia do Estado, mas tinha seu consultório particular - creio que, mesmo assim, ele era um servidor da saúde pública. Então, V. Exª abordou dois pontos fundamentais. Mostrou que existem doenças para ricos e para pobres; os ricos são atendidos, mas não outros. E assim existem escolas também. Insisto: não é republicano o país onde a escola dos ricos é diferente, do ponto de vista de qualidade, da escola dos pobres. Isso não é republicano. Não é republicano um país em que o acesso à saúde é desigual. E, no caso da saúde, não é republicano a pesquisa, o investimento em tecnologia, que visa a resolver apenas as doenças que atingem uma parcela rica da população, como é o caso da saúde no mundo inteiro nos dias de hoje. Há a parcela que cuida de vírus, que são democratas por que não escolhem classe e que são enfrentados com rigor. Os mosquitos, que não são democratas, que só mordem os que moram em certos lugares, esses a gente os deixa por aí, fazendo os estragos que eles costumam fazer.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Senador Cristovam, V. Exª, com seu aparte, só fortalece meu pronunciamento e dá maior credibilidade a ele. Senador Cristovam, eu justamente comentava essa manipulação dos dados estatísticos para confundir a própria mídia, que, muitas vezes, os repete, porque realmente são dados aparentemente sérios. Citei aqui, por exemplo, o caso da Influenza A (H1N1), à qual é dada importância por que matou 170 pessoas nos Estados, 119 pessoas no México e 25 pessoas no Canadá. Há uma mobilização internacional contra ela, que atinge a todos. A pólio atingia todos; no mundo todo, havia a poliomielite. Com o desenvolvimento de vacina e de campanhas bem efetuadas - lembro-me de que fui Secretário de Saúde por duas vezes e de que fazíamos campanhas sistematicamente -, praticamente não existe mais pólio no Brasil. A Aids - V. Exª disse muito bem - deixou de ser uma epidemia para ser uma doença crônica. Quem adquire Aids hoje não morre imediatamente. Por quê? Porque, como a Aids atacava também pessoas de países ricos, foram desenvolvidos remédios rapidamente, fazendo com que, hoje, pessoas portadoras do vírus da Aids possam viver bem, sem grandes problemas.

            Quanto à questão do vírus, Senador Cristovam, ocorre que também a dengue é transmitida por um vírus, mas o portador do vírus é um mosquito; a febre amarela também é transmitida por um vírus, mas seu portador é um mosquito também. Como na Europa e nos Estados Unidos não há mosquitos, como lá a transmissão só se dá de pessoa a pessoa, por gotículas de saliva ou por aperto de mão, aí a coisa realmente ganha essa dimensão.

            É triste que exista este maniqueísmo: doença que é de pobre e doença que é de rico. E há maniqueísmo também - e V. Exª enfocou muito bem - entre o que é público e o que é privado. Como a rede Sarah Kubitschek pode ser rotulada? Pública? Privada? Autarquia? A definição pouca interessa, mas ela funciona com uma administração, como se fosse uma instituição privada, e executa um trabalho exemplar. Isso mais ou menos era o que o Ministro queria fazer.

            Há outra coisa: se houvesse, efetivamente, seriedade, não seria preciso construir mais hospitais neste País, se se soubessem fazer justamente esse entrelaçamento entre o público e o privado. Ora, há até as chamadas Parcerias Público Privadas (PPPs) para obras. Por que não existir PPP, por exemplo, para a saúde, para a educação? Por que não pode haver isso? Se houvesse isso, não precisaríamos construir hospitais Brasil afora. Talvez, só nos Estados pobres mesmo, hospitais seriam construídos, porque a iniciativa privada não iria para lá.

            Senador Mão Santa, ao concluir, peço, mais uma vez, a V. Exª a transcrição, nos Anais da Casa, dos dados e das matérias que aqui li.

            Para encerrar, faço este pedido ao Presidente Lula: não deixe que tratem a saúde sem ser de maneira séria. Não deixe ideologizar a saúde. O Sistema Único de Saúde (SUS) é muito lindo em sua concepção, mas, infelizmente, tem de ser modernizado, ou melhor, felizmente, é necessário que se modernize o SUS, inclusive dando uma roupagem não ideológica à questão. O SUS, realmente, precisa ser modernizado, mas, infelizmente, o Ministro Temporão já recuou com relação a essa proposta assinada, repito, por seis Ministros. Deixaram-no só, o que lamento muito, porque quem paga esse pato é a população mais pobre.

            Nós, que somos médicos, Senador Mão Santa, sabemos disso. Trabalhávamos, quando exercíamos a profissão, no atendimento. Eu, por exemplo, atendia em hospital que era da Igreja Católica, onde existiam os chamados indigentes, aqueles que não tinham nenhum tipo de recurso, mais do que pessoas que tinham convênio. Hoje, o jovem tem até desestímulo para ser médico, primeiro porque vai receber do SUS, por consulta, R$2,00, R$5,00, R$10,00; depois porque tem de ter quatro ou cinco empregos para manter um nível salarial que o permita, pelo menos, comprar livros, atualizar-se, fazer cursos. E aí, repito, quem paga o pato é a população mais pobre.

            Mas o Presidente Lula ainda tem um ano e meio de governo e, se adotar medidas sérias, poderá concluir seu Governo, de fato, com estatísticas favoráveis, não como está dito no Correio Braziliense de hoje: “Número de casos de dengue na era Lula é 22% maior do que na FHC”. Isto é, em oito anos de governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, houve 22% menos de casos de dengue do que nos seis anos e meio do Governo do Presidente Lula. Então, é preciso que o Presidente Lula seja informado disso e não pegue essas estatísticas manipuladas que são publicadas no seu jornal de divulgação. Isso é muito ruim, porque propaganda de governo não pode ser feita com manipulação de dados, muito menos em áreas sensíveis, como é o caso da saúde, da educação e da segurança.

            Muito obrigado, Senador Mão Santa.

 

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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matérias referidas:

- Correio Braziliense, 10/07/09, “Mosquito na gangorra;

- Texto e tabelas: “Quanto ao número de óbitos, também em 2008 (...)”;

- Tabela: Casos de febre amarela;

- Tabela: Casos confirmados de malária;

- Ministério da Saúde, 08/07/09 “Nota à imprensa”;

- Brasil.gov, “Casos de dengue caem quase 50%; jornal O Globo, 10/07/09, “Saúde desiste de modernizar gestão da rede”.

 

            


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/07/2009 - Página 31941