Discurso durante a 119ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Dissertação acerca dos escândalos brasileiros. Previsão de que o eleitor em 2010 não se norteará pelas prioridades nacionais.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. EDUCAÇÃO. POLITICA SOCIAL. ELEIÇÕES.:
  • Dissertação acerca dos escândalos brasileiros. Previsão de que o eleitor em 2010 não se norteará pelas prioridades nacionais.
Aparteantes
Heráclito Fortes.
Publicação
Publicação no DSF de 14/07/2009 - Página 32024
Assunto
Outros > SENADO. EDUCAÇÃO. POLITICA SOCIAL. ELEIÇÕES.
Indexação
  • ANALISE, POLITICA NACIONAL, NOTICIARIO, SUCESSÃO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, IRREGULARIDADE, VICIO, ADMINISTRAÇÃO, ESPECIFICAÇÃO, REFERENCIA, SENADO, PRESIDENTE, CONGRESSO NACIONAL, INTERFERENCIA, LEGISLATIVO, EXECUTIVO, COBRANÇA, URGENCIA, NOMEAÇÃO, MEMBROS, CONVOCAÇÃO, CONSELHO, ETICA.
  • DENUNCIA, GRAVIDADE, SUBDESENVOLVIMENTO, BRASIL, AMBITO, ANALFABETISMO, CRIANÇA, ADULTO, INFERIORIDADE, ESCOLARIDADE, AUSENCIA, PAGAMENTO, PISO SALARIAL, PROFESSOR, CONCENTRAÇÃO DE RENDA, MISERIA, DEPENDENCIA, BOLSA FAMILIA, PRECARIEDADE, SAUDE PUBLICA, CORRUPÇÃO, TENTATIVA, OCULTAÇÃO, NEGLIGENCIA, SOLUÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS.
  • QUESTIONAMENTO, MEIOS DE COMUNICAÇÃO, DESVIO, ATENÇÃO, PROBLEMAS BRASILEIROS, FALTA, PRIORIDADE, APLICAÇÃO DE RECURSOS.
  • PREVISÃO, CAMPANHA ELEITORAL, SUCESSÃO, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, AUSENCIA, DEBATE, ALTERAÇÃO, MODELO, DESENVOLVIMENTO, EXPORTAÇÃO, PRODUTO PRIMARIO, RETORNO, CONGRESSO NACIONAL, POLITICO, REU, CORRUPÇÃO.
  • DEBATE, PREPARAÇÃO, BRASIL, CAMPEONATO MUNDIAL, FUTEBOL, DEFESA, LIMITAÇÃO, NUMERO, CIDADE, SEDE, REDUÇÃO, GASTOS PUBLICOS, CONSTRUÇÃO, ESTADIO, FALTA, PRIORIDADE, DESENVOLVIMENTO NACIONAL, CONTRADIÇÃO, CARENCIA, SANEAMENTO BASICO, EDUCAÇÃO, SAUDE.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, nessas últimas semanas, ou até meses, ou até anos, essas tribunas tem sido palco de muitos discursos sobre escândalos. Vim falar de três tipos de escândalos que temos no Brasil, Presidente Papaléo. Primeiro, são os escândalos visíveis, que estão todos os dias na imprensa. Depois, são escândalos invisíveis, que até aparecem, mas não os consideramos escândalos. E depois vou falar sobre o escândalo previsível. Portanto, vou falar sobre os visíveis, os invisíveis e o previsível.

            Os escândalos visíveis, todos sabemos, todos os dias a mídia fala. São os escândalos referentes, por exemplo, ao Senado e, há até pouco tempo, à Câmara; depois que passar o Senado, volta a ser a Câmara. E o Poder Judiciário também. Acho que podemos dividir também esses visíveis em dois grupos. O grupo dos escândalos coletivos, da Casa, históricos, que vêm de algum tempo e que temos que enfrentar em bloco: escândalo como o uso de passagens; escândalo como o uso da verba indenizatória. Não dá para culpar o Presidente Sarney por isso. Defendi a licença dele por alguns meses, dois meses, para que a apuração desses escândalos que tocam todos aqui, uns mais, outros menos, fosse feita de uma maneira imparcial e que passasse a ideia de imparcialidade.

            Ultimamente, porém, alguns escândalos, dos visíveis, Senador Mão Santa, dizem respeito diretamente ao Presidente Sarney e não ao conjunto da Casa. É o caso de algumas nomeações feitas. Não o caso dos atos secretos, não dá para jogar isso na culpa e na conta do Presidente Sarney. Esses são escândalos visíveis do conjunto da Casa e de dirigentes passados, entre os quais ele também, mas não ele prioritariamente. Agora, algumas nomeações que ele fez, sim, são visíveis e de responsabilidade dele. Denúncias feitas e que não foram ainda comprovadas, como o caso da conta no exterior não declarada e em valor alto, essa é visível e de responsabilidade dele, se for comprovada. O mau uso do dinheiro da Petrobrás, indo à Fundação de Memória do Presidente Sarney, que é uma coisa corretíssima e positiva haver uma memória de Presidente - isso eu acho positivo -, mas o desvio de dinheiro, se houve - e não se provou ainda -, é de responsabilidade do Presidente Sarney.

            Agora, há uma que de fato é visível e se sabe que não é hipótese. O Presidente Sarney nos disse aqui, a todos os Senadores, que ele nada tinha a ver com a administração da sua fundação. Mas está provado, com dados dos jornais, que de fato ele é um dos dirigentes. Então, o fato de ter havido ou não desvio não está provado, mas o fato de ter havido uma afirmação que não se comprovou está provado. Isso é muito grave e justifica o que alguns estão falando em quebra de decoro.

            Esses são alguns dos escândalos visíveis que nós temos, como também eu considero um escândalo visível e constatado, não hipótese como os que saem nos jornais, a relação do Poder Legislativo e do Poder Executivo, colocando o Poder Legislativo subordinado ao Executivo, colocando o Presidente Lula como quem blinda quem ele quer nesta Casa, porque ele não vai blindar a todos.

            Esses são os escândalos visíveis, que todos os dias a gente lê como hipótese ou como constatação e que exigem de nós medidas claras. Quando for preciso ir ao Conselho de Ética, tem que se mandar ao Conselho de Ética. E por isso eu creio que o Presidente Sarney não pode demorar a nomear os membros do Conselho de Ética e convocar o Conselho de Ética. Uma casa não pode viver sem Conselho de Ética, ainda mais na situação que nós estamos!

            Esses são os visíveis. Agora, nós temos esquecido os escândalos invisíveis neste País, como, por exemplo, o que o Senador Mão Santa acaba de ler. Isso, Senador Mão Santa, que o senhor acaba de ler é um escândalo! O escândalo de termos 27% de crianças no Piauí que não sabem ler. Mas, no Brasil todo, são 11% de crianças! Não é criança de zero ano, não; são crianças que já deveriam saber ler, crianças de 6, 7, até 11 anos. Onze por cento dessas crianças não saberem ler, uma em cada dez, é um escândalo tão grave quanto usar passagem do Senado - que é um escândalo grave também, não quero diminuir - sem ser para trabalho e como nomear pessoas. Tudo isso é um escândalo, no mínimo, tão importante e grave quanto este País ter 11% de suas crianças sem saber ler, depois de entrarem na idade escolar.

            É, sim, um escândalo que, neste País, cinco governadores tenham entrado com um pedido de inconstitucionalidade da Lei do Piso Salarial, que paga R$950,00 por mês ao professor. É um escândalo que fica invisível. Ninguém considera um escândalo esses cinco governadores terem entrado na Justiça, tentando impedir o pagamento do piso salarial de R$950,00 aos professores. É um escândalo! Não é um escândalo menor do que aqueles outros que aparecem.

            É um escândalo que, neste País, apenas um terço dos nossos adolescentes terminem o ensino médio. É um escândalo, mas é um escândalo dramático, é um escândalo tão grave como se estivéssemos queimando os cérebros dos nossos meninos e meninas neste País. Só que, se tocássemos fogo nos cérebros, seria capaz de as pessoas se escandalizaram. Mas quando abandonamos os cérebros, que seria o mesmo que queimá-los, não sentimos como escândalo. Esse é um escândalo invisível.

         É um escândalo que um país com 4,5 milhões de estudantes universitários tenha 14 milhões de adultos que não sabem a diferença do “a” para o “b” para o “c”. Analfabetos plenos. Isso é um escândalo. E nos esquecemos deste escândalo, prisioneiros que estamos dos escândalos visíveis que a mídia, felizmente, está nos mostrando.

         E o que dizer de 30 a 40 milhões de analfabetos informais, que sabem a diferença entre o “a”, o “b” e o “c”, mas que, quando as letras vêm todas juntas em um parágrafo, não são capazes de entender o que está escrito ali. Isso é um escândalo! Um escândalo invisível.

            Como é um escândalo também grave este País, em pleno século XXI, com o potencial que temos, ser um país exportador de ferro e importador de chips! Exportador de bens agrícolas e importador de bens de inteligência. Este é um país que não é capaz de exportar inteligência. Isso é um escândalo! Um país de 200 milhões de habitantes, que já é a oitava ou a nona potência econômica do mundo, mostra escandalosamente a sua situação, quando aceita se transformar em um país exportador de bens primários e industriais e importador de bens de inteligência e do conhecimento.

         É um escândalo, Senador Mão Santa, um país como o nosso ter 50% da renda nas mãos de 1% da população e ter 10% da população que não tem praticamente como sobreviver. Senador Mão Santa, é um escândalo, sim, o Brasil ser um país que tem 50 milhões de pessoas que só conseguem comer graças à ajuda do Governo, todos os meses, sob a forma do Bolsa Família. Pode-se dizer que seria até pior não haver o Bolsa Família, mas um país onde as pessoas para sobreviverem precisam dessa ajuda, com a riqueza do Brasil, é um escândalo! Na África, haver 50 milhões de pessoas que precisam de ajuda para sobreviver é uma tragédia, mas, no Brasil, é mais que uma tragédia; é um escândalo que elas só possam comer recebendo essa ajuda e que elas não sejam capazes de sobreviver por elas próprias.

            E o pior, o que é ainda mais escandaloso, é nós comemorarmos cada vez que há aumento do número de famílias que precisam do Bolsa Família para sobreviver. O Governo faz festa para dizer que não são mais 40, que são 50 milhões. Deveria comemorar quando dissesse que, dos 40 milhões a que antes pagávamos, agora só 30 milhões precisam receber o benefício.

            Esse é um escândalo invisível que nós precisamos mostrar ao povo. É um escândalo invisível, porque as pessoas não querem ver, porque a mídia não dá a dimensão de escândalo, apenas de notícia. Neste País, onde formamos milhares de médicos todos os anos, onde temos uma renda de R$2,5 trilhões por ano, dos quais quase 40% vão para as mãos do Governo, ainda temos filas nas portas dos hospitais, ainda temos pessoas esperando meses para fazer uma operação, como a gente vê todo o dia, como se fosse notícia, e não como se fosse escândalo. Como se fosse escândalo apenas aquilo que diz respeito à corrupção do roubo do dinheiro, e não o escândalo do roubo da vida de quem não teve um atendimento médico na hora certa.

            Roubar dinheiro do Governo é um roubo. Por isso, nem de corrupção a gente deveria chamar. É um erro chamar de corrupto quem é ladrão. Mas, no Brasil, a gente chama de ladrão quem rouba um pão e chama de corrupto quem rouba um milhão. Não podemos tolerar e devemos nos escandalizar com as corrupções que existem no comportamento. Mas temos que nos escandalizar também com as corrupções nas prioridades, porque se prefere pôr dinheiro em outras coisas em vez de na saúde do povo. Mas com isso A gente não se escandaliza. É apenas notícia uma fila no hospital.

            Escândalo fica sendo o que de fato é escândalo: usar passagens financiadas pelo Governo. Esse é um escândalo visível. Mas o outro tem sido um escândalo invisível. E a invisibilidade é um escândalo em si, Senador Mão Santa. Fazer com que esses escândalos graves que nós vimos - porque eu citei apenas alguns - fiquem escondidos, apenas vistos como notícias, de vez em quando, e não como escândalos, diariamente... Não dizer, diariamente, cada um destes escândalos: o do analfabetismo, o da fome, o da dependência do Bolsa Família, o das filas nos hospitais, o das crianças que vivem nas ruas, o da prostituição infantil; não dizer esses escândalos todos os dias, em fazer esses escândalos invisíveis, isso é uma corrupção, a corrupção do esconderijo dos escândalos sociais deste País. É um escândalo sim, tudo isso, Senador Mão Santa.

            Agora, eu disse que tinha o escândalo previsível, além dos escândalos visíveis e dos escândalos invisíveis. Para mim, o escândalo previsível é que, daqui a um ano e meio, nós vamos ter uma eleição. E todos aqueles hoje envolvidos nos escândalos visíveis serão reeleitos. Ouça o que estou dizendo, Senador Mão Santa: daqui a um ano e meio, nós vamos ter uma eleição e os envolvidos hoje nos escândalos visíveis que acontecem no Congresso vão ser reeleitos. Esse é um escândalo previsível; até porque a maior parte dos que estão envolvidos nesses escândalos visíveis não precisa de votos de pessoas que se indignam, que manifestam a sua indignação e que não se conformam com a corrupção. Eles serão eleitos por pessoas conformadas com a corrupção, serão eleitos por pessoas que não se indignam com a corrupção. Sabe por quê? Porque são pessoas vítimas dos escândalos invisíveis, pessoas tão vítimas dos escândalos invisíveis, mas que sentem na pele que eles não se escandalizam com os escândalos visíveis.

            Eles veem esses escândalos visíveis que os jornais colocam como algo, no mínimo, iguais aos escândalos deles, aos escândalos de ficarem na fila dos hospitais, aos escândalos dos quais eles são vítimas. E eles não conseguem perceber que os escândalos invisíveis dos quais eles são vítimas - os pobres nas filas, as crianças abandonadas, todos sem escola -, eles não conseguem perceber que esses escândalos invisíveis decorrem de dois fatos: dos escândalos visíveis, que roubam dinheiro que deveria ir para a educação e para a saúde, e desse absurdo escândalo que está na mentalidade de todos nós, que não tratamos como escândalo o que de fato escândalo é, a mídia.

            A mídia, que não consegue ver como escandaloso a corrupção nas prioridades; que vê como escandaloso apenas a corrupção no comportamento do político, e não a corrupção nas prioridades das políticas; a corrupção, por exemplo, Senador Mão Santa, de um país que vai entrar agora numa disputa imensa eleitoral para a Presidência, para saber quem acelera mais, e não quem muda mais o futuro do País. Como se acelerar para o abismo fosse positivo. Escândalo de candidatos a Presidente que vão falar olhando apenas o imediato, sem nenhuma proposta para o depois de amanhã, de quando saírem do Governo. Escândalo de candidatos que vão pensar apenas no voto desta eleição, e não na realização dos sonhos da próxima geração. Esse é um escândalo previsível. É previsível o escândalo de que o processo eleitoral brasileiro não vai trazer sonhos novos, não vai lutar contra os verdadeiros escândalos deste País, sejam os escândalos visíveis da corrupção, do comportamento dos políticos, seja o escândalo invisível das políticas equivocadas deste País.

            Por isso, Senador Mão Santa, falando dentro do tema geral, que é escândalo, mas trazendo uma dimensão que não tenho visto aqui, eu digo que nós temos hoje, o Brasil, um país debaixo de três grandes tipos de escândalos: os visíveis, os invisíveis e os previsíveis. Os visíveis, que a mídia põe todos os dias, de forma escandalosa, porque são escândalos realmente do comportamento da maior parte, ou de uma parte, ou de muitos, ou de alguns que sejam, dos políticos brasileiros. E, felizmente, a imprensa está denunciando esses escândalos vergonhosos da corrupção. Mas os escândalos que ela não mostra ou que não trata como tal são os escândalos de uma realidade social que é corrupta mesmo que ninguém roubasse dinheiro de um para o outro. Porque o roubo não está apenas em se apropriar do dinheiro público; o roubo está também em mandar o dinheiro público para prioridades equivocadas que não interessam às grandes massas.

            A construção de um prédio de luxo em um país sem água e esgoto é uma corrupção, mesmo que ninguém roube dinheiro daquele prédio. O roubo do dinheiro que ia para aquele prédio de luxo é uma corrupção no comportamento. Mas a construção daquele prédio de luxo em um país sem água nem esgoto é uma corrupção nas prioridades do uso dos recursos públicos. E essa corrupção tem que ser tratada com a dimensão de escândalo.

            Mas, lamentavelmente, é previsível que, daqui para frente, a gente vai continuar com os escândalos visíveis - e o pior é que talvez ninguém seja punido por causa deles - e os escândalos invisíveis, que a maioria se nega a ver e que alguns comemoram.

            Desculpem-me dizer, mas é um escândalo um país que não consegue pagar o piso salarial do professor isentar de IPI os automóveis. Mas quantos que me ouvem estão contentes porque agora podem comprar automóveis mais baratos? Quantos? Quantos não veem como escândalo o País abrir mão de impostos sobre automóveis, mas manter impostos sobre sapatos, sobre feijão! Quantos são capazes de ver isso como escândalo? São os escândalos invisíveis.

            E os escândalos previsíveis. Vamos ter uma eleição em que os escândalos invisíveis não entrarão na pauta, em que este País continuará discutindo como se manter no mesmo rumo, talvez limpando um pouco a lama, de um lado e de outro, mas sem dobrar na estrada, sem buscar uma nova orientação para o nosso modelo de desenvolvimento. E pior: a previsibilidade escandalosa de que o próximo Congresso vai trazer de volta aqui, com os votos dos eleitores, muito provavelmente, todos aqueles envolvidos hoje nos escândalos.

            Até mesmo se fôssemos capazes de tirar esses envolvidos em escândalos e se eles não ficassem cassados por alguns anos, conforme manda a Constituição, provavelmente voltariam, porque seu eleitor não é capaz de perceber a relação entre o escândalo invisível de que é vítima e o escândalo visível daqueles que roubam dinheiro que deveria servir para financiar os serviços que eles, os pobres, precisam neste País.

            Há três escândalos que este Senado deveria debater, mas há um escândalo final: é o de que, aqui nesta Casa, a gente não consegue debater isso. Esse não é um escândalo visível, invisível, nem previsível; esse é um escândalo constatavelmente triste. Não se debate esse tipo de escândalo.

            Também é triste que a mídia, que presta um imenso serviço em divulgar aquilo que é visível, não tome um pouquinho de tempo, para fazer uma análise mais detalhada da realidade social e não consiga trazer como escandalosa a vergonha da desigualdade, a vergonha da deseducação, a vergonha da dependência de 50 milhões do Bolsa Família, a vergonha de um processo eleitoral cujo único tema de debate talvez seja a corrupção do comportamento, e não a corrupção nas prioridades.

            Queira Deus que o Brasil desperte, Senador Mão Santa, para os outros escândalos, tanto quanto estamos despertando, felizmente, para os escândalos do mau uso do dinheiro público, sob o ponto de vista da apropriação por indivíduos, da colocação do dinheiro no bolso. Mas não estamos despertando para o grave: o dinheiro que não vai para o bolso de nenhum indivíduo, mas vai servir às classes privilegiadas, construindo aquilo que elas precisam e abandonando tudo aquilo que as massas pobres deste País precisam.

            Era isso, Senador Mão Santa, que eu tinha a dizer.

            Com muito prazer, passo a palavra ao Senador Heráclito Fortes.

            O Sr. Heráclito Fortes (DEM - PI) - Senador Cristovam, apressei-me em chegar até aqui para poder ter o privilégio de aparteá-lo. V. Exª aborda um tema de que tratei outro dia, en passant, na Comissão de Infraestrutura. Mas acho que V. Exª o traz a este plenário, e, pelo que disse agora, nós precisamos aprofundar um pouco: as grandes obras, as obras de luxo, as obras não necessárias num país sem saneamento, sem saúde, sem segurança. Eu queria chamar a atenção de V. Exª e de alguns colegas com relação a esta anunciada Copa do Mundo de 2014, no Brasil.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito bem, Senador.

            O Sr. Heráclito Fortes (DEM - PI) - Eu vi o Diretor da Infraero mostrar o investimento que fará em aeroportos. Nós estamos vendo, todos os dias, serem anunciados os investimentos em estádios. E aí a Copa do Mundo, hoje, que se torna um espetáculo eminentemente comercial, em que tudo é vendido - existem empresas de marketing que vivem exclusivamente disso -, impõe ao Brasil investimentos completamente desproporcionais à realidade em que vivemos. Eu quero a Copa do Mundo em 2014. Mas para que doze sedes? Para que isso? Nós não vamos nunca contentar todos os Estados brasileiros, não vamos fazer justiça a todos. Portanto, seria preciso que essas coisas fossem feitas com maior responsabilidade. Acho um desperdício o que se vai fazer, por exemplo, em termos de estádio. V. Exª se recorda de que, com a febre da Copa de 70, o Brasil saiu construindo estádios pelos Estados aí afora - era a época do milagre brasileiro -: uns Estados a fundo perdido, outros nem tanto, outro com empréstimo internacional. O Piauí fez um estádio fabuloso, o Ceará fez, o Maranhão fez, Alagoas fez, Sergipe fez, o Amazonas fez, o Brasil todo fez. Esses estádios dão prejuízo. O estádio do Piauí, que é um espetáculo arquitetônico, foi construído numa dimensão tal, que o atual Governo do PT transformou a área vizinha em estacionamento, fez lá uma tal de uma cidade Detran que inviabilizou o estádio, a ponto de que, hoje, se precisássemos realizar ali partidas internacionais para a Copa do Mundo, elas seriam proibidas, porque o estacionamento foi ocupado, e a obra foi desviada. Fico muito feliz em saber que V. Exª comunga desse pensamento e tem preocupação com relação a isso. Acho que temos a responsabilidade de alertar o País não porque não queiramos a Copa do Mundo, não - nós queremos a Copa do Mundo - mas não nas dimensões e no esbanjamento de gastos que a Fifa exige e que estamos aí correndo para atender. Nós temos que pensar em exemplos como a China e a Coreia, dois países riquíssimos: dividiram os custos, dividiram os gastos e fizeram a Copa do Mundo integrada.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Japão.

            O Sr. Heráclito Fortes (DEM - PI) - Japão e Coréia. Perdão, Senador, Japão e Coreia. Nós não podemos... Eu alerto para esses fatos. Nós temos que ver que o Brasil está-se recuperando de vários anos de dificuldade econômica, e é preciso, Senador Cristovam... Louvo V. Exª, por ter trazido esse assunto. Estou, inclusive, coletando dados, para falar na tribuna do Senado, brevemente, com mais detalhes. Mas V. Exª deu a dica, e eu não podia deixar, de maneira nenhuma, de ter a oportunidade de me juntar a V. Exª em seu pronunciamento. Muito obrigado.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador Heráclito, eu que agradeço muito, porque o senhor me trouxe uma percepção que eu não tinha tido. Tenho criticado essa ideia de se gastar tanto dinheiro na Copa em vez de se gastar em outras coisas. Apresentei até um projeto provocador: se o Brasil é capaz de gastar tanto dinheiro para a Copa, por que não erradica o analfabetismo? E aí fiz um projeto que diz que, se o Brasil, até 2014, não consegue erradicar o analfabetismo, que tiremos “Ordem e Progresso” da Bandeira, para que todos reconheçam a nossa Bandeira e não apenas os que sabem ler.

            O que o senhor trouxe de novo e que eu não tinha imaginado - a gente começa a ser viciado pelo que ouve - é que a Copa não precisava ser em tantas cidades. Isso é verdade. Creio que em 1950 foi em uma só cidade, no Rio de Janeiro. Não creio que a Copa de 50 tenha sido em mais de uma cidade.

            O Sr. Heráclito Fortes (DEM - PI) - Não, não. Em 1950 foi no Rio, em São Paulo, em Belo Horizonte, e acho que havia uma quarta cidade. Eram quatro cidades.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito bem. Mas o importante da sua colocação é que quem vai assistir a esses jogos não são os que moram nessas cidades. Não são os que moram nessas cidades.

            O Sr. Heráclito Fortes (DEM - PI) - Mas e o dia seguinte? Aqueles estádios, aqueles monstros montados, aqueles estádios com estrutura, sem uso, subutilizados!

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Isso, não vão, tanto que estão fazendo trenzinhos do aeroporto até os estádios, ou até os hotéis, para os que vêm de fora.

            O povo brasileiro vai assistir à Copa que vai ser no Brasil da mesma maneira que assistimos à Copa que foi na Coreia e no Japão: pela televisão. Agora, que nos dá orgulho ser aqui dá. Isso é bom para o Brasil? É. Mas podia ser realmente com um custo muito menor. Eu não havia pensado como. É simples: concentrando-a em algumas cidades, e as outras, aceitando que vão ver pela televisão, como, aliás, mesmo que seja em 12, provavelmente 5.552 - não sei se fiz as contas direito - não vão ter a Copa do Mundo e vão assistir pela televisão.

            Creio que V. Exª tem toda a razão. Vamos trazer a Copa, mas vamos fazer dentro dos limites dos nossos recursos. E mais, Senador Geraldo Mesquita, do ponto de vista logístico, é muito mais fácil preparar três, quatro cidades, do que preparar 12. E veja que a África do Sul está sofrendo problemas logísticos agora, por causa de greve de trabalhadores. Se a gente concentra, tem muito mais chance de fazer uma boa Copa.

            Creio que o senhor tem razão, Senador Heráclito. É uma maneira de ter a Copa sem gastar tantos bilhões, como estão sendo previstos.

            Esse é um exemplo de uma corrupção nas prioridades, mesmo em busca de uma coisa boa. E, às vezes, nem coisas boas a gente está buscando.

            O Sr. Heráclito Fortes (DEM - PI) - Senador Cristovam, gastar em cidades que têm necessidade premente de recursos em educação, saúde, saneamento básico! Cuiabá, Manaus e por aí afora. Fortaleza...

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Pelo visto, eu tenho que acrescentar mais uma categoria aos escândalos. Falei dos escândalos visíveis, os invisíveis e os previsíveis e tem mais um: os escândalos comemorados.

            O Sr. Heráclito Fortes (DEM - PI) - É verdade.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Esse é um escândalo que está sendo comemorado equivocadamente.

            Presidente Mão Santa, isso era o que eu tinha para falar. Agradeço o tempo que me concedeu.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/07/2009 - Página 32024