Discurso durante a 120ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Crítica à política adotada pelo Ministério da Educação, em relação a estudantes com deficiência.

Autor
Flávio Arns (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Flávio José Arns
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Crítica à política adotada pelo Ministério da Educação, em relação a estudantes com deficiência.
Aparteantes
Arthur Virgílio, Augusto Botelho, Eduardo Azeredo.
Publicação
Publicação no DSF de 15/07/2009 - Página 32175
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • MANIFESTAÇÃO, VOTO, REPUDIO, DECISÃO, CONSELHO NACIONAL, EDUCAÇÃO, ATENDIMENTO, SOLICITAÇÃO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), ALTERAÇÃO, DIRETRIZ, ENSINO ESPECIAL, REFORÇO, ALEGAÇÕES, SECRETARIA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL (SESPE), DESNECESSIDADE, MANUTENÇÃO, ESCOLA PUBLICA, DESTINAÇÃO, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA.
  • SOLICITAÇÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), REVISÃO, DECISÃO, CONSELHO NACIONAL, EDUCAÇÃO, EXTINÇÃO, ENSINO ESPECIAL, IMPEDIMENTO, EXCLUSÃO, GARANTIA, DIGNIDADE, CIDADANIA, DIREITOS HUMANOS, PESSOA PORTADORA DE DEFICIENCIA, FAMILIA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Agradeço, Sr. Presidente. Eu gostaria de abordar nesta minha fala uma situação, em particular, relacionada à pessoa com deficiência em nosso País. Nós sabemos que o contingente de pessoas com deficiências é grande, numeroso: 10%, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, o que representaria 19 milhões de pessoas, ou 14,5%, de acordo com o IBGE, totalizando 25 milhões de pessoas. E todas as áreas estão incluídas quando se trata de pessoas com deficiência, ou seja, pessoa cega, pessoa surda, pessoa com deficiência visual, resíduos visuais, deficiência física, deficiência intelectual, autismo, transtornos globais de desenvolvimento, condutas típicas, como também se fala, distúrbios - a maior queixa das escolas comuns hoje em dia -, deficiências múltiplas. Todas essas pessoas estão incluídas nesse percentual.

            Podemos imaginar, e as famílias que acompanham todos os trabalhos do Senado podem perfeitamente falar dos filhos, sobrinhos, netos, irmãos, de pessoas de maneira geral, que essas pessoas com deficiência têm, desde necessidades leves, vamos dizer assim, até necessidades profundas de desenvolvimento. Então, se nós pegarmos, por exemplo, um rapaz ou uma moça com deficiência intelectual, com necessidade severa de desenvolvimento com 15 anos de idade, esse rapaz ou essa moça vai aprender a lavar as mãos, a lavar o rosto, a se vestir, enfim, a ter uma vida independente, ou seja, uma educação para a vida, uma educação para a liberdade, uma educação para a independência, porque nada mais importante dentro de um currículo do que preparar o ser humano para a vida.

            E há uma discussão muito grande no Brasil - nunca houve essa discussão, mas está havendo neste momento - sobre onde essas pessoas devem ter a sua educação assegurada. E a Constituição Federal é muito clara quando diz que, preferencialmente, na escola comum. Ou seja, todo esforço tem de ser feito para que a escola comum atenda às necessidades dessas pessoas. A Constituição não diz exclusivamente na escola comum, apenas na escola comum, somente aquilo que a escola comum oferece. Por isso que, no decorrer dos anos, muitas chamadas escolas especiais se formaram no Brasil. Os Senadores, Senadoras e a comunidade conhecem muitas escolas mantidas por Apaes, por Pestalozzis, como as escolas para surdos, crianças e jovens surdos, e para pessoas com deficiências múltiplas. Por exemplo, alguém que tenha deficiência intelectual, deficiência física, deficiência motora tem uma deficiência múltipla. Então, a pessoa precisa receber o atendimento a que tem direito. O que uma escola especial faz? É autorizada pela Secretaria de Educação e tem professores, currículo, planejamento pedagógico, projeto político-pedagógico, regimento escolar; enfim, tudo o que é necessário para uma escola especial.

            As pessoas que trabalham na Secretaria de Educação Especial, do MEC, estão dizendo, desde o começo: “Vamos acabar com as escolas especiais. Vamos acabar com as escolas das Apaes, escolas de surdos, escolas para pessoas com distúrbios de conduta, problemas mais sérios. Vamos colocar todo mundo, obrigatoriamente, na classe comum. Vamos acabar com aquilo que a comunidade fez, com aquilo que a comunidade acha importante, necessário; e vamos colocar todas essas pessoas na classe comum, independentemente da vontade da pessoa e das famílias e ao arrepio da legislação”.

            Existe, eu diria, até um distúrbio de conduta, talvez, dessas pessoas que estão lá no MEC, no sentido de obsessão, para haver unicamente essa alternativa para o atendimento dessas pessoas. E as pessoas trabalham, na verdade, na surdina, no Ministério da Educação, e desqualificam. Dizem: “Não. Você está segregando. Você está marginalizando. Não pode fazer desse jeito”. Mas 5%, 10%, 20% da população de pessoas com deficiência, no mundo inteiro, em países desenvolvidos - às vezes até mais - estudam em escolas especiais.

            Nos Estados Unidos é 25%. Na Inglaterra, na França, vemos que pessoas até com necessidades leves ainda estudam em escolas especiais, o que não é objetivo aqui no Brasil. Não desejamos isso.

            Então, a pessoa com deficiência tem que ter o seu espaço na classe comum, preferencialmente; na escola comum, com outras alternativas, sempre que possível. E a própria LDB diz que, quando não for possível o atendimento com qualidade na classe comum, na escola comum, esse atendimento deve acontecer em escolas especiais ou outras alternativas que sejam criadas para atender, com qualidade do ponto de vista da educação, a pessoa com deficiência.

            Quando nós vamos a uma escola especial, observamos que há um atendimento integral. Uma boa escola mantida por uma Apae ou uma escola da Pestalozzi, por exemplo, é uma escola que atende a partir de zero ano de idade, educação infantil, ensino fundamental, educação para o trabalho, educação de jovens e adultos e acompanha essa caminhada do cidadão com deficiência pela vida.

            No mundo inteiro, aceitam-se dois princípios: quando você tem uma dúvida de qual o melhor encaminhamento educacional para uma pessoa, discuta com a própria pessoa com deficiência e com sua família, dialogue com a família. Vamos chegar a uma conclusão. Lá em Curitiba, por exemplo, acompanhando um grupo de surdos que estava no ensino médio, numa escola, um grupo de surdos nos disse: “Nós queremos um ensino médio especial”. Eu perguntei: “Por que especial?” Eles: “Porque, se estamos na classe comum, com professor de Física, de Química, de Biologia, nós temos muito problemas para acompanhar. E, se nós não concluirmos o ensino médio com qualidade, não nos habilitarmos de maneira adequada para o trabalho e para uma eventual instituição de ensino superior, nós não vamos nos incluir na sociedade”. Toda pessoa de bom senso vai dizer: “É claro. Vocês têm razão. Vocês precisam de um ensino médio especial. E são vocês que estão pedindo isso, que estão falando”. Nada mais justo do que escutar a própria pessoa com deficiência para dizer: “Olhem, vocês têm razão porque isso é fundamental para o processo de inclusão na sociedade”.

            Recebi uma pesquisa da USP, uma universidade das mais reconhecidas no Brasil, pedindo para debatermos esse assunto aqui, no Senado, porque o Ministério da Educação também está colocando todas as pessoas surdas, independentemente da vontade da pessoa e de sua família, na escola comum, fechando as escolas de surdos. E a USP diz que os prejuízos que tem observado com relação à população com surdez são extraordinariamente grandes, porque essa pessoa com surdez severa, surdez profunda, se não for atendida com qualidade, dentro de critérios técnicos, adequados, vai ter prejuízos, prejuízos imensos - é a própria USP dizendo.

            Outro dia recebemos aqui, no Senado Federal, um grupo de cegos, mães, pais, alunos, professores pedindo apoio do Senado Federal, porque o Ministério da Educação não estava mais fazendo material em braile, livro em braile para pessoas cegas.

            Estavam aqui 40, 50 pessoas dizendo: “Olhe, nós estamos ficando marginalizados, porque, não tendo livro em braile para as nossas necessidades, nós não vamos poder acompanhar o processo educacional”. Na área mental, intelectual, como se costuma falar hoje, eu tenho aqui o jornal da ANPR, que é Associação Norte Paranaense de Reabilitação, mantenedora de uma escola. Os pais diziam que procuraram a ANPR, onde estuda Ana Vitória, que é a filha deles, adotada, com deficiência múltipla e que para eles: “É a melhor escola que conhecemos, pois a nossa filha tem um atendimento integral. E tudo feito com muito amor, proporcionando para ela uma vida digna e independente e também nos capacitando para melhor cuidar desse presente de Deus”. Ou seja, é o próprio pai dizendo.

            E quando falamos com os pais e com os alunos - e qualquer pessoa pode fazer essa experiência em seu Estado - de escola especial e perguntamos a ele: “Você gosta de vir à escola?” O aluno diz: “Adoro, adoro”. E os pais dizem: “Olhe, quando não há aula, explicar para o meu filho que não vai haver aula naquele dia, é uma dificuldade imensa, porque ele quer ir à escola, porque ele gosta da escola, tem amigos na escola, tem o currículo na escola, tem professores especializados na escola, um atendimento adequado para as necessidades de desenvolvimento”.

            E aí, unilateralmente, no MEC, através de uma Secretaria de Educação Especial - e eu quero dizer isso resguardando o Ministro, por quem eu tenho um grande respeito, pelo belo trabalho que faz, reconhecido no Brasil -, as pessoas dizem: “Não. Vamos acabar”. Isso nunca aconteceu na história do Brasil. Nunca, antes, na história do Brasil, os pais foram tão maltratados, tão marginalizados, tão desconsiderados. E conversamos com o Ministro, que assegurou: “Essa discussão está sepultada, porque, se continuarmos com essa discussão” - e ele tem toda razão, e vou repetir a expressão dele -: “muita criança e muito jovem sem a escola especial vai ficar marginalizada, não vai ter escola alguma”.

            Quando há toda uma estrutura comunitária à disposição das famílias, dentro de uma nova visão, de uma nova perspectiva, na qual o Brasil pode dar aula para países europeus, Canadá, Estados Unidos, para dizer o que significa inclusão, somos surpreendidos com uma decisão do Conselho Nacional de Educação, a partir de uma solicitação do Ministério da Educação, estabelecendo novas diretrizes para a educação especial e reforçando o argumento dessas pessoas da Secretaria de Educação Especial, que, como eu disse, estão despreparadas, desqualificadas, não têm condições de fazer um trabalho bom a favor da pessoa com deficiência em nosso País.

            Surpreendeu-me a diretriz do Conselho Nacional de Educação, que não chamou a sociedade, não discutiu com ela, mas elaborou um documento. Já falei com vários Senadores. Vamos fazer uma lista de repúdio ao documento porque, de certa forma, o Conselho Nacional de Educação, imagino que desavisadamente, achou que o MEC tinha discutido com a sociedade e que o pessoal da Secretaria de Educação Especial tinha boa intenção. Imaginou de forma equivocada porque não tem.

            Então, elaborou-se esse documento. Já falei com o Ministério - não com o Ministro, mas com seu gabinete -, solicitando que o Ministro não homologue o documento; que escreva e solicite ao Conselho Nacional de Educação a revisão desse posicionamento. E alerto as pessoas do Brasil inteiro que, doravante, todos nós, pais - coloco-me nessa situação como pai também de um adulto de 34 anos com deficiência intelectual - e amigos dessa área, não podemos mais permitir que pessoas que nunca trabalharam na área e foram indicadas unicamente por serem parentes de políticos da Câmara dos Deputados fiquem dizendo para o Brasil o que deve acontecer de maneira equivocada, mal-intencionada, desqualificada e eu até diria sem caráter. Chega! Nesse sentido, a sociedade brasileira tem que dizer: nós queremos, nesses ministérios, como coordenadores de áreas, gente boa, gente que dialogue, que converse, que ache soluções em conjunto, e não essas pessoas.

            E nunca aconteceu isso na história do Brasil, jamais aconteceu isso; sempre houve diálogo, houve respeito, houve conversa. Essas pessoas foram indicadas porque são parentes de Deputados, nunca trabalharam na área; a qualificação é ser parente de Deputado para coordenar um setor tão nevrálgico como é o da educação da pessoa com deficiência em nosso País, a Secretaria de Educação Especial do MEC. Queremos dizer: Chega! Basta!

            Infelizmente, os pais sofreram muito, nessa área, nesses seis anos e meio deste Governo; as pessoas com deficiência sofreram muito nessa área. E eu faço um apelo ao Brasil inteiro, às 2.100 Apaes, às Pestalozzis, às escolas de surdos, às iniciativas de cegos, de autistas, de distúrbios de comportamento: as nossas famílias, os nossos filhos têm que ser escutados. Não é um especialista mal-intencionado do Ministério da Educação que vai dizer, ao arrepio do que o nosso filho, ou a nossa filha, ou as famílias pensam, o que deve acontecer eles, conosco, com as nossas famílias.

            Então, eu quero dizer um voto de repúdio - de repúdio! - a esta situação do MEC, que quer acabar com iniciativas importantes, necessárias. O nosso respeito ao Ministro, a quem solicito que faça uma limpeza nessa área para que possamos ter um clima de absoluta tranquilidade, de diálogo como sempre aconteceu na história do Brasil.

            Eu vejo o Senador Augusto Botelho e lembro que há um pai lá de Roraima que escreveu a carta cujo teor eu mostrei para o Augusto Botelho. Lá existe uma escola especial, o filho autista estava indo lá, o pai havia escrito para mim, eu mostrei para o Senador, amigo meu também daquele Estado. O pai disse: “Olha, meu filho não está com atendimento nenhum”.

            O MEC teria que se preocupar com outras coisas. Oitenta por cento dos chefes de família que têm alguma deficiência só têm até a sétima série; 30% não têm escolaridade nenhuma; 30% têm até três anos de escolaridade. Como é que essas pessoas sem escolaridade vão conseguir um trabalho melhor, mais digno, com remuneração melhor?

            Há tanta coisa para ser feita, e nós pais, nós Senadores, nós pessoas com deficiência, os amigos da área temos que nos preocupar porque existem alguns malucos que não têm a mínima noção da realidade, que nunca trabalharam na área e que ficam aí dizendo o que o Brasil tem que fazer.

            O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Permite-me, Senador Flávio Arns?

            O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - Eu concederia, Sr. Presidente, se V. Exª me permitir.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - V. Exª vai permitir eu explicar.

            Arthur Virgílio, este é o melhor Senado da República do Brasil. Aí está o Flávio Arns. V. Exª conheceu Evaristo Arns e Zilda Arns. Esse é o Flávio Arns e nos supera. Aqui nós bem interpretamos o espírito da lei. Ele só teria direito a usar cinco minutos, vai vinte. Também não teria direito ao aparte, não. Mas aí o Montesquieu escreveu O Espírito das Leis. Ele está fazendo um notável pronunciamento sobre educação. Iguala-se ao livro Escritos da Maturidade, de Albert Einstein. Eu pediria, sugeriria a V. Exª, como Presidente da Comissão de Educação, mandá-lo para todos os Secretários de Educação do Brasil, do Estado e do Município, para eles lerem. Albert Einstein está dizendo o que V. Exª está interpretando, principalmente sobre a educação dos excepcionais, que V. Exª, com muita sensibilidade, defende.

            O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - Senador Augusto Botelho e, depois, o Senador Arthur Virgílio, se V. Exª permitir, Sr. Presidente.

            O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Senador Flávio Arns, estou fazendo um aparte a V. Exª justamente para me solidarizar com a atitude de V. Exª e dizer que participo de qualquer movimento que V. Exª fizer nesse sentido. Essas pessoas que estão querendo tomar essa atitude nunca entraram em uma escola de pessoas com deficiência.

            O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - Não duvido.

            O Sr. Augusto Botelho (Bloco/PT - RR) - Tenho certeza quase absoluta disso. Se elas entrassem e vissem as necessidades das pessoas, saberiam que é impossível acabar com essas escolas. Saberiam que existem alguns casos que têm necessidade dessas escolas. Meu amigo Francisco foi quem mandou a carta para V. Exª. Eu estive com ele lá na escola, eu já havia estado outras vezes, e vi como as coisas são. Essas pessoas precisam realmente de uma assistência especial para sua própria sobrevivência. Muitos precisam dessa assistência para aprender apenas a cuidar de si. Como uma escola regular vai ajudar essas pessoas? Estão fazendo de uma forma que eles vão voltar ao que era há 30 anos, quando ficavam isolados, escondidos nas casas, dentro do quarto com grades. Não podemos fazer isso com seres humanos. Temos que nos mobilizar aqui, lutar, temos que ir juntos ao Ministério da Educação para fazer essa limpeza que V. Exª está falando, uma espécie de limpeza, porque essas mentes não estão adequadas para cuidar com pessoas com deficiência. Obrigado, Senador.

            O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - Exatamente. E nunca aconteceu isto antes na história do Brasil, as pessoas serem tão maltratadas. Vinte milhões de brasileiros com deficiência. De acordo com o censo escolar, são atendidos quinhentos mil; duzentos mil aproximadamente, pelas escolas especiais. E, mesmo que as escolas quisessem dizer “vou dobrar o contingente”, porque deveriam estar atendendo um milhão, dobrar é impossível, não há condições de dobrar. Mas as pessoas, em vez de dizerem “vamos atender os 19 milhões que não estão sendo atendidos” - que seria um objetivo justo para o qual todos nós iríamos colaborar, com certeza -, dizem “não, vamos acabar, vamos extinguir aquilo que está funcionando”. Isso que é um absurdo. E sem conversar, sem discutir.

            Os especialistas do mundo inteiro - e eu representei o Brasil numa entidade chamada Inclusão Internacional, com mais de cem países - dizem, com inteira justiça: “Escutem os pais, escutem as pessoas com deficiência”. Acho que eles devem pensar: “Ah, mas na Apae é deficiência intelectual, não vamos escutar”. As Apaes têm autodefensores, autoadvocacia; as pessoas com deficiência intelectual já participam das diretorias há mais de dez anos. Participam e têm que participar. Isso se chama autoadvocacia, autodefensoria.

            Então, nós temos realmente que mudar. Está na contramão principalmente pela falta de respeito. Eu acho que não se pode admitir essa falta de respeito no Brasil, porque o respeito leva ao diálogo, ao entendimento, à convergência, à busca de soluções.

            Ouço o Senador Arthur Virgílio.

            O Sr. Arthur Virgílio (PSDB - AM) - Senador Flávio Arns, peguei o discurso de V. Exª pelo meio e quero dar um depoimento em dois capítulos. O primeiro é sobre sua luta pessoal, que V. Exª soube transformar magnificamente numa luta pública. Eu tenho por isso uma ternura muito grande, um respeito muito forte, muito terno. Em segundo lugar, é um depoimento sobre mim mesmo. Eu tratava com solidariedade distante essa questão, até que um dia, referindo-me ao Governo do Partido de V. Exª, eu disse aqui da tribuna: “Esse Governo parece autista”. Recebi alguns e-mails me repreendendo, me corrigindo, um deles da minha hoje grande amiga Telma Viga, que preside a Associação dos Amigos do Autista no Amazonas. Foi bom eu ter errado, porque me aproximei do movimento, me aproximei dela e do esposo dela. E recebi aqui uma bronca, um puxão de orelha da minha querida amiga Senadora Heloísa Helena. A Heloísa disse: “Puxa, Arthur, não dá para confundir corrupção, desmando administrativo com autismo. Não fale mais isso”. Daí em diante, eu comecei a perceber que, até quando a gente fala... Eu ouvi V. Exª, que é uma autoridade no assunto, e o Senador Augusto Botelho, que é um médico respeitado em todo o norte do País, falarem que há 20 milhões de pessoas com deficiência que nunca foram tão maltratadas. Devo até dizer que não sei se algum dia foram bem tratadas neste País. Tenho minhas dúvidas sobre se, em algum momento, elas foram bem tratadas como mereceriam. Em segundo lugar, V. Exª fala com autoridade - quem sou eu para contradizer V. Exª -, fala em deficiência. E eu vejo esses para-atletas com paralisia cerebral, batendo aqueles recordes todos. Eu vejo portadores de Down que conseguem trabalhar na agricultura, conseguem praticar esporte, conseguem sobrevivência. Eu vejo vitórias de autistas, de aspergers, que são autistas muito próximos da outra fronteira, digamos desta nossa fronteira - eu acho horrível inventar que eu sou normal, com todas as minhas neuroses, com todas as minhas dificuldades pessoais, psicológicas e que eles não são. Os aspergers produzem obras geniais. Naquele campeonato da NBA, aquele play-off foi decidido por um autista, que nunca errou uma cesta. Então, ele foi lá e fez a cesta que deu a vitória ao clube dele no campeonato de basquetebol mais disputado do mundo. Não é todo mundo - quase ninguém, aliás, - que pode jogar ali. Então, eu até questiono um pouco essa história da deficiência; quanto à diferença, sim: são diferentes. E, por outro lado, hoje me dá uma profunda solidariedade, a mesma que eu mereci, sob a forma de um puxão de orelha da Senadora Heloísa Helena e dos e-mails que recebi, quando comparei determinado erro do Governo ao autismo. Essas pessoas que dizem as grosserias que V. Exª ouviu e que V. Exª repudia aqui - e com meu endosso, com meu apoio -, me despertam a mesma solidariedade que a minha ignorância de há tempos despertaria nas pessoas sensíveis como V. Exª, porque chega a me dar pena. Eu chego a achar que quem não compreende a questão - e eu não compreendia - é o verdadeiro deficiente. Então, eu me considero um ex-deficiente, porque eu não tinha... “Vai haver uma reunião da Apae” - eu ia, ajudava, comprava mesa, ia lá, falava com as pessoas, enfim, abraçava, beijava, fazia aquela coisa toda; mas, daí a se engajar numa luta, daí a participar de uma luta, eu nunca tinha participado de uma luta. Quer dizer, então, eu era, de certa forma, deficiente, porque me faltava a compreensão de uma parte significativa da realidade, de uma parte significativa da população brasileira. Então, eu quero me solidarizar com V. Exª e dizer que essas pessoas devem ser tratadas com solidariedade, com advertência, como essa que V. Exª faz agora, e até com certo sentimento de pena, porque são deficientes. Quem age desse jeito é deficiente: é deficiente de sensibilidade, é deficiente de inteligência, é deficiente de calor humano, é deficiente de compreensão educacional, enfim, é deficiente das peculiaridades de cada um dos seres humanos que eles consideram deficiente, porque cada um pode dar alguma coisa de melhor do que daria se estivesse abandonado. Meus parabéns a V. Exª e minha solidariedade redobrada.

            O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - Muito obrigado. Só para concluir...

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Flávio Arns, V. Exª faz, talvez, o melhor pronunciamento sobre a educação e a verdade. V. Exª tem que ser analisado, um homem de muita virtude, e a coragem é a mais importante. Ulysses Guimarães dizia: “Faltou a coragem, faltou...” V. Exª é do PT e está fazendo severas críticas à educação que nós temos, principalmente a dos excepcionais...

            O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - De pessoas com deficiência.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Então, eu gostaria de ouvi-lo, e o País tinha que ouvi-lo. V. Exª enriquece este Senado, e a democracia, e o seu Partido.

            Eu quero crer que eu aceitaria... Eu disse uma vez aquele negócio do PT, mas, se fosse candidato a Presidente, eu seria capaz de refazer aquilo que eu disse e votar em V. Exª, que é o melhor nome do PT. Eu oferecia o meu, que é o melhor homem do PMDB, para formar uma chapa.

(Interrupção do som.)

            O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - Está bem. (Risos.)

            Peço só mais um minuto para concluir.

            Eu só quero dizer que tenho absoluta certeza de que os Senadores e Senadoras são totalmente solidários com a luta das Apaes, das Pestalozzis e escolas especiais, e dizer, ao mesmo tempo, que nós somos a favor da participação do aluno na escola comum.

            Isso não significa que todos os alunos com deficiência vão ser beneficiados na escola comum. Por isso que outras alternativas têm que ser criadas para o bem das crianças, dos jovens, dos adultos e de suas famílias.

            E, quando houver uma dúvida, sempre conversar com a família, conversar com o aluno, com a pessoa com deficiência. A gente vai ter a resposta. E isso é no mundo inteiro: dignidade, cidadania e esse diálogo.

            O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - V. Exª me permite?

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Permita-me lembrar que V. Exª é sobrinho de Evaristo Arns, que é santo. Jesus fez em um minuto o melhor discurso: o Pai-Nosso.

            O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - Então, vou ouvir só o Senador Eduardo Azeredo, grande amigo, Vice-Presidente da Subcomissão para Assuntos da Pessoa com Deficiência.

            O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Senador Flávio Arns, dois assuntos. Primeiro, a total solidariedade ao seu pronunciamento. Eu vinha hoje, no avião, com o Deputado Eduardo Barbosa, Deputado Federal de Minas Gerais, e nós comentávamos exatamente este ponto: não é possível que o Governo venha agora insistir e impor que, para receber recursos públicos, as Apaes e as outras entidades que atendem crianças com deficiência tenham de colocar todos os alunos na escola comum. É evidente que todos nós queremos a escola inclusiva, mas ela não é possível em alguns casos. Eu não entendo como essa questão fica sem ser entendida pelo Governo. É evidente que, se uma criança com deficiência puder estar em uma escola comum, todos nós somos a favor. Agora, existem situações em que a escola não consegue atender a essa criança, os professores não estão treinados. Então, há a necessidade de que, em alguns casos, as escolas especiais permaneçam. De maneira que esse assunto volta de vez em quando. Parece cabeça dura mesmo. Então, quero manifestar, mais uma vez, a concordância de que teremos educação inclusiva, mas a educação especial é fundamental em determinados casos e não pode ser tratada como o Governo está querendo estabelecer nessa nova norma. O segundo ponto é que eu estava na Comissão de Assuntos Econômicos e até estava precisando da sua presença, e acabamos conseguindo aprovar - não é terminativa, pois vai à Comissão de Direitos Humanos - um projeto para que os bancos oficiais abram linhas de financiamento subsidiados para as pessoas com deficiência comprarem equipamentos.

(Interrupção do som)

            O Sr. Eduardo Azeredo (PSDB - MG) - Consegui falar em dois minutos, Presidente. Então, é o Projeto nº 123, de minha autoria, que realmente cria linhas especiais de financiamento para as pessoas com deficiência comprarem a cadeira de rodas e outros equipamentos necessários. De maneira que queria me somar à sua preocupação.

            O SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR) - Só para concluir, agradecendo a participação de V. Exª, quero conclamar os pais todos, essas famílias todas do Brasil, e dizer: “Vamos batalhar para que a escola comum tenha espaços assegurados, com qualidade, professores, equipamentos e tudo o que for necessário”. Mas, para isso, não é necessário extinguir, terminar iniciativas que vêm contribuindo decisivamente para a cidadania, a dignidade e os direitos humanos da pessoa com deficiência e de sua família.

            Vamos ficar mobilizados.

            Obrigado, Sr. Presidente.


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