Discurso durante a 120ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Conclamação aos senadores, pela união em busca da superação da atual crise no Senado Federal. Leitura do discurso proferido pelo Senador José Sarney, na abertura da quinquagésima Legislatura.

Autor
Papaléo Paes (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AP)
Nome completo: João Bosco Papaléo Paes
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO.:
  • Conclamação aos senadores, pela união em busca da superação da atual crise no Senado Federal. Leitura do discurso proferido pelo Senador José Sarney, na abertura da quinquagésima Legislatura.
Publicação
Publicação no DSF de 15/07/2009 - Página 32700
Assunto
Outros > SENADO.
Indexação
  • LEITURA, ANTERIORIDADE, DISCURSO, AUTORIA, JOSE SARNEY, PRESIDENTE, SENADO, ABERTURA, LEGISLATURA, OPORTUNIDADE, DEFESA, ORADOR, NECESSIDADE, ANALISE, DIFICULDADE, CRISE, EMPENHO, UNIÃO, SENADOR, MELHORIA, REFORÇO, PARLAMENTO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. PAPALÉO PAES (PSDB -AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Eu, há alguns dias, comecei uma conversa. Estamos conversando, eu e o ex-governador do Estado do Amapá, Senador Jorge Nova da Costa, sobre várias questões, mas fundamentalmente sobre o Amapá, sobre o início da evolução do nosso Estado do Amapá. 

            O Senador e ex-Governador Jorge Nova da Costa, que se encontra aqui presente, fazia uma lembrança sobre os pioneiros do Estado. Vamos buscar a história do Estado do Amapá e vemos que a participação de cada um desses pioneiros e, depois, com o agregamento de outras pessoas, fez com que o Estado, então território, se desenvolvesse, tivesse seu primeiro Governador, Janari Nunes, e hoje é um Estado cujo povo me deu o direito de representá-lo através do voto.

            Então, buscando nessa nossa conversa o valor da história, o significado da história para uma sociedade, para um povo, vamos buscar muitas razões para relembrarmos o que pensam os homens, o que têm como tradução os seus ideais. E nós nunca podemos esquecer a história. A história sempre se repete e, ao sempre se repetir, precisamos fazer as correções que pudermos nessa história.

            Nós nunca podemos esquecer o passado.

            E, para não esquecer o passado, fundamentalmente neste momento em que passamos por mais uma crise no Senado Federal, fui buscar num livro de discursos algo que pudesse trazer o passado, não um passado muito distante, mas que nos permitisse refletir sobre o valor, sobre as dificuldades, sobre todos os processos que o Senado Federal e o Parlamento brasileiro já enfrentaram.

            Então, fui buscar exatamente o discurso do Presidente do Congresso Nacional, Senador José Sarney, no ano de 1995.

            Peço que prestem bem a atenção a esse discurso. A sabedoria, o esclarecimento, o aprofundamento, uma descrição extremamente feliz sobre o Congresso Nacional, que deixa mensagens fortes, para que, hoje, possamos reestruturar parte dos nossos pensamentos e passemos a agir em defesa ou pelos direitos que o Senado Federal merece.

            Vou iniciar a leitura do discurso proferido pelo Senador José Sarney, quando Presidente do Congresso Nacional, em 1995.

            Ele inicia assim:

Abro a quinquagésima legislatura Há quase duzentos anos nos reunimos, em nome do povo brasileiro, construindo as instituições que fazem o Brasil.

Saúdo os deputados e senadores que agora chegam, para desejar-lhes êxito na tarefa de continuar a construir um País que não transige, não se curva, não negocia a sua soberania, sua independência e o seu destino.

Sou o mais antigo congressista desta Casa. Aqui cheguei, pela primeira vez na legislatura de 1955. Isso me legitima para presidir o Congresso: uma longa vida política nesta Casa. Uma vida construída de três mandatos de Deputado, três de Senador, Governador, Vice-Presidente e Presidente da República.

Assumi este cargo não num momento de glória do Poder Legislativo; mas numa fase em que a instituição atravessa profunda crise de identidade, exposta à permanente crítica e censura.

Meu desejo é prestar um serviço ao Congresso, juntando-me a todos os senadores e deputados, igual a qualquer um deles, na tarefa indispensável de modernização da Casa, animado pelo propósito de dar-lhe prestígio e respeito perante à sociedade, empreendendo um programa de reformas que lhes confiram o necessário suporte e a agilidade de um Parlamento forte e digno de nosso povo. Nosso trabalho exige a sedimentação de uma profunda consciência moral de nossas responsabilidades, a obstinada decisão de não cometer erros, de jamais aceitar qualquer aranhão nos procedimentos éticos que devem nortear nossa conduta. Transparência, moralidade, eficiência e trabalho.O Congresso é maior do que a soma de todos nós e é a maior instituição do governo democrático. Os parlamentos perderam aquele charme romântico que os acompanhou durante todo o século XIX até metade do século XX. Eram o centro das decisões e elas podiam vir pela eloqüência. Era o tempo em que os plenários podiam ser tocados pela palavra, pelo delírio e pelo encantamento dos oradores. Infelizmente, ainda somos dominados pela visão do parlamento do discurso, apenas uma das formas de fiscalização, e passamos essa imagem à sociedade, que vincula o Congresso ao plenário. Mas, o Congresso é muito mais.É fiscalização, é acompanhamento, é controle do Poder Executivo e é o único lugar onde o povo, onde qualquer outro segmento social pode questionar governos, pessoas, fatos, e apontar defeitos e erros, mesmo do próprio Parlamento.

Na mídia, nos organismos da sociedade organizada, nos grupos de pressão, a denúncia do povo passa pelo crivo da aprovação dos que governam e comandam. Aqui, não. Haverá sempre uma voz, um representante de um segmento social, de um município, de um bairro, de uma ideologia, de uma religião, de uma raça, de uma profissão no amplo espectro de que é formada a Casa, para dar corpo à função parlamentar de ser o instrumento de liberação de opinião.

Sem Parlamento não há democracia, sem democracia não há liberdade, e sem liberdade o homem é apenas e às vezes um sobrevivente.

Sem Parlamento forte, não há democracia forte.

O que está sob suspeita nas críticas não são os valores do Parlamento, mas a realização imperfeita desses valores. O Congresso não pode ser julgado pela conduta daqueles que o traíram, dos que o denegriram, de quantos o corromperam, aviltaram e transformaram em instrumento de abuso pessoal ou de grupo.

O Congresso nunca faltou ao Brasil. Aqui nasceu o País. Aqui construímos nossas instituições. Nenhum poder sofreu mais, no curso da História do que o Congresso.

Em 1823, fomos fechados quando, sem termos imprensa, discutíamos a liberdade de imprensa; sem termos povo, as liberdades civis; sem termos fronteiras, a constituição de uma nação; sem termos leis, a vitaliciedade e a independência do Judiciário.

Nunca ninguém pensou em fechar o Executivo, mas fomos fechados e dissolvidos em 1823, 1889, 1891, 1930, 1937, 1968 e 1977.

Muitas vezes, ao longo da História, foi o Congresso suspenso, invadido, presos e cassados muitos de seus membros. Porém, nunca faltou um grupo de homens que aqui não ficasse falando, conspirando ou lutando pela sua abertura, pela sua existência, sabendo que a sobrevivência do Congresso era a sobrevivência da Nação. O que é o poder civil?, perguntava Milton Campos; e respondia: “É a brigada de choque dos políticos que compõem o Congresso”.

Quero, também, ressaltar a nossa identificação inseparável com a imprensa. Cito apenas um fato: quando o Congresso foi fechado em 68, não passou um dia sem que o jornalista Carlos Alberto Castello Branco não pregasse sua abertura”.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Desculpe-me interrompê-lo. Este jornalista é do Piauí, Carlos Alberto Castello Branco, único jornalista que tinha coragem de criticar a ditadura militar.

            O SR. PAPALÉO PAES (PSDB - AP) - Muito obrigado, Senador Mão Santa.

            Continuo a leitura:

Lembro Quintino Bocaiúva, Joaquim Serra, Macedo Soares, Carlos Lacerda, Orlando Dantas e Edmundo Bittencourt.

A vulnerabilidade do Parlamento decorre do fato de ser, esta, a Casa política por excelência, e o conflito é a marca inarredável da política e da liberdade de crítica. No Judiciário, as sentenças apenas são conhecidas depois de publicadas, as decisões do Executivo são coordenadas no âmbito do próprio Governo, entre quatro paredes.

As decisões legislativas, ao contrário, são debatidas e tomadas em público, no quadro das divergências políticas e à mercê de interesses contrariados ou favorecidos.

A visão de um Congresso como uma corte celeste ou uma reunião de sábios e notáveis, e não de homens e políticos, é, sem dúvida, irrealista e ingênua. Os Congressistas são recrutados dentro da sociedade e são representativos das camadas sociais.

No mundo inteiro, a instituição parlamentar enfrenta a contestação de sua legitimidade. Surgiu um novo interlocutor da sociedade democrática - a opinião pública, com poder político agregado. Ela é formada pela mídia que, graças às conquistas da ciência e da tecnologia, pode, em velocidade incalculável, através do fascinante mundo dos satélites, fazer com que todos, ao mesmo tempo e na mesma hora, possam julgar os fatos e os homens. É o mundo da sociedade organizada em milhares de associações que agregam legitimidade para falar em nome do povo e de segmentos importantes da sociedade.

Padre António Vieira já dizia que, sendo tão natural no homem o desejo de ver, o apetite de ser visto é muito maior. O uso de ver tem um fim com a vida; o apetite de ser visto não acaba com a morte.

O velho conceito de democracia representativa entra em competição com outras legitimidades. Os Congressos envelhecem e os partidos sofrem, também, o mesmo fenômeno com os seus programas. E o nosso País, que não tem tradição partidária, convive com algumas reminiscências de instituições políticas do fim do século XIX, de que é exemplo o voto proporcional uninominal, desintegrador dos partidos e estimulador da corrupção. Basta dizer que o Brasil é o único país do mundo onde ainda se pratica esse sistema eleitoral.

Durante muito tempo julgou-se que o Estado era um instrumento do bem-estar social. Hoje, com o fim das ideologias, o desmoronamento dos dogmas e sectarismos, já se sabe que o desenvolvimento social só terá êxito com o desenvolvimento econômico. Estamos advertidos, também, de que a economia de mercado não é boa distribuidora de renda, impondo-se necessário que o Estado seja forte para assegurar uma sociedade justa. Assim, o que deve pesar não é o tamanho, mas a qualidade do Estado.

Caminhamos para um mundo cada vez mais interdependente. De livre circulação do capital, que pode tirar seu passaporte e nacionalidade a qualquer hora, em qualquer casa de câmbio.

Srs. Congressistas, esta legislatura vive a expectativa de promover uma reforma constitucional, sem dúvida a mais ambiciosa e profunda de todas quantas foram apresentadas. Chegam ao Congresso mensagens do Poder Executivo propondo ampla reforma da Constituição, da qual sempre fui um crítico sincero e honesto. Estou convencido de que, sem adequadas mudanças no texto de nossa Lei Maior, não haverá meios de superar a crise em que o Brasil começou a mergulhar no final da década de 70, quando já havia sinais de exaustão do modelo que elegia o Estado como o grande agente das transformações efetivamente experimentadas pelo Brasil, nos últimos decênios.

O grande mal que vemos em nossa Carta Magna é que ela criou uma situação inviável: é ao mesmo tempo parlamentarista e presidencialista. Nem o Governo governa, nem o Legislativo legisla. Cria direitos sociais e, ao mesmo tempo, impede de pagá-los e ampliá-los, uma vez que não deixa o país desenvolver-se para usufruir do poder germinativo da livre competição e inserir-se na nova ordem mundial.

Balanço terrível dessa crise é a falência do Estado, que perde, a cada dia, sua capacidade de prestar serviços ao povo e pagar a dívida social, cuja face mais exposta é o salário mínimo. Na verdade, assistimos ao total desmoronamento das instituições de governo. Basta dizer que vamos começar esta legislatura com 59 Medidas Provisórias e 134 vetos ainda não votados, que obstruem a pauta de nossos trabalhos.

Aos olhos da sociedade perpassa uma visão de ineficiência, de desnecessidade do Poder Legislativo, quando, na realidade, vivemos é uma crise profunda das instituições de governo com o sistema criado pela Constituição de 88.

Este Congresso será desafiado a promover uma mudança que recoloque o Brasil em sintonia com as profundas transformações registradas no mundo, nos últimos anos. São mudanças estruturais indispensáveis para que o país consiga romper o cerco armado por um modelo de desenvolvimento esgotado, o qual atribuía ao Estado o papel de agente econômico. O Brasil cresceu, suas estruturas tornaram-se mais complexas, criando uma variada gama de agentes econômicos que clamam por espaços para recolocar o sistema produtivo funcionando no lugar de relevo que lhe está reservado. Em benefício de todos.

Felizmente, há um consenso nacional de que a Constituição criou uma soma exageradamente elevada de encargos para o Estado sem indicar as correspondentes fontes de financiamento deles. Assim como existe a convicção de que, sem remover esses obstáculos constitucionais, não haverá força humana capaz de vencer a crise e reconduzir o Brasil para os caminhos do desenvolvimento econômico com justiça social.

Não é segredo para ninguém que a estabilização econômica definitiva depende das reformas estruturais, que promovam o saneamento do setor público e desregulamentem a economia brasileira, de modo a estimular os investimentos de risco no aumento da capacidade produtiva do país, como tem dito o Presidente Fernando Henrique. A estabilização econômica reclama estabilidade política. Ao atual Congresso está reservada a importante tarefa de modernizar nossas instituições políticas, para que o regime se torne mais estável e eficaz.

Convido todos a um árduo trabalho. O Congresso é a Casa do debate, da controvérsia, das idéias, das posições. Desse debate floresce a democracia e surgem as soluções. A idéia do Congresso votando só assuntos de consenso é o anti-Congresso. Trabalhar, discutir, decidir.

Vamos dar ao Brasil uma visão de trabalho. Vamos desobstruir nossa pauta e iniciar, nas Casas separadas, mas ligadas por um ideal comum, Senado e Câmara, um trabalho conjugado para que a opinião pública tenha presente que esta Qüinquagésima Legislatura será citada na História do Brasil como um dinâmico e criativo tempo de construção e de serviços prestados ao País. Para isso, estou perfeitamente sintonizado com esta excelente revelação de homem público, que é o Presidente da Câmara, Deputado Luís Eduardo Magalhães, que comigo dividirá o comando de nossas casas legislativas.

O Congresso Nacional jamais faltou ao Brasil, nunca obstruiu as tarefas do Executivo e do Judiciário. Nossa obrigação é ajudar o País a diminuir os problemas de nosso povo e assegurar que iremos cumprir quatro anos de um Congresso em renovação, transparente, sem contemplações com os erros, e disposto a punir todos aqueles que, de um modo ou de outro, traírem o mandato que o povo lhes conferiu”.

Mas, também, seremos intransigentes e inarredáveis e jamais vergaremos na defesa das prerrogativas e da autonomia do Parlamento, Casa que é a expressão da soberania do povo e do sistema democrático.

Agradeço às autoridades aqui presentes, ao Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Otávio Galotti, aos Ministros de Estado, aos Chefes de Missões Diplomáticas, enfim, a todos quantos prestigiaram esta cerimônia.”

            Então, Sr. Presidente, eu encerro a minha participação na tribuna exatamente confirmando o que acabei de ler, ou seja, o discurso proferido na abertura da 50ª Legislatura do Senado Federal, feita pelo Senador José Sarney.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/07/2009 - Página 32700