Discurso durante a 122ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Publicação da terceira encíclica do Papa Bento XVI, denominada "Caritas in Veritate".

Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA.:
  • Publicação da terceira encíclica do Papa Bento XVI, denominada "Caritas in Veritate".
Publicação
Publicação no DSF de 04/08/2009 - Página 34277
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • IMPORTANCIA, ENCICLICA, BENTO XVI, PAPA, OPORTUNIDADE, ANALISE, CONJUNTURA ECONOMICA, CRISE, BUSCA, CONSTRUÇÃO, DIGNIDADE, MUNDO, FUTURO, DETALHAMENTO, DIRETRIZ, CONSCIENTIZAÇÃO, LEITURA, TRECHO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. FERNANDO COLLOR (PTB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente José Sarney, Srªs e Srs. Senadores, recentemente, o Papa Bento XVI tornou pública a sua terceira Encíclica, de cunho social e econômico, intitulada “Cáritas in Veritáte” -- “O amor na verdade”. Este interessante Escrito de um líder mundial de incontestável autoridade moral dirige-se não só aos fiéis católicos, mas “a todos os homens de boa vontade”. Ora, somos isto (pessoas de boa vontade) e somos todos delegados de um Estado cujo povo é historicamente caracterizado por raízes profundamente cristãs e majoritariamente católicas. Deve, pois, ecoar nesta Casa, nesta Casa mais alta da República, o pensamento e as preocupações do Papa, sobretudo nesta hora de crise econômica internacional, que, na sua amplitude e complexidade, pode ter tanto de conseqüências para a humanidade e a convivência dos povos.

            O que Bento XVI apresenta é uma visão de inspiração profundamente cristã e também humanística da atual conjuntura neste particular contexto de crise global, e aponta possíveis pistas para a construção de um mundo mais digno do homem. Esta Encíclica, portanto, pode ser considerada um sonho; não daqueles que alienam e se afastam da realidade, mas, ao invés, daqueles outros que jogam para adiante, provocam, inspiram, fazendo que se caminhe e se construa um futuro.

            Gostaria, portanto, de expor a esta Casa, Sr. Presidente Srªs e Srs. Senadores, alguns temas que julgo mais importantes presentes neste Documento que, certamente, merecem atenção e uma acurada leitura de nossa parte.

            Primeiramente, o Papa exprime uma salutar consciência de que a Igreja não possui soluções técnicas para oferecer, mas tem uma missão de verdade a cumprir, colaborando na conscientização de valores que constituam uma sociedade à medida do homem, da sua dignidade e da sua vocação. Efetivamente, pensando no homem e na sociedade que ele constrói, o Documento pontifício desenvolve a interessante e fecunda categoria de “desenvolvimento integral”, isto é, um desenvolvimento que contemple seriamente o homem todo e todo o homem. Nesse sentido, o Papa faz uma advertência que deveria ser levada a sério por todos quantos se comprometem com os destinos de nossa sociedade ocidental e com o futuro de nosso povo brasileiro: sem uma perspectiva de vida eterna, o progresso humano neste mundo permanecerá sempre privado de respiro. Fechado dentro da história, num imanentismo estreito, o desenvolvimento está sujeito ao risco de reduzir-se a simples incremento do ter. Desse modo, a humanidade perde a coragem de permanecer disponível para os bens mais altos, para as grandes e altruístas iniciativas solicitadas pela solidariedade universal.

            No pensamento do Papa, as instituições sozinhas não bastam: são necessários valores, e valores que se centrem na pessoa humana compreendida como portadora de uma dignidade inalienável e destinada e aberta a uma plenitude eterna. Concorde-se ou não com tal visão, não há como negar que ela pode inspirar, sim, uma postura bastante fecunda e comprometedora do desenvolvimento como agente de humanização e de bem para todos, e não somente para alguns poucos... É convicção antiga do pensador respeitado que é Joseph Ratzinger, agora Bento XVI, que sem Deus o desenvolvimento é negado no seu sentido mais radical, pois é desumanizado! É bom que se pense nisso, pois não são poucas vezes neste mundo hodierno termos visto o quanto um humanismo fechado para valores transcendentes possui pernas curtas e termina por justificar a exploração do homem pelo homem. O desenvolvimento defendido pelo Papa é permeado por uma ética centrada na pessoa e não simplesmente fundado numa técnica que desconsidera o homem e se compreende a si mesmo como um fim autônomo. Essa situação seria de falso desenvolvimento e terminaria por destruir o homem. Para o Papa, o desenvolvimento tem necessidade da verdade - e a verdade é uma realidade humana, ética! Sem ela, o agir social cai na rede dos meros interesses privados e das lógicas de poder, com efeitos deletérios para a sociedade e o futuro da humanidade. Basta recordar a gênese da atual crise econômica mundial para percebermos o quanto é verdadeiro o raciocínio do Pontífice!

            O Documento papal articula de modo inteligente e instigante a idéia de desenvolvimento integral com a ampla e onipresente realidade atual da globalização. A avaliação deste último fenômeno é positiva no Documento papal, mas com a condição de que o processo de globalização seja permeado com a ética centrada na pessoa. Há uma frase de particular efeito no texto de Bento XVI:

A sociedade cada vez mais globalizada torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos. A razão, por si só, é capaz de ver a igualdade entre os homens e estabelecer uma convivência cívica entre eles, mas não consegue fundar a fraternidade.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, penso que essas palavras nos deveriam fazer refletir, pois, sinceramente, a sociedade que desejamos construir deve ser calcada em uma precisa visão de homem, de pessoa que tenhamos. O Papa nos propõe pensar no homem como ser aberto para o infinito! Aqui não se trata de negar a laicidade do Estado Brasileiro, mas de levar em conta, sem um doentio e fundamentalista laicismo, aquilo que já é um fecundo dado cultural do nosso povo e uma riqueza secular de nossa sociedade: a sua fé, a sua certeza de que cada pessoa tem uma dignidade e é sujeito de direitos e deveres fundados, em última análise, no destino eterno da humanidade. É assim que pensa a grande maioria do povo brasileiro, a quem todos nós servimos nesta Casa.

            Louvando claramente o progresso, reconhecendo a importância da mentalidade empreendedora e competitiva, elogiando convictamente a democracia e as liberdades individuais, o Papa recorda que as causas do subdesenvolvimento não são primariamente de ordem material, mas, sobretudo, de vontade, de pensamento, e, ainda mais, de falta de fraternidade entre os homens e os povos. Assim, o Pontífice introduz o tema da humanização da economia, dos mercados, dos fluxos de capitais e dos macroprojetos econômicos dos Estados nacionais. O Papa chama a atenção para o fato de que o exclusivo objetivo do proveito, do lucro, sem ter em mente o bem comum como fim último, ameaça destruir riquezas e criar pobrezas. Exemplos disso seria uma atividade financeira simplesmente especulativa, os fluxos migratórios de capitais, muitas vezes, mal gerenciados, a exploração predatória e desregulada dos recursos naturais... Urge, no pensamento de Bento XVI, uma nova cultura, uma sociedade construída sobre novas bases, sustentadas por uma nova síntese humanística! O homem, não a técnica, tem que ser colocado em primeiro plano; o homem, não o lucro, tem que ter a prioridade; o homem, não o mercado, tem que ser a finalidade!

            Neste sentido, o documento papal constata que, se cresce a riqueza mundial em termos absolutos, aumentam, no entanto, as disparidades e aparecem novas pobrezas. A competição desenfreada e, no mais das vezes, desatenta à dignidade da pessoa humana, tem levado à supressão de vários direitos dos trabalhadores e ao desmantelamento do estado de bem-estar social. Para adequar-se à competição da economia globalizada, reduziu-se notavelmente as redes de segurança social, deixando os cidadãos impotentes frente aos riscos antigos e os riscos novos. Não há como negar que, nos últimos decênios, os vários Estados têm esquecido que o primeiro capital a salvaguardar é valorizar o homem, a pessoa na sua integridade e integralidade! O Papa pede, então, que as decisões econômicas atuais continuem a perseguir como prioridade o acesso de todos ao trabalho, superando uma visão econômica de breve ou brevíssimo prazo, que termina por baixar o nível de direito dos trabalhadores e a saúde ecológica do Planeta. E aqui Bento XVI alerta para a responsabilidade das pessoas e dos governantes nesse sentido, num empenho novo e criativo.

            Deve ser claro que Bento XVI não se opõe, de modo algum, à globalização ou à economia de mercado, mas sim a uma visão simplista e míope que absolutiza o material e não prioriza o homem como centro e critério da atividade econômica e do desenvolvimento. Uma visão somente produtiva e utilitarista da existência e uma convicção fundamentalista de uma autonomia da economia ante qualquer influência de caráter moral levaram o homem a abusar do instrumento econômico, tornando-o um elemento às vezes até mesmo destrutivo. Se o desenvolvimento quer ser realmente humano, deve deixar-se guiar por critérios éticos e trazer em si também o valor da gratuidade e do amor pelo outro. Alienação utópica? Ingenuidade religiosa? Ou, ao invés, a sabedoria de quem representa uma instituição que conhece bem o coração humano? Cabe a cada um de nós fazer essa avaliação.

            Esta necessidade de critérios humanizadores vale, de forma particular, para o mercado. Diz o Papa que, sem formas internas de solidariedades e confiança recíproca, o mercado não pode desempenhar realmente a sua função econômica. E nós vimos o quanto a crise atual explodiu, sobretudo como uma crise de confiança! Para Bento XVI, o mercado não pode contar somente consigo próprio, mas deve buscar energias morais em outros sujeitos e não deve considerar os pobres como um fardo, mas como uma fonte de possibilidades. O mercado não deveria tornar-se o espaço da destruição do fraco pelo mais forte, mas deveria levar a sério realmente a lógica do bem comum; lógica que deveria ser tutelada, sobretudo pela comunidade política... Estaríamos nós a altura de tal desafio?

            É claro que, no pensamento de Bento XVI, o mercado não tem uma natureza em si negativa. A questão é o homem, com a sua consciência moral e sua responsabilidade! As pessoas são maiores que o mercado e podem desvirtuá-lo miseravelmente! Nesse sentido, a atual crise mostra que os tradicionais princípios da ética social não podem ser transcurados! E não somente o mercado, mas a empresa deveria passar por tais mudanças. Sua gestão não deveria somente atender ao lucro dos proprietários, mas deveriam estar atentas à sua função social. Vide a Vale do Rio Doce.

            Diante disso, fica patente no pensamento do Papa a necessidade de uma globalização compreendida, não somente como processo socioeconômico, mas como uma realidade mais ampla que tenha uma orientação cultural personalista e comunitária, aberta à transcendência e provida de valores éticos e instrumentos adequados para corrigir distorções. O Pontífice é consciente de que nada disso será possível sem uma mudança de estilo de vida e sem a assunção de valores morais que superem a visão egocêntrica e hedonista que permeia nossa sociedade ocidental.

            Finalmente, Bento XVI augura organizações internacionais mais fortes, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dotadas de efetivo poder político que, sem esvaziar o papel do Estado e das pessoas, melhor regulem a economia e as relações entre os povos e países segundo os princípios da subsidiariedade e da fraternidade. O Pontífice alude neste contexto à urgente necessidade de reforma da Organização das Nações Unidas e a uma real mudança na arquitetura econômica universal.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quis apresentar de modo sucinto esses pensamentos do Chefe da Igreja Católica porque penso que são uma visão provocante para todos nós. O Senado da República, como Câmara Alta do nosso sistema de Governo, deve pensar alto, pensar grande, deve superar a visão estreita que tanto mal tem nos feito e tantos danos tem trazido à nossa democracia. Precisamos discutir ideias que engendrem propostas e projetos para o nosso País. Auguro que a leitura deste Documento, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, com o qual Bento XVI nos brindou nos instigue neste caminho.

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/08/2009 - Página 34277