Discurso durante a 127ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão, à luz de alguns antecedentes históricos, sobre o tema: a liberdade de não ter medo.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO. SENADO.:
  • Reflexão, à luz de alguns antecedentes históricos, sobre o tema: a liberdade de não ter medo.
Publicação
Publicação no DSF de 11/08/2009 - Página 35211
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO. SENADO.
Indexação
  • REGISTRO, HISTORIA, BRASIL, DITADURA, REGIME MILITAR, PERDA, LIBERDADE, ALEGAÇÕES, AUTORITARISMO, PERSEGUIÇÃO, SUBVERSÃO, APREENSÃO, RETOMADA, ATUALIDADE, METODO, VIOLENCIA, INTIMIDAÇÃO.
  • ANALISE, CRISE, SENADO, OCORRENCIA, REPRESALIA, DENUNCIANTE, TENTATIVA, INTIMIDAÇÃO, CONCLAMAÇÃO, CIDADÃO, CONGRESSISTA, COMPROMISSO, DENUNCIA, CORRUPÇÃO, DESVIO, ADMINISTRAÇÃO.
  • LEITURA, TRECHO, DECLARAÇÃO, PAPA, DISCURSO, RUI BARBOSA, EX SENADOR, ASSUNTO, DEFESA, LIBERDADE.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Papaléo Paes, Srªs e Srs. Senadores, a liberdade de não ter medo é o tema de meu pronunciamento de hoje.

            Em face desse tortuoso itinerário que vem percorrendo, nos últimos tempos, o Senado Federal, e dos desdobramentos, que são preocupantes, exatamente em função disso, eu gostaria de fazer uma reflexão à luz de alguns antecedentes históricos.

            Todos têm conhecimento do poder de coação e de intimidação que os sucessivos governos autoritários exerceram sobre a sociedade e o povo durante um longo tempo de um regime que foi de 1964 a 1985.

            A ruptura institucional, paradoxalmente declarada no dia 1º de abril de 1964 - o dia consagrado à mentira -, constituiu as faces da surpresa e da inquietação.

            A multiplicidade de prisões como reação em cadeia, por um lado, e as manifestações de euforia, por outro, eram contrastes que revelavam cenários tão distintos quanto antagônicos. Nas ruas e nas praças ressonavam os slogans das marchas “da família, com Deus pela liberdade”, enquanto nos porões e nas salas de torturas ecoavam os sons dos gemidos e modelavam-se as máscaras dos tormentos físicos e espirituais. Havia a manipulação legal para impor um direito penal do terror com os processos utilizados contra dissidentes ideológicos e políticos e todos quantos passariam a receber o labéu de subversivo. Os inquisidores foram reencarnados; as vítimas sacrificadas em homenagem aos novos deuses; o itinerário das penas corporais e infamantes, tudo isso e mais os infernos da mente inundaram os espaços públicos e particulares dos brasis condenados a reencenar suplícios e martírios.

            Desde os primeiros dias de 1964 até o final dos anos 70, quando a Emenda Constitucional nº 11, de 1978, revogou o malsinado Ato Institucional nº 5, de 1968, foram retomados os meios e os métodos das terríveis Ordenações Filipinas, que, de 1603 até o advento da Constituição Imperial (1824), se abateram sobre o nosso generoso povo.

            A intitulada Revolução de 1964 desarquivou os variados tipos de autores que circulavam ao tempo das leis do Reino de Portugal: hereges, apóstatas, feiticeiros, blasfemos, benzedores de cães e outros bichos sem autorização do rei e outras categorias criminais que perambulavam nas salas de interrogatórios e nas celas dos presídios. E, no lado oposto, desfilavam os dirigentes e os inúmeros prepostos do Comando Supremo, inflados pela colaboração de imensas legiões de alcaguetes e revolucionários de primeira hora que, encarnando instâncias do poder civil, eram, ao mesmo tempo, os atores e os espectadores daquele teatro do absurdo.

            Em nossos dias, mais de quarenta anos depois, ressurgem os métodos de violência e intimidação. Os instrumentos de tortura física e moral manejados nas prisões e nos processos criminais por motivos políticos, nas cassações de mandato e nos decretos de suspensão dos direitos políticos por dez longos anos, foram agora aprimorados na técnica da dissimulação e do terror. Mudaram os instrumentos e os meios; mantiveram-se, porém, o terror e a chantagem. O Senado não pode ser um centro reprodutor da epidemia do medo e da metástase da anomia. Os dossiês distribuídos para a imprensa substituíram os relatórios que circulavam sigilosamente nos escaninhos do Poder; a ameaça de prisão e de cassação de mandato no tempo da ditadura assumiu novas formas de restringir as liberdades parlamentares de palavra e voto no Estado democrático de direito. A divulgação de supostas faltas no passado, em forma de ameaça e retaliação, tem sido a espada de Dâmocles para ceifar as liberdades de pensamento e da palavra, convertendo-se em opressão da consciência e sequestro da alma. Disse muito bem a jornalista Dora Kramer: “A idéia não é denunciar infrações mas tentar pôr de joelhos o adversário.” (“Tigre de Papel”, em O Estado de S. Paulo, 31.07.09, p. 16).

            Entre as liberdades fundamentais asseguradas pela Constituição existe uma delas que não é declarada literalmente, mas que é indispensável para exercer todas as demais: é a liberdade de não ter medo. Sem ela não se poderá exercer, com plenitude, nenhuma das demais que compõem o repertório dos direitos humanos, sociais, políticos e culturais. As liberdades do pensamento e da comunicação, de expressão, opinião e crítica, de locomoção e outras tantas jamais poderão servir à verdade e ao interesse público se forem mutiladas ou suprimidas pelo domínio do medo.

            A gravíssima crise de credibilidade do Senado Federal jamais poderá ser debelada pela indústria das retaliações pessoais e pelo triunfo da audácia criminosa e da mentira organizada. Todos os cidadãos em geral e os parlamentares em especial não devem desertar do dever de revelar a corrupção e os desvios da administração da Câmara Alta e lutar, com todas as suas forças e suas armas, para erradicar tais males.

            No mês de janeiro de 1941, o mundo estava sofrendo as consequências devastadoras da 2ª Grande Guerra. Os Estados Unidos ainda não haviam sofrido o ataque dos aviões torpedeiros japoneses em Pearl Harbor, mas o Presidente Franklin Delano Roosevelt sentia que, a qualquer momento, a grande nação poderia ser arrastada para o meio do conflito que se expandia. Foi assim, no dia 6 de janeiro, que ele proferiu o antológico discurso que o revelou como paladino da democracia e das quatro liberdades. A primeira é o direito de palavra e de livre expressão; a segunda é a liberdade de celebrar um Deus à sua maneira; a terceira é a liberdade de estar livre das necessidades; e a quarta é a liberdade de estar a salvo do medo.

            No início dos anos 90, veio a lume a publicação de entrevistas concedidas pelo Papa João Paulo II na qual revela a experiência e o pensamento acerca de temas religiosos e filosóficos. A obra chegou ao Brasil e recebeu o sugestivo título: Cruzando o Limiar da Esperança. Dentre as 35 questões respondidas, merece relevo a que envolve a mais importante das liberdades humanas: a liberdade de não ter medo. Sobre ela, assim falou o Santo Padre:

Quando a 22 de outubro de 1978 pronunciei na Praça de São Pedro as palavras ‘Não tenham medo!’, não podia ter a consciência de quão longe teriam levado a mim a Igreja inteira. (...)

            A exortação “Não tenham medo!” precisa ser lida numa dimensão muito ampla.

(...) “Não tenham medo daquilo que vocês próprios criaram, não tenham medo nem mesmo de tudo aquilo que o homem produziu e que está se tornando, dia após dia, cada vez mais, um perigo para ele. Enfim, não tenham medo de vocês mesmos.”

            Faço da exortação papal uma convocação a todos os cidadãos, parlamentares ou não, para assumirem a defesa dos valores essenciais da República, convertendo a indignação em ação na luta contra a corrupção e a improbidade administrativa, luta que pode e deve ser enfrentada e vencida com a coragem, a perseverança, o civismo, como sentimentos que estão acima e além do medo.

            Concluo, Sr. Presidente, com as palavras do patrono desta Casa, Rui Barbosa, em memorável discurso proferido nos idos de 1914:

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”

            Esse, talvez, tenha sido o mais antológico de todos os discursos de Rui Barbosa, e é com os seus ensinamentos que eu concluo este pronunciamento, Sr. Presidente. Mas essa é a primeira parte dele, porque pretendo voltar ao tema “a liberdade de não ter medo”.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/08/2009 - Página 35211