Discurso durante a 129ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem pelo transcurso, hoje, dos 182 anos de fundação dos cursos jurídicos no Brasil, assim como aos advogados do País.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem pelo transcurso, hoje, dos 182 anos de fundação dos cursos jurídicos no Brasil, assim como aos advogados do País.
Publicação
Publicação no DSF de 13/08/2009 - Página 35755
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, CURSO JURIDICO, BRASIL, PIONEIRO, MUNICIPIO, OLINDA (PE), ESTADO DE PERNAMBUCO (PE), SÃO PAULO (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DETALHAMENTO, HISTORIA, CONTRIBUIÇÃO, LEITURA, TRECHO, DEPOIMENTO, PERSONAGEM ILUSTRE, ESPECIALISTA, ELOGIO, FORMAÇÃO, JURISTA, POLITICO, ADMINISTRADOR, INTELECTUAL.
  • HOMENAGEM, DIA NACIONAL, ADVOGADO, RUI BARBOSA, PATRONO, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


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DISCURSO PROFERIDO PELO SR. SENADOR MARCO MACIEL NA SESSÃO DO DIA 11 DE AGOSTO DE 2009, QUE, RETIRADO PARA REVISÃO PELO ORADOR, ORA SE PUBLICA.

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            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Exmº Senhor, nobre Senador Mão Santa, membro da Mesa que preside esta sessão, Srs. Senadores Roberto Cavalcanti, João Pedro, Almeida Lima, Augusto Botelho, Delcídio Amaral, que tanto enobrecem com suas presenças neste plenário.

            Como já anunciado, Sr. Presidente, hoje se comemora o dia da criação dos cursos jurídicos no Brasil, através de uma lei de 1827, de iniciativa do Visconde de São Leopoldo. Foram as primeiras faculdades de Direito estabelecidas no País, uma no Norte, como à época se chamava, com sede em Olinda, capital da província de Pernambuco, e não no Recife, que só posteriormente passou a ser capital; e a outra, situada no Sul do País, em São Paulo, intencionalmente criada no Largo de São Francisco, onde até hoje funciona. Eram os primeiros Centros de Estudos Jurídicos e Sociais, preparadores de sucessivas gerações dos primeiros líderes e administradores do Império e da Primeira República.

            “Ao tempo deste meu Ministério pertence o ato que reputo mais glorioso de minha carreira política e que me penetrou no mais íntimo júbilo que pode sentir o homem público no exercício de suas funções. Refiro-me à instalação de dois cursos jurídicos, em São Paulo e Olinda, consagração definitiva da ideia que eu aventara na Assembleia Constituinte [leia-se Assembleia Constituinte de 1823], em sessão de 14 de junho.”

            Essas palavras são de autoria do Visconde de São Leopoldo e constam de suas memórias. Na verdade, José Feliciano Fernandes Pinheiro, como se chamava o Visconde de São Leopoldo - na época, nós vivíamos no Império -, Ministro referendário, da lei de 11 de agosto de 1827, o nosso São João Batista, isto é, o primeiro que intuiu a necessidade de criar a Faculdades de Direito em nosso País. Formado em Ciências Jurídicas pela Universidade de Coimbra, o Visconde de São Leopoldo foi escritor, magistrado, político, conselheiro do Império e Senador.

         O êxito de seus esforços e a participação de tantos outros parlamentares se constitui em algo fundamental para a institucionalização de país ainda carente de instrumentos indispensáveis à formação do Estado Nacional.

         Embora o Padre António Vieira haja dito em sermão que “o futuro não se prevê,. se constrói coletivamente”, a verdade é que o futuro tem um coração antigo a inspirar o porvir “, isto é, inspirar o que certamente virá a ocorrer.

            Daí a necessidade que temos de celebrar as efemérides, palavra grega de poucos sinônimos, mas de muitos significados, que tanto pode se referir aos movimentos dos astros ou a eventos magnos alusivos a vultos ilustres ou relevantes episódios nacionais, como assim o compreendeu o Barão do Rio Branco, autor de obra sobre o tema imprescindível à compreensão da evolução de nossa Pátria.

            De fato, o livro Efemérides Brasileiras, de Rio Branco, é, de alguma maneira, uma forma de lembrar nosso passado, destacando, sobretudo, os eventos que mais gloriosamente marcaram nossa evolução política, econômica e social.

         Na faculdade pernambucana - leia-se em Olinda - formaram-se, entre outros, o Barão de Rio Branco. Façamos um parêntese para render-lhe justa homenagem: o Barão de Rio Branco foi Ministro das Relações Exteriores de 1902 a 1912, se não estou equivocado, ou seja, durante, portanto, dez anos, e faleceu inclusive no exercício das funções. Foi uma pessoa que se dedicou integralmente à formulação da política externa brasileira. Sem nenhum elogio fácil, ele é, sem dúvida alguma, aquele que vertebrou a política externa brasileira. E mais do que isto: ao longo do seu exercício como Ministro das Relações Exteriores, deixou, praticamente, todas as nossas fronteiras definidas. Temos dez países lindeiros e, com eles, fronteiras definidas, graças ao talento, engenho e arte de Rio Branco.

            Na faculdade paulista - que ainda hoje se encontra instalada no Largo São Francisco, onde funcionava um convento franciscano -, muitos futuros Presidentes da República ali se formaram. .

            Por ambas as escolas - em Olinda e, posteriormente, em Recife e em São Paulo - passaram desde estadistas do porte de Joaquim Nabuco a poetas como Álvares de Azevedo e Castro Alves.

            O Senado também muito deve às duas pioneiras faculdades. Até hoje, delas provêm vários dos seus maiores nomes: Clóvis Bevilacqua e Spencer Vampré, por exemplo, reputados juristas, tornaram-se, respectivamente, os maiores historiadores da Faculdade de Olinda, transferida para o Recife em 1854; e a de São Paulo, sempre no tradicional Largo de São Francisco.

            Nasceram as escolas à sombra do Estado e da Igreja, numa época de união constitucional entre eles. A de Olinda, no Mosteiro de São Bento, que, depois, foi transferido, como já tive ocasião de dizer, para a cidade de Recife, em 1854; e a de São Paulo, no Convento de São Francisco.

            Ainda hoje vem do Recife a romaria anual de professores e estudantes no dia 11 de agosto para as comemorações, junto com os beneditinos e as Arcadas recordam o antigo claustro franciscano.

            A inteligência do legislador do século XIX, ao implantar os cursos de Direito, é captada de pronto. A par da construção do Império, queriam a preservação da unidade nacional”, destaca, com propriedade, o Professor Cláudio Lembo, ex-Governador de São Paulo. Na verdade, somente após a Revolução Praieira, em 1848, é que cessaram os conflitos insurrecionais em diferentes partes do Império. A grande preocupação, sobretudo na primeira metade do século XIX, era manter a unidade nacional, algo que se obteve. O Brasil se manteve íntegro, e suas fronteiras, como disse há pouco, totalmente delimitadas e demarcadas. Mas não podemos deixar de reconhecer que tudo isso exigia um grande esforço para que se mantivesse unido o nosso país. Podemos festejar o grande fato de termos um País que se conservou unido, apesar das vicissitudes que atravessou ao longo da sua evolução histórica. 

            Se compararmos o império português com o império hispânico, vamos verificar que isso não aconteceu com os países dominados pela Espanha, porque os países hispânicos se dividiram em muitos países - não vamos lembrar todos aqui e agora -, o que demonstra que os portugueses - e, por que não dizer, posteriormente, com os brasileiros - muito contribuíram para que tivéssemos a unidade nacional que possuímos. Consequentemente, conseguimos avançar para vertebrar um País cujo sonho começa a se converter em realidade.

            Da Faculdade de Direito paulista brotou a Universidade de São Paulo, a USP, assim denominada, e a pernambucana, a Universidade do Recife, hoje denominada Universidade Federal de Pernambuco, que foi semente de outras tantas que surgiram no Brasil.

            Gerações de juristas, políticos e administradores se formaram naquelas faculdades e continuam nelas se preparando, ao lado de tantas outras empenhadas nessa nobre tarefa.

            Sr. Presidente, San Tiago Dantas, ilustre jurista e Primeiro-Ministro do Governo parlamentarista na década de 1960, anteviu que “pela educação jurídica é que uma sociedade assegura o predomínio dos valores éticos perenes na conduta dos indivíduos e sobretudo dos órgãos do poder público. Pela educação jurídica [acrescenta mais uma vez San Tiago Dantas] é que a vida social consegue ordenar-se segundo uma hierarquia de valores, em que a posição suprema compete àqueles que dão à vida humana sentido e finalidade. Pela educação jurídica é que se imprimem no comportamento social os hábitos, as reações espontâneas, os elementos coativos, que orientam as atividades de todas para as grandes aspirações comuns”.

            Essa preocupação de San Tiago Dantas fora antes expressa por Pedro Lessa em palestra que proferiu no Congresso Jurídico Brasileiro, que se realizou em 1908, no começo do século XX:

            “Se há Academia, em que não se justifique, nem se compreenda o estudo com caráter exclusivamente prático ou profissional, é a de direito.

            Para bem aplicar as leis, é necessário penetrar-lhes bem o sentido. E, para aprofundar o conhecimento das leis, faz-se indispensável remontar os princípios de que elas procedem, e que as animam e espiritualizam.

            Já não quero aludir a uma carreira muito comumente abraçada pelos bacharéis em ciências jurídicas e sociais, [antigamente, nós nos formávamos em bacharéis de ciências jurídicas e sociais; meu diploma, ainda, assim ostenta esse título] e para a qual são imprescindíveis os princípios dessas ciências - a carreira política, o trabalho de legislar. Necessário para o exercício da advocacia e da magistratura, o estudo dos princípios fundamentais do Direito é indispensável ao legislador e ao estadista”.

   Anote-se que, após a instalação dos cursos jurídicos, os brasileiros não mais precisaram recorrer a Coimbra ou a Sorbonne, muito menos a universidades inglesas, alemães ou nos Estados Unidos, embora estas continuem paradigmáticas - ninguém pode desconhecer -, contudo somente acessíveis às pessoas afortundas.

         Nas Faculdades de Direito de Olinda/Recife e de São Paulo foi preparada a maioria dos estadistas no Império que serviram tanto aos Poderes Executivo e Legislativo, quanto, igualmente, ao Poder Judiciário [é bom lembrar que também muitos Ministros de Estado, e também Ministros dos Supremo Tribunal de Justiça, como antigamente era denominado o hoje Supremo Tribunal Federal].

         Devo dizer mais que os cursos jurídicos permitiram o desabrochar de novas profissões - jornalistas, pesquisadores sociais, sociólogos, etnólogos -, enfim, fazendo com que os cursos jurídicos começassem a surgir novas gerações de homens públicos que iriam ajudar o travejamento do nosso processo de desenvolvimento.

 Os mentores da Escola do Recife, também chamada de Escola Alemã, posto que foi fundada sob a influência de Tobias Barreto, ilustre sergipano, ao lado de Sílvio Romero e de Urbano Santos propiciaram um grande aggiornamento à cultura jurídica e filosófica da época.

 Tobias Barreto, sentenciou Graça Aranha em sua autobiografia: “Abria uma nova época na inteligência brasileira e nós recolhíamos a nova semente sem saber como ela frutificaria em nossos espíritos, mais seguros, porém, de que por ela nos transformávamos”.

            Enfim, eram os albores de afirmação da nacionalidade brasileira.

            Joaquim Nabuco, no consagrado livro Um Estadista do Império - é oportuno lembrar que no próximo ano, em 2010, vamos celebrar o centenário da morte de Joaquim Nabuco - anota: “Já então as faculdades de Direito eram então ante-salas da Câmara. Na Inglaterra, as associações de estudantes discutiam as grandes questões políticas, votam moções de confiança, destroem administrações, como faz o parlamento”.

  De alguma forma era o início de uma prática que ia permitir a formação de magistrados, procuradores, consultores, jornalistas, enfim, uma série de profissões indispensáveis ao processo de crescimento do País.

            Grandes poetas, escritores, pensadores, muitos dos quais saíram dessas Faculdades de Direito, como Álvares de Azevedo, Castro Alves, Fagundes Varela e Deolindo Tavares, acadêmicos dos cursos jurídicos que, por sinal, surgiram em pleno desabrochar no romantismo do Brasil.

 Ainda hoje está afixado na parede da Faculdade de Direito do Recife, onde tive honra de estudar e me formar, o retrato de Deolindo Tavares com seus versos antológicos: “Sou mais pobre do que Jó; sou mais rico que Salomão, enfim, sou um poeta”.

 Malgrado a distância territorial entre a Faculdade de Direito de Pernambuco e a Faculdade de Direito de São Paulo, em virtude da inexistência de estradas à época e a carência dos meios de transportes, havia algo muito proveitoso: um grande intercâmbio não apenas intelectual, mas também de interação de alunos. Muitos iniciaram o curso numa escola e o concluía em outra. O Barão de Rio Branco concluiu, por exemplo, na Faculdade de Direito do Recife. E começou o seu curso em São Paulo.

            Sr. Presidente, já vou encerrar, lembrando a passagem hoje dos 182 anos do estabelecimento dos cursos jurídicos em nosso País. E esta data tão significativa para um País jovem, como é o nosso, não pode deixar de ser celebrada, sobretudo pelas instituições devotadas ao Direito.

            É, portanto, ocasião para cultuar o passado que fica do que passou; é celebrar o presente enquanto construção do futuro. O Senado, Casa da República e da Federação, não pode, portanto, como aqui ficou expresso, ficar indiferente a tão insigne efeméride.

            E, já que falamos aqui na Casa da República e Casa da Federação, não podemos deixar de homenagear Rui Barbosa, posto que hoje é o Dia do Advogado, e Rui Barbosa foi, por excelência, o advogado. 

            É bom ter sempre presente que Rui Barbosa nos permitiu que o Brasil assumisse um papel destacado na vida internacional, via a II Conferência de Haia, em que ele tanto se destacou. Rui Barbosa foi alguém que deu, em toda a sua vida, um exemplo de grande civismo. Mesmo nas dificuldades, quando inclusive exilado, quer como candidato à Presidência da República, que nunca obteve alcançar, sempre foi o advogado, aquele que estava disposto a impetrar algum mandado de segurança contra qualquer opressão política, enfim, um político que se notabilizou pela formação da consciência cívica do nosso País.

            A consciência cívica, Sr. Presidente, é a base dos direitos humanos e liberdades públicas. Desde as lutas democráticas dos diretórios de estudantes que a juventude vem aprendendo o bom combate em defesa da cidadania. Eu mesmo sou dos que, na presidência do Diretório Central dos Estudantes da Universidade Federal de Pernambuco, iniciaram a carreira política.

            Por tantos motivos, o dia de hoje está dedicado ao Advogado. Mais do que apenas a data da efeméride, é o próprio espírito da consciência júridica democrática do Brasil que o consagra, em memória da fundação dos primeiros cursos jurídicos entre nós.

            Sr. Presidente, o advogado tem desempenhado um dos papéis mais importantes na defesa da democracia no Brasil e no mundo. O seu maior paradigma, entre nós prossegue sendo Rui Barbosa, que exerceu toda a vida essa profissão e fez dela a base de outras suas atividades de político, tanto honrando o Senado brasileiro, em cujas sessões está sempre presente no busto que aqui paira em lugar proeminente.

            Assim, hoje é também o Dia do Advogado e o é, significativamente, o dia de Rui Barbosa.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/08/2009 - Página 35755