Discurso durante a 133ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Alerta para alguns aspectos que sugerem cuidados excepcionais na preparação do cenário para a Copa do Mundo, quando serão necessários gigantescos investimentos para adequar as cidades escolhidas como sedes dos jogos às exigências da Fifa.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESPORTE.:
  • Alerta para alguns aspectos que sugerem cuidados excepcionais na preparação do cenário para a Copa do Mundo, quando serão necessários gigantescos investimentos para adequar as cidades escolhidas como sedes dos jogos às exigências da Fifa.
Publicação
Publicação no DSF de 18/08/2009 - Página 36607
Assunto
Outros > ESPORTE.
Indexação
  • REGISTRO, PREJUIZO, REALIZAÇÃO, OLIMPIADAS, CAMPEONATO MUNDIAL, FUTEBOL, PAIS ESTRANGEIRO, CANADA, GRECIA, FALTA, APROVEITAMENTO, INSTALAÇÕES.
  • ADVERTENCIA, NECESSIDADE, ATENÇÃO, PREPARAÇÃO, CAMPEONATO MUNDIAL, FUTEBOL, BRASIL, AUSENCIA, ATENDIMENTO, ESTADIO, RECOMENDAÇÃO, FEDERAÇÃO INTERNACIONAL DE FUTEBOL ASSOCIATION (FIFA), EXIGENCIA, SUPERIORIDADE, INVESTIMENTO PUBLICO, COMPARAÇÃO, EXPERIENCIA, JOGOS PANAMERICANOS.
  • SUGESTÃO, ADAPTAÇÃO, ORÇAMENTO, SITUAÇÃO, BRASIL, ATUALIDADE, INCENTIVO, PARTICIPAÇÃO, INICIATIVA PRIVADA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, anunciada oficialmente em 30 de outubro de 2007, a escolha do Brasil como o país anfitrião da Copa do Mundo de 2014 é motivo de alegria e de orgulho para nossa população. Os brasileiros escolheram o futebol como seu esporte preferido há muito tempo, desde as primeiras décadas do século passado. Mais que isso, ele é uma paixão nacional, tanto que somos conhecidos como o “país do futebol”.

            Charles Miller, filho de pai escocês e mãe brasileira descendente de ingleses, certamente jamais imaginou que, ao reunir alguns amigos numa tarde fria do outono paulista, em 1895, e convidá-los para jogar uma partida de futebol, estava plantando a semente de um esporte que rapidamente se difundiria pelo País inteiro.

            Como diz o jornalista e professor Leonel Kaz, o “pé de futebol” plantado por Miller transformou-se em flor e fruto da inventiva brasileira. Fizemos do futebol, afirma Leonel, uma linguagem própria, tão nossa como a música popular, e revelamos talentos que se projetaram mundialmente, entre os quais, só para citar alguns, Garrincha, Carlos Alberto Torres, Nilton Santos e Pelé.

            Mas meu objetivo não é discorrer sobre a história desse esporte, e sim alertar para alguns aspectos que sugerem a necessidade de cuidados excepcionais na preparação do cenário para a Copa do Mundo. Sabemos todos que serão necessários gigantescos investimentos para adequar as cidades escolhidas como sedes dos jogos às exigências da Fifa, a Federação Internacional de Futebol.

            Há pouco tempo, em entrevista ao programa Senado Economia, da Rádio Senado, ouvi ponderações interessantes, mas também preocupantes, do conceituado urbanista Valter Caldena, diretor da Escola de Arquitetura das Faculdades Mackenzie, de São Paulo. Na entrevista, ele ressalta a necessidade de uma ampla discussão nacional sobre os investimentos indispensáveis à Copa, para que sejam direcionados de maneira adequada.

            Existem vários exemplos de eventos esportivos de grande porte, como as Olimpíadas e a Copa do Mundo, que deram prejuízos monumentais, enquanto outros proporcionaram lucro e retorno na forma de aumento do fluxo turístico e melhoria da infra-estrutura, especialmente nas áreas de transporte urbano e de lazer para a população. Os Jogos Olímpicos de Barcelona, realizados em 1992, que por sinal tiveram uma das mais belas cerimônias de abertura da história do certame, deram projeção mundial à cidade, tornando-a um foco de atração turística permanente.

            Por outro lado, Montreal, sede dos Jogos Olímpicos de 1976, protagonizou um fracasso econômico sem precedentes. O prejuízo total com a realização dos jogos chegou a 2 bilhões de dólares americanos, e o caríssimo parque olímpico permaneceu anos sem utilização. A dívida só foi quitada no início de 2006, 30 anos depois.

            O mais recente exemplo negativo é o da Olimpíada de 2004, realizada na Grécia. Seus organizadores previram que os custos seriam pagos com os gastos dos turistas que assistiriam ao evento, além dos patrocínios. Para o futuro, contavam com a continuidade do turismo.

            Quatro anos depois dos Jogos, em julho de 2008, um repórter do Daily Mail, um jornal inglês, visitou o parque olímpico de Atenas. Encontrou uma enorme área abandonada, cheia de depósitos de lixo, com paredes cobertas de grafitti, quase em ruínas, ocupada em alguns pontos por tendas erguidas por imigrantes ilegais. “Se desperdício fosse um esporte olímpico, os gregos seriam campeões”, afirma o repórter.

            Um político grego que ele entrevistou admite que o país não pensou num plano para o aproveitamento das instalações depois de encerradas as Olimpíadas. “Não avaliamos o que aconteceria no período pós-olímpico”, diz ele. Em resumo, calcula a reportagem, 9 bilhões de libras esterlinas, gastas com os preparativos, foram jogadas no lixo.

            No Brasil, o fantasma que assombra a Copa de 2014 tem nome: os Jogos Pan-americanos do Rio de Janeiro, realizados em 2007. O orçamento inicial para realizar a competição era de 400 milhões de reais, mas estima-se que os gastos chegaram mais de 3 bilhões e 300 milhões de reais, que o governo federal foi obrigado a bancar, devido ao atraso nas obras. Na verdade, até hoje ninguém sabe o quanto custaram os Jogos Pan-americanos. Quanto aos prometidos benefícios, entre os quais a extensão do metrô até a Barra da Tijuca, não saíram do papel. Tampouco se notou um aumento significativo no número de turistas depois dos Jogos.

            Somos um país com deficiências inegáveis na área de infra-estrutura. A expansão desordenada das metrópoles fez com que o trânsito chegasse ao ponto de estrangulamento na maioria delas. A malha de transporte público é, em muitos casos, precária, resultado de décadas de falta de planejamento. Em qualquer das grandes cidades, um trabalhador gasta boa parte de seu dia no deslocamento de casa para o trabalho e vice-versa, em ônibus e trens sem conforto.

            Além desse problema, que se torna mais grave a cada dia, temos uma infinidade de tarefas urgentes pela frente: a expansão do saneamento básico, a universalização da eletricidade, a redução do déficit habitacional, a urbanização de favelas, o combate ao analfabetismo, a melhoria da qualidade do ensino... apenas para citar algumas.

            A realização da Copa de 2014 exigirá a realização de obras colossais. Como disse Valter Caldena na entrevista à Rádio Senado, estamos prestes a fazer investimentos num volume e numa intensidade nunca vistos, talvez, desde a construção de Brasília. Serão “50 anos em 5”, para lembrar o slogan utilizado naquela época. Algumas cidades escolhidas como sedes de jogos da Copa terão que investir algo como 50 por cento do seu orçamento anual de uma só vez para atender aos padrões exigidos pela Fifa.

            O presidente da São Paulo Turismo, Caio Luiz de Carvalho, afirmou em abril, num fórum organizado pela Escola Superior de Propaganda e Marketing que a construção de um estádio para a Copa do Mundo “consome ao menos 1 bilhão e 500 milhões de reais, se contarmos todas as obras paralelas que são necessárias”.

            Ora, nenhum dos estádios brasileiros atende às recomendações da Fifa para o Mundial. Pouquíssimos têm assentos individuais com encostos, banheiros limpos e em número suficiente, corredores de entrada a e saída largos, tribunas de imprensa bem equipadas. A adequação vai exigir reformas formidáveis, quando não a demolição do estádio e a construção de um novo.

            Será preciso ampliar vias de acesso ou fazer novas, e reformular o transporte público, onde não houver estrutura para receber adequadamente os jogos. Estudos feitos pelo governo do Ceará e pela prefeitura de Fortaleza, por exemplo, calculam que serão necessários investimentos de 9 bilhões e 200 milhões de reais para deixar a cidade apta a receber a Copa.

            Outro perigo à nossa frente é o de construirmos o que o professor Caldena chama de “guetos futebolísticos”. Ou seja, erguemos um estádio, um parque hoteleiro nas imediações e estará pronta uma “ilha da fantasia”, que, depois de terminados os jogos, não atrairá ninguém e provavelmente terá o mesmo destino do complexo de Atenas.

            É indiscutível que, ao sediar a Copa de 2014, o Brasil está diante de uma oportunidade. Calcula-se que ela deve atrair cerca de 500 mil turistas estrangeiros, que gastariam até 3 bilhões de reais. É bom ressaltar que são estimativas, sujeitas a oscilações causadas por fatores imprevisíveis. Quem, 5 anos atrás, foi capaz de prever a atual crise econômica mundial? Outro argumento é o da geração de postos de trabalho. Na Alemanha, a Copa de 2006 gerou 25 mil novas vagas. Mas grande parte dessas vagas eram empregos sazonais, que desapareceram assim que os jogos se encerraram.

            Não estou, de maneira alguma, reprovando a escolha do Brasil para sediar a Copa. Quero apenas enfatizar que precisamos agir com realismo. O presidente Lula já disse, em entrevistas, que a União só financiará serviços de infra-estrutura nas cidades, e não dará nenhum centavo para os estádios de futebol. É necessário aprender com os exemplos que citei, de êxitos e fracassos na realização de Jogos Olímpicos e Copas do Mundo. O investimento público deve ser monitorado cuidadosamente, e os projetos irrealistas, de complexos esportivos destinados a virar sucata, descartados sumariamente.

            Não há ainda definição do orçamento final da Copa, mas, seja qual for, deve ser adequado à realidade brasileira e com forte estímulo à participação da iniciativa privada. Caso contrário, estaremos demonstrando que não sabemos aprender lições, ao repetir o triste exemplo do Pan-americano.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/08/2009 - Página 36607