Discurso durante a 134ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a memória de Euclides da Cunha.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem a memória de Euclides da Cunha.
Publicação
Publicação no DSF de 19/08/2009 - Página 36632
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, PRESENÇA, SENADO, AUTORIDADE, SESSÃO SOLENE, HOMENAGEM, CENTENARIO, MORTE, EUCLIDES DA CUNHA (BA), ESCRITOR, PARTICIPANTE, ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (ABL), IMPORTANCIA, CONTRIBUIÇÃO, PUBLICAÇÃO, OBRA INTELECTUAL, DESCRIÇÃO, VIDA, POVO, REGIÃO SEMI ARIDA, REGIÃO NORDESTE, GUERRA, ESTADO DA BAHIA (BA), LIDERANÇA, ANTONIO CONSELHEIRO, VULTO HISTORICO, REALIZAÇÃO, EXPEDIÇÃO, REGIÃO AMAZONICA, DEFINIÇÃO, FRONTEIRA, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, PERU, BOLIVIA, ELOGIO, EMPENHO, DEFESA, SERINGUEIRO, CONSTRUÇÃO, RODOVIA, ESTADO DO ACRE (AC), SAUDAÇÃO, INICIATIVA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), EDIÇÃO, TRABALHO, JORNALISTA, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO DE MORTE.

                          SENADO FEDERAL SF -

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            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Exmº Sr. Senador Geraldo Mesquita Júnior, que preside a presente sessão do Senado Federal em homenagem ao centenário da morte do escritor Euclides da Cunha, quero cumprimentá-lo por haver, juntamente com outros Srs. Senadores, proposto a homenagem que, merecidamente, é prestada a Euclides da Cunha pelo centenário de sua morte. Gostaria também de saudar o 3º Secretário da Mesa do Senado Federal, Exmº Sr. Senador Mão Santa; a Diretora do Departamento da Europa do Ministério das Relações Exteriores, Exmª Embaixadora Maria Edileuza Fontenele Reis, que integra os quadros do Itamaraty e com quem tive oportunidade de conviver nos tempos em que exerci a Vice-Presidência da República e nas missões no exterior; o Sr. Vice-Reitor Acadêmico da Universidade do Legislativo Brasileiro - Unilegis, Sr. Ministro Carlos Fernando Matias de Souza; meu caro amigo Luiz Carlos Cerqueira, Presidente da Casa do Poeta Brasileiro, com sede aqui em Brasília.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Brasil comemora neste ano o centenário do falecimento do escritor, acadêmico e engenheiro Euclides da Cunha, um dos maiores críticos sociais e antecipadores do nosso futuro. Bom lembrar que além dos muitos títulos, Euclides da Cunha também foi membro da Academia Brasileira de Letras, havendo sido sucedido na sua cadeira, em decorrência de sua morte, por Afrânio Peixoto.

            Euclides da Cunha, Sr. Presidente, como sabem as senhoras e os senhores, foi profeta não só da realidade brasileira, mas, igualmente, sul-americana. De alguma forma, ele poderia ser caracterizado entre aqueles que sonharam com o que, hoje, se constitui o Mercosul, ou seja, o interesse em fazer com que o Brasil e os seus vizinhos pudessem praticar políticas econômicas e sociais de integração. Euclides da Cunha se dedicou integralmente ao Brasil numa época em que os intelectuais se inspiravam, em grande parte, nos modelos europeus na literatura e ciências sociais. Euclides da Cunha conhecia-os, mas sabia selecioná-los e recriá-los criticamente no Brasil. Também na ação prática, Euclides da Cunha era atípico em sua atividade de engenheiro, ao lado do jornalismo, ambas com brilho e profundidade.

            Os Sertões - já aqui tantas vezes aludido - são um livro exemplar dessa síntese, dividido em três partes fundamentais: o homem, o meio e a luta. Na primeira se destaca o sociólogo pioneiro até ao antropólogo, com dramaticidade literária de escritor na última página. Entre ambas, aparece a sua minuciosa descrição do ambiente geográfico, climático e mesmo geológico do sertão nordestino, inclusive na primeira enumeração dos ciclos da seca.

            Ainda há pouco, o orador que me antecedeu, o Líder, Senador Arthur Virgílio, lembrava a múltipla vocação de Euclides da Cunha. Não poderíamos deixar de reconhecer também o seu discernimento no campo da geografia. Todo o evento, diz certa feita Gilles Lapouge, é, antes de ser histórico, geográfico, enveredando por um labirinto de reminiscências que perpassa gerações. De fato, não se pode pensar o evento histórico sem a isso se anteceder a devida localização geográfica.

            Uma das maiores conhecedoras da obra de Euclides da Cunha, a Professora Walnice Nogueira Galvão, na matéria intitulada “Excerto de um livro inédito”, inserida no Caderno Cultura, de O Estado de S. Paulo, ao qual o nobre Senador Geraldo Mesquita Júnior fez referência há poucos minutos, ela que é professora de Teoria Literária e Literatura Comparada na USP, transcreve um conhecido texto de Euclides da Cunha, aquele que se refere ao sertanejo.

... Assim, o sertanejo é um forte, cuja energia contrasta raquitismo exaustivo dos mestiços enervados do litoral. Surge naquelas paragens com a feição firmemente acentuada de um lidador enérgico.

A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. Não tem a plástica impecável (...), as linhas elegantes dos lutadores antigos.

É impossível imaginar-se um cavaleiro mais descuidado e despretensioso (...). Mas se uma rês alevantada envereda esquiva pela caatinga garranchenta, ei-lo que se transmuda (...) cravando os acicates de rosetas largas nas ilhargas da montaria e partindo como uma flecha, atufando-se velozmente no seio trançado das juremas.

(...)

O gaúcho do sul, ao vê-lo nesse momento não o olharia sequer. O vaqueiro do norte é a sua antítese. Na postura, no gesto, na palavra, na índole e nos hábitos dificilmente se encontram pontos de contato entre os dois. (...)

O seu aspecto recorda vagamente, à primeira vista, o de guerreiro antigo. As vestes são uma armadura.

            Euclides da Cunha vai além das constatações objetivas, científicas, metodológicas próprias de sua formação de engenheiro com sensibilidade estética. Ele se antecipa aos estudos ecológicos ao denunciar as desertificações: “há longos anos (...) nós mesmos as criamos”, deixando “a área em cinzas onde fora a mata vicejante, contribuindo para que ali se estabelecesse, em grandes tratos, o regime desértico e a fatalidade das secas.”

            Esse mal outrora se concentrava, como nós sabemos, e ainda hoje, no Nordeste. Hoje se vê a estiagem se alastrando pelo Centro-Oeste e até no Sul do Brasil, apesar de Euclides da Cunha, já naquele tempo, apontar “os progressos rápidos da biologia e da química, fornecendo-nos todos os recursos para que se multipliquem as energias do solo”.

         As antevisões euclidianas se projetam muito além das fronteiras do Brasil. O Barão do Rio Branco, Ministro das Relações Exteriores ao longo de dez anos e que é reputado como um dos pais da diplomacia brasileira, soube se cercar do que havia de melhor na inteligência brasileira. Ele era, de fato, um pró-homem e não temia concorrentes. Prova do que afirmo foi o fato de ele enviar Rui Barbosa à Conferência Internacional da Paz, em Haia, ou convocar Joaquim Nabuco como defensor dos nossos interesses na questão da Guiana e Euclides da Cunha para demarcar as fronteiras do Brasil com o Peru e Bolívia, do que resultou o livro sob esse nome.

         A professora Walnice Nogueira Galvão - que já citei anteriormente - anota em artigo publicado no O Estado de S. Paulo:

Mesmo inconclusa, a série de reportagens sobre a guerra de Canudos constituiria o embrião de Os Sertões... Numerosos acréscimos e desenvolvimentos fariam o volume ultrapassar 600 páginas. Entre uma tarefa e outra de suas lides de engenheiro de obras públicas no interior de São Paulo, Euclides dedicou-se a extensos estudos que completariam aquilo que presenciou na campanha.

(...)

Tudo isso estará nas páginas do livro, que sairá cinco anos depois, em dezembro de 1902. Este excerto, que é matéria nova e não constava da série, aparecerá devidamente retocado.

(...)

Assim, o livro vai resultar numa considerável enciclopédia na qual hipóteses sobre as causas das secas que assolam o Nordeste ombreiam com interpretações psicocriminais da instabilidade nervosa dos mestiços, e a crítica às táticas desenvolvidas pelo Exército com análises dos preceitos da ordem do sagrado.

            Oliveira Lima, renomado escritor - aliás, pernambucano de nascimento - conseguiu sintetizar de modo exemplar mais esse êxito de Euclides da Cunha ao escrever, no prefácio à 2ª edição de Peru versus Bolívia:

O Sr. Euclides da Cunha tem em si dois motivos de superioridade sobre o comum dos advogados de limites, que são a sua proficiência profissional como engenheiro e a sua expressão empolgante como literato. Como engenheiro, o lado técnico, a argumentação científica, a que um leigo é estranho ou que só pode utilizar como amador, oferece-lhe um terreno sólido sobre que assentar sua exposição política, evitando que ela se torne senão romântica, pelo menos puramente letrada. Como literato, o talento posto em semelhante exposição garante-lhe a soma de leitores que a aridez física agüentaria.

            Prossegue, mais uma vez, o ilustre escritor Oliveira Lima:

O Sr. Euclides da Cunha (todos os que têm a dita de conhecê-lo o testemunharão) não é só um intelectual que pensa, é também um intelectual que vibra, e a vibração ainda é o melhor meio de comunicação entre o autor e o público.

            Ademais, Peru versus Bolívia apresenta longa e minuciosa pesquisa de documentos históricos e mapas obtidos pelo Barão do Rio Branco em arquivos europeus, conferidos em árduas pesquisas de campo por Euclides da Cunha.

            Além de delimitar as fronteiras do Brasil no Alto Purus e Alto Juruá, onde ainda estão as marcas por ele fixadas pessoalmente, com distâncias medidas pelas estrelas e confirmadas minuciosamente por teodolito em plena selva amazônica, enfrentando todos os perigos, Euclides da Cunha foi o primeiro brasileiro e um dos primeiros do mundo a entender o clima tropical-equatorial, “um clima caluniado”, a defender os seringueiros e a antever a importância e mesmo urgência da importância do Brasil no que previa “o primado do Pacífico”, alcançável pela construção da estrada transacreana.

            Do outro lado já estavam a China e o Japão, e a Rússia e os Estados Unidos lá chegaram.

            Tudo isso integrado num plano de “viação sul-americana”, estendendo-se pela Bolívia, Peru e afluentes do rio Prata.

            Só assim o Brasil se realizaria perante o mundo, pela justiça social, defesa e recuperação do meio ambiente, e por integração econômica com os países vizinhos, sem esquecer a cultura, lembrada nas frequentes citações e comentários de escritores hispano-americanos, não só de europeus e norte-americanos, nos livros de Euclides da Cunha.

            São de tanta profundidade e extensão as propostas euclidianas, que podemos considerá-las um projeto para o Brasil ainda a ser realizado.

            No artigo publicado no jornal O Estado de S Paulo, no dia 16 de agosto de 1909, portanto, há cem anos, seu autor Euclides da Cunha expõe as dificuldades que enfrentara:

... a comissão exploradora à foz do Cavaljani, o último esgalho do Purus, distante 3.200 quilômetros da confluência deste último no Amazonas; e tão perdido naquelas solidões empantanadas que nenhuma carta o revelava.

Éramos apenas nove: eu [Euclides da Cunha], um auxiliar dedicadíssimo, o Dr. Arnaldo da Cunha, um sargento, um soldado e cinco representantes de todas as cores reunidos ao acaso em Manaus.

(...) A nossa comissão dispersara-se, (cito Euclides da Cunha) coagida pelas circunstâncias: naufragáramos em caminho; e os salvados da catástrofe mal bastariam àquele reduzido grupo de temerários, de sorte que ao atingirmos aquela estância remota já nos íamos, há dias, num terrível quarto de ração (...).

Contrastando com esta desventura, a comissão peruana, que acompanhávamos, estava íntegra, bem abastecida, robusta. Não sofrera o transe de um naufrágio, eram vinte e três homens válidos, dirigidos por um chefe de excepcional valor.

Assim, todas as noites, naquelas praias longínquas, havia este contraste: de um lado, um abarracamento minúsculo e mudo, todo afogado na treva; de outro, afastado apenas cinquenta metros, um acampamento iluminado e ruidoso, onde ressoavam os cantos dos desempenados cholos loretanos.

            Volto a citar a professora Walnice Nogueira Galvão:

Em 15 de agosto de 1909, na véspera deste artigo, Euclides tombava morto, aos 43 anos. Ao regressar ao Rio depois dos 13 meses de ausência, absorvidos pela expedição ao Alto Purus, encontrara sua esposa grávida do cadete Dilermando de Assis. Entre marchas e contramarchas, a intriga se arrastaria por bom tempo. Até que, reagindo ao abandono em que D.Saninha o deixara, Euclides, com um revólver na mão, decide buscá-la. Entrou na casa de Dilermando disparando, antes de cair baleado. Seu adversário, preso e mais tarde julgado, seria absolvido por legítima defesa.

A consternação do País [com a morte de Euclides da Cunha] foi geral, ante a perda de um dos seus mais ilustres cidadãos. O jornal, que o considerava prata da casa [eu me refiro ao Estado de S. Paulo], prestou-lhe a homenagem de estampar, exatamente cem anos atrás, há 16 de agosto de 1909, este último artigo, entremeado ao necrológico e a notícias das circunstâncias que presidiram a seu inesperado falecimento.

            Sr. Presidente, Senador Geraldo Mesquita Júnior, desejo salientar que O Estado de S. Paulo prestou um notável serviço ao País ao publicar, semanalmente, na última página do suplemento Cultura até o dia 16 do corrente mês, trabalhos de Euclides da Cunha e excelentes textos da professora - a que já me referi mais de uma vez - Walnice Nogueira Galvão.

            Nobre Senador Geraldo Mesquita Júnior, quero novamente cumprimentá-lo por haver proposto, juntamente com outros Senadores, a presente homenagem em memória de Euclides da Cunha.

            Sr. Presidente, os profetas não morrem. Eles transmitem as suas percepções às gerações seguintes. A passagem de centenário do falecimento de Euclides da Cunha convoca-nos a buscar realizar as suas profecias de um Brasil justo e desenvolvido, fiel à nossa vocação histórica.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/08/2009 - Página 36632