Discurso durante a 134ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem a memória de Euclides da Cunha.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.:
  • Homenagem a memória de Euclides da Cunha.
Publicação
Publicação no DSF de 19/08/2009 - Página 36635
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, PRESENÇA, SENADO, AUTORIDADE, SESSÃO ESPECIAL, CENTENARIO, MORTE, EUCLIDES DA CUNHA (BA), ESCRITOR, LIVRO, DESCRIÇÃO, VIDA, POVO, REGIÃO NORDESTE, GUERRA, LIDERANÇA, ANTONIO CONSELHEIRO, VULTO HISTORICO, MUNICIPIO, CANUDOS (BA), ESTADO DA BAHIA (BA), SAUDAÇÃO, GRUPO, TEATRO, INTERPRETAÇÃO, OBRA LITERARIA, ELOGIO, ESPECIALISTA, BIOGRAFIA, INICIATIVA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), EDIÇÃO, TRABALHO, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO DE MORTE.
  • SAUDAÇÃO, PREFEITO, MUNICIPIO, SANTO ANTONIO DO PINHAL (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PIONEIRO, REMESSA, PROJETO, CRIAÇÃO, RENDA MINIMA, CIDADANIA, APRECIAÇÃO, CAMARA MUNICIPAL.
  • REGISTRO, VISITA, ORADOR, MUNICIPIO, CANUDOS (BA), ESTADO DA BAHIA (BA), PROPOSIÇÃO, VEREADOR, PREFEITO, ESTABELECIMENTO, RENDA, HOMENAGEM, HISTORIA, ANTONIO CONSELHEIRO, VULTO HISTORICO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY  (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmº Sr. Presidente Geraldo Mesquita Júnior, meus parabéns por, ao lado de outros Senadores, ter apresentado requerimento de homenagem a Euclides da Cunha, por ocasião dos cem anos de seu falecimento; prezado Sr. Ministro Carlos Fernando Mathias de Souza, Vice-Reitor Acadêmico da Unilegis; Sr. Presidente da Casa do Poeta Brasileiro, Luiz Carlos Cerqueira; Srª Maria Edileuza Fontenele Reis, diretora do Departamento da Europa do Ministério das Relações Exteriores, quero destacar a última entrevista que Euclides da Cunha deu ao escritor e jornalista Viriato Correia, em 15 de agosto de 1909, publicada em Escritos de Euclides da Cunha: Política, Ecopolítica e Etnopolítica, Editoras PUC/Loyola.

           Era um domingo de sol, com céu muito azul, como menciona o jornalista. Segundo ele, ninguém imaginaria que aquele dia se tornaria cinzento com uma imensa chuva que inundou a cidade, assim como o Brasil.

           O encontro foi na casa de Euclides. Foi uma conversa, um diálogo entre duas pessoas inteligentes, dois literatos de alta cepa, como se dizia à época. Durante horas, prosearam sobre livros e arte, principalmente sobre Os Sertões.

           Depois da tragédia, Viriato Correia relatou o encontro. Vale ressaltar a descrição que ele fez de Euclides da Cunha:

Euclides é um simples como nunca vi assim. Quem o encontra na rua, magro, o rosto carregado, numa profunda concentração, não acredita o que pode haver de alegre, carinhoso e desprendido naquela alma. Quem devora as páginas rutilantes de “Os Sertões” imagina que ali está um escritor de sossego e método e que a obra foi feita com o maior dos métodos e o mais regular dos sossegos. Nada disso. Nem uma coisa nem outra. Euclides nunca “se assentou”.

A sua vida tem sido uma vida errante, ora aqui, ora ali, numa comissão, noutra, as malas sempre prontas, os livros dentro das malas. Ora em Minas, em São Paulo, no Amazonas, no Acre, em Canudos; de lápis na mão, enchendo de algarismos os livrinhos de notas, como engenheiro.

Ao que ele conta, desde estudante que o seu sonho é pousar; ter uma vida pacata, a sua casa, tudo em ordem, os seus livros arrumadinhos, a hora certa de começar o trabalho, a hora certa de terminá-lo, e hora de dormir. E nunca teve. A sua existência tem sido revolta, sem assento em lugar nenhum, irregular, imprevista, incerta, nômade, uma hora aqui, outra onde o diabo perdeu as botas, sempre carregado de trabalho, trabalhando noites além, um dia no costado de um cavalo, percorrendo sertões, outro medindo terras, outros suando, entre o fragor dos martelos, numa ponte que se constrói. Um horror!

            Outro ponto que não se pode deixar despercebido é o fato de o próprio Euclides julgar Os Sertões um livro como outro qualquer, cheio de defeitos. Defeitos dele próprio, Euclides:

Na nova edição fiz mais de mil emendas. Não se diga que são erros de revisão, são defeitos meus, só meus. Hei de consertar isso por toda a vida. Até já nem abro Os Sertões porque fico sempre atormentado, a encontrar imperfeições a cada passo.

            Assim como os defeitos apontados pelo próprio autor, Viriato Correia lembra também o relato do autor sobre as duas cartas que recebera do editor. Euclides da Cunha disse que se as tivesse lido na ordem contrária teria morrido antes. Ao retornar ao Rio de Janeiro, depois de uma longa viagem, Euclides da Cunha encontra um homem com um volume de Os Sertões embaixo do braço. A curiosidade o consome tanto que interpela o homem em plena rua:

- O senhor pode deixar-me ver esse livro?

O senhor fitou-o, mediu-o e sério, desconfiado da má vontade, estendeu-lhe mudamente o livro, sem largá-lo. Era Os Sertões.

- Obrigado [disse Euclides da Cunha].

O seu desejo foi atirar-se ao sujeito e abraçá-lo. Mas voltou para sua mesa e pôs-se a pensar e repensar. O livro estaria fazendo sucesso? Teria sido bem sucedido? Os jornais o que estariam dizendo?...

E nesse torturar de espírito, Euclides chegou a Lorena. Esperavam-lhe jornais e cartas. Cartas do editor. Do editor havia duas. Abriu uma por acaso, por felicidade era a segunda. Nessa carta, o editor dizia que estava assombrado com a venda do livro e que em oito dias estava quase esgotado um milheiro; contava-lhe do sucesso, das críticas dos jornais, do barulho que a obra estava fazendo. A outra carta, a primeira, era esmagadora. 

O editor confessava-se-lhe redondamente arrependido de tê-lo editado, dizia que não havia vendido um único volume e mais: que, sendo cada volume pelo preço de 10 mil-réis, mandara oferecer aos “sebos” da rua de São José por cinco e nenhum só aceitara.

- Se eu tivesse lido essa carta, em primeiro lugar, parece que morreria, concluiu Euclides sorrindo.

            Segundo Viriato Correia, é essa a história da obra máxima da nossa literatura. A profunda modéstia de Euclides é orgânica. Com a publicação de Os Sertões, quem mais se espantou foi ele.

Nós nos espantamos de ver que a nossa ração já tinha um escritor, que atingira o mais alto grau da perfeição. Ele se espantou ao saber que esse escritor era ele.

            É esse Euclides da Cunha, modesto apesar de toda a grandiosidade da sua obra, que o Brasil e o mundo hoje reverenciam. Quem muito bem define a magnitude de Os Sertões é o ator e diretor José Celso Martinez Corrêa, do Teatro Oficina. Ele foi um dos participantes, no último dia 14, de um dos debates do ciclo Euclides da Cunha 360°, promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo.

            Para Zé Celso:

Os Sertões é como um poema ilimitado, além de ser uma espécie de universidade que forma o leitor.

José Celso afirma e reafirma que aprendeu muito com o personagem Antonio Conselheiro.

            Tive a oportunidade de acompanhar o extraordinário trabalho de José Celso Martinez Corrêa e de todos aqueles que participaram do elenco de Os Sertões, no Teatro Oficina, apresentando nos últimos cinco anos aproximadamente, tanto no Teatro Oficina quanto em Quixeramobim, terra onde nasceu Antonio Conselheiro. E, depois, em Canudos mesmo, em 2007, foram apresentados com sucesso extraordinário os cinco capítulos de Os Sertões: a Terra; o Homem, primeira e segunda partes; a Luta, primeira e segunda partes.

            Eu tive a felicidade de poder assistir à quarta parte, apresentada no Teatro Metálico, construído,até por uma gentileza da Petrobras, dentro do estádio principal de Canudos. Canudos hoje é uma cidade com 14 mil habitantes, e o teatro estava lotado, com cerca de mil pessoas, para assistir a Os Sertões. Os estudantes, as pessoas, os moradores de Canudos foram ali assistir à peça Os Sertões para recordar a sua história.

            E quero tanto cumprimentar José Celso Martinez Corrêa e todos os artistas, inclusive os jovens, meninos, meninas e adolescentes, do bairro do Bexiga, que aprenderam a fazer teatro. Eles foram convidados a participar do elenco de Os Sertões, que tinha dezenas de pessoas. E todos aprenderam muito.

            Eu quero aqui cumprimentar o Teatro Oficina José Celso, por ter estimulado enormemente os brasileiros e por eles aprenderem Os Sertões, porque muitos foram ao Teatro Oficina. Mas, mais do que isso, José Celso levou Os Sertões para ser apresentado em Paris, na França, em Berlim, em alguns dos principais festivais de teatro da Alemanha. Foi algo extraordinário.

            Quero, também, cumprimentar a Professora Walnice Nogueira Galvão - o Senador Marco Maciel, o Senador Geraldo Mesquita, o Senador Arthur Virgílio, todos a citaram - como a professora de Literatura Brasileira da Universidade de São Paulo que melhor estudou, em profundidade, os principais livros de Euclides da Cunha, inclusive porque os editou, especialmente Os Sertões, com um cuidado tão especial, com comentários.

            Então, além de ser a autora da introdução da obra para a plateia do colóquio, também organizado pelo jornal O Estado de S. Paulo... E aqui vai o meu cumprimento também ao jornal O Estado de S. Paulo por ter tido, em Euclides da Cunha, um dos seus mais brilhantes colaboradores ao longo de sua própria história, tendo feito sempre a devida homenagem, inclusive agora, com o suplemento Cultura, que será publicado neste final de semana, o que o Presidente Geraldo Mesquita já aqui mencionou. Quero muito estimular todos a lerem esse trabalho, que certamente será tão importante.

            Walnice Nogueira Galvão definiu a parte conclusiva de Os Sertões (“A Luta”), como a de “maior ambição literária”. Segundo ela, Euclides erigiu um monumento aos mártires de Canudos, imolados em nome da modernização. Ela classificou a atuação da imprensa da época em relação à Guerra de Canudos “vergonhosa”, sublinhando o papel de Euclides. “Ele foi acreditando tratar-se de uma conspiração monarquista e voltou transformado”. Para o bem da história e da literatura.

            No texto ontem escrito por José Celso Martinez Correa, “O Outro de Euclides capturado pela Vendetta Romana”, diz José Celso Martinez Correa, com quem há pouco conversei:

Não sei se o que tinha de mais forte era uma “personalidade”. Acima de tudo Euclides da Cunha foi e é: Poeta.

Assim perpetuou sua obra como a de Homero, a dos Evangelistas da Bíblia, a de Shakespeare ou a de Michael Jackson.

Rimbaud dizia de seu Poeta: “Eu é um Outro.” Esse Outro foi quem escreveu “Os Sertões”. Euclides sentia-se atraído sempre por viagens, não suportava o meio opressivo social patriarcal romano. Sentia sempre necessidade de escapar à captura da vida da corte monarquista ou republicana. Partiu com o Exército para massacrar Canudos como repórter ainda com cabeça positivista, com a mesma cultura de seus contemporâneos do mundo todo como se lê explicitamente no seu “Diário de uma Expedição”.

Lá compara Canudos, a bordo do navio “Espírito Santo”, com as nuvens “cumulus” que encobriam o Sol da manhã tropical e o Exército Brasileiro como o Grande Astro que iria desfazer com suas baionetas e canhões Krupp as sombras que pairavam sobre nossa jovem República.

Mal penetrou na “Terra Ignota” do Sertão, seu Poeta, seu Outro, apaixonou-se por aquela “Terra” paradoxal e viva como a condição humana, sujeita à dialética sem síntese das secas demoradas e das primaveras chuvosas inesperadas.

Começou analisando a natureza como um cientista, mas o Poeta, o Animista, o Xamã, penetrou nas plantas e as poetizou como portadores dos mais íntimos sentimentos secretos trans-humanos.

Descobriu o “Outro Brasileiro”, o outro “Homem” sertanejo, “antes de tudo um forte”, capaz de uma estratégia de guerra de guerrilhas, de inteligência superior à do poder de captação do Exército Brasileiro, colonizado pelo Império Austro-Húngaro.

Sentiu a esperteza deste “Outro”, guerrilheando, mas ao mesmo tempo no bater da Ave Maria sendo capaz de cessar todo combate, para cantar, rezar, e entre-beijarem-se juntos, como beijam-se os Santos.

Termina por ver na “Luta” o Exército Brasileiro degolando os prisioneiros que não obedeciam à ordem de bradar “Viva a República!” exigida pelo algoz da Democracia dos direitos universais de “Liberté, Egalité, Fraternité” aos sertanejos rebelados.

Sua cabeça positivista explodiu. “O Poeta” tomou conta de todo seu corpo. Saiu doente de Canudos, dia 1º de outubro, por não suportar o massacre do dia 5. Retirou-se para São José do Rio Pardo para construir uma Ponte sobre o Rio que dá nome à cidade e sobre a ignorância de si mesmo da República dos Estados Unidos do Brasil.

Inspirou-se na energia de Canudos, de seu “corpo sem órgãos”, (expressão usada por Euclides, antes de Artaud, Deleuze e Guatary) para durante três anos, numa escrita inter-textual em que colaboraram muitos cientistas, poetas e intelectuais seus amigos, tentar passar para o Brasil Patriarcal litorâneo e colonizado, o “Outro Brasil”, que seu “outro”, “seu Poeta” captara.

Identificou-se com Antonio Maciel, que para fugir da “vendeta” que se exigia para o “Corneado”, no Nordeste Oligárquico, foi mudando de cidade em cidade com sua “Mulher de Todos”, até ser abandonado por ela, e ir para o deserto onde, buscando a paz, transfigurou-se em Antonio Conselheiro, um Buda brasileiro. Antonio buscava a paz, mas seu destino trágico o atirou para uma guerra do Brasil inteiro contra seu amado povo canudense. Euclides, por sua vez, foi capturado pela “honradez” da sociedade patriarcal romana que repudiava e entrou em ação o papel do “Corno Ofendido”.

Foi duelar com o amante de sua mulher Ana: Dilermando, exímio atirador militar. Euclides foi sacrificado tragicamente, há 100 anos, no dia 15 de agosto, por razões opostas a de Antonio Maciel, o Conselheiro. Ambos, entretanto, vítimas do mesmo e velho direito romano de propriedade. Sua condição de “humano, demasiadamente humano” paradoxalmente não rimou com “seu Poeta”, “seu Outro”, este sim o Vitorioso, um dos maiores Poetas Imortais do Planeta Terra, que amou como quem ama uma mulher.

            Essa é a conclusão de José Celso Martinez Corrêa.

            Permita-me, Sr. Presidente, que eu possa, aqui, concluir com a página mais bela de Os Sertões, exatamente aquela em que ele diz “Fechemos este livro”.

            Nas palavras de Euclides da Cunha:

Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a História, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho; dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.

Forremo-nos à tarefa de descrever os seus últimos momentos. Nem poderíamos fazê-lo. Esta página, imaginamo-la sempre profundamente emocionante e trágica; mas cerramo-la vacilante e sem brilhos.

Vimos como quem vinga uma montanha altíssima. No alto, a par de uma perspectiva maior, a vertigem...

Ademais não desafiaria a incredulidade do futuro a narrativa de pormenores em que se amostrassem mulheres precipitando-se nas fogueiras dos próprios lares, abraçadas aos filhos pequeninos?...

E de que modo comentaríamos, com a só fragilidade da palavra humana, o fato singular de não aparecerem mais, desde a manhã de 3, os prisioneiros válidos colhidos na véspera, e entre eles aquele Antônio Beatinho que se nos entregara, confiante - e a quem devemos preciosos esclarecimentos sobre esta fase obscura da nossa história?

Caiu o arraial a 5. No dia 6 acabaram de o destruir desmanchando-lhe as casas, 5200, cuidadosamente contadas.

Antes, no amanhecer daquele dia, comissão adrede escolhida descobrira o cadáver de Antônio Conselheiro.

Jazia num dos casebres anexos à latada, e foi encontrado graças à indicação de um prisioneiro. Removida breve camada de terra, apareceu no triste sudário de um lençol imundo, em que mãos piedosas haviam desparzido algumas flores murchas, e repousando sobre uma esteira velha, de tábua, o corpo do “famigerado e bárbaro” agitador. Estava hediondo. Envolto no velho hábito azul de brim americano, mãos cruzadas ao peito, rosto tumefacto e esquálido, olhos fundos cheios de terra - mal o reconheceram os que mais de perto o haviam tratado durante a vida.

Desenterraram-no cuidadosamente. Dádiva preciosa - único prêmio, únicos despojos opimos de tal guerra! - faziam-se mister os máximos resguardos para que se não desarticulasse ou deformasse, reduzindo-se a uma massa angulhenta de tecidos decompostos.

Fotografaram-no depois. E lavrou-se uma ata rigorosa firmando a sua identidade: importava que o país se convencesse bem de que estava, afinal extinto, aquele terribilíssimo antagonista.

Restituíram-no à cova. Pensaram, porém, depois, em guardar a sua cabeça tantas vezes maldita - e como fora malbaratar o tempo exumando-o de novo, uma faca jeitosamente brandida, naquela mesma atitude, cortou-lha; e a face horrenda, empastada de escaras e de sânie, apareceu ainda uma vez ante aqueles triunfadores.

Trouxeram depois para o litoral, onde deliravam multidões em festa, aquele crânio. Que a ciência dissesse a última palavra. Ali estavam, no relevo de circunvoluções expressivas, as linhas essenciais do crime e da loucura...”

            É que ainda não existe Maudsley para as loucuras e os crimes das nacionalidades.

            Presidente Geraldo Mesquita, este Antonio Conselheiro, como foi mal compreendido! Ele foi leitor de Thomas Moore, que escreveu Utopia, e quis fazer de Canudos um lugar onde as pessoas pudessem até viver, de uma forma ou de outra, em comunidade, em solidariedade; onde houvesse até sentido em que todos pudessem ajudar uns aos outros.

            Justamente Thomas Moore foi um dos principais precursores e formuladores dos fundamentos da garantia de “renda para todos” na sociedade. Em Utopia, ele está refletindo sobre a pena de morte, que, instituída no início do século XVI, na Inglaterra, não havia colaborado para diminuir a criminalidade violenta. Eis que, então, diz Raphael Hitlodeu, o viajante português, contador de histórias - porque hythlodaeus significa, em grego, contador de histórias - ao cardeal arcebispo que, muito mais eficaz do que infringir esses castigos horríveis, a que não há outra alternativa senão, primeiro, tornar-se ladrão para, então, ser transformado em cadáver, é assegurar a sobrevivência de todas as pessoas.

            Sr. Presidente, quero dar aqui uma boa nova: no Brasil, hoje, em Santo Antonio do Pinhal, o Prefeito José Augusto Guarnieri Pereira está enviando à Câmara Municipal o primeiro projeto municipal de uma renda básica de cidadania aos seus sete mil habitantes. Quero aqui cumprimentar o Prefeito José Augusto Guarnieri Pereira.

            Quando estive em Canudos, em 2007, assistindo a Os Sertões, conclamei aos vereadores, ao prefeito e à população que, em homenagem a Antônio Conselheiro e à história de Canudos, fizessem de Canudos um exemplo pioneiro da renda básica de cidadania.

            Meus cumprimentos, Senador Geraldo Mesquita, e a todos os que aqui estão participando desta bonita homenagem ao extraordinário escritor - o mais traduzido em todos os países do mundo, do português para as línguas, inclusive, chinesa, alemã, francesa, inglesa e assim por diante - Euclides da Cunha e sua obra Os Sertões.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/08/2009 - Página 36635