Discurso durante a 141ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Leitura e comentários sobre o artigo do jornalista Merval Pereira, do jornal O Globo, intitulado "Suplantando o Congresso".

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLATIVO.:
  • Leitura e comentários sobre o artigo do jornalista Merval Pereira, do jornal O Globo, intitulado "Suplantando o Congresso".
Publicação
Publicação no DSF de 26/08/2009 - Página 38483
Assunto
Outros > LEGISLATIVO.
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), APRESENTAÇÃO, COMENTARIO, ORADOR, ANALISE, CRISE, CONGRESSO NACIONAL, ESPECIFICAÇÃO, RESPONSABILIDADE, EXECUTIVO, OBSTACULO, FUNÇÃO LEGISLATIVA, EXCESSO, EDIÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), TRANSFERENCIA, DEBATE, ENTIDADE, SOCIEDADE CIVIL, ENTIDADES SINDICAIS, DESVALORIZAÇÃO, LEGISLATIVO, DETALHAMENTO, INICIATIVA, AREA, MEIO AMBIENTE, TELECOMUNICAÇÃO, RISCOS, DEMOCRACIA, SISTEMA, REPRESENTAÇÃO POLITICA.
  • CRITICA, EXCESSO, VALORIZAÇÃO, ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL (ONG), SINDICATO, RETROCESSÃO, DEMOCRACIA, REPRESENTAÇÃO, ELEITOR, DESRESPEITO, VOTO, SUSPEIÇÃO, CAMPANHA, EXECUTIVO, PERDA, REPUTAÇÃO, LEGISLATIVO, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, CONCLAMAÇÃO, ATENÇÃO, CONGRESSISTA, BRASILEIROS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, senhores telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, nos últimos tempos, temos ouvido, de todas as formas, notícias sobre o Congresso Nacional, seja sobre a Câmara dos Deputados seja sobre o Senado. Às vezes, coisas que nem têm a ver com a atividade parlamentar são aqui misturadas. E ficamos girando em torno de certos temas e percebemos que, no fundo, no fundo, por trás dessa história, deve haver algo mais. Existe um ditado popular que diz o seguinte: “Quando o jabuti é encontrado em cima de árvore, ou foi enchente ou mão de gente, porque sozinho ele não sobe”.

            Eu li, Senador Mão Santa, mais precisamente no sábado, dia 22, um artigo muito interessante, da lavra do jornalista Merval Pereira, no jornal O Globo, cujo título é “Suplantando o Congresso”. Eu quero ler esse artigo como se fosse o meu discurso, pedindo, portanto, ao jornalista emprestadas as suas palavras para que a gente possa refletir sobre essa questão.

            Diz o artigo “Suplantando o Congresso”:

Uma das razões para a permanente crise em que vive o Congresso Nacional, afora as questões de decoro parlamentar e nepotismo, é a maneira como o governo encaminha os principais temas políticos, retirando os parlamentares da discussão da maioria deles. Ou o assunto é encaminhado através de medida provisória, ou discutido diretamente com as centrais sindicais e organizações da [dita] sociedade civil.

            Como se os partidos não fossem organizações da sociedade civil, como se a atividade parlamentar não fosse uma atividade da sociedade civil.

            Aí prossegue o jornalista:

Lula já disse que é impossível governar sem medidas provisórias, e recentemente a pauta do Senado ficou travada por sete meses devido a medidas provisórias em excesso. A contabilização oficial mostra que o Governo Lula tem editado uma média de 4,5 medidas provisórias por mês [isto é, quase cinco medidas provisórias por mês, mais do que uma por semana portanto], ultrapassando seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, que editou em oito anos 365 medidas, enquanto Lula já editara 345 até janeiro deste ano.

            E aqui cabe aquela frase do Presidente Lula: nunca antes neste País se editaram tantas medidas provisórias como no Governo Lula.

Mas é a negociação direta, ultrapassando a prerrogativa do Congresso, que traz mais prejuízos às relações institucionais, subvertendo-as e enfraquecendo a representação parlamentar. As negociações fisiológicas tomam o lugar, então, dos debates programáticos.

A primeira tentativa foi usar o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social para dar ao Congresso um ‘prato feito’, com as reformas estruturais como a previdenciária e até mesmo a política.

            Isto é, discutia-se nesse Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social e mandava-se para o Congresso uma coisa como se fosse pronta e acabada, feita por luminares da sociedade brasileira.

A reação foi imediata, e o CDES acabou se transformando no que nunca deveria ter deixado de ser, um conselho consultivo do Governo, formado por representantes do empresariado, das centrais sindicais e da sociedade civil.

Outros assuntos, no entanto, são tratados de maneira terminativa diretamente entre o Governo, as centrais sindicais e as ONGs, cabendo ao Congresso apenas ratificar as decisões.

Lula gaba-se de que ‘nunca desde que o Brasil foi descoberto as centrais sindicais foram tratadas como eu trato’.

            É verdade, nunca mesmo. Só não sabemos se é a mais ou a menos. Mas nunca foram tão excessivamente donas das decisões deste País.

E é verdade, só que esse tratamento excepcional é dado em detrimento do Congresso - [aí, Senador José Agripino, veja bem, nada haveria de mal o tratamento a essas centrais sindicais e às próprias ONGs, se essas atenções não fossem dadas em detrimento do Congresso Nacional] -, que fica sem agenda para negociar com a sociedade que representa, e um bom exemplo é o aumento do salário mínimo.

O acordo que fixou que o aumento será dado com base em um índice que engloba a inflação do último ano, mais o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do ano anterior,foi feito diretamente com as centrais sindicais.

            E não em um debate iniciado aqui dentro do Congresso Nacional.

Da mesma forma, o aumento dos aposentados que ganham mais de um salário mínimo, que ficou para o ano que vem, foi negociado com representantes dos aposentados e das centrais sindicais.

O pior é que essas negociações, na maioria das vezes, são uma farsa, com o Governo combinando com os sindicatos o quanto pode dar, e os sindicatos fixando essas metas como reivindicações suas.

           Isso é que é grave. Quer dizer, o Governo combina, em uma aparente negociação, o quanto ele quer dar e, a partir daí, as centrais sindicais e as ONGs passam a dizer que aquilo que o Governo vai dar é a reivindicação delas. Portanto, um faz-de-conta, para não dizer, uma mentira.

           O Ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, exacerbou essa maneira de governar ao assinar recentemente portaria conjunta de sua pasta e do Ibama que dá às entidades sindicais de trabalhadores parcela da decisão no processo de licenciamento ambiental de um empreendimento empresarial.

A portaria - assinada durante o 10º Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em São Paulo - obriga os empreendedores a incluir, no Estudo de Impacto Ambiental e no Relatório de Impacto Ambiental (Rima), capítulo específico sobre ‘alternativa de tecnologias limpas para reduzir os impactos na saúde do trabalhador e no meio ambiente, incluindo poluição térmica, sonora e emissões nocivas ao sistema respiratório’.

O mais recente embate entre o Governo e as empresas privadas tem em sua raiz justamente a participação de ONGs e da Central Única dos Trabalhadores (CUT) na rediscussão de toda a política nacional de comunicações.

A Conferência Nacional das Comunicações está sendo convocada pelo Governo com a participação de organizações da sociedade civil, como Intervozes, FNDC, Pró-comunicação, a CUT e as representações de entidades empresariais.

Na impossibilidade de se chegar a um acordo sobre o escopo da conferência e, sobretudo, sobre o peso do voto de cada representação, seis das oito entidades empresariais saíram da Confecom: a Abert (de radiodifusores), Abranet (dos provedores), ABTA (das TVs por assinatura), Aner, Adjori e ANJ (da mídia impressa).

Curiosamente, um dos organizadores da Conferência é o Ministro da Comunicação Social, Franklin Martins, que, na sua encarnação anterior como jornalista, teve um debate com o sociólogo Betinho, em junho de 1996, sobre o papel das ONGs.

Naquela ocasião, Franklin considerava ‘qualquer tentativa de contornar o Parlamento, ou de achar que se definem políticas públicas sem passar por ele, não é uma atitude democrática. Isso investiria contra a essência do Estado democrático, que é o voto’.

Para ele, havia o perigo de, ‘a pretexto de dar voz a esses interesses fragmentados, se criarem condições para que a vontade de pequenos grupos seja imposta, e o voto, base da democracia, acabe relativizado e deixado de lado’.

A participação das ONGs nos conselhos, quando ultrapassa os limites de um simples grupo de pressão ou de assessoramento, é delicada, afirmava na ocasião Franklin Martins.

Ele dizia acreditar queao se apresentar como representante da sociedade civil e participar de reuniões com direito a voto, as ONGs negam o sistema representativo’.

E concluía seu pensamento: ‘Não vejo a menor autoridade para que falem em nome da sociedade. Quem fala em nome da sociedade é quem tem voto para isso’.

Hoje, essas afirmações soam como uma crítica à atuação do Governo como um todo, e a sua [de Franklin Martins] especificamente.”

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, fiz questão de trazer este artigo para análise porque é o que se vem passando, hoje, Senador Mário Couto. Nós, que fomos eleitos - e não há que se reclamar da eleição de nenhum de nós, Senadores ou Deputados Federais - para aqui representar a população, no caso da Câmara dos Deputados, e, no caso do Senado, os Estados. Para isso, tivemos que ter votos, ganhar dos adversários, ser diplomados pelo Tribunal Regional Eleitoral e estar aqui, portanto, a mando e por procuração do povo.

            Mas as políticas do Governo Lula são tomadas à revelia do Congresso. Para isso, é importante que ele desacredite o Congresso perante a opinião pública. Consequentemente, uma ONG qualquer, um sindicato qualquer passam a ter mais importância do que aqueles que estão aqui representando, inclusive, parcelas desses sindicatos.

            Temos, aqui, Senadores que são, digamos assim, oriundos da luta sindical; outros que têm relação com entidades empresariais. Mas há aqui Senadores que representam a parcela do pensamento nacional convalidada e, portanto, validada pelo voto. Não pode, portanto, haver um projeto de modelo para o Governo que substitua o Congresso por uma espécie de assembleísmo que não é colocado pelo voto.

            Ainda mais quando nós vemos que a maioria, infelizmente... digo infelizmente mesmo, porque eu acho que as entidades devem estar representadas. Por exemplo, no meu caso, como médico, eu acho que o Sindicato dos Médicos tem que ter voz, acho que o Conselho Federal de Medicina tem que ter voz, que a Associação Médica Brasileira tem que ter voz. Mas elas não podem substituir quem aqui foi eleito para legislar, para debater, para discutir em nome da própria categoria médica. Eles devem fazer a pressão sobre os eleitos, e não resolverem diretamente através de acertos.

            Estou falando dos médicos porque é a minha categoria, mas isso poderia se aplicar a qualquer outra categoria aqui. De repente, vê-se a OAB querer substituir o pensamento dos parlamentares. Cabe a ela, por exemplo, dar o seu parecer para que o parlamentar se baseie no que pensa a entidade para defender e aqui votar as leis do interesse da categoria, e não, em hipótese alguma, substituir o Parlamento por entidades, sejam elas compostas pelos mais notáveis que sejam. Não se pode substituir a instituição por essas vozes.

            Então, eu quero deixar esse pensamento, Senador Mão Santa, para reflexão, porque me parece que isso está sendo feito. Existe um politburo, que pensa as coisas, e aí combina depois com as instituições - essas instituições da dita “sociedade civil” -, e aí aparece como uma coisa legitimamente emanada da população.

            Todas as vezes, na história, que essa política foi colocada em prática resultou numa ditadura. Seja na ditadura onde até haja eleição, mas eleições manipuladas. Aliás, por falar em manipulada, este Governo é o campeão da manipulação de tudo. Há manipulação de dados estatísticos na saúde, o que é um crime. Todo dia vê-se uma estatística para qualquer gosto. E é muito bom ver como essa manipulação surte efeito, principalmente quando o Governo dá para essas ONGs, para certas entidades, recursos generosos, ao ponto, por exemplo, de nós vermos hoje uma União Nacional de Estudantes firmemente patrocinada pelo Governo Federal. Não seria nenhum favor destinar recursos para manter uma entidade do porte da União Nacional de Estudantes, mas não se pode fazer dessa entidade um braço do Governo Federal.

            Fiz questão de ler o artigo do jornalista Merval Pereira, cujo título é “Suplantando o Congresso”, para que possamos refletir que o que este Governo quer é montar um modelo em que não haja Congresso ou que haja um Congresso subserviente, desmoralizado. E, para isso, inventa qualquer tipo de história. É muito fácil manipular, principalmente quando a gente assiste na televisão ou ouve no rádio a enxurrada de propaganda oficial, do Governo, das edasntidades ligadas direta ou indiretamente ao Governo, como Petrobras, Eletrobrás. É uma propaganda atrás da outra em horário nobre. Quanto custa isso? Muito caro e muito dinheiro, portanto. Com isso, é muito fácil manipular até vozes importantes.

            Dessa forma, quero aqui parabenizar o jornalista Merval Pereira, que escreve inclusive no jornal O Globo, participa como comentarista do Globo News e que tem realmente uma visão muito clara do momento em que estamos vivendo.

            É preciso, portanto, que tenhamos também essa consciência e não nos curvemos, não nos amedrontemos em face de um momento que possa estar negativo para nós de alguma forma, e até piorado de maneira artificial.

            Quero encerrar fazendo esse apelo a todos os brasileiros. Engana-se o Presidente Lula quando acredita que quem recebe um Bolsa Família também não pensa. Engana-se o Presidente Lula quando acredita que aqueles que ganham salário mínimo ou que têm algum tipo de apoio de programas assistenciais do Governo não pensam. Eles pensam.

            E tenho certeza de que temos um dever neste momento: não esquecer que ali do outro lado da praça dos Três Poderes está instalado um esquema muito inteligente, um politburo muito eficaz para transformar esta República não em um república realmente democrática, mas em uma república falsamente democrática, em que ONGs têm mais voz do que o Congresso, em que instituições da sociedade dita civil querem suplantar, querem abocanhar o papel do Congresso Nacional.

            E nós não podemos passar esse recibo e ficarmos quietos.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/08/2009 - Página 38483