Discurso durante a 142ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Aprovação, na Câmara dos Deputados, de projeto que prevê a obrigatoriedade de oferecimento de vagas no ensino médio pelo poder público. Reflexão acerca dos riscos que o Brasil corre devido à falta de educação do povo.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO MEDIO. EDUCAÇÃO.:
  • Aprovação, na Câmara dos Deputados, de projeto que prevê a obrigatoriedade de oferecimento de vagas no ensino médio pelo poder público. Reflexão acerca dos riscos que o Brasil corre devido à falta de educação do povo.
Aparteantes
Geraldo Mesquita Júnior, Gerson Camata.
Publicação
Publicação no DSF de 27/08/2009 - Página 38767
Assunto
Outros > ENSINO MEDIO. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, EMPENHO, DEPUTADO FEDERAL, MEMBROS, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, CAMARA DOS DEPUTADOS, APROVAÇÃO, PROJETO, ESTABELECIMENTO, OBRIGATORIEDADE, SETOR PUBLICO, GARANTIA, OFERTA, VAGA, ENSINO MEDIO, OBJETIVO, INCENTIVO, PERMANENCIA, ALUNO, ESTABELECIMENTO DE ENSINO.
  • COMENTARIO, RISCOS, BRASIL, MANUTENÇÃO, AUSENCIA, INVESTIMENTO, DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL, AMEAÇA, DEFESA NACIONAL, FALTA, APLICAÇÃO DE RECURSOS, CIENCIA E TECNOLOGIA, AGRAVAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, AUMENTO, INDICE, ANALFABETISMO, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, REGISTRO, NOTICIARIO, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), PROBLEMA, MÃO DE OBRA, OBSTACULO, CRESCIMENTO ECONOMICO.
  • SAUDAÇÃO, INICIATIVA, BARACK OBAMA, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), INVESTIMENTO, PARTE, RECURSOS, RECUPERAÇÃO, ECONOMIA, DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL, DEFESA, ORADOR, IMPORTANCIA, REVOLUÇÃO, EDUCAÇÃO, BRASIL, INCENTIVO, COMBATE, CORRUPÇÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Senador Mão Santa.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ontem, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, graças ao seu Presidente, Deputado Tadeu Filippelli, a quem agradeço por ter colocado em votação, e ao Deputado Vieira da Cunha, que também ajudou nesse processo, aprovou um projeto que, a meu ver, quando receber a sanção do Presidente da República, vai ajudar o Brasil a dar um salto na sua educação. É o projeto que faz obrigatória a oferta de vaga no ensino médio, por parte do setor público brasileiro.

            O Brasil é um dos últimos países, provavelmente o último dos países de porte médio, dos países que se diz em ascensão, onde ainda não é obrigatório o oferecimento pelo setor público do ensino médio. Não há essa obrigatoriedade de ser oferecido o ensino médio. O resultado é que dois terços dos jovens brasileiros não terminam o 2º grau.

            Obviamente, existem outras razões, como a pobreza que lhes obriga a trabalhar antes do tempo, e a péssima qualidade das escolas, que os expulsa - ninguém fica numa escola ruim. Mas, na verdade, a grande causa é o fato de que não há obrigatoriedade de garantia de vagas, nem ainda - o que espero que em breve a gente consiga - a obrigatoriedade de a própria família manter seu filho na escola até concluir o segundo grau, como todos os países fazem. Isso vai nos dar uma ajuda, mas ainda muito pequena, apenas um primeiro passo para o se precisa fazer.

            Por isso, o trabalho da CPI silenciosa do apagão intelectual brasileiro continua, Senador Mão Santa. Retiraram 10 assinaturas e impediram que essa CPI fosse instalada, mas ela está funcionando. Está funcionando silenciosamente. Não temos como chamar pessoas para fazerem depoimentos; conversamos com as pessoas, lemos artigos, procuramos informações em livros e espero que, até outubro, possamos oferecer ao Senado um relatório da CPI impedida, da CPI proibida, da CPI silenciosa do apagão intelectual brasileiro.

            Nós estamos trabalhando em dois grandes capítulos. O primeiro sobre uma nação em risco, o risco que corre a Nação brasileira - que esta semana comemorou o Dia do Soldado - que, independentemente das Forças Armadas, é um país em risco por falta de educação. O segundo capítulo -, depois de uma nação em risco, é uma nação com alternativas -, que diz o que fazer, como fazer, quanto custa. Esses dois capítulos já estão em elaboração.

            Eu quero aproveitar hoje para falar um pouco dos riscos que o Brasil corre adiante. É uma Nação caminhando para um abismo, e o abismo nesse caminho do século XXI onde o conhecimento é a base de tudo.

            Por exemplo, primeiro o risco fundamental que nós corremos é o risco da defesa nacional. Se algum país quisesse invadir o Brasil faria o que os brasileiros estão fazendo, expulsando as suas crianças da escola. A grande arma do futuro é o conhecimento, é a inteligência, é a capacidade de produzir os equipamentos que em uma guerra são necessários.

            Agora mesmo, nós estamos para comprar submarinos e aviões, e o Brasil precisa disso, sim. Mas de pouco vai adiantar comprar esses equipamentos se nós não dominarmos a tecnologia que permite manter esses equipamentos em funcionamento. E os equipamentos que fazem a navegação dependem do exterior; até quando nós formos capazes de dominar a tecnologia.

            O Iraque foi um dos países mais armados do mundo inteiro. Quando os americanos foram lá bombardear, encontraram um país aberto, pura e simplesmente, porque a tecnologia para fazer funcionar os radares era importada. A inteligência dentro do radar era importada. E de fora apagaram os radares das forças armadas iraquianas. Viraram sucata, porque não se tinha o conhecimento, a alma que hoje caracteriza os equipamentos de guerra, as armas brasileiras.

            Um país deseducado é um país desarmado. Passou o tempo em que bastava ensinar um soldado a olhar na mira do fuzil e puxar o gatilho. Hoje, as armas são sofisticadas, exigem uma inteligência. Não é qualquer um que as pode usar. Além do que precisam ser fabricadas aqui.

            Sem o domínio da tecnologia não adianta comprar armas. Esse é um risco que a gente corre. Somos um País absolutamente vulnerável por falta da ciência e da tecnologia necessárias para fazer funcionar a defesa nacional.

            Segundo, é preciso lembrar o risco da divisão nacional, da divisão social do Brasil. Houve um tempo em que os países se dividiam por causa de escravos e não escravos. Depois, por ricos e pobres. Hoje, os países se dividem entre os que têm e os que não têm conhecimento. Há uma linha cortando os educados, separados dos deseducados. E se continuar por mais dez, vinte, trinta anos, quando a ciência e a tecnologia se tornarem muito necessárias, essa divisão se agravará a tal ponto que o País terá uma ruptura na sua unidade social. Aliás, se olharmos bem, podemos dizer que já existe, pelo quadro de violência. Este é outro risco que atravessamos: o risco da violência social, que tem muito a ver com o grau de deseducação, não porque os pobres sejam violentos, mas porque os pobres deseducados não têm alternativa a não ser usar a violência.

            Nós caímos na violência por falta de alternativas à parcela pobre, e a parcela pobre não tem alternativa porque não tem educação.

            Temos diante de nós um risco profundo, muito grave na economia. Senador Mão Santa, faz poucos meses que conversei com dois empresários, que me diziam que desistiram de fazer um investimento em determinado Estado do Brasil, porque não encontraram mão de obra qualificada. Perguntei qual era a área do seu investimento. Eles disseram que era uma criação de cavalos. E perguntei para que se precisa de grande educação numa criação de cavalos. Um deles me disse com uma simplicidade, Senador Mesquita, que até me envergonhou: “Os cavalos que vou criar custam R$1 milhão, R$2 milhões e eu não posso deixar que uma pessoa que não é capaz de ler a bula cuide deles.” E me disse mais: “As bulas, em maior parte dos casos para esses animais, são de medicamentos importados. Elas estão em inglês. Não posso ter vaqueiro que não saiba inglês.”

            Veja o que disse esse empresário:

           Além disso, preciso saber o desempenho desses animais: quanto comeram, que remédio tomaram, quanto cresceram, quanto pesam e quanto saltam. E isso só é possível com um computador. Quem não souber colocar essas informações [Senador Flávio] num computador não posso ter trabalhando no meu haras.

           Eles disseram isso e foram embora daquele Estado pelo menos. Este é um risco claro: o Brasil caminha para um apagão de mão de obra. Em todos os últimos dias, saem matérias nos jornais, especialmente no O Globo, sobre o problema da falta de mão de obra qualificada como o maior impedimento para o avanço da economia brasileira. O PAC não tem sentido sem uma revolução intelectual e educacional. Como fazer isso num país que tem 66% de sua população adulta no analfabetismo informal? Impossível! Impossível ter uma economia que avance por falta de mão de obra já e por falta da ciência e da tecnologia no futuro.

            E aí eu lembro o risco que temos de ficarmos um país para trás, um país atrasado, porque daqui para frente o que caracteriza o avanço, a modernidade, não é fabricar o produto, é desenhar o produto. Não é fabricar, é inventar, é estar na ponta da invenção para poder estar na ponta da fabricação. E nós estamos atrás.

            As nossas produções, no Brasil, são produções sem conteúdo de inteligência, Senador Couto. Se pegarmos os aviões da Embraer, que é o que há de mais avançado no Brasil, e analisarmos os equipamentos - e eu tenho essa análise -, vamos ver que a parte substancial de engenharia brasileira está na fuselagem e mais nada. A navegação, a propulsão, os sistemas internos, todos são importados, ou diretamente depois de produzidos, ou importado o conhecimento para aqui montar.

            Não há mais grandes vantagens internacionais na venda de produtos que não tenham conteúdo de inteligência, e o Brasil é um País paupérrimo. Basta ver a nossa balança comercial. Nós exportamos ferro, nós exportamos soja, nós importamos chips. E mesmo a nossa agricultura só existe ainda porque ali dentro nós tivemos a sorte de ter uma Embrapa, um investimento que vem de algumas décadas e que nos permitiu produzir alguns produtos que não seriam produzidos de outra forma.

            Mas a tendência é a de que país forte seja o país que tenha uma população educada; educada o suficiente para gerar o efeito de espalhar o conhecimento, a ponto de que todos tenham condições de disputar quais serão os melhores no mundo da ciência e da tecnologia.

            Hoje, Senador Camata, só um terço termina o 2º Grau. Então, jogamos fora dois terços dos nossos cérebros. Nós nos preocupamos tanto aqui, e eu também, com o fato de que queimamos árvores na Amazônia e nunca nos lembramos de que queimamos cérebros em todas as partes do Brasil. Queimamos cérebros! O Brasil é um crematório de cérebros ao expulsar sessenta crianças por minuto da escola. Claro que não por minuto do ano de 365 dias, o ano letivo, duzentos dias e quatro horas por dia. Sessenta crianças abandonam a escola, não têm futuro.

            Este é um País em risco e esse risco nós vamos mostrar, Senador Mão Santa, no relatório dessa CPI; o relatório, Senador Couto, de uma CPI silenciosa que nem deixaram que a gente executasse, mas que a gente está fazendo o seu relatório, ouvindo pessoas, lendo e trabalhando para, em breve, apresentar à Nação brasileira, uma Nação em risco e uma Nação com esperança - o risco da deseducação e a esperança que está na mão da gente de fazer este País avançar na educação.

            Sr. Presidente, era o que eu tinha a falar. Mas tenho um ou dois pedidos de aparte que gostaria de conceder. O primeiro, ao Senador Geraldo Mesquita.

            O Sr. Geraldo Mesquita Júnior (PMDB - AC) - Obrigado, Senador Cristovam. V. Exª está na sua praia. Nessa praia V. Exª nada de braçada e ninguém o supera. É muito bom ouvi-lo falar sobre educação aqui neste plenário. Eu queria relembrar com V. Exª que o Brasil, há alguns anos, instituiu a Lei de Responsabilidade Fiscal, que foi um instrumento jurídico que permitiu algum avanço na área do controle do gasto público etc. Naquele momento, a gente como que forçou uma barra, digamos assim, para que o gestor público fosse enquadrado. Eu queria fazer uma sugestão a V. Exª, que é o nosso líder nessa área. Sei que na área da educação temos diplomas jurídicos de grande importância, mas acho que é a hora, talvez, Senador Cristovam, de a gente avançar mais um pouco e, como disse antes, forçar uma barra. Queria sugerir a V. Exª que puxasse aqui a ideia, se concordar com ela - não sei nem se já fez isso -, de discutirmos aqui no Parlamento brasileiro a adoção de uma lei de responsabilidade da educação. Acho que era a hora. Eu desconheço, talvez até V. Exª já tenha proposto isso, mas, se não, queria sugerir que V. Exª encampasse a ideia e empalmasse isso como V. Exª faz com essa causa da educação. Acho que também, assim como na área fiscal, pública, nós poderíamos forçar uma barra e promover um grande avanço no campo da educação em nosso País. Fica aqui a sugestão a V. Exª.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço, Senador. E deixe eu começar dizendo que fico feliz de o senhor dizer que estou na minha praia. Mas, na verdade, eu me sinto é num pântano, o pântano onde caminhamos, nós brasileiros, para o futuro. A praia que o senhor disse, eu agradeço muito...

            (interrupção do som.)

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Para nadar e chegar à praia...

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Agradeço muito e fico feliz, foi como um elogio para mim. Mas nós estamos também num pântano, nesse caminho, ao longo do século XXI, se não mudarmos a realidade educacional brasileira. E, sobre sua sugestão, acho-a excelente, mas já há dois projetos nesse sentido, pelo menos que eu conheça: um de minha autoria no Senado e outro de origem na Câmara dos Deputados.

            Então, há dois projetos. Já mostra como o senhor está sintonizado com as ideias. Se cassamos mandato de Deputado graças à Lei Rita Camata, não é isso, Senador Camata?

            O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Foi.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Graças à Deputada Rita Camata, se cassamos ou podemos cassar Deputados que gastem mais do que deviam - essa é uma grande lei, mudou o Brasil -, por que não cassar também o Prefeito que não põe toda criança na escola, o Prefeito cujas crianças não passam nos diversos exames que hoje o Ministério da Educação faz?

            Então, a sua ideia é excelente e vamos trabalhar para aprovar seja o projeto da Câmara, seja o projeto do Senado.

            Senador Camata.

            O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Serei bem rápido, Excelência, cumprimentando-o mais uma vez. Quero dizer o seguinte: morreu essa madrugada o Senador Ted Kennedy. Ele foi o autor da primeira lei de avaliação dos estudantes americanos em 1990 - tipo um Enem feito nos Estados Unidos -, e o Senador João Calmon andava com aquele livrinho embaixo do braço. Na avaliação de 1993, o título do livro, publicado pelo Senador Kennedy, era A Nation at Risk (Uma Nação em Risco), como V. Exª disse. Se os Estados Unidos, que têm um dos processos educacionais mais preciosos do mundo, estavam em risco naquela época, imagine o risco que nós corremos e que V. Exª enfatiza aí. Muito obrigado.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador Camata, eu lhe agradeço muito por trazer isso e termino, Senador Mão Santa.

            O nome foi retirado desse relatório. Lá, é “Uma Nação em Risco”; aqui, a gente está chamando de “Um País em Risco”. Mas agradecemos a ele porque foi durante o Governo Clinton que esse documento foi lançado. Então, imagine, como o senhor diz, se os Estados Unidos se consideram em risco - a nação inteira! - por causa da educação, como é que nós não despertamos ainda para isso?

            Faz 20 anos que eles despertaram lá e começaram a mudar o rumo, começaram a investir em educação. E o PAC do Presidente Obama é mais para a educação do que para qualquer outra coisa. Dos quase U$1 trilhão que ele colocou para recuperar o sistema financeiro, U$200 bilhões foram para educação. Ou seja, lá a gente vê que há um país querendo sair do risco. Nós continuamos correndo risco. E não despertamos para esse risco.

            Eu concluo, finalmente, dizendo que o que mais desperta, e é capaz de alguns estranharem falar nisso, é a corrupção que existe. Isso é um risco, mas esse também só vai ser enfrentado realmente pela educação. Não porque os doutores são menos corruptos; ao contrário, os doutores são mais corruptos, mas porque, no processo eleitoral, os não educados têm tantas necessidades que votam sem poder esperar o futuro, votam em troca de qualquer coisa que resolva seus problemas naquele momento. A falta de oportunidade leva à corrupção pela sobrevivência. E, por isso, a educação é um dos caminhos para que este País saia do quadro de corrupção em que nós estamos.

            Era isso, Senador Mão Santa, agradecendo os minutos a mais que V. Exª me concedeu.


Modelo1 6/1/247:22



Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/08/2009 - Página 38767