Discurso durante a 142ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise crítica da nota do IPEA intitulada "Produtividade na Administração Pública Brasileira - Trajetória Recente".

Autor
Arthur Virgílio (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/AM)
Nome completo: Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Neto
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
  • Análise crítica da nota do IPEA intitulada "Produtividade na Administração Pública Brasileira - Trajetória Recente".
Publicação
Publicação no DSF de 27/08/2009 - Página 39059
Assunto
Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
Indexação
  • CRITICA, NOTA OFICIAL, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), SUPERIORIDADE, INDICE DE PRODUTIVIDADE, ADMINISTRAÇÃO PUBLICA, COMPARAÇÃO, SETOR PRIVADO, ANALISE, INCOERENCIA, DOCUMENTO, REGISTRO, IMPOSSIBILIDADE, APRESENTAÇÃO, RESULTADO, EXISTENCIA, DIFERENÇA, BASE DE CALCULO, QUESTIONAMENTO, ERRO, INFORMAÇÕES, DIRETOR, INSTITUIÇÃO DE PESQUISA, TENTATIVA, JUSTIFICAÇÃO, EXCESSO, GASTOS PUBLICOS, GOVERNO FEDERAL, POSSIBILIDADE, APARELHAMENTO, ENTIDADE.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ARTHUR VIRGÍLIO (PSDB - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, proponho-me aqui a fazer uma análise crítica da nota do IPEA sobre produtividade do Governo versus produtividade do setor privado. Fiquei aqui até esta hora precisamente porque me pareceu muito disparatado o comunicado do Presidente do IPEA, Comunicado nº 27, cujo título é “Produtividade na Administração Pública Brasileira: Trajetória Recente”, que saiu em 19 de agosto último. Achei tão disparatado isso que não resisti a comentá-lo ponto por ponto.

            O trabalho, em resumo, calcula a produtividade da administração pública pelo conceito valor agregado (extraído das contas nacionais elaboradas pelo IBGE) dividido pelo número de pessoas ocupadas no mesmo setor (pela PNAD - Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar). De acordo com esses cálculos, o texto conclui que:

(i) ao longo do período de estabilidade monetária considerado, a produtividade da administração pública manteve-se superior à do setor privado, em média, acima de 35%;

(ii) a produtividade da administração pública entre 1995 e 2004 foi puxada pelo crescimento de 39,8% no Nordeste e de 49,3% no Centro-Oeste (nas outras regiões, o crescimento foi negativo);

            3º) os Estados da Federação que terminaram focando nas medidas de ajuste da Administração Pública, como os chamados choque de gestão ou administrativo, não foram aqueles, por exemplo, que terminaram registrando aceleração dos ganhos de produtividade. Ou seja, os Estados que esbanjaram, segundo esse desbaratado documento, foram considerados os mais produtivos pelo expansionismo mesmo dos seus gastos. Aqueles que trabalharam rigorosamente o ajuste fiscal, esses foram considerados de pouca produtividade.

            Pois muito bem, apesar da boa vontade do Instituto em contribuir para o debate, todas as conclusões acima estão viciadas, para não dizer grosseiramente equivocadas, porque o conceito de valor agregado das administrações públicas pela contabilidade das contas nacionais não permite que se calcule a produtividade das administrações públicas, como provaremos em seguida.

            Essa crítica não deveria ser novidade. O Manual das Contas Nacionais do IBGE que segue a metodologia do system of national account, de 1993, da ONU, deixa claro o problema aqui visualizado.

            O cálculo do valor adicionado na metodologia das contas nacionais resulta do cálculo do valor da produção menos o valor gasto com a compra de insumos. Outra forma de dizer o mesmo é que o valor adicionado corresponde à remuneração líquida dos fatores de produção, tais como pagamento de salários, juros, aluguel, lucro, etc. Acontece que a forma de cálculo do valor adicionado do setor privado e das administrações públicas é diferente.

            No caso do setor privado, pode-se mensurar de fato o valor das transações com bens e serviços finais e, a partir daí, retirar os valores gastos com as compras de insumos, o chamado consumo intermediário, para se chegar ao valor adicionado. Por exemplo, o IBGE sabe quanto as empresas compram de insumos, sabe o valor final da produção a preços de mercado e sabe o valor da folha salarial. É assim que o valor adicional é calculado. Apenas para tornar a análise mais simples, vamos desconsiderar impostos e subsídios.

            Faço, aqui, enfim - sei que a linguagem é um pouco hermética, mas: Valor Adicionado (VA) é igual ao valor da produção final dos bens e serviços menos consumo intermediário menos consumo do capital fixo que é igual a salários mais superávit operacional líquido, ou seja, dividendos, aluguéis, etc.

            Normalmente, o superávit operacional líquido é calculado por resíduo, ou seja, valor adicionado menos salários.

            Dito isso, o que acontece se vários empresários decidirem contratar dez mil trabalhadores, pagando R$500 a cada um, sem que esses trabalhadores precisassem trabalhar, ou seja, se eles ficassem em casa, em suas residências? Como não aumentou a produção final e nem o consumo intermediário, a variação do valor adicionado seria zero. Creio que isso fica muito claro para todos. Mas como o valor adicionado é igual a salário e igual a superávit operacional líquido, o superávit operacional líquido das empresas seria reduzido em 10 mil multiplicados por R$500 (10 mil contratados multiplicado por R$500) - se porventura essa mão-de-obra não fosse utilizada na produção - que é igual a R$5 milhões em cada mês. Isso significa que o PIB não aumentaria e haveria uma distribuição do lucro da empresa para trabalhadores ociosos. A produtividade do setor privado calculada (valor adicionado por pessoas ocupadas no setor privado) iria diminuir, já que teríamos mais pessoas empregadas, mas sem produzir efetivamente.

            O que aconteceria, então, se o mesmo valesse para os governos?

            No caso das administrações públicas, há contratação expletiva, desnecessária, de funcionários, que termina fazendo com que paguem pouco aos que já estavam na máquina, até porque a volúpia deste Governo de contratar é muito grande. Muito bem, essa contratação expletiva, desnecessária, não ocasiona queda de produtividade, pois a produção aumenta necessariamente no mesmo valor.

            Ao contrário do setor privado, a produção de serviços não-mercantis das administrações públicas é calculada pelo somatório do consumo intermediário, pela remuneração dos empregados, por outros impostos (líquidos de subsídios) sobre a produção e o consumo de capital fixo. Isso é feito porque não é possível mensurar diretamente as transações feitas pela administração pública como se faz com os produtos das empresas.

            Então, Senador Jefferson Praia, o Dr. Pochmann misturou literalmente alhos com bugalhos, comparando produtividade do setor público com o setor privado. Ele foi profundamente infeliz, se é que isso não esconde uma ideologia de justificar os gastos correntes crescentes e que começam a ficar insuportáveis, produzidos pelo atual Governo, em detrimento do investimento. Se for isso, é algo doloso, algo quase que criminoso. Se for mero erro intelectual já é lamentável, porque estamos vendo agora então, depois de vermos o aparelhamento da Receita, o aparelhamento do Ipea.

            Muito bem. Retomando nossas identidades acima, no caso das administrações públicas, por hipótese, o superávit operacional líquido é sempre zero. E assim, Valor Adicionado (VA) igual a valor da produção final dos bens e serviços menos consumo intermediário menos consumo do capital fixo igual a pagamento de salários (ativos e inativos).

            Assim, ao contrário do setor privado, sempre que a folha de salário aumenta, o valor adicionado cresce, independente de os trabalhadores estarem ou não em exercício de fato. No nosso exemplo acima, com a contratação de dez mil funcionários por R$500 ao mês para, eventualmente, ficarem parados, o valor adicional do Governo cresceria em R$5 milhões ao mês.

            São cálculos completamente diferentes. Se levarmos esse cálculo para o setor público, dá a impressão de expansão; se levarmos para o setor privado, vamos ver que o PIB brasileiro estagnaria.

            Suponhamos, portanto, que o Governo resolva aumentar os salários dos funcionários públicos, reduzir a jornada de trabalho desses servidores e aumentar as aposentadorias. Dada a metodologia de cálculo do valor adicionado das administrações públicas, o valor adicionado e, logo, a produtividade da administração pública aumentariam automaticamente, pois a folha de salários iria igualmente crescer, aumentando necessariamente o valor adicionado. E como o número de funcionários públicos é o mesmo, aumentaria a produtividade, ou seja, o valor adicional por pessoal ocupado.

            Em resumo, é impossível e sem sentido calcular produtividade das administrações públicas pelo dado do valor agregado das contas nacionais. Na hipótese absurda de se mandar todos os funcionários públicos para casa, tornar desnecessária a presença deles nas repartições, mesmo assim a produção e o valor adicionado das administrações públicas não diminuiriam.

            No sentido inverso, os governos que promovem o ajuste fiscal são automaticamente tachados de menos produtivos e ineficientes porque diminuíram o valor adicionado.

            Nem é preciso estudar ou lecionar Economia para concluir que esse raciocínio não faz mesmo o menor sentido. Não se trata de uma divergência de opinião nem de leituras diferentes de uma evidência estatística, o que seria natural numa democracia e diante de diferentes visões da economia. Trata-se aqui de ignorar o mínimo significado de uma variável e tentar inferir dela algo que ela própria não informa.

            Resta a questão de saber o que move dirigente de instituição tão séria e respeitada, inclusive internacionalmente respeitada, como é o Ipea, a cometer equívocos tão rudimentares, tão precários. A intenção seria tentar justificar que se pode gastar mais sem se preocupar com a receita, com as consequências para o futuro, desde que seja possível eleger sucessores e se perenizar no poder?

            O comunicado da Presidência do Ipea não observa o mínimo critério econômico e nem o bom senso mais elementar.

            Por isso, registro aqui este protesto e o comentário de que, do ponto de vista intelectual, foi uma lástima. Se há malícia política por trás disso, é uma lástima triplicada.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Era o que tinha a dizer.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/08/2009 - Página 39059