Discurso durante a 146ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro de artigo sobre decisão relacionada a refugiado, publicado pelo Professor Dalmo de Abreu Dallari no Observatório da Imprensa, um jornal no meio eletrônico, na Internet.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IMPRENSA. DIREITOS HUMANOS.:
  • Registro de artigo sobre decisão relacionada a refugiado, publicado pelo Professor Dalmo de Abreu Dallari no Observatório da Imprensa, um jornal no meio eletrônico, na Internet.
Aparteantes
José Nery, João Pedro.
Publicação
Publicação no DSF de 02/09/2009 - Página 40725
Assunto
Outros > IMPRENSA. DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • IMPORTANCIA, ARTIGO DE IMPRENSA, DIVULGAÇÃO, INTERNET, AUTORIA, JURISTA, QUESTIONAMENTO, CONDUTA, IMPRENSA, BRASIL, ADVERTENCIA, NECESSIDADE, ATENÇÃO, AVALIAÇÃO, CORREÇÃO, INFORMAÇÕES, ORIENTAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, ESPECIFICAÇÃO, POLEMICA, INTERPRETAÇÃO CONTROVERTIDA, JORNAL, DECISÃO TERMINATIVA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), CONFIRMAÇÃO, POSSIBILIDADE, OCORRENCIA, JULGAMENTO, CONCESSÃO, EXTRADIÇÃO, REFUGIADO, NACIONALIDADE ESTRANGEIRA, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA.
  • LEITURA, NOTICIARIO, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DIVULGAÇÃO, ARTIGO DE IMPRENSA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), EPOCA, DITADURA, REGIME MILITAR, DENUNCIA, CENSURA, IMPRENSA.
  • ELOGIO, DECISÃO, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), GARANTIA, DIREITO DE DEFESA, REFUGIADO.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Presidente Senador Mão Santa, o editor responsável pelo Observatório da Imprensa, Alberto Dines, convidou o Professor Dalmo de Abreu Dallari para escrever, quinzenalmente, artigos de análise acerca da imprensa, sobretudo para analisar a correção ou eventuais falhas de tratamento sobre os temas jurídicos no Brasil.

            O Professor Dalmo de Abreu Dallari, então, nesta semana, enviou sua primeira contribuição, que está registrada pelo Observatório da Imprensa, um jornal no meio eletrônico, na Internet. O primeiro artigo, prezados Senadores José Nery e João Pedro, é justamente sobre a decisão relacionada ao refugiado e está nos seguintes termos:

Nos últimos tempos, a imprensa brasileira vem dando maior atenção a temas de natureza jurídica, divulgando informações e comentários sobre questões relativas aos tribunais, incluindo notícias sobre decisões em casos de maior repercussão popular e também a respeito de aspectos administrativos e operacionais do Judiciário. Assim, também passaram a ganhar maior atenção as atividades de outros setores do sistema jurídico brasileiro quando ocorrem problemas jurídicos que apresentam especial interesse por algum aspecto particular, como, por exemplo, pela repercussão na área política, econômica ou financeira.

Em princípio, é muito positiva essa atenção maior aos aspectos jurídicos da vida social, pois o respeito aos direitos é condição essencial para a garantia da dignidade da pessoa humana, para a convivência pacífica e para a qualificação do Brasil como Estado democrático de direito, como proclama a Constituição. Mas, para que essa valorização das questões jurídicas pela imprensa seja, efetivamente, um progresso e produza resultados positivos, é indispensável que haja maior cuidado no tratamento das matérias, a começar pela precisão na terminologia e por um prudente cuidado nas manchetes e nas conclusões. Para exemplificar, é comum a notícia de que uma autoridade pública deu um parecer, em casos em que o ato tem o caráter de decisão e não de simples manifestação de opinião.

Como exemplo de informação imperfeita, é oportuno referir um caso bem recente, que envolve aspectos jurídicos e políticos de grande relevância e cujo noticiário poderá influenciar a opinião pública. Na edição do dia 26 de agosto, o jornal O Estado de S. Paulo noticiou com destaque o possível julgamento, no dia 9 de setembro, do pedido de extradição do militante político italiano Cesare Battisti, pelo Supremo Tribunal Federal, informando que naquela data o Tribunal decidirá se o italiano será extraditado. Assinalando que o caso ganhou repercussão internacional em decorrência da concessão de refúgio pelo Ministro Tarso Genro, transcreve o jornal um trecho da fundamentação do ato concessivo do refúgio, concluindo, textualmente, que isso “destacou o Ministro em seu parecer”. O equívoco está em que o Ministro não deu parecer, não emitiu uma opinião, que poderia ser acolhida ou não, mas proferiu uma decisão, o que tem consequências jurídicas de extrema relevância.

A Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, definiu mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados, em decorrência da adesão do Brasil à Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados, aprovada pela ONU em 1951.De acordo com essa lei, cabe ao Ministro da Justiça a decisão final sobre a concessão do refúgio, estando expresso no art. 33 que “o reconhecimento da condição de refugiado obstará o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão do refúgio”, decisão da qual, segundo a lei, não cabe recurso. Assim, pois, no desempenho de suas atribuições legais, o Ministro da Justiça proferiu uma decisão, criando uma situação jurídica nova, o que não ocorreria com um simples parecer. Lamentavelmente, a imprensa fez confusão e tratou a decisão definitiva do caso como se fosse apenas um parecer do Ministro, contribuindo para criar a ilusão de que o caso ainda não foi decidido e que o Supremo Tribunal Federal poderá julgá-lo concedendo a extradição. Por todas as implicações desse caso e por sua repercussão interna e internacional, é muito importante a informação correta e precisa pela imprensa, para orientação da opinião pública.

            Eu quero aqui, nesta oportunidade, ressaltar que avalio como muito interessante que possam os editores responsáveis pelo jornal O Estado de S. Paulo verificar a contribuição construtiva e feita da maneira mais respeitosa para com esse importante jornal do Brasil, que, justamente, tem uma tradição extraordinária em defesa da liberdade de imprensa.

            Ainda hoje, o jornal O Estado de S. Paulo reporta como o New York Times noticiou a censura contra O Estado de S. Paulo, recordando os episódios havidos durante o regime militar, salientando, por exemplo:

Um coronel do Exército brasileiro observou as primeiras milhares de cópias da edição dominical do jornal O Estado de S. Paulo saírem das impressoras. Então, ordenou a parada das máquinas e confiscou a edição. Assim começava a reportagem do New York Times, em 25 de setembro de 1969, sobre a ação de censores em jornais de São Paulo e do Rio.

Em 1973, o diário americano voltava a abordar, de forma parecida, o mesmo drama. “Todas as noites, por volta das 23 horas, um censor da Polícia Federal brasileira vai à Redação de O Estado de S. Paulo, jornal mais influente do País, lê todas as provas e corta qualquer material que trate de assuntos tabu ou que pareçam ‘inconvenientes’.”

No fim de 1974 e início de 1975, O Estado, que completava cem anos, foi tema de nova reportagem e de editorial no New York Times. “Quase solitário entre os jornais brasileiros, o Estado firmemente se recusa a praticar a autocensura, preferindo demonstrar sua independência ao imprimir colunas de poesia nos espaços em branco deixados pelas atribuladas tesouras dos agentes do governo”, dizia o editorial.

            Isso a propósito justamente da dificuldade que presentemente passa o jornal O Estado de S. Paulo, que, por decisão tomada pelo Desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, foi impedido, desde 31 de julho, de reportar-se à investigação da Polícia Federal sobre o empresário Fernando Sarney.

            Eu considero importante que a censura ao jornal O Estado de S.Paulo seja o quanto antes levantada.

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Senador Suplicy.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Senador José Nery, com muita honra.

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - Senador Suplicy, primeiro, cumprimento V. Exª, com satisfação, por registrar essa peça muito bela escrita pelo jurista Dalmo Dallari, abordando um aspecto de como a imprensa brasileira, especialmente o jornal O Estado de S. Paulo, trata de um tema que para nós tem muita relevância, importância, referindo-se justamente ao noticiário a respeito da concessão de refúgio político a um cidadão italiano, Cesare Battisti, que, acusado de vários crimes...

(Interrupção do som.)

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - ...tivemos a possibilidade de constatar - e o senhor acompanhou esses fatos com muita propriedade - e estamos convencidos da inocência de Cesare Battisti. E o Governo brasileiro, através do Ministro da Justiça, agiu de acordo com o que estabelece a lei que trata do refúgio político, que o senhor há pouco mencionou. Entendemos que a decisão do Ministro Tarso Genro foi da mais alta correção, legalidade e justeza. Lamentamos que essa lei não tenha sido considerada também sob o ponto de vista dos nossos compromissos internacionais. O Brasil aderiu, em 1951, a esse pacto para tratar e respeitar o Estatuto do Refugiado Político. Entendo que não cabe outra decisão. É o que esperamos do nosso Supremo Tribunal Federal: uma decisão altiva, correta, que faça justiça a Cesare Battisti e, principalmente, que seja a consolidação da nossa legislação com relação ao Estatuto do Refugiado. Esperamos, Senador Suplicy, com muita ansiedade e também com um desejo muito sincero, que possamos, no próximo dia 9, quando está programado o julgamento das ações que envolvem o Sr. Cesare Battisti, ter de fato a garantia do seu refúgio, já determinado por ato do Ministro da Justiça, com base nas leis brasileiras, e, evidentemente, a liberdade para o Sr. Cesare Battisti. Portanto, nós, que estamos juntos nessa luta, ao lado de outros tantos Senadores, Deputados, entidades não-governamentais, movimentos sociais que lutam por justiça e dignidade, esperamos que essa decisão do Governo brasileiro seja respaldada, consolidada e, assim, justiça seja feita a esse cidadão italiano. Nós temos convicção da sua inocência. Parabéns a V. Exª pelo tema trazido e, sobretudo, por trazer ao debate, com esse importante artigo do jurista Dalmo Dallari, essa avaliação sobre a abordagem da imprensa...

(Interrupção do som.)

            O Sr. José Nery (PSOL - PA) - ... abordagem da imprensa acerca de importante aspecto da nossa legislação e da decisão que o Estado brasileiro deve tomar em situações como essa. Meus cumprimentos a V. Exª

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador José Nery. Quero assinalar que há muita expectativa positiva, inclusive da parte de Cesare Battisti, que assinalou que, pela primeira vez, um órgão da Justiça - no caso, a Justiça brasileira - vai de fato propiciar a ele a possibilidade de explicar por que ele não cometeu os quatro assassinatos, uma vez que, nas Cortes na Itália e na Europa, ele não teve a oportunidade de se defender. Nunca um juiz ou uma autoridade policial perguntou a ele: “Você de fato cometeu esses assassinatos?” A resposta dele ele nunca teve a oportunidade de dar, e a Justiça brasileira, pela primeira vez, vai conceder-lhe essa oportunidade.

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Ouço o Senador João Pedro, para terminar, então.

            O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Senador Suplicy, eu pedi o aparte, primeiro para, como V. Exª e como o Senador Nery, registrar essa manifestação pública, através da imprensa, desse grande brasileiro, desse grande advogado, desse jurista que é Dalmo Dallari, em uma matéria que não é simples. Ela é complexa, mas remete a uma exigência para um Estado nacional: deve a sua Justiça, um dos Poderes que compõem o Estado nacional, o Estado brasileiro, no caso, honrar absolutamente compromissos internacionais.

(Interrupção do som.)

            O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Espero que a história de um homem de esquerda não seja negada nos autos. Espero que não seja negado também o contexto em que viveu a Itália num período bem recente, da luta mais renhida, mais dura, do ponto de vista político, que envolveu vários grupos e que culminou com o assassinato de um Ministro. Quero só ilustrar, lamentando evidentemente o assassinato, mas ilustrar a radicalidade da luta política na Itália, que envolveu um primeiro-ministro. E esse é um julgamento...

(Interrupção do som.)

            O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Esse é um julgamento que não só o Brasil estará acompanhando; o mundo estará acompanhando essa decisão. Não é simples, porque, do ponto de vista do Estado brasileiro, já há uma decisão tomada no mérito. É a decisão de um Ministro de Estado, do Ministro da Justiça. Obedecendo a todos os procedimentos, o Poder Executivo decidiu. Então, espero que o alerta desse grande brasileiro que é Dalmo Dallari chegue no sentido de compor o conteúdo da decisão da nossa Corte maior. É um alerta importante, que tem repercussão internacional. V. Exª faz isso nesta sessão do Senado Federal.

(Interrupção do som.)

            O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Espero que a Justiça brasileira decida não do ponto de vista do Sr. Cesare Battisti, mas como uma decisão sobre um cidadão que está fora do seu País e que agora depende de uma Justiça absolutamente isenta. Isso vai compor a história da Justiça brasileira. Parabéns pelo registro da reportagem escrita por Dalmo Dallari.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Muito obrigado, Senador João Pedro.

            Tenho a convicção de que os laços de fraternidade e respeito mútuo entre o Brasil e a Itália vão permanecer sempre no mais alto nível, mesmo com a decisão favorável à concessão de refúgio a Cesare Battisti.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/09/2009 - Página 40725