Discurso durante a 144ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Análise sobre a divulgação da terceira encíclica feita pelo Papa Bento 16, intitulada "Caridade na Verdade".

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • Análise sobre a divulgação da terceira encíclica feita pelo Papa Bento 16, intitulada "Caridade na Verdade".
Publicação
Publicação no DSF de 29/08/2009 - Página 39859
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, DIVULGAÇÃO, PAPA, ENCICLICA, PRIORIDADE, DEBATE, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, SUPLANTAÇÃO, MISERIA, ENDEMIA, ANALFABETISMO, IGUALDADE, ACESSO, OPORTUNIDADE, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, BUSCA, EVOLUÇÃO, SOLIDARIEDADE, ORDEM SOCIAL, AMBITO, DEMOCRACIA, GARANTIA, LIBERDADE, PAZ, ANALISE, DIFICULDADE, MODELO ECONOMICO, ATUALIDADE, FALTA, ETICA, CAPITAL ESPECULATIVO, EFEITO, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, CONCLAMAÇÃO, RENOVAÇÃO, COBRANÇA, RESPONSABILIDADE, CLASSE POLITICA, SUGESTÃO, REFORMULAÇÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), SISTEMA FINANCEIRO INTERNACIONAL.
  • OPINIÃO, ORADOR, IMPORTANCIA, ENCICLICA, CONTRIBUIÇÃO, DEBATE, ENCONTRO, CHEFE DE ESTADO, PAIS INDUSTRIALIZADO.

            O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um dia antes da abertura, na cidade de L’Aquila, na Itália, da cúpula do G-8, que reúne os 7 países mais ricos do mundo, mais a Rússia - e que deve ter como tema principal de seus debates a crise econômica mundial -, o Papa Bento 16 divulgou sua terceira encíclica, intitulada “Caridade na Verdade”.

            Não poderia haver momento mais oportuno, já que o documento dedica-se quase integralmente à análise dos temas sociais, vistos à luz da conjuntura atual, retomando e atualizando a visão exposta pelo Papa Paulo 6º na encíclica “Populorum Progressio”, de 1967.

            Em seu texto, Bento 16 recorda, no segundo capítulo, como Paulo 6º entendia o termo desenvolvimento ao elaborar sua encíclica. Para ele, antes de tudo, desenvolvimento era proporcionar aos povos a oportunidade de sair da miséria, das doenças endêmicas e do analfabetismo. Era permitir-lhes a “participação ativa e em condições de igualdade no processo econômico internacional” e a sua evolução para “sociedades instruídas e solidárias”. O desenvolvimento deveria assegurar a consolidação de regimes democráticos aptos a garantir liberdade e paz.

            Estas, diz Bento 16, eram as expectativas de Paulo 6º ao tempo em que elaborou a “Populorum Progressio”. Pode-se dizer que em grande parte foram frustradas por um perverso sistema econômico, marcado pela falta de ética, que gerou a convulsão econômica em que mergulhamos e da qual não sairemos sem grandes esforços e profundas reformas.

            O Papa reconhece que o desenvolvimento “foi e continua sendo um fator positivo, que tirou da miséria milhões de pessoas e, ultimamente, deu a muitos países a possibilidade de se tornarem atores eficazes da política internacional”. Alerta, entretanto, que o objetivo exclusivo do lucro, “quando mal produzido e sem ter como fim último o bem comum, arrisca-se a destruir riqueza e criar pobreza”.

            O crescimento “real, extensivo a todos e concretamente sustentável” que Paulo 6º pregava em sua encíclica não se tornou realidade. Enveredou pelos descaminhos da atividade financeira especulativa, pela corrupção e pela ilegalidade, que incentivam as desigualdades sociais e produzem situações de miséria desumanizadora. Como escreveu Paulo 6º, em 1967, é um “escândalo de proporções revoltantes”.

            Em “Caridade na Verdade”, Bento 16 conclama o mundo a empenhar-se numa “renovação cultural profunda”, e a redescobrir valores fundamentais, para, sobre eles, construir um futuro melhor. É uma obrigação imposta pela crise, a de “projetar de novo nosso caminho, impor-nos regras novas, apostar em experiências positivas e rejeitar as negativas”.

            Lembra o Papa que o Concílio Vaticano Segundo, na Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo contemporâneo, já afirmava que “o homem é o protagonista, o centro e o fim de toda a vida econômico-social”. Sem dúvida, nas últimas décadas, abandonamos essa perspectiva.

            O ser humano, na sua integridade, como diz Bento 16, deixou de ter relevância. Destruída a sua dignidade pelo desemprego, pela incerteza sobre as condições de trabalho e por outras situações que o degradam, ele não encontra amparo em lugar algum, torna-se um pária, um excluído.

            A crise que vivemos, escreve o Papa, evidencia a necessidade de uma ética amiga das pessoas para que a economia funcione corretamente. Ética social, transparência, honestidade e responsabilidade não podem mais ser valores ignorados, sob pena de contribuirmos para a consolidação de um sistema desumano.

            O mero uso especulativo dos recursos financeiros não gera investimentos produtivos, não faz surgirem empregos, não promove a redistribuição de renda. Além de pernicioso, é tão instável quanto um castelo de cartas, e, quando desaba, seus danos não poupam nem mesmo aqueles que dele não participaram.

            O recente ciclo desenfreado de especulação em que o mundo embarcou em anos recentes resultou numa catástrofe global, em que os prejuízos não foram somente econômicos. Com sabedoria, diz Bento 16 que há uma convergência entre ciência econômica e ponderação moral: “Os custos humanos são sempre também custos econômicos, e as disfunções econômicas acarretam sempre também custos humanos”.

            Na “Populorum Progressio”, Paulo 6º divisou o caminho da solidariedade e da cooperação econômica como a solução para corrigir disfunções e promover uma justiça distributiva na economia de mercado. Seus conselhos foram ignorados. A economia e as finanças, afirma Bento 16, enquanto instrumentos, podem ser mal utilizadas se quem as gere tiver apenas propósitos egoístas.

            "Deste modo, é possível conseguir transformar instrumentos intrinsecamente bons em instrumentos danosos, mas é a razão obscurecida do homem que produz estas conseqüências, não o instrumento por si mesmo”. Ou seja, a atividade econômica deve estar sujeita aos ditames da consciência moral, da responsabilidade pessoal e social, do bem comum como finalidade.

            Esse objetivo é responsabilidade da classe política, como aponta o Papa: “Tenha-se presente que é causa de graves desequilíbrios separar o agir econômico, ao qual competiria apenas produzir riqueza, do agir político, cuja função seria buscar a justiça através da redistribuição”.

            Bento 16 sugere também reformas nos organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas, para torná-los mais eficientes no combate à fome e às conseqüências da globalização. Ele ressalta “a urgência de uma reforma, quer da ONU, quer da arquitetura econômica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações". Apela ainda pela busca de vias institucionais que regulem a exploração dos recursos não renováveis, com a participação também dos países pobres.

            As lúcidas reflexões do Papa deveriam servir de tema para meditação na cúpula do G-8, e também nas reuniões programadas para os próximos meses, que incluem tanto os países ricos como aqueles em desenvolvimento. Nelas os governantes poderiam encontrar não só matéria para refletir sobre os erros cometidos no passado recente e evitar a sua repetição, como também auxílio para traçar roteiros que não sejam meros paliativos.

            O mundo pede soluções e, como assinala Bento 16, não será o mercado que irá encontrá-las. Pelo contrário, deixado entregue ao seu próprio controle, ele é a fonte dos problemas. É da diligência, do empenho e da visão de longo prazo dos políticos que depende a reestruturação da atividade econômica, para que possamos, nas palavras de Paulo 6º, “dedicar-nos com generosidade ao compromisso de realizar o desenvolvimento integral do homem todo, e de todos os homens”.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/08/2009 - Página 39859