Discurso durante a 156ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do Dia Internacional da Democracia.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Comemoração do Dia Internacional da Democracia.
Publicação
Publicação no DSF de 16/09/2009 - Página 43482
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, AUTORIDADE, PRESENÇA, SESSÃO ESPECIAL, COMEMORAÇÃO, DIA INTERNACIONAL, DEMOCRACIA, INICIATIVA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), OPORTUNIDADE, DATA, VALORIZAÇÃO, ESTADO DEMOCRATICO, OBJETIVO, PAZ, DIREITOS HUMANOS, DESENVOLVIMENTO, DETALHAMENTO, HISTORIA, TEORIA, CONCEITO, EVOLUÇÃO, REPRESENTAÇÃO POLITICA, IMPORTANCIA, ETICA.
  • REGISTRO, VOTAÇÃO, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO ELEITORAL, FRUSTRAÇÃO, AUSENCIA, REFORMA POLITICA, BRASIL, APREENSÃO, CRISE, POLITICA NACIONAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente José Sarney, Sr. Senador Mão Santa, que agora assume a presidência dos trabalhos do Senado Federal; Exmo Sr. Senador Efraim Morais, Exmo Sr. Senador Fernando Collor, Exmos Srs. Embaixadores e demais membros do Corpo Diplomático; eu gostaria de saudar o Sr. Brigadeiro-do-Ar Carlos Augusto Amaral Oliveira, que nesta cerimônia representa o Comandante da Aeronáutica, Brigadeiro Juniti Saito; Sr. Subsecretário de Relações Institucionais do Governo do Distrito Federal, Ednilton Viana; representante do Presidente da Eletrobrás e Assessor de Relações Institucionais e Parlamentares, Zenon Pereira Leitão; minhas senhoras e meus senhores:

         A Organização das Nações Unidas, instituição que reúne 192 Estados do mundo, instituiu o 15 de setembro como Dia Internacional da Democracia, comemorado nesta sessão especial por proposta do nobre Senador Efraim Morais, Presidente do Grupo Brasileiro da União Interparlamentar.

            É uma atitude coerente com as próprias origens da ONU, surgida da vitória dos aliados democráticos na Segunda Grande Guerra Mundial. Por isso, o atual Secretário Geral da ONU, Ban-Ki-moon, de origem coreana, pode dizer que “sistemas democráticos são essenciais para se alcançarem os objetivos de paz, direitos humanos e desenvolvimento no mundo”.

            Todos esses conceitos têm início no ocidente, no célebre discurso de Péricles em Atenas, três séculos antes de Cristo. A esse discurso, inclusive, fez menção o Presidente José Sarney em sua mensagem que acaba de nos trazer sobre a data que estamos celebrando. Nele, o orador, Péricles apresentava os elementos fundamentais da democracia.

            Abrindo um parêntese, certa feita perguntaram a Norberto Bobbio, grande cientista italiano, qual a melhor definição de democracia. Ele respondeu sem hesitar: “Leia a definição de Péricles, e não é preciso acrescentar mais nada”.

            Nele - volto a Péricles -, havia o desejo de que o governo fosse não de poucos, mas da maioria, e explica o seu sentido ético:

Não é o fato de pertencer a uma classe, mas o mérito, que dá acesso aos postos mais honrosos; inversamente, a pobreza não é razão para que alguém, sendo capaz de prestar serviços à cidade [à pólis portanto], seja impedido de fazê-lo pela obscuridade de sua condição.

            Sr. Presidente, o cientista político Robert Dahl, num dos seus livros, diz:

A democracia não é uma fórmula particular de sociedade ou uma concreta forma de vida, mas sim um tipo específico de procedimento ou de técnica, em que ordem social é criada e aplicada pelos que estão sujeitos a essa mesma ordem, para assegurar a liberdade política, entendida como autodeterminação.

        Daí podermos, sem dificuldade, concluir que a democracia, como puro procedimento, carece de um conteúdo substancial: não garante que as normas de ordem social tenham de ser justas e equitativas, que expressem o interesse comum, senão, tão só, que todos quantos vivem sob sua sujeição tenham participado de sua criação.

            Dentro dessa mesma concepção, gostaria de referir-me ao grande publicista nascido na Alemanha que viveu muito tempo nos Estados Unidos - saiu da Alemanha após a Segunda Guerra Mundial - o doutrinador Hans Kelsen, que lembra a distinção entre democracia representativa e democracia participativa, a que aludiu há pouco também o Presidente José Sarney.

            A Teoria da Representação é calcada na premissa de que os que tomam as decisões na democracia representativa são os representantes livremente escolhidos pelos eleitores. A eles cabe aprovar as leis que organizam a sociedade e o poder. Mas isso apenas não afiança que essas leis sejam justas e equitativas e expressem o interesse comum. A meu ver, a democracia participava é um passo adiante. Os representantes não apenas aprovam as leis, devem votá-las, mas desde que atendam a três requisitos: sejam justas, equitativas e exprimam o que denominamos interesse público ou interesse comum.

            Considerado sob esse aspecto, o fundamento ético da representação política e seu papel insubstituível consiste na necessidade de enfrentar e superar as novas demandas sociais. Em outras palavras, o desafio dos sistemas representativos reside em perseguir sistemas melhores e mais eficientes, capazes de responder de forma eficaz às demandas da sociedade.

            Nisso está inoculada a questão da reforma política. Nós estamos votando, possivelmente hoje à tarde, a lei de reforma eleitoral, mas devemos confessar que ainda não é a desejada reforma política. Ela fica muito aquém daquilo que a sociedade cobra do Parlamento brasileiro. Quando isso não ocorre, o resultado é o surgimento de crise ou de crises que se sucedem sem que, muitas vezes, saibamos a sua causa.

            Voltemos, Sr. Presidente, a Péricles para acentuar o pressuposto de que, sem moralidade pública e privada, não se pode fazer democracia. Péricles explica muito bem: 

No tocante às leis, todos são iguais para a solução de suas divergências privadas. (...) Ao mesmo tempo que evitamos ofender os outros em nosso convívio privado, em nossa vida pública nos afastamos da ilegalidade principalmente por causa de um temor relevante, pois somos submissos às autoridades e às leis, especialmente àquelas promulgadas para socorrer os oprimidos e às que, embora não escritas, trazem aos transgressores uma desonra visível a todos.

            Péricles deu nome a um século e talvez seja alguém singular na história dos povos - estamos entrando no terceiro milênio da Era Cristã. O Século de Péricles, como assim foi chamado, expressa o papel que ele desempenhou na formulação dos princípios básicos da democracia, ele que era um ateniense culto, voltado para as questões mais sensíveis da governabilidade.

            Péricles explicava que a democracia pressupunha ética e também participação:

(...) pois olhamos o homem alheio às atividades públicas não como alguém que cuida apenas de seus próprios interesses, mas como um inútil; nós, cidadãos atenienses [depois houve os conflitos com Esparta] decidimos as questões públicas por nós mesmos, ou pelo menos nos esforçamos por compreendê-las claramente, na crença de que não é o debate empecilho à ação, e sim o fato de não se estar esclarecido pelo debate antes de chegar a hora da ação.

            Sempre enfatizando a importância da ética também na política, Péricles acrescenta:

Mais ainda: em nobreza de espírito contrastamos com a maioria pois não é por receber favores, mas por fazê-los, que adquirimos amigos. De fato, aquele que faz o favor é um amigo mais seguro, por estar disposto, através de constante benevolência para com o beneficiado, a manter vivo nele o sentimento de gratidão. Em contraste, aquele que deve é mais negligente em sua amizade, sabendo que a sua generosidade, em vez de lhe trazer reconhecimento, apenas quitará uma dívida. Enfim, somente nós (atenienses) [aí volto a Péricles] ajudamos os outros sem temer as consequências, não por mero cálculo de vantagens que obteríamos, mas pela confiança inerente à liberdade.

            É a liberdade e responsabilidade moral para todos os conscientes dos direitos e deveres que permitem e ensejam a participação. Ou seja, fazer com que a sociedade participe, ainda que de forma mediata, do governo dos povos.

            Sr. Presidente, por tudo isso, o mundo reconhece em Péricles como pai da democracia e quem melhor viveu a definiu, mesmo que ela já estivesse sendo praticada em Atenas, resultado de livre elaboração de seus próprios cidadãos, em meio às limitações da época. O discurso de Péricles permanece como o maior marco histórico, na minha opinião, da democracia, inspirando o mundo até os nossos dias.

            Do tempo de Péricles aos atuais, houve novas e naturais conquistas democráticas se acrescentando na teoria e na prática. É lógico que alguém poderá lembrar, mais recentemente com Norberto Bobbio, que a democracia ainda possui promessas não cumpridas. Há muito que fazer, portanto, é o que se subentende pela frase de Bobbio, para que tenhamos uma autêntica e legítima democracia.

            A preparação da Revolução Inglesa, da revolução gloriosa, como alguns a chamam, gerou a racionalização política de Locke; a da Revolução Americana produziu Jefferson e Madison, grandes doutrinadores, importantes constitucionalistas e não só grandes líderes; a Revolução Francesa criou a doutrina da completa soberania do povo em Rousseau e a divisão dos Poderes segundo Montesquieu, uma divisão que ainda hoje se pratica.

            Alias, é bom lembrar que essa idéia do Poder Moderador foi haurida de Benjamin Constant de Rebeque. Não me refiro a Benjamin Constant de Botelho Magalhães, o nosso Benjamin Constant; mas, sim ao franco-suíço que concebeu a Teoria do Poder Moderador. A Constituição de 1824 incluiu o Poder Moderador dentre os poderes do Império, isto é, o Executivo, o Legislativo e o Poder Moderador, que era exercido basicamente pelo Imperador.

            Abraham Lincoln e Woodrow Wilson completaram essas definições. Lincoln, ao dizer que a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo; e Wilson, grande estadista a meu ver, acrescentando que nela as instituições são mais fortes que os homens, e realmente é isso que precisamos ter, ou seja, uma consciência crítica dessa potente afirmação, porque, na realidade, não podemos governar apenas acreditando nas pessoas, mas, urge, antes e sobretudo, fortalecer as instituições, mesmo porque as pessoas passam e as instituições devem ficar.

            Mais recentemente, Isaiah Berlin, e estamos celebrando o centenário de seu nascimento, sintetizou tais liberdades em dois conjuntos complementares: liberdade da opressão econômica, religiosa, política e social, e liberdade para o sufrágio universal, educação pública e gratuita, e confraternização de classes, gêneros, culturas e civilizações pelo pluralismo, hoje ainda mais com defesa do meio ambiente e direitos humanos, novas conquistas da sociedade que precisam ser devidamente abrigadas pelo nosso sistema legal.

            Todos esses conceitos, oriundos das experiências históricas dos povos, referem-se ao conteúdo da democracia. Quanto à sua forma, também fundamental foi o jurista já citado Hans Kelsen que melhor a sintetizou. Foi ele quem demonstrou a necessidade dos direitos das minorias e do Parlamento com partidos políticos representativos e responsáveis, definindo a democracia necessariamente como a democracia dos partidos. Kelsen, em um livro publicado, creio que na década de 40, A democracia, sua teoria, seu valor, diz claramente que o Estado democrático é o estado partidário. Com isso, ele quis dizer que não é possível uma boa governabilidade sem partidos fortes, estruturados e, consequentemente, habilitados ao exercício do poder público.

            Sr. Presidente, a constituição é a suprema formalização da democracia que, nos novos tempos, incorpora uma espessa declaração de direitos sociais e econômicos. As modernas cartas magnas, que os latinos chamavam leis fundamentais, como a brasileira, acrescentam o reconhecimento de outras conquistas de direitos e deveres, inclusive os direitos humanos e a preservação do meio ambiente, pois, o Brasil ostenta uma enorme diversidade de biomas. Isso nos faz refletir sobre a necessidade da preservação de nossa grande diversidade ecológica.

            Temos no Brasil, Sr. Presidente, grandes teóricos e práticos da democracia. Joaquim Nabuco é nosso maior defensor dos direitos sociais contra todas as formas de escravidão. E é bom lembrar que, no próximo ano, estaremos comemorando o centenário de sua morte. E, nesse sentido, já foi sancionada a lei que considera o próximo ano como o Ano Cultural Joaquim Nabuco. Rui Barbosa, de outra parte, foi um grande defensor dos direitos individuais - e aí se registre sua luta a favor do habeas corpus, no início da República - e das liberdades públicas. Também podemos citar Anísio Teixeira, preocupado com as questões de educação para todos; Sobral Pinto, com os direitos humanos. E não poderia deixar de fazer uma referência a pernambucanos, como, por exemplo, Gilberto Freyre, que defendia a ecologia desde a primeira edição de seu livro Nordeste, publicado em 1937, e, já na década de 1960, outro conterrâneo, Vasconcelos Sobrinho, que estava entre os precursores dos movimentos ambientalistas em nosso País.

            No Brasil, temos esses e outros motivos para nos associarmos, Sr. Presidente, à lúcida proposta da ONU no sentido de ser declarado o 15 de setembro como o Dia Internacional da Democracia.

            Mais do que nunca, o mundo necessita expandir em toda parte os valores da democracia social, verdadeira, autêntica, com ética e participação, atenta ao território da cultura, pois neles estão alojados os valores que definem a identidade dos nossos povos e de nossa gente.

            Muito obrigado. (Palmas.)


Modelo1 5/19/2410:33



Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/09/2009 - Página 43482