Discurso durante a 156ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do Dia Internacional da Democracia.

Autor
Garibaldi Alves Filho (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RN)
Nome completo: Garibaldi Alves Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Comemoração do Dia Internacional da Democracia.
Publicação
Publicação no DSF de 16/09/2009 - Página 43485
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • CUMPRIMENTO, AUTORIDADE, SESSÃO ESPECIAL, HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, DEMOCRACIA, DATA, INICIATIVA, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), VALORIZAÇÃO, RESPEITO, VONTADE, MAIORIA, POVO, DECISÃO, ESCOLHA, ORDEM ECONOMICA E SOCIAL, CULTURA, IMPORTANCIA, APERFEIÇOAMENTO, PROCESSO, COMPROMISSO, ETICA, PRESERVAÇÃO, LIBERDADE, REGISTRO, HISTORIA, EVOLUÇÃO, AMPLIAÇÃO, IGUALDADE.
  • SAUDAÇÃO, EVOLUÇÃO, DEMOCRACIA, BRASIL, REPUDIO, ATUALIDADE, DECISÃO JUDICIAL, CENSURA, JORNAL, ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), COBRANÇA, RESPEITO, LIBERDADE DE IMPRENSA, LIBERDADE DE EXPRESSÃO, INCLUSÃO, UTILIZAÇÃO, INTERNET.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. GARIBALDI ALVES FILHO (PMDB - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente da presente sessão, Exmº Sr. Senador Mão Santa; Sr. Senador Fernando Collor, ex-Presidente da República; Exmº Sr. Senador Marco Maciel; Srs. Embaixadores; Sr. Carlos Augusto Amaral Oliveira, representante do Comandante da Aeronáutica Brigadeiro Juniti Saito; Sr. Subsecretário de Relações Institucionais do Governo do Distrito Federal, Ednewton Viana; Sr. representante do Presidente da Eletrobrás, Sr. Zenon Pereira; demais representantes do Corpo Diplomático, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, estou diante de um dilema, pois também escrevi um discurso, o discurso está pronto. Trata-se de uma reflexão que também tem muito de história, da história da consolidação da democracia, mas o cenário que está diante de mim, Sr. Presidente Fernando Collor, não é o ideal para que eu possa pronunciá-lo, porque as fisionomias estão cansadas diante de mim. Vou ver o que eu faço com este discurso que trouxe para homenagear a democracia, já que todos nós que militamos aqui, neste Parlamento, temos consciência do débito que temos para com a verdadeira democracia.

            Agora mesmo, os últimos oradores assinalaram isso, dizendo que, em vez de estarmos elaborando uma reforma política plena e vigorosa, estávamos elaborando uma pequena reforma eleitoral.

            Mas a iniciativa do Senador Efraim Morais une o Senado do Brasil às reflexões que se fazem mundo afora em torno da democracia, de seus valores e de sua essencialidade para a vida dos povos, da sociedade, das famílias, dos agentes econômicos e dos trabalhadores e também essencialidade para a vida de cada homem e de cada mulher no Brasil e no mundo.

            A Organização das Nações Unidas marcou a efeméride, recordando a declaração de sua Assembleia Geral sobre a Democracia em 1997, e o 15 de setembro foi pela primeira vez comemorado no ano passado. O propósito não seria apenas as recordações históricas, nem mesmo debates de teses de conteúdo só de opção ideológica, mas o oferecimento de uma oportunidade, de abrangência mundial, de defesa e incentivo às democracias novas ou restauradas em todo o planeta.

         Na mensagem com a qual marcou o primeiro Dia Internacional da Democracia, em 15 de setembro de 2008, o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-Moon, destacou que a democracia é um valor universal, e seu fundamento não se esgota no respeito à vontade das maiorias para escolher e gerir seu sistema político, mas - e isso vai às essencialidades a que antes me referi - vai implicar respeitar essa vontade da maioria dos povos para decidir sobre suas escolhas socioeconômicas e culturais.

            O Secretário-Geral da ONU ainda lembrou que a democracia não é só um objetivo. A democracia é, sobretudo, um processo, importando em constante aprimoramento, especialmente quanto às suas consequências econômicas e sociais, sendo, por conseguinte, indispensável aos objetivos da paz universal, do crescente e permanente respeito aos direitos humanos e da plenitude do desenvolvimento justo de todas as nações.

            Sr. Presidente, eu estou me entusiasmando, e isso é sinal de que eu termino lendo este discurso todo, para tristeza de alguns, que são democratas, mas que, a esta hora, têm as suas convicções democráticas postas à prova.

            É pelo ângulo de democracia-processo que faço essas minhas reflexões no Senado, já que estamos comemorando, graças à iniciativa do Senador Efraim Morais, o Dia Internacional da Democracia no Brasil, uma democracia, se não nova, mas jovem, quase ainda adolescente nos seus 20 anos de restauração.

            Sr. Presidente, a democracia é um entre tantos dos paradoxos da humanidade. Tem idêntico começo e fim, como se fossem os mesmos seu nascimento e sua morte. E são: a liberdade!

            Só há democracia se ela nascer com a liberdade. Mas se, ao fim, a liberdade lhe faltar, nada obstante proveitos outros, quem lhe deu vida há de matá-la.

            Conquistar, construir, preservar, respeitar a liberdade é consolidar a democracia, fazer dela indiscutível sistema e padrão de governo e, mais do que isso, compromisso ético inafastável de todos e de cada um de nós.

            Aí é que vem a História. O movimento pendular da História trouxe e afastou, tornou íntimo e depois remoto esse compromisso com a prática democrática.

            Nos primórdios, como foi dito aqui, porque imperava a força como consenso e como concessão à sobrevivência frente às enormes hostilidades dos outros e da natureza, o mais forte, o líder, enfim, o rei detinha o monopólio do poder: tinha, por instrumento de ação, o pavor dissimuladamente místico ou brutalmente violento.

            Não sem razão, a democracia surgiu na Grécia, na mesma medida em que na Grécia surgiu também o pensamento especulativo mais afastado do temor místico, humanizados e apaixonados os deuses, e favorecido pela urbanização e agregação dos homens comuns, criando barreira firme e viável à violência de alguns e seus grupos.

            No mundo rural dos tempos de Homero, os trabalhadores eram servos, espectadores apenas da cena histórica. Os proprietários das terras, vindo a eles pela força mística ou real, eram protetores, mas também, senhores.

            O surgimento de atividades especificamente urbanas - e aí está o nascimento natural da democracia - trouxe ao cenário social e político a consciência da necessidade de lutas por interesses e direitos de navegadores e caravaneiros e, depois, comerciantes e artesãos; em seguida, sementeiros de indústrias e mesmo prestadores de serviços já não escravos.

            O texto constitucional mais antigo que se conhece, a chamada Constituição de Quio, marca bem essa passagem do pêndulo da História, passagem que rasga preconceitos e destroça convicções: não mais alguns sendo detentores do poder e guardiões apenas da própria liberdade, mas a soberania partilhada com todos, portanto com o povo, o que implica a liberdade dos indivíduos.

            Não sem razão, já se dizia, então, que o princípio fundamental da democracia é a liberdade, pois só a liberdade torna a “multidão soberana”.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ninguém é livre sozinho, eis por que alguém só é realmente livre se tornarem-se todos também livres. E, permitam-me o excesso de conceito, só há liberdade de um se houver liberdade de todos. Isso tem consequências profundas, pois, nas democracias, governos das maiorias, se não for pela liberdade, os pobres, só pela pobreza, são menos poderosos que os ricos, mas, se livres, os pobres são mais poderosos que os ricos, posto serem mais numerosos.

            E esta é a régua da igualdade!

            Régua, triângulo, compasso e, talvez, espada!

            Esta relação cidadão/Estado ou consagra a submissão, ou garante a liberdade, e este é o único dilema em que se debatem os regimes políticos: ou o Estado faz nascer, alimenta e preserva a liberdade do indivíduo, e é, por conseguinte, democrático, ou desonra a liberdade, por menor que seja a ofensa, fere a liberdade, ou a ameaça, desvirtua-lhe o conceito moral, e, aí, não é um Estado democrático.

            Esse embate é mais que antigo, e desvela antítese até agora não posta ao chão pela inventividade humana. Pode-se ler o ponto crucial, e eu o faço com ênfase, da atual discussão democrática. A liberdade, fundamento da democracia, se constrói na igualdade, e a igualdade deve ser, por ser o objetivo da democracia, sob pena de ela se aproximar dos abismos dos seus limites conceituais e práticos, a igualdade deve ser seu único propósito e exclusivo objetivo.

            Falei, ainda, sobre o pêndulo da História - falei há pouco sobre ele.

            É a História que continua a nos dar lições: a decadência das cidades gregas, incorporadas pela força ao Império de Roma, levou o ideal democrático à hibernação.

            Por quê? Por que, Sr. Presidente?

            Porque faltaram à democracia grega forças para resistir, posto que, embora consciente, e dessa consciência falam todos os seu filósofos do século de ouro, faltou-lhe reconhecer seu fundamento, a igualdade como esteio da liberdade. Uma sociedade que tem escravos ou subalternos não é igual, e, portanto não é livre: e não há liberdade sem igualdade, como não democracia sem liberdade.

            O período histórico das sombras da democracia é o mesmo em que a sociedade permitiu aos demais, e se permitiu a si própria, ceder parcelas de sua liberdade ao medo.

            O processo democrático, porque processo, sempre exige mais, e esta simples referência histórica é prova, ou seja, o processo democrático exige que todos sejam livres, e isto ainda está por chegar, e continua a ser esperado.

            Há democracias no mundo, é certo, mas todas, todas elas ainda estão no que se pode denominar de segundo estágio da democracia-processo, em que, embora não só alguém, mas só um grupo, mesmo que às vezes um grupo numeroso, é livre - mas é um grupo que é livre.

            Só há democracia se todos, sem exceção alguma, forem livres. Sem exceção! E aí está a verdadeira chave de todo o processo democrático e toda a democracia-processo: sem adjetivos, todos sejam iguais.

            A Constituição do Brasil, se não adjetiva, condiciona: todos são iguais perante a lei!

            A comemoração de hoje faz pensar mais além: e depois da lei , ou sem a lei, ou a despeito da lei, nem todos são iguais?

            Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, senhores convidados e senhoras convidadas, a indagação que acabo de fazer parece remeter o Senado a utopias, ou a fantasias políticas.

            Reconheço, Sr. Presidente, os grandes fracassos da História na concretização da igualdade, daí da liberdade, daí da democracia.

            Sem pretender desnecessária erudição, vale lembrar que o cristianismo levou a Humanidade ao terceiro, agora visto como não o último ou suficiente estágio da democracia-processo: não um, nem muitos, mas todos os homens e mulheres são livres, porque todos os homens e mulheres são iguais.

            A perseguição, Sr. Presidente Collor, aos primeiros cristãos não se fez em nome das religiões politeístas ou em defesa da multidão dos deuses pagãos, mas sim para sufocar o poderoso grito dos que se proclamavam todos iguais perante Deus, e, por consequência, condenavam a exploração do homem pelo homem. Isto era o fim da regra de servidão, esteio de todo o sistema econômico então vigente.

            Ressurgindo o ideal democrático no século do Iluminismo e da Revolução Francesa, nos dias de hoje corre mundo a convicção de que o sistema é o padrão de vida política dos povos civilizados.

            Sem dúvida, mas a democracia-processo ainda está a evoluir, em uma sôfrega busca para se consolidar como destino inexorável da Humanidade.

            Não se trata, reitero, de festejar conjunto de regras jurídicas que aparentemente assegurem a liberdade dos cidadãos entre si e frente ao Estado. Trata-se, todavia, de assegurar os meios econômicos que garantam aos cidadãos o exercício da liberdade, sabido que ninguém é verdadeiramente livre se não for igual.

            Sr. Presidente Mão Santa, festejar a democracia não é só proclamar as suas virtudes no campo dos direitos individuais, como solenemente inscritos na Constituição Federal, mas viver, viver a democracia é, dia após dia, construir um sistema econômico e social que assegure a todos os instrumentos da construção de sua própria liberdade, dando-lhes as armas com as quais exerçam e defendam a igualdade.

            É rematada hipocrisia aplaudir a democracia jurídica que oculta, ou torna pálida a democracia econômica.

            Neste Dia Internacional da Democracia, não podemos, é certo, deixar de louvar quanto já se fez no Brasil para consolidá-la. Ao lema dos Inconfidentes, “Liberdade, antes tarde do que nunca”, poderíamos contrapor: “Liberdade, antes capenga do que nenhuma”. Isso porque, nada obstante as enormes desigualdades que mancham o País e o fosse imenso que separa os muito ricos dos milhões de muito pobres, mesmo assim, só no constante exercício da liberdade se há de chegar à igualdade e, portanto, à plena democracia.

            Defender, pois, a liberdade é compromisso inafastável do defensor da democracia: condenar toda forma de opressão, opor-se a todo tipo de preconceito ou discriminação, repudiar com vigor a censura à imprensa, seja qualquer que seja ela, a censura à imprensa... Recentemente, censurou-se, através de decisão jurídica, O Estado de S.Paulo. Mas não se pode admitir, porque se está ferindo a liberdade e a igualdade, que são basilares, como já disse aqui.

            Neste Dia Internacional da Democracia, Sr. Presidente Mão Santa, encerro, registrando não ser democrático o país que permite qualquer atentado a essa forma de expressão, a essa liberdade de expressão e de informação. Faço o registro por constatar que, mesmo neste País da Constituição-Cidadã de 1988, ainda há espaço para que, sob o manto das leis, o brasileiro seja impedido de ser informado acerca de temas que lhe dizem respeito, em evidente e odiosa afronta à sua liberdade.

            Não há que se estabelecer censura sob nenhuma forma; por exemplo, àqueles que fazem da Internet uma ferramenta de conquista dos seus direitos e das suas opiniões.

            É com este credo, mesmo sabendo das cobranças que virão, mas é com este credo de fé total e plena na liberdade que se louva e festeja a democracia, e praticá-la é linha reta, sem desvio nem atalhos: a busca da igualdade só se faz com ampla e a mais completa liberdade. Muito obrigado.


Modelo1 6/14/249:23



Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/09/2009 - Página 43485