Discurso durante a 156ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do Dia Internacional da Democracia.

Autor
Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Comemoração do Dia Internacional da Democracia.
Publicação
Publicação no DSF de 16/09/2009 - Página 43488
Assunto
Outros > HOMENAGEM. ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA INTERNACIONAL, DEMOCRACIA, VALORIZAÇÃO, PAZ, DESENVOLVIMENTO, JUSTIÇA, IGUALDADE.
  • ANALISE, GUERRA, HISTORIA, MUNDO, CAPACIDADE, DEMOCRACIA, REVERSÃO, AMEAÇA, SOLUÇÃO, CONFLITO, DIRETRIZ, PAZ.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. FERNANDO COLLOR (PTB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado a V. Exª, Senador Mão Santa, pela generosidade de suas palavras.

            Exmº Sr. Presidente Mão Santa, que está hoje no comando dos trabalhos destinados a comemorar o Dia Internacional da Democracia; Srªs e Srs. Senadores; senhoras e senhores convidados; autoridades em nível de excelência.

            Sr. Presidente, há uma indagação que certamente precede à decisão de, pela primeira vez, por iniciativa do Senador Efraim Morais, presidente do Grupo Brasileiro da União Interparlamentar, comemorarmos, no Brasil, o Dia Internacional da Democracia. Esse questionamento está embasado em procedentes e fundadas razões. A democracia é um valor, é uma prática e uma realidade a que todos aspiramos, independentemente de nossas ideologias, de nossas crenças e de nossos próprios valores.

            Os valores cultuados por todas as democracias, Sr. Presidente, incluem a paz, a prosperidade, a justiça e a igualdade. Mas, lamentavelmente, a paz perpétua entre as nações é um ideal, uma aspiração e um desejo longamente buscado, permanentemente desejado e jamais alcançado. A guerra, os conflitos e o uso de meios cada vez mais destrutivos tornaram-se, infelizmente, a marca da civilização humana em seus 65 séculos de existência.

            Quando entramos no século que estamos vivemos, constatou-se que o ano de 1999 se encerrou com 65 países envolvidos em conflitos. Este número é quase o dobro dos existentes pouco antes do fim da Guerra Fria, e cinco a mais do que em 1998.

            Isso significou, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que um terço das 193 nações do mundo entraram no século XXI afetados por guerras, revoltas, insurreições ou outros tipos de violência.

            Não foi sem razões que o historiador, Eric Hobbsbawn no livro dedicado ao século XX, deu-lhe o título de A Era dos Extremos, e o subtítulo: O Breve séc. XX, 1917-1989. As datas limites, 1917 e 1989, indicam exatamente a vitória e a ascensão do comunismo na antiga Rússia e o fim desse regime, que teve início com a queda do Muro de Berlim, seu maior símbolo, e se consumou com a desagregação da União Soviética em 1991. Os extremos a que o historiador se refere são exatamente as duas forças ideológicas em confronto no século passado: a extrema esquerda e a extrema direita. Aquela, representada pela figura de Joseph Stalin, e esta pelas não menos sinistras de expoentes do nazismo e do fascismo.

            O século XX não foi apenas “o mais breve dos séculos”, como o qualificou o historiador. Foi também o mais violento e o mais mortal, em razão dos conflitos armados, representados por duas guerras mundiais, separadas apenas por 25 anos de uma paz incerta e precária.

            A primeira, que se denominou em seu início a última das guerras, foi na realidade apenas o prenúncio da segunda. Custou 19 milhões de vítimas, dez deles civis e nove milhões militares. A devastação da Segunda Grande Guerra Mundial foi ainda mais aterradora: 72 milhões de mortos, sendo 46 milhões civis e 26 milhões militares.

            Interesses políticos, econômicos, materiais e ideológicos terminam provocando conflitos que sabemos como têm início e nunca podemos saber quando e como terminam. O preço em vidas, em danos materiais e misérias morais são inevitáveis e, seguramente, nos fazem duvidar se somos parte de um mundo civilizado em que a solução pacífica dos conflitos possa um dia superar as guerras, as insurreições, as rebeliões, as revoltas e as revoluções. A invenção dos meios de destruição em massa, como o uso da fissão nuclear, utilizada pela primeira vez para pôr fim ao último reduto do conflito em 1945, torna a paz que vivemos cada vez mais incerta, cada vez mais insegura e cada vez mais precária.

            Tudo isso talvez explique, Sr. Presidente, que não será no século XXI que viveremos mais seguros, mais tranquilos e sob menos riscos, pelo que se pode deduzir do fato de termos entrado neste século em condições de maior incerteza do que aquele em que entramos no século que o precedeu.

            A guerra é o fracasso ou a falência da paz? Será a democracia o caminho que pode cimentar a paz.? Será a democracia o instrumento para a solução pacífica dos conflitos humanos que fomentam a destruição e a guerra? Se examinarmos as circunstâncias, as causas, os estímulos e as consequências dos conflitos armados, vamos verificar que elas ou eles envolvem tanto as democracias quanto as mais diversas formas de autocracia, a começar pelas ditaduras. Isto pode nos fazer supor que não há relação de causa e efeito entre as guerras e os sistemas políticos nos países nelas envolvidos.

            Mas esta é, Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, autoridades aqui presentes, senhoras e senhores, exatamente a razão por que o único antídoto para a guerra não é apenas a paz. É também, e sobretudo, a democracia. E a razão dessa lógica está na História. Nunca, nunca, na era contemporânea, uma democracia declarou guerra ou atacou outra democracia. Os regimes democráticos, Srªs. e Srs. Senadores, são o melhor antídoto, a melhor prevenção e a única precaução eficiente para evitarmos as guerras. Não por outro motivo, Sólon, há mais de 2.500 anos, já vaticinava que a igualdade não gera guerras. Igualdade que foi um tema tão brilhantemente defendido há pouco pelo Senador Garibaldi Alves, do PMDB do Rio Grande do Norte. Ou seja, a igualdade não gera guerras. Isso justifica que estejamos aqui a celebrar a paz entre as nações, a comemorar os avanços das democracias no mundo e a procurar mostrar que a velha máxima latina se vis pacem, parabellum (se queres a paz, prepara-te para a guerra) terá de ser substituída, no dia em que a racionalidade preponderar no mundo, por uma outra: “se queres a paz, prepara-te para a democracia”.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acaba de ser publicada no Brasil uma das obras de Norberto Bobbio, o genial mestre do Direito e da Política que a Itália legou ao mundo. Recebeu o título de O Terceiro ausente. Nela se pode ler que sempre que indagado sobre as questões fundamentais da atualidade o notável pensador respondia que eram dois os nossos grandes desafios: a proteção dos direitos humanos e as ameaças à paz. E por isso ele insistia, como faz nesse trabalho, na busca de um projeto de democratização do sistema internacional que estabelecesse um poder livre de despotismos para solucionar os conflitos sem o uso da força.

            Em outras palavras, só teremos paz no dia em que banirmos as guerras. Mas só baniremos as guerras no dia em que vivermos num mundo não somente globalizado, mas democratizado, ou seja, naquele em que a democracia tenha triunfado em todos os continentes.

            Estamos, sem dúvida, longe desse ideal, mas isso não nos desobriga de lutarmos por ele. E uma das formas pacíficas de ajudarmos a materialização desse ideal, Sr. Presidente, é fazer o que hoje estamos fazendo: celebrarmos a democracia como o ideal de todo o nosso universo.

            Era o que tinha a dizer. Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/09/2009 - Página 43488