Discurso durante a 156ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração do Dia Internacional da Democracia.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração do Dia Internacional da Democracia.
Publicação
Publicação no DSF de 16/09/2009 - Página 43489
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • ANALISE, SUPERIORIDADE, SISTEMA, DEMOCRACIA, OBJETIVO, LIBERDADE, IGUALDADE, REGISTRO, HISTORIA, EVOLUÇÃO, REPRESENTAÇÃO POLITICA, BUSCA, ETICA, ELEIÇÕES, AUTONOMIA, PODERES CONSTITUCIONAIS, LEGITIMIDADE, PARTIDO POLITICO, IMPORTANCIA, VIGILANCIA, ESTADO DEMOCRATICO, ESTADO DE DIREITO, DEFESA, ORADOR, REGIME, LIMITAÇÃO, PODER, RESPEITO, VONTADE, POVO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Mão Santa, Sr. Senador Geraldo Mesquita, Sr. Senador Marcelo Crivella, convidados, meus senhores e minhas senhoras, Srs. Senadores e Srªs Senadoras, Jean-Jacques Rousseau, em sua famosa obra Do Contrato Social, referindo-se à democracia, chegou a afirmar, num gesto de pessimismo, que, “se houvesse um povo de deuses, esse povo se governaria democraticamente”. Segundo ele, governo tão perfeito não quadra seres humanos, e reflete, tomando o termo com todo rigor, e chega à conclusão de que jamais houve e jamais haverá verdadeira democracia.

            Nas palavras de Duvarger, “nunca se viu e nunca se verá um povo governar-se a si mesmo”.

            Segundo Paulo Bonavides, em seu livro intitulado Ciência Política, o pensamento que combate a democracia mais uma vez se escorou naquele lugar da obra do filósofo Rousseau, com o intuito de abalar os fundamentos do regime e de desprestigiar a doutrina do povo soberano.

            Continua Bonavides:

         “Tomando a aparência assustadora de antagonista das liberdades democráticas, o Rousseau daquelas máximas tão mal compreendidas pelos seus intérpretes nunca poderá fazer sombra ao verdadeiro otimismo rousseauniano. A frase amorável do filósofo se evidenciará sempre na doutrina da soberania popular, objeto de exposição em que a lógica predomina impecavelmente.”

            Numa alusão aos que se voltam contra o sistema democrático de governo, Lord Russel chegou a se expressar da seguinte forma: “Quando ouço falar que um povo não está bastantemente preparado para a democracia, pergunto se haverá algum homem bastante preparado para ser déspota”.

            Já o Primeiro-Ministro inglês Churchill - aqui citado por alguns oradores -, que comandou a famosa Batalha da Grã-Bretanha, enfrentando o poder aéreo do ditador nazista Adolf Hitler, quando “muitos deveram tanto a tão poucos”, deixou-nos como herança, entre muitas frases famosas que escreveu, aquela que fala sobre a democracia - frase já referida por Efraim Morais, autor deste requerimento, e pelo Senador José Sarney -: “A democracia é a pior de todas as formas imagináveis de governo, com exceção de todas as demais que já experimentamos”. Ele, o Primeiro-Ministro da Inglaterra, quis dizer, com sua histórica e proverbial ironia, que, por pior que seja o regime democrático, ninguém conseguiu nem conseguirá um sistema melhor que assinale como um povo deve organizar um governo e traçar seu próprio destino.

            Expressou-se Marnoco e Souza, jurisconsulto português, sobre o princípio democrático, dizendo: “O princípio democrático resulta da impossibilidade de encontrar outro que lhe seja superior”.

            Relembra Afonso Arinos o que disse Clemenceau:

         “Em matéria de desonestidade, a diferença entre o regime democrático e a ditadura é a mesma que separa a chaga que corrói as carnes por fora e o invisível tumor que devasta os órgãos por dentro. As chagas democráticas curam-se ao sol da publicidade com o cautério da opinião livre, ao passo que os cânceres profundos das ditaduras apodrecem internamente o corpo social e são por isso mesmo muito mais graves.”

            Como aqui disseram os oradores que me antecederam, desde a Grécia clássica, fala-se em democracia. O modelo ateniense foi instaurado no ano de 508 a.C. por um aristocrata chamado Clístenes. Ele imaginou e criou uma assembleia na qual todo cidadão tinha o direito de falar e de votar. Nos tempos modernos, o homem conheceu e adotou a democracia representativa. Na Grécia antiga, havia a democracia direta, onde o povo, reunido na Ágora, transformava a praça pública “no grande recinto da nação”. A Ágora fazia o papel do Parlamento das democracias modernas.

            Apesar de a história fazer esse registro de que a democracia teve como berço a Grécia, o sistema ali praticado estava longe de se constituir num sistema de ampla liberdade de opinião, uma vez que escravos e mulheres estavam excluídos automaticamente de todas as decisões de um grupo seleto de seiscentos cidadãos.

            No entanto, os gregos levavam muito a sério o princípio da isonomia entre os cidadãos que compunham seu mosaico social, entre aqueles que usufruíam do seu sistema político e democrático. Os cidadãos eram punidos e não tinham foro privilegiado. No seu singelo sistema jurídico, não comportava a existência de homens invioláveis.

            Assinala Francisco Nitti que, com a isonomia, ficou abolida na Grécia a concessão de títulos ou funções hereditárias, abrindo a todos os cidadãos o livre acesso ao exercício das funções públicas, sem qualquer distinção ou requisito que o merecimento, a honradez e a confiança depositada no administrador pelos cidadãos.

            Segundo o sistema instituído pelos gregos, permitir privilégios a grupos ou classes era incompatível com a democracia, representava a negação daquele princípio que devia ser respeitado: o princípio da isonomia.

            Havia também o princípio da isagoria, que também constituía o direito da palavra, de falar livremente nas assembleias populares, de debater de forma aberta, transparente, os negócios do governo, os negócios do Estado. É a soberania do governo de opinião que se instalava. Era aquilo que hoje conhecemos como liberdade de imprensa ou como liberdade de opinião no mundo novo e incontrolável da Internet.

            Seria impraticável ao Estado moderno a adoção daquele sistema de democracia direta praticado pela Grécia antiga. Seria impossível imaginarmos a realização de assembleias gigantescas em praça pública para a tomada de decisões governamentais ou para a elaboração de leis. Daí o sistema de democracia indireta ou representativa, ou semidireta, dos tempos modernos.

            As eleições numa democracia, Sr. Presidente, são o batismo da consagração dos que pretendem participar da vida pública. Eleições limpas, destituídas de vícios, de fraudes e de corrupção, constituem a luta dos regimes democráticos para a sua purificação e para a legítima escolha dos dirigentes e dos parlamentares; a luta por um Poder Judiciário autônomo, que não decida pela pressão dos fortes, mas, sim, pela essência dos direitos fundamentais dos que nele confiaram e bateram em suas portas; a luta por um Judiciário que não se erga como Poder incontrastável e não queira substituir a representação política popular do Parlamento ao legislar sobre matéria que não se insere entre as de sua competência; a luta por um Legislativo que se imponha ao não permitir que seus afazeres normais sejam fragilizados por escândalos e que, por sua indecisão ou omissão em exercer o papel que lhe compete na democracia, acabe abrindo brechas para os que pretendem destruí-lo ou enfraquecê-lo.

            Os partidos políticos devem realmente ser interlocutores entre eleitos e eleitores, não devem servir como balcão de negócios na cobertura exclusiva dos interesses das elites, sem preocupação em deslindar as causas da pobreza que geram a desigualdade e a injustiça social. A democracia, afinal, deve respeitar a autonomia dos Poderes, harmonizando a convivência pacifica entre grupos e pessoas, para a construção do desenvolvimento e para a correção das injustiças.

            Sr. Presidente, muitos têm sido os artifícios criados pelos inimigos da democracia para solaparem as liberdades. Para alcançarem o poder, grupos radicais, aproveitando-se de crises econômicas, da inflação galopante, do descrédito da classe política, podem utilizar-se maliciosamente de eleições livres para decretarem o regime ditatorial, suprimindo as liberdades, pela anulação e pela quebra do princípio da legalidade.

            Deveremos estar sempre atentos à eclosão das crises políticas ou econômicas. E jamais deixemos que, durante o seu recrudescimento, surjam como tábua de salvação os que se disfarçam de democratas para depois tirarem o que conquistamos para a nossa Nação em avanços democráticos e ganhos sociais.

            A ditadura nazista, que provocou a Segunda Guerra Mundial, o maior e mais terrível conflito bélico de todos os tempos, quando foram mortos e trucidados milhões de seres humanos, nasceu de eleições fraudadas pelo oportunismo demagógico, pelo populismo desenfreado, pelas promessas mirabolantes, em meio a um aparato enganoso de propaganda espetacular, desencadeado pela força bruta de grupos extremistas e radicais, que prometiam reestruturar a Alemanha, mergulhada na crise econômica e humilhada pelo Acordo de Versailhes, que lhe foi imposto pelas nações vitoriosas da Primeira Guerra.

            Sr. Presidente, devemos temer os milagreiros. Devemos temer os messiânicos. Devemos repelir, com a força do nosso voto e com o desprezo de nossa consciência, os que exploram a boa-fé do povo, para, em seu nome, impor regimes discricionários, pelo uso aparente de instrumentos de consulta democrática, que, na prática, simbolizam golpes desferidos contra as instituições políticas e democráticas.

            A democracia representativa alicerça-se na vontade popular. Os mandatos podem ser revogados ou substituídos em eleições livres. Já a democracia só pode ser revogada pela força das armas ou pelo populismo irresponsável, que impõe ao cidadão a perda de sua liberdade.

            Nem sempre a consulta direta representa o melhor caminho para solucionar dúvidas ou para decidir, quando estão em jogo o futuro e a vida de seres humanos: o julgamento de Jesus é um exemplo.

            Recorda Hans Kelsen, no seu alentado trabalho A Democracia:

No capítulo 18 do Evangelho de São João, descreve-se o julgamento de Jesus. Essa história simples, em seu estilo singelo, é uma das peças mais sublimes da literatura mundial... Foi por ocasião da Páscoa dos judeus que Jesus, acusado de se fazer passar pelo Filho de Deus e rei dos Judeus, foi levado diante de Pilatos, o procurador romano. E Pilatos, ironicamente, perguntou a Jesus, que aos olhos do romano não passava de um pobre coitado: “Então, és o rei dos judeus?”. Mas Jesus tomou muito seriamente a pergunta e, dominado pelo fervor de sua missão divina, respondeu: “Tu dizes que sou rei. Para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é a verdade ouve a minha voz”. E, então, Pilatos perguntou: “Que é a verdade?”. Pilatos, um cético relativista, não sabia o que era a verdade e optou por um procedimento democrático, submetendo a decisão do caso ao voto popular. Conta-nos o Evangelho [recorda-nos Hans Kelsen] que ele se voltou novamente para os judeus e lhes disse: “Não vejo nele crime algum. Mas é costume entre vós que eu liberte um dos vossos por ocasião da Páscoa. Quereis, pois, que eu vos liberte o rei dos judeus?”. Então, gritaram todos novamente: “Não este, mas Barrabás”. E o Evangelho acrescenta: “Ora, Barrabás era um ladrão”. Para os que acreditam no filho de Deus e rei dos judeus [complementa Kelsen] como testemunha da verdade absoluta, esse plebiscito é sem dúvida um poderoso argumento contra a democracia.

            Conclui o escritor Hans Kelsen:

E nós, cientistas políticos, devemos aceitar esse argumento, mas apenas sob uma condição: a de que estejamos tão convencidos de nossa verdade política a ponto de impô-la, se necessário, com sangue e lágrimas, que estejamos tão convencidos de nossa verdade quanto estava, de sua verdade, o filho de Deus.

            Sr. Presidente, na verdade, o que propugnamos, nesta sessão comemorativa do Dia Internacional da Democracia, é um regime político que trabalhe na direção de pesos e de contrapesos, em que o poder limita o próprio poder, sem prevalência de um sobre os demais; um regime no qual os representantes do povo respeitem seu mandato; um regime no qual a sua conduta seja uma linha reta na direção do horizonte, de onde vão surgir raios de luz, mostrando os exemplos do trabalho construtivo, da decência e do humanismo.

            Pronunciou-se o Presidente Lincoln em sua mais famosa oração, a declaração de Gettysburg, sobre o significado de um governo democrático, quando exaltou o sacrifício dos que pereceram, dizendo para que esse sacrifício, com a perda de vidas humanas, havia servido: “O governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desaparecerá da face da terra”.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/09/2009 - Página 43489