Discurso durante a 161ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários ao relatório apresentado pelo Presidente José Sarney, na semana passada, acerca dos trabalhos do Senado neste ano. (como Líder)

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SENADO. POLITICA SOCIO ECONOMICA.:
  • Comentários ao relatório apresentado pelo Presidente José Sarney, na semana passada, acerca dos trabalhos do Senado neste ano. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 22/09/2009 - Página 46296
Assunto
Outros > SENADO. POLITICA SOCIO ECONOMICA.
Indexação
  • ANALISE, CRISE, CONFIANÇA, PERDA, REPUTAÇÃO, SENADO, INFERIORIDADE, PERCENTAGEM, APROVAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, INSUFICIENCIA, RELATORIO, BALANÇO, ATIVIDADE, COMPENSAÇÃO, PREJUIZO, TENTATIVA, PRESIDENCIA, MANIPULAÇÃO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO.
  • IGUALDADE, TENTATIVA, GOVERNO, MANIPULAÇÃO, OPINIÃO PUBLICA, DADOS, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA, QUESTIONAMENTO, RESTRIÇÃO, PESQUISA, ASSALARIADO, AFERIÇÃO, AUMENTO, CONSUMO, AUSENCIA, AMPLIAÇÃO, ACESSO, SERVIÇOS PUBLICOS, SAUDE, EDUCAÇÃO, SEGURANÇA, TRANSPORTE.
  • CRITICA, INSUFICIENCIA, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO ELEITORAL, AUSENCIA, REFORMA POLITICA.
  • QUESTIONAMENTO, ANUNCIO, RETOMADA, CRESCIMENTO ECONOMICO, BRASIL, AUSENCIA, INCLUSÃO, DADOS, DIVIDA, CONSUMIDOR, ANALISE, EXCESSO, PUBLICIDADE, GOVERNO, TENTATIVA, MANIPULAÇÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

            Na quinta-feira passada, à tarde, o Presidente Sarney fez aqui um relatório dos trabalhos do Senado neste ano de 2009. Mostrou, inclusive, projetando índices, Senador Roberto, que o Senado, neste ano, tinha produzido mais do que no ano anterior. Não temos por que contestar os números que o Presidente Sarney apresentou de nenhuma maneira. Temos até de louvar que houve mais aprovações de projetos nas comissões etc., mas não podemos enganar a opinião pública. E creio que estamos tapando o sol com a peneira, quando passamos a ideia de que essas aprovações são suficientes para recuperar o prestígio do Senado perante a opinião pública. E não podemos, também, jogar toda a culpa no Senado e deixar de afirmar e de reconhecer que nós todos que fazemos parte da liderança brasileira estamos tentando tapar o sol com a peneira, ao indicarmos resultados positivos - que até ocorreram -, sem demonstrarmos o pequeno tamanho desses resultados positivos para a solução dos grandes problemas brasileiros.

            O que acontece, hoje, com o Senado é muito mais do que uma improdutividade ou uma produtividade neste ano melhor do que a do ano passado, porque a do ano passado foi pior ou melhor do que a do ano anterior. O que acontece hoje é que nós estamos em uma crise de credibilidade da qual não nos recuperamos ainda, e a culpa não dá para jogar em “a”, “b” ou “c”. Ela é de todos nós.

            O povo brasileiro deu um exemplo por uma pesquisa que saiu ontem: 52% desejam a manutenção do Senado. Eu gostaria que fossem 80%, 90%, 99%, 100%. Mas estamos numa situação tão dramática, que comemoramos que 52% desejam a continuação de uma Casa tão fundamental para a democracia de um país federativo como é o Brasil.

            Eu duvido que trinta anos, vinte anos atrás, cem anos atrás, fossem apenas 52%. Ao olharmos 52% e comemorarmos - como eu mesmo disse, surpreendeu-me positivamente esse número -, estamos tapamos o sol com a peneira. Estamos deixando de reconhecer que uma Casa congressual precisa ter credibilidade quase de 100%, para que seja de fato respeitada e para que mereça a credibilidade que a sua função exige. As Forças Armadas, quando exercem o poder, não precisam de credibilidade, bastam armas. Mas não usamos armas, a nossa arma é a credibilidade, é a opinião pública a nosso favor - e não com 52%, com um índice muito maior. Não podemos tapar o sol com a peneira.

            Lamento dizer, mas o pronunciamento do Presidente Sarney na semana passada, na quinta-feira, foi uma tentativa de tapar o sol com a peneira, de deixar de reconhecer a gravidade que atravessamos; de deixar de reconhecer que, mesmo aumentando um pouco ou até muito a produtividade na aprovação de projetos - que, inclusive, não são tantos assim; não é tanto assim o que estamos conseguindo produzir -, isso não basta para recuperar a nossa credibilidade. Ao mesmo tempo, é preciso dizer que não é só aqui dentro que está essa crise.

            Quando a gente vê o louvor que se fez, agora, nesse fim de semana e no meio da semana, em relação à melhora da distribuição de renda no Brasil, isso é tapar o sol com a peneira, porque não se levam em conta alguns fatos fundamentais. Primeiro, a distribuição que foi apresentada por meio do chamado índice Gini diz respeito à distribuição entre os assalariados, não diz respeito à distribuição da renda como um todo, porque a renda que vai para o lucro, a renda que vai para os juros fica de fora. E ninguém pode dizer que houve uma melhora da distribuição de renda quando a gente considera o total da renda nacional.

            Mas eu vou mais longe: a própria distribuição da renda, se tivesse melhorado na sua soma total, nas pessoas da população, não indicaria, necessariamente, uma melhoria na qualidade de vida. A qualidade de vida é feita de dois componentes: aqueles que a gente compra no mercado e aqueles que são públicos, que nós recebemos do Estado. Mesmo quando melhoram as vendas de produtos que nós compramos e uma parcela da população que estava, de fato, excluída completamente, agora, com o Bolsa Família, consegue comprar, Senador Arthur Virgílio, R$180,00 a mais por mês - R$180,00, antes comprava zero, digamos -, mesmo que haja uma melhora nos aspectos do comércio mercantil, da apropriação de bens privados, isso está longe de significar que melhorou a educação, que melhorou a saúde, que melhorou a segurança, que melhorou o transporte. Mesmo quando há uma melhora na distribuição de renda, isso não significa que houve uma melhora na qualidade de vida e uma melhor distribuição da qualidade de vida na população.

            Por isso, ao colocar com tanta ênfase essa melhora na distribuição de renda, que, de fato, aconteceu, entre os assalariados, nós estamos tapando o sol com a peneira; ao não denunciarmos que houve uma piora no acesso à saúde entre a população rica e a população pobre - não pelo fato de o acesso à população pobre ter piorado, mas sim pelo acesso à população rica ter melhorado muito mais com os novos mecanismos da saúde à disposição de quem pode pagar -, nós estamos tapando o sol com a peneira.

            A reforma eleitoral que nós aprovamos na semana passada e que foi louvada por tanta gente foi uma maneira de tapar o sol com a peneira. Não é uma reforma eleitoral se nós não tivermos um fundo público de campanha - e nós não o temos, nem o discutimos -; se nós não tivermos transparência total acerca de quem doa recursos para um candidato antes do dia da eleição, com todo mundo sabendo disso - o que foi negado. Não há uma reforma eleitoral satisfatória enquanto o poder econômico puder beneficiar a um candidato e não a outro. Nós estamos tapando o sol com a peneira no que se refere às exigências de uma reforma eleitoral e política neste País.

            Nós estamos tapando o sol com a peneira quando nós comemoramos a retomada do crescimento sem percebermos que esse crescimento continua se baseando nos mesmos produtos de antigamente, produtos que depredam a natureza, produtos que exigem concentração de renda para serem vendidos e, sobretudo, produtos que exigem endividamento da população para serem vendidos como o Sr. Senador Mão Santa denunciou aqui dois ou três anos atrás.

            Hoje, retomamos o crescimento, um vírgula pouco por cento, pouquíssimo. Estamos tentando tapar o sol com a peneira dizendo que isso significa uma retomada plena de crescimento. Mas mais grave ainda: não estamos analisando o grau necessário de endividamento dos compradores, dos consumidores para que esse crescimento possa ocorrer. Ainda esta semana, a televisão mostrava a tragédia de cem mil carros tomados dos seus compradores porque eles não puderam pagar as prestações no prazo correto. Isso é um falso crescimento. Quando se vendem cem mil automóveis, entra-se na retomada do crescimento. Quando esses cem mil automóveis são tomados dos compradores, isso não aparece no Produto Interno Bruto como um fato negativo; não é considerado.

            Nós estamos tapando o sol com a peneira através, sobretudo, da publicidade governamental. Nós vivemos o Brasil, há anos, tapando o sol com a peneira, fazendo divulgações de pequenos fatos como se fossem um fato substancial para a transformação do nosso País. Isso aconteceu durante quase um século inteiro no longo e demorado processo de transformação da proibição do tráfico de escravos até a abolição. Eram pequenos gestos, e a gente tapava o sol com a peneira ou, pelo menos, tentava fazer isso.

            Nós estamos tapando o sol com a peneira quando nós implantamos um regime absolutamente democrático de liberdade na imprensa para quem escreve, mas não damos liberdade para quem quer ler e é analfabeto, para quem quer ler e aprendeu a ler, mas não é capaz de entender o que está lendo. Tapando o sol com a peneira! Não há liberdade de imprensa enquanto houver analfabetos no Brasil. Dizer que há liberdade de imprensa, garantir essa liberdade para quem escreve, sem garantir para que todos leiam, é uma forma de tapar o sol com a peneira.

            Senador Mão Santa, é triste dizer, mas nós estamos tapando o sol com a peneira, sem dizer a verdade plena, sem transmitir as denúncias completas da realidade brasileira, passando a ideia de que as coisas vão bem quando as coisas apenas estão menos piores do que estavam antes.

            Eu gostaria de chegar aqui com muito mais otimismo, louvando as vitórias - e não estou ignorando que temos vitórias. Mas eu não gostaria de ver esta Casa passar para a opinião pública, Senador Roberto Cavalcanti, a ideia de que está tudo bem, tudo resolvido. O discurso do Senador Sarney, na quinta-feira, não disse os lados negativos que ainda estão pesando sobre nossas cabeças, os lados negativos que não estamos ainda enfrentando com o rigor, com a força e com a urgência que é preciso.

            É isso, Senador Mão Santa, que eu tinha para falar, aproveitando o tempo da liderança do PDT.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/09/2009 - Página 46296