Discurso durante a 163ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do transcurso, ontem, do Dia Mundial Sem Automóvel, e reflexão sobre as faixas de pedestres e sua importância, além da organização do trânsito, como instrumentos de cidadania.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO DE TRANSITO BRASILEIRO. POLITICA EXTERNA.:
  • Registro do transcurso, ontem, do Dia Mundial Sem Automóvel, e reflexão sobre as faixas de pedestres e sua importância, além da organização do trânsito, como instrumentos de cidadania.
Aparteantes
Flávio Torres, Roberto Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 24/09/2009 - Página 46720
Assunto
Outros > CODIGO DE TRANSITO BRASILEIRO. POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, DIA INTERNACIONAL, DISPENSA, AUTOMOVEL, IMPORTANCIA, DEBATE, ALTERNATIVA, TRANSPORTE, DIFICULDADE, TRANSITO, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), MOTIVO, DISTANCIA, LOCOMOÇÃO.
  • ELOGIO, CIDADANIA, BRASILIA (DF), DISTRITO FEDERAL (DF), INICIO, RENOVAÇÃO, TRANSITO, RESPEITO, MOTORISTA, DESLOCAMENTO, PEDESTRE, VIA PUBLICA, COMENTARIO, HISTORIA, INICIATIVA, CAMPANHA, APLICAÇÃO, APREENSÃO, INCLUSÃO, EQUIPAMENTOS, LUZ, REDUÇÃO, PROCESSO, PARTICIPAÇÃO, POPULAÇÃO, REGISTRO, IMPLANTAÇÃO, MUNICIPIO, CURITIBA (PR), ESTADO DO PARANA (PR), JOÃO PESSOA (PB), ESTADO DA PARAIBA (PB), EXPECTATIVA, GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL (GDF), MANUTENÇÃO, EXPERIENCIA.
  • FRUSTRAÇÃO, PERDA, BRASIL, OPORTUNIDADE, ELEIÇÃO, DIRETOR GERAL, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO A CIENCIA E A CULTURA (UNESCO), FALTA, APOIO, ITAMARATI (MRE), PRESIDENTE DA REPUBLICA, CANDIDATURA, BRASILEIROS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Flávio Torres, na Presidência desta Mesa, é um prazer falar sob sua Presidência.

            Srªs Senadoras, Srs. Senadores, ontem o mundo inteiro teve um dia muito especial, um dia sem automóvel. Obviamente, como uma ideia inicial e contra a corrente do mundo inteiro, que é de aumentar, aumentar e aumentar o número de automóveis, como se isso fosse o símbolo do bem-estar e do progresso, é natural que ainda não seja um dia comemorado como todos gostariam.

            Mesmo assim, a primeira página do jornal O Globo de hoje, colocando um ciclista no lugar de um motorista de automóvel, já dá a ideia de que é possível a gente começar a viver numa sociedade onde o automóvel seja um dos meios de transporte, e não, como atualmente, o meio de transporte.

            Lamentavelmente, em Brasília, mais do que em outras cidades, é difícil ter o dia sem o automóvel, porque aqui a cidade foi programada, projetada com distâncias imensas, exigindo sempre automóveis para levar as pessoas de um lugar para outro. Brasília é uma cidade cuja concepção é contra o Dia Mundial sem Carro.

            Apesar disso, Sr. Presidente, foi nesta cidade que se iniciou no Brasil um dos maiores gestos de cidadania em relação ao trânsito: a faixa de pedestres.

            Os brasileiros que aqui vêm se surpreendem. Como é possível ter uma população capaz de, ao estirar a mão, os carros pararem imediatamente? Os motoristas se surpreendem como eles próprios param, Senador Conto, ao simples gesto de um pedestre nos lugares em que as faixas existem.

            Esse gesto de cidadania, Senador Roberto Cavalcanti, começou onze anos atrás. Foi resultado de um processo longo de educação, de alguns meses, para que a população captasse a ideia, os motoristas aceitassem a ideia, e todos se orgulhassem com a ideia. Foi preciso que o motorista deixasse de ser arrogante, como somos todos nós na direção, e percebêssemos que aqueles que estão andando nas ruas, independentemente das rendas, das roupas, são pessoas que merecem respeito, porque o dono da rua não é o automóvel. Em Brasília, as pessoas se acostumaram com isso. Os motoristas passaram a ter orgulho de eles próprios pararem o carro para que atravesse uma pessoa, muitas vezes humilde, independentemente da idade e de qualquer ordem externa.

            Foram necessários alguns meses, colocando atores nas faixas de pedestre para ensinar e criar o hábito. Foi preciso uma campanha nas escolas para que as crianças adotassem essa ideia e passassem essa idéia para seus pais quando elas, crianças, fossem dentro dos automóveis e, vendo um pedestre querendo atravessar, dissesse ao pai: “Aí tem uma faixa de pedestre, e o senhor ou a senhora tem que respeitar”.

            Foi preciso, sobretudo, o jornal Correio Braziliense e a Rede Globo, juntos, fazerem esse processo de educação geral da nossa população, até que a população agarrou a ideia e sentiu a autoestima elevada e orgulho de dizer: “Aqui, nós temos uma educação e uma cidadania que nos permite conviver respeitosamente motoristas e pedestres”.

            Depois, ao longo do tempo, houve uma tentativa de suspender essa ideia. Chegou-se a pintar as faixas de pedestre de preto, mas a população, mobilizada, incomodada, manifestou-se de tal maneira perante os governos que sucederam àquele que implantou essas faixas - o governo que eu coordenei - que as faixas voltaram.

            Agora, entretanto, nós estamos correndo um risco diferente, Sr. Presidente: é o risco, Senador Roberto, de colocar sinais de trânsito no lugar das faixas. Aparentemente, é um gesto inovador. Inclusive, é um gesto que tem tudo da modernidade, que é o sinal de trânsito automático, robotizado. Provavelmente, ele trará até mais segurança para o pedestre, mas quebra a cidadania, porque esta não é o comportamento submisso a uma luz verde ou vermelha, mas é o respeito do motorista independentemente de qualquer luz acesa. A cidadania é o braço levantado e o motorista parado. E não uma luz acesa, dando ordem ao motorista ou ao pedestre. Pode melhorar e até facilitar, dando mais segurança ao pedestre, mas diminui o espírito de cidadania, diminui a convivência entre motoristas e pedestres.

            Esse é que foi o grande gesto das faixas de pedestre. Não foi apressar o atravessar da rua. O pedestre não precisa esperar. Com o sinal de trânsito, ele não vai esperar muito tempo. Não foi reduzir o tempo da espera. Foi aumentar o poder do pedestre e o respeito do motorista.

         Temo que a tentativa de robotizar a cidadania melhore o trânsito até, mas pare a cidadania.

         O Sr. Roberto Cavalcanti (Bloco/PRB - PB) - Senador Cristovam.

         O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - A cidadania surgiu de um processo educacional, de convencimento das pessoas, mas, depois que surgiu, a faixa é que virou a escola de cidadania. Ela deixou de ser o resultado da escola e passou a ser ela própria a escola, fazendo com que cada um de nós, ao ver a faixa, lembrássemos de que temos de respeitar os outros. Temos que respeitar os motoristas não atravessando antes de indicar que queremos atravessar. Temos que respeitar os outros como motoristas, cada um de nós, parando quando alguém pedir passagem.

            Esse gesto de cidadania que Brasília iniciou é que hoje está sendo levado a outras cidades diversas - Porto Alegre está implantando o programa com sucesso, sem precisar de sinal de trânsito - como um gesto de cidadania forte.

            Não se pode deixar que Brasília perca não apenas a paternidade, mas não podemos deixar que Brasília perca o estilo, a forma, a postura, o gesto de um braço parar o carro.

            A robotização da cidadania é o fracasso da cidadania. Com o sinal de trânsito, o motorista tem uma ordem de alguma instância invisível que é o chamado Estado. Ele tem o risco da punição da multa, mas, com a faixa de pedestre, o encontro simples e mútuo entre pedestres e motoristas, isso, sim, é que é um gesto de cidadania. Precisamos lutar para que esse gesto de cidadania não seja parado e que a escola que representa a faixa continue funcionando plenamente, para orgulho dos brasilienses. E é em nome disso que passo a palavra ao Senador Roberto Cavalcanti, que a pediu em primeiro lugar, e, depois, ao Senador Flávio.

            Senador Roberto, com o maior prazer, passo ao senhor a palavra nesse aparte.

            O Sr. Roberto Cavalcanti (Bloco/PRB - PB) - Senador Cristovam Buarque, quero lhe dizer que é com extrema satisfação que faço este aparte no pronunciamento de V. Exª, para dizer que V. Exª está perpetuado no Brasil por vários gestos. No gesto da educação, pelo qual V. Exª, na verdade, é considerado por todos os brasileiros um ícone da defesa da educação no Brasil. Em todos os momentos em que V. Exª tem oportunidade, a defesa da educação é sua grande bandeira. Gostaria de dizer também que V. Exª está fazendo escola, não escolas da educação, mas no tocante à postura. Na Paraíba, na cidade de João Pessoa, por exemplo, foi feito um trabalho - já existe na cidade essa consciência: a mão estendida, que dá a todo cidadão credibilidade ao atravessar a rua, mas não com a segurança de uma capital como é Brasília. Em Brasília, por V. Exª ter implantado isso há vários anos, esse gesto tornou-se, no momento presente, o símbolo da cidadania. Também na Paraíba, em João Pessoa, esse gesto é acatado. Eu gostaria também de pedir permissão ao Senador Romeu Tuma para estender minha palavra por mais um minuto para que eu faça um registro. Eu estava torcendo que V. Exª estivesse no plenário para eu, com muita satisfação, ler uma notícia veiculada nos jornais de todo o Brasil, que é a derrota do egípcio para a búlgara nas eleições da Unesco. Faço esse registro porque, na verdade, considerei um tremendo equívoco, uma tremenda insensatez do Governo brasileiro não ter indicado V. Exª para a Unesco, pois teria todos os méritos para lá estar, para nos representar. Tenho certeza de que, se, na bandeira da Unesco, o Brasil tivesse abraçado o nome de Cristovam Buarque, nós teríamos vencido esse pleito. Mas fomos derrotados por termos apoiado um árabe por questões não brasileiras, mas por questão de estratégia internacional. V. Exª é que deveria ter sido eleito nosso representante, presidente da Unesco, para honra de todos os brasileiros. Muito obrigado, Senador.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Senador, isso só pode vir realmente de um velho amigo, desde Recife, como nós somos. Eu não imaginava nem falar, obviamente, disso aqui, mas eu quero dizer que realmente foi um equívoco, e, para não parecer qualquer arrogância, esqueçamos que eu era um dos candidatos. Havia outro brasileiro. Falemos do outro.

            Ele poderia hoje ser o diretor da Unesco, o Dr. Márcio Barbosa, que já era inclusive o segundo lá na Unesco. E eu imagino, Senador João Pedro, hoje de manhã, quando o Presidente Lula falou na Assembleia-Geral, ele poder dizer ali, diante de todos os demais representantes: “Ontem um brasileiro foi escolhido para diretor-geral da Unesco”. Ele perdeu a chance de dizer isso. E era absolutamente tranquilo, com o envolvimento dele e do Ministro Celso Amorim, que um brasileiro poderia ter sido. Ninguém tinha dúvida lá, qualquer dos dois que fosse indicado, especialmente, ainda mais, o Dr. Márcio Barbosa, porque o prestígio dele nas instituições internacionais, ao longo dos anos, consolidou-se muito mais do que o meu.

            Foi uma pena realmente que o Brasil tenha perdido a chance de fazê-lo diretor.

(Interrupção do som.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Foi uma pena que tenha perdido. Pior ainda, ter escolhido um candidato que, no final, acabou sendo acusado de antissionista e que terminou perdendo a eleição.

            Eu agradeço muito a sua colocação e peço desculpa por não ter citado João Pessoa como uma das cidades do Brasil que também começa a implantar a faixa de pedestres.

            Senador Flávio.

            O Sr. Flávio Torres (PDT - CE) - Senador Cristovam, eu só queria ressaltar - eu não sei se ficou claro com a sua modéstia - que esse processo aconteceu em Brasília quando o senhor era governador. Eu acompanhei porque vim muito a Brasília e vi que aconteceu de forma gradual, sem multa. Houve educação da população motorizada de Brasília para atender ao gesto cidadão. O senhor era Governador na época e promoveu essa revolução.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF) - Muito obrigado. Mas, a bem da justiça, devo dizer que eu era Governador em um governo do Partido dos Trabalhadores - eu quero deixar claro isso -, do qual o PDT também fazia parte, o PSB, o PCdoB e o PSDB também. Era uma grande coalizão que nós tínhamos. Eu era, como posso dizer, o coordenador desse governo, mas era um governo amplo que nós tínhamos aqui. E foi o esforço dessas pessoas, junto com o Correio Braziliense e a Rede Globo, que fez possível Brasília dar esse gesto imenso de cidadania. E não podemos deixar que, agora, ele se desfaça pela substituição - Senador Geraldo Mesquita, que entende bem de cidadania -, que esse gesto de cidadania se desfaça e se transforme em um gesto de trânsito com o semáforo.

            O semáforo é um gesto de organização do trânsito, é um gesto de engenharia; a faixa de pedestre é um gesto de cidadania, de respeito mútuo, não de submissão mútua.

            O semáforo põe motoristas e pedestres submissos a uma ordem externa, que vem do Estado; a faixa de pedestre é um gesto de respeito mútuo entre pedestres e motoristas. É uma aula que é dada, a todo o instante, por aqueles que passam pelas calçadas ou aqueles que conduzem pela estrada.

            Eu espero que o Governo do Distrito Federal entenda que a faixa tem que ser mantida, com sua característica de um gesto de cidadania, e não apenas como gesto de engenharia de trânsito.

            É isso, Senador Tuma, que eu gostaria de falar neste dia seguinte ao dia de um mundo sem automóvel, como foi comemorado ontem, e que Brasília não pode comemorar mais porque é uma cidade contra pedestres. E aqui nasceu, no Brasil, esse gesto formidável do respeito ao pedestre por meio da faixa de pedestres.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/09/2009 - Página 46720