Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Esclarecimentos sobre seu apoio a Cesare Battisti. Solicitação de transcrição na íntegra, do documento intitulado "Treze perguntas ao ministro relator Cezar Peluso, equívocos e imprecisões que podem levar um homem à prisão perpétua", da escritora francesa Fred Vargas.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Esclarecimentos sobre seu apoio a Cesare Battisti. Solicitação de transcrição na íntegra, do documento intitulado "Treze perguntas ao ministro relator Cezar Peluso, equívocos e imprecisões que podem levar um homem à prisão perpétua", da escritora francesa Fred Vargas.
Aparteantes
Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 25/09/2009 - Página 47170
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • ESCLARECIMENTOS, MOTIVO, DEFESA, ORADOR, INOCENCIA, REFUGIADO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA.
  • LEITURA, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, DOCUMENTO, AUTORIA, ESCRITOR, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, INCLUSÃO, INTERPELAÇÃO, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), RELATOR, PROCESSO, ACUSAÇÃO, REFUGIADO, NACIONALIDADE ESTRANGEIRA, ESCLARECIMENTOS, ERRO, IMPEDIMENTO, CONDENAÇÃO, ACUSADO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Mão Santa, Srs. Senadores, no último dia 9 de setembro, tive a oportunidade de presenciar grande parte da sessão do Supremo Tribunal Federal, que está julgando o caso de extradição ou de refúgio de Cesare Battisti. São muitas as pessoas que me perguntam acerca do meu empenho em defesa de um homem acusado de ter cometido quatro assassinatos na Itália. Ainda mais eu, neto e bisneto de italianos.

            Gostaria de esclarecer que, em 2007, fui procurado em meu gabinete pela arqueóloga, historiadora e escritora Fred Vargas, que tem diversos livros editados entre os mais vendidos na França e demais países europeus. Segundo o jornal Le Figaro de 15 de janeiro último, Fred Vargas está entre os três escritores franceses que mais venderam livros em 2008.

            Quando de sua visita, ela me explicou o seu empenho em desvendar a inteira verdade que havia ocorrido com Cesare Battisti, acusado e condenado a prisão perpétua em seu país por quatro assassinatos, os quais não havia cometido.

            Fred Vargas ressaltou que, assim como o seu trabalho para desvendar como a peste se espalhou na Idade Média através de certos tipos de pulgas - trabalho que lhe rendeu vários prêmios e permitiu estudar e fazer algumas recomendações ao atual governo Nicolas Sarkozy, na França, sobre como prevenir que a gripe suína se espalhe mais ainda -, ela resolveu investigar a inteira verdade do caso Cesare Battisti.

            Por ter-me sensibilizado por seu empenho em buscar a verdade e promover a justiça, resolvi conhecer Cesare Battisti e a sua história e cheguei à mesma conclusão de Fred Vargas. Ela estudou com atenção as 131 páginas do voto proferido pelo eminente Ministro Relator. Com todo o respeito pelo trabalho tão detalhado, Fred Vargas detectou algumas falhas, algumas faltas que o levaram a uma conclusão errônea.

            Para que não apenas o Ministro Relator, mas também todos os demais Ministros pudessem refletir a respeito, ela encaminhou, por meu intermédio, um texto intitulado “Treze Perguntas ao Ministro Relator Cezar Peluso: Equívocos e Imprecisões que Podem Levar um Homem à Prisão Perpétua”.

            Eu próprio encaminhei essas questões, aqui resumidas, mas que solicito sejam transcritas, na íntegra, a todos os Ministros do Supremo Tribunal Federal. Por essa minha atitude, cheguei a ser mal interpretado.

            Sinto-me no dever, Sr. Presidente, como cidadão brasileiro, descendente de italiano, Senador da República eleito por três vezes, de contribuir com a Justiça de meu País para que tome uma decisão correta e com base na verdade, Senador Tião Viana.

            Se o Embaixador da Itália no Brasil, Gherardo La Francesca, que dispõe de todas as informações dos processos relativos ao Sr. Cesare Battisti, disser o nome de uma única testemunha, que disponha de plena saúde mental, que não seja um dos delatores “arrependidos e premiados”, entendo que o Supremo Tribunal Federal deve solicitar, por rogatória, que a citada pessoa seja ouvida para compor os autos do processo antes da decisão final. Aí, sim, o Ministro Cezar Peluso e todos os demais terão os elementos de comprovação daquilo que ele até agora não comprovou.

         Por tudo isso, creio ser importante que os Ministros, por quem tenho o maior respeito, possam esclarecer essas questões antes que o veredicto sobre o caso Cesare Battisti seja proferido e possam examinar as “Treze Perguntas ao Ministro Relator Cezar Peluso: Equívocos e Imprecisões que Podem Levar um Homem à Prisão Perpétua.”

            Presidente Mão Santa, Srs. Senadores, quero dizer que a escritora Fred Vargas se encontra aqui na tribuna de honra. Senador Mão Santa, por acreditar tanto que é necessário se saber a verdade inteira desse caso, desde 2007, ela resolveu ir por conta própria, e, graças aos recursos advindos do sucesso da vendagem de seus livros, ela chegou ao Brasil ontem pela décima vez em dois anos, para tentar contribuir para que a verdade venha à tona.

            Senador Tião Viana, antes de lhe conceder o aparte, eu vou sintetizar o documento. Mas é importante que V. Exª possa conhecer por inteiro o documento de Fred Vargas que agora passo a ler, resumido, mas que peço seja transcrito inteiramente.

[Há no voto] do ministro Cezar Peluso imprecisões ou importantes equívocos. Por conseguinte, perante a gravidade extrema dessa situação, que compromete a vida de um homem, pedimos respeitosamente ao ministro Cezar Peluso, sob a forma de treze perguntas, que esclareça [essas dúvidas] essenciais. O ministro afirmou que a concessão do refúgio tinha sido absurda e que nada impedia a extradição. [Sendo assim] colocamos algumas questões que contrariam essa conclusão e que não foram mencionadas.

As procurações que teriam sido assinadas por Cesare Battisti aos advogados são falsas, como demonstrado em perícia que está nos autos. Por que esse elemento não foi mencionado?

[...]

Afirmou [o ministro] aos seus colegas que Cesare foi representado em seu processo graças a "três procurações" [...] enviadas aos seus advogados, entre 1982 e 1990. O ministro acrescenta que "a autenticidade e a validade dessas procurações foram confirmadas pelo Tribunal europeu, o Tribunal de Paris e o Conselho de Estado francês.

O ministro Peluso, no entanto, não mencionou que essas três procurações são, sem a menor dúvida, falsificações grosseiras. A falsidade foi confirmada por perícia realizada na França, que está nos autos da extradição. A Itália sequer trouxe as procurações aos autos brasileiros. A defesa pediu a requisição desses documentos, para que fosse efetuada uma nova perícia, apenas para documentar, no processo brasileiro, a falsidade das procurações. O pedido foi negado, e o ministro explicou que se recusou a examinar a questão porque, segundo ele, o Supremo Tribunal Federal não tem o "poder" de efetuar esse tipo de verificação.

[...]

O Ministro poderia explicar por que afirmou aos seus colegas que as procurações são autênticas, sem fazer qualquer menção à perícia que está nos autos? Por que não explicou que as cortes francesas e o Tribunal europeu disseram apenas que o julgamento do réu ausente não violava seu direito de defesa, mas não falaram nada sobre as procurações falsas? Por que ignorar essas evidências de que há, sim, risco de ter havido um processo injusto e perseguição política?

A falsidade dessas procurações demonstra três elementos fundamentais que impedem qualquer extradição: 1) Battisti não teve direito à defesa normal exigida pela comunidade internacional; 2) o forjamento dessas procurações, desde a abertura do processo (1982) até o seu final (1990), prova que Cesare Battisti foi previamente escolhido por seus antigos companheiros, todos convertidos em "arrependidos" e "dissociados", para assumir em seu lugar o papel do culpado, o que por si só assinala amplamente a sua inocência;3) com Battisti sendo falsamente representado, seu processo todo aparece como fundamentalmente viciado.

[...]

Será a tortura um recurso normal de um Estado de direito?

O Ministro Cezar Peluso afirmou que a Itália e sua justiça seguiram escrupulosamente as regras da democracia e de um Estado de Direito durante os "anos de chumbo". Por que não mencionar as abundantes provas das numerosas torturas cometidas contra os acusados da extrema-esquerda italiana? [...] A defesa apresentou diversas provas dessas torturas (testemunhos, relatórios anuais da Anistia Internacional, da comissão parlamentar italiana, fotografias), incluindo torturas cometidas durante o primeiro processo coletivo dos PAC (13 denúncias), por exemplo, a pessoa de Sisinio Bitti, inocente.

Será possível considerar que as torturas são um recurso de "reação" normal e admissível de um Estado de Direito?

O ministro Cezar Peluso pleiteou a culpabilidade de Cesare Battisti. Aceitaria o ministro, mediante apresentação de provas, expor os elementos de sua convicção aos seus colegas?

O ministro Cezar Peluso descreveu abundantemente os assassinatos atribuídos a Cesare Battisti pelo tribunal italiano dos “anos de chumbo”. Mas o ministro não diz aos seus colegas que inexiste no processo uma única prova ou um único testemunho dessa alardeada culpabilidade. [...]

O ministro Cezar Peluso afirma veementemente a culpabilidade de Battisti, mas não expôs a fragilidade das supostas provas encontradas nos autos do processo italiano, nem as dezenas de referências à condenação política, por subversão. Como é possível enviar um homem para a prisão perpétua sem nem mesmo enfrentar essas questões ? E como é possível afirmar com tanta certeza que não há risco de perseguição política?

O ministro Cezar Peluso acata muito fielmente a acusação italiana, afirmando...

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP ) -

            Sr. Presidente, vou pedir certa tolerância, com a conivência dos meus colegas, pois o Ministro falou por quatro horas seguidas, 131 páginas lidas. Eu aqui vou, com mais sete minutos, completar a exposição, se me permite, mas se trata de uma decisão importante sobre a vida de um homem cujas filhas, de 25 e 14 anos, depois de dois anos, chegaram ontem ao Brasil e foram visitá-lo. Pude testemunhar esse encontro. É importante que haja um julgamento justo, com base na verdade, Sr. Presidente.

O Ministro acata muito fielmente a acusação italiana, afirmando que houve inúmeros testemunhos contra Cesare Battisti. Em verdade, não houve um único testemunho que permitisse identificar Battisti. Nem uma única testemunha[...]. Alguns exemplos [...]: O homem era [...] magro, [...] cabelo moreno [...], o rosto regular, a pele clara (homicídio Santoro, testemunho Pagano). Ou: o homem era [...] de estatura bastante robusta, barba morena, espessa e abundante (homicídio Santoro, testemunho Zampieri). Ou, para o homicídio Andrea Campagna: o atirador era um homem de cerca vinte e cinco anos, louro [...] (testemunhos Bruni e Manfredi [...]). Assim é a totalidade dos testemunhos citados no processo italiano. Notamos que o atirador, tanto no homicídio Campagna como no Sabbadin, é frequentemente descrito como tendo cabelo "louro" ou "castanho-claro". E Cesare Battisti tem cabelo preto.

Por que o ministro não explicou aos seus colegas que os “testemunhos” são incoerentes e, além disso, não correspondem a Cesare Battisti?

Por que o ministro Cezar Peluso diz que Cesare Battisti atirou em Sabbadin?

O Ministro Cezar Peluso afirmou que Battisti estava presente na loja de Lino Sabbadin, que atirou nesse homem (f.53: “Battisti desfechou-lhe diversos tiros à queima-roupa”), e foi condenado como seu assassino (“seja enquanto executor material do homicídio Sabbadin”, f.109). Em outro trecho (f. 108), diz que foi Giacomini quem atirou em Sabbadin.

[...] Os autos do processo italiano atestam que foi Giacomini quem atirou no açougueiro, de acordo com a própria confissão do atirador.

Quem desferiu o tiro de pistola[i.é, Giacomini], foi descrito como um homem de estatura média. O seu cúmplice [que seria Battisti], de estatura ainda mais baixa e cabelo castanho-louro. O chefe arrependido Pietro Mutti acusou Battisti deste tiro em sua primeira versão do assassinato.Posteriormente, Giacomini confessou ter atirado em Sabbadin, e Pietro Mutti então alterou seu depoimento. Cesare Battisti foi consequentemente condenado como cúmplice, e não como atirador.

Por que o ministro cometeu este erro, dizendo aos seus colegas que Battisti atirou em Sabbadin? E por que não dar nenhuma importância às contradições do delator premiado, que ia adaptando sua versão segundo a necessidade?

No que respeita ao homicídio Antonio Santoro, por que o ministro não diz que a polícia acusou Pietro Mutti?

Cezar Peluso não emite dúvida sobre a culpa de Battisti, no que respeita ao homicídio Santoro. Mas por que o ministro não explicita que dois inquéritos de polícia, da Digos de Milão e dos Carabinieri de Udine, acusaram o chefe Pietro Mutti deste assassinato, com a cumplicidade de Giacomini e Migliorati? Antes que este mesmo Pietro Mutti, uma vez preso, acusasse Cesare Battisti em seu lugar?

Por que o ministro acusou Battisti de ter tirado em Antonio Santoro por “vingança pessoal”?

Por que o ministro não informou aos seus colegas que o próprio Pietro Mutti declarou: “Foi Cavallina quem primeiro mencionou o nome de Santoro. Devo dizer que foi Cavallina quem insistiu para que o sargento fosse morto.”? (16 02 90, f. 122). A condenação italiana não fala em vingança pessoal. Ao contrário, reconheceu a motivação política dos quatro assassinatos e condenou as reivindicações políticas como propaganda subversiva.

No que respeita ao homicídio Torregiani, por que o ministro Cezar Peluso defendeu a ideia espantosa de que Cesare Battisti, simples membro do grupo, planejou os dois homicídios Torregiani e Sabbadin? Se no processo italiano está registrado que as reuniões da organização tiveram lugar no domicílio mesmo de Pietro Mutti, chefe do grupo, e de Bergamini, o duríssimo ideólogo do grupo, favorável, com Cavallina, à violência? Será possível acreditar que o fundador e chefe do grupo, Pietro Mutti, que foi um dos últimos a depor as armas e criou outro grupo armado, os COLP, após o fim dos PAC, nunca tenha participado nem planejado nenhum dos homicídios de seu próprio grupo?

Se o Ministro Cezar Pelluzo resolver ouvir ali no Supremo Tribunal Federal, convidar o Sr. Cesare Battisti para saber a verdade, vai ouvir que ele, sim, foi ao apartamento de Pietro Mutti e disse, e com ele teve em altos brados uma discussão, porque não concordava com que houvesse qualquer matança de pessoa. Ele que saiu dos PAC quando soube da morte de Aldo Moro em maio de 1978.

No que respeita ao homicídio de Andrea Campagna, por que o ministro Cezar Peluso não informou seus colegas de que a arma que matou Andrea Campagna pertencia a Giuseppe Memeo, arma que este já havia utilizado para matar Torregiani? E que este fato foi confirmado por um exame de balística?

Por que o ministro Cezar Peluso não diz também aos seus colegas que Giuseppe Memeo deu a entender à testemunha Pasino Gatti que ele mesmo havia atirado em Campagna? ([Gatti] indica que foi Memeo quem lhe disse isso e que das suas palavras pôde apreender que ele mesmo havia atirado. Disse-lhe também nesta ocasião que a arma era a mesma que aquela usada contra Torregiani; 90, Tribunal de Milão).

Por que o ministro não diz aos seus colegas que as vítimas Torregiani e Sabbadin eram homens politizados de extrema direita e que haviam eles próprios matado outros homens?

É certo que Pierluigi Torregiani e Lino Sabbadin eram comerciantes, e é certo que nada, nunca, justificará seu assassinato. Mas por que o ministro Cezar Peluso não explica também aos seus colegas que Pierluigi Torregiani era um homem de extrema direita, constantemente armado, e que Lino Sabbadin, igualmente armado, pertenceu ao partido fascista neo-mussoliniano, o MSI? Na sua primeira apresentação do homicídio Torregiani (f. 53), o ministro Cezar Peluso não fala sobre a violência mortífera de Torregiani, que anteriormente tinha causado a morte de dois homens. Tal fato, porém, permite compreender a natureza política dos assassinatos cometidos por Torregiani e Sabbadin, além da natureza política de seus próprios assassinatos como "represália contra os agentes da contra-revolução".

Ao mencionar esses assassinatos, o ministro Cezar Peluso diz apenas que Torregiani e Sabbadin "reagiram a um assalto com armas de fogo" (f. 108, f. 114), absolvendo Torregiani do crime: "um dos delinquentes morreu por causa dos tiros, não de Torregiani, mas de um outro comensal que se encontrava no local" (f. 108). Em verdade, em 22 de janeiro de 1979, Torregiani, jantando com um de seus amigos igualmente armado (o "outro comensal que se encontrava no local") atirou em dois delinquentes que atacavam o restaurante "Il Transatlântico". Orazio Daidone morreu, bem como um cliente, Vincenzo Consoli, enquanto outro ficava aleijado (vide inquéritos nos jornais italianos de janeiro e fevereiro de 1979, Corriere della Sera 5/3/04).

É verdade igualmente que Torregiani reivindicou o seu ato afixando a fotografia do ladrão morto na vitrina da sua loja. Este gesto provocativo causou comoção, a ponto de ser comentado no jornal La Repubblica. É verdade que os relatórios desse drama são geralmente muito imprecisos, e afirmam que duas pessoas "morreram em um tiroteio". Mas o próprio filho de Torregiani não nega que seu pai abriu fogo (vide seu livro: Ero in guerra ma non lo sapevo, 2006).

Os tiros de Torregiani e Sabbadin contra ladrões (recrudescimento de violência típico desse período) são característicos das ações dos militantes de extrema direita no contexto político da época, incentivados pelo novo partido de extrema direita, "Maioria silenciosa". Tais atos de chacina provocaram represálias igualmente mortíferas por parte de alguns militantes de extrema esquerda. Os homicídios dos dois homens, Torregiani e Sabbadin, foram reivindicados no mesmo dia pelos PAC, com uma formulação inequívoca quanto ao seu caráter político: Siamo i Proletari Armati per il Communismo. Abiamo colpito [...] gli agenti di controrivoluzione Luigi Pietro Torregiani e Lino Sabbadin (reivindicação, Veneza, 16 02 79) ("Somos Proletarios Armados para o Comunismo [...]. Golpeamos os agentes da contrarrevolução Luigi Pietro Torregiani e Lino Sabbadin"). Por que o Ministro não mencionou a motivação política, que foi até condenada na decisão italiana?

O ministro Cezar Peluso assegura que os quatro homicídios dos PAC apresentam uma "absoluta carência de motivação política" (f. 111), pois, segundo ele, o ladrão morto por Sabbadin era um "amigo" de Battisti (f. 53), e a morte de Torregiani, "uma vingança pessoal".

Cezar Peluso não diz aos seus colegas que a Polícia e a própria decisão italiana não estabeleceram nenhum elo entre os membros dos PAC e os delinquentes mortos por Torregiani e Sabbadin. [...]

O próprio filho de Torregiani, Alberto Torregiani, insurge-se quando o homicídio do pai é qualificado de crime de “direito comum”. Afirma que foi efetivamente um “crime político” (ver entrevista na imprensa italiana, 2008). Prova disso é que o Governo italiano, após vinte e cinco anos de insistente luta por parte de Alberto Torregiani, aceitou conceder-lhe uma pensão a título de “vítima da subversão contra a ordem do Estado”. Mas apenas em 2004, no início do processo Battisti, quando pareceu necessário ao Governo que Alberto Torregiani aparecesse na televisão.

(Interrupção do som.)

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) -

Battisti foi condenado tão-somente em razão das acusações do chefe do grupo, Pietro Mutti, e das declarações de seus antigos companheiros presentes, todos acusados. Esses “colaboradores de justiça” foram todos condenados, mas com penas reduzidas ou muito reduzidas. Por que o ministro Cezar Peluso não especifica que Pietro Mutti, graças às suas declarações, escapou à pena perpétua e cumpriu apenas oito anos de prisão? Por que Cezar Peluso opta por dar pleno crédito às palavras de Pietro Mutti e dos outros membros dos PAC e nenhum crédito às de Cesare Battisti? O Ministro poderia explicar de que modo estabelece a diferença entre eles? [...]

Por que o Ministro Cezar Peluso não cita o próprio Tribunal italiano, que registra em 1993, a propósito das mentiras de Pietro Mutti: “Este arrependido [Mutti] é afeito a jogos de prestidigitação entre os seus diferentes cúmplices, como quando implica Battisti no assalto de Viale Fulvio Testi para salvar Falcone, ou Battisti e Sebastiano Masala em lugar de Bitti e Marco Masala no assalto à loja de armas ‘Tuttosport’, ou ainda Lavazza ou Bergamin em lugar de Marco Masala em dois assaltos em Verona“? (...)

Por que não mencionar as acusações de Mutti que depois foram reconhecidas como falsas? [...]

O Ministro Cezar Peluso insiste no fato de que Cesare Battisti foi preso, junto com outros clandestinos, num apartamento onde existia um esconderijo de armas.

É verdade. Mas por que o ministro não diz que a avaliação balística provou que todas aquelas armas eram virgens? As armas apreendidas com Battisti não foram usadas em nenhum dos homicídios. Por que não achar estranho o fato de que essa prova pericial não recebeu nenhuma importância?

Por que o ministro Cezar Peluso nega qualquer tipo de “perseguição” contra Cesare Battisti?

O ministro assinala que a definição...

(Interrupção do som.)

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. Sem Partido - PI) - Eu sou bondoso.

O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) -

O ministro assinala que a definição de perseguição é “um ato de gravidade considerável que torna impossível uma vida normal no país” (f. 20). Por que não expõe aos seus colegas que, em 2004, na França, centenas de cartazes foram colados na rua e no bairro onde morava Cesare Battisti, com os slogans “Battisti assassino”, ou “Fora, assassino”, pelo grupo de extrema direita “Bloc Identitaire”? Não é necessário demonstrar a periculosidade desse grupo: um de seus membros atirou no presidente francês Jacques Chirac em 14 de julho de 2002.

Por que, sobretudo, o ministro não informa seus colegas do conhecido fato ocorrido na França em agosto de 2004, divulgado pela mídia, quando o grupo italiano de extrema direita, DSSA, agindo por ordem dos serviços secretos italianos, programou o rapto de Cesare Battisti em Paris antes do final dos trâmites judiciais franceses? A operação tinha como nome de código: “Operação Porco Vermelho”, e as provas estão à disposição dos ministros.

Será possível julgar que tais atos permitam uma vida normal num país? E que atestam um comportamento normal por parte do país requerente?

            Com muita honra, Senador Tião Viana, concedo-lhe um aparte.

            O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Caro Senador Suplicy, estou ouvindo com atenção o forte pronunciamento que V. Exª faz no dia de hoje. Entendi quase que como um veredicto de acusação ao Ministro Peluso por não ter conduzido da melhor maneira, segundo seu entendimento, um processo dessa magnitude. Meu respeito...

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Permita-me dizer que se trata de uma contribuição respeitosa ao Ministro Cezar Peluso.

            O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Eu entendi exatamente nesses termos.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Não é uma acusação.

            O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - É um veredicto quase de culpa dele por algo que ele poderia ter feito de outra maneira, o que é da democracia. Protestar contra uma decisão judicial é um ato elevado de democracia que se pode ter, e entendo que V. Exª assim o faz por ser um missionário das causas dos injustiçados, por ser alguém que luta a vida inteira pelos direitos humanos. O que quero trazer como colaboração...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Diante do relevante clamor que V. Exª faz, pedindo a consideração justa para um caso de direitos humanos, que é muito importante nos termos da sua vida, da vida da democracia brasileira, do que nós nos propomos hoje como Partido político, quero dizer que fico muito sensibilizado e acho que, nas condições de vida e de história que V. Exª tem, que o nosso Partido tem, haveria de se considerar uma solicitação para que organismos internacionais pudessem se pronunciar, com um apelo ao Presidente da República, para que leve essa questão ao Tribunal Penal Internacional, à Organização das Nações Unidas, no seu capítulo de Direitos Humanos, a fim de que possa ser feito o máximo de busca da verdade num processo dessa magnitude. Então, faço este aparte, dizendo que respeito a justa contestação que V. Exª faz ao eminente e justo Ministro Cezar Peluso. Acho que o nosso dever é, havendo o mínimo de dúvida, pensar no valor da inocência de qualquer pessoa, ainda mais estando em nosso País. A única preocupação que me fica é se será do Brasil a responsabilidade de sustentar uma situação que precisa ser reconsiderada no sentido de manter o Sr. Battisti aqui ou se seria, de fato, dos tribunais democráticos penais dos países e dos organismos internacionais essa responsabilidade. É a indagação que faço a V. Exª, elevando todo o respeito pelo pronunciamento e pela intenção com que está apresentando o problema ao Senado.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Senador Tião Viana, agradeço por suas palavras. Reitero que meu pronunciamento - inclusive com a colaboração de Fred Vargas - é realizado de forma construtiva e respeitosa para que o Ministro Cezar Peluso, que ainda tem tempo de considerar seu voto final, possa efetivamente analisar todos os elementos.

            Conforme eu disse, se, por acaso, nos autos do processo, houver uma única testemunha sã - não uma testemunha arrependida nem pessoa premiada com a delação ou que tenha sido dissociada, isto é, que não sejam arrependidos ou dissociados -, que o governo italiano a apresente e que ela seja ouvida em carta rogatória. Se o governo italiano quiser que eu vá até lá para ouvi-la e ter os elementos de convicção que essa pessoa apresente e que não estejam nos autos até agora, eu pediria, então, ao Ministro Peluso que aguardássemos esse depoimento de uma única testemunha sã, que seja, que tenha visto Cesare Battisti realizar qualquer dos quatro assassinatos, porque isso não está registrado nos autos do processo.

            É como cidadão brasileiro, bisneto e neto de italianos que conclamo a pátria de meu avô e de meu bisavô a também procurar a verdade, como fizeram os grandes cientistas italianos da história da humanidade Galileu Galilei, Nicolau Copérnico, Giordano Bruno, Leonardo da Vinci e tantos outros que sempre tiveram como lema buscar a verdade, uma coisa humana para alcançar a justiça.

            Faço isso porque quero ajudar o Supremo Tribunal Federal e todos os seus Ministros a decidirem com base na verdade completa dos fatos.

            Por isso, Sr. Presidente, requeiro seja transcrito na íntegra o documento da escritora Fred Vargas.

            Muito obrigado.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e § 2º, do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

13 Perguntas ao Ministro Relator Cezar Peluso


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/09/2009 - Página 47170