Discurso durante a 165ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a questão da saúde pública e assistência médica no Brasil e no mundo. Defesa de mudanças no modelo de gestão do Sistema Único de Saúde-SUS. Cobrança da regulamentação da Emenda Constitucional.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Preocupação com a questão da saúde pública e assistência médica no Brasil e no mundo. Defesa de mudanças no modelo de gestão do Sistema Único de Saúde-SUS. Cobrança da regulamentação da Emenda Constitucional.
Aparteantes
Tião Viana.
Publicação
Publicação no DSF de 25/09/2009 - Página 47184
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • APREENSÃO, SITUAÇÃO, SAUDE PUBLICA, ASSISTENCIA SOCIAL, BRASIL, MUNDO.
  • DEFESA, ATENÇÃO, SISTEMA UNICO DE SAUDE (SUS), NECESSIDADE, ALTERAÇÃO, MODELO, GESTÃO, DIFICULDADE, ACORDO, UNIÃO FEDERAL, ESTADOS, MUNICIPIOS, PARTICIPAÇÃO, FINANCIAMENTO, DESCUMPRIMENTO, NORMAS, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, REDUÇÃO, BUROCRACIA, FACILITAÇÃO, ACESSO, POPULAÇÃO, ATENDIMENTO, GARANTIA, AMPLIAÇÃO, VERBA.
  • IMPORTANCIA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, TIÃO VIANA, SENADOR, RELATOR, ORADOR, APROVAÇÃO, SENADO, TRAMITAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, GARANTIA, PERCENTAGEM, RECEITA, UNIÃO FEDERAL, DESTINAÇÃO, SAUDE.

                          SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Eu gostaria de, em primeiro lugar, agradecer ao Senador Tião Viana por ter feito essa permuta para que eu fale primeiro nesta sessão sobre saúde pública no Brasil e no mundo.

            A questão da saúde pública, Sr. Presidente, e da assistência médica para todos é, sabidamente, um grave problema mundial. O próprio Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, como parte do seu esforço em reformar o sistema nacional de saúde, que atravessa grave crise, acaba de fazer um discurso no qual denuncia que “se não fizermos nada, metade dos americanos abaixo de 65 anos perderá seu seguro-saúde em algum momento dos próximos 10 anos”. É o que afirma Obama.

            Sua assessoria, a assessoria do Presidente dos Estados Unidos informa que “14 mil americanos estão perdendo seu seguro-saúde todo dia”. Isto é, a cada dia, 14 mil americanos estão fora do seguro-saúde. O mecanismo dessas perdas é tão simples quanto perverso: no bojo da atual crise econômica, o trabalhador fica sem o emprego e, automaticamente, perde seu plano de saúde, vai engrossar o exército dos sem-cobertura. E se considerarmos que nos Estados Unidos não existe nada sequer parecido com o nosso SUS, o quadro de calamidade é evidente. Por isso mesmo, o tom do discurso do Presidente americano é quase catastrófico. Se, como se diz na minha terra, conhece-se o marinheiro no meio da tempestade, vamos, então, aguardar para ver como os americanos vão sair dessa tormenta.

            O que existe no momento, nos Estados Unidos, é um conflito entre os que se alinham com o Presidente em favor da assistência médica, em favor de oferecer alguma cobertura àqueles que estão perdendo o emprego e assistência de saúde, e, do outro lado, setores que não aceitam mais Estado, mais governo, ou seja, que não querem uma ação do governo ampliando a cobertura pública à saúde. Em síntese, os americanos acham que quanto menos governo, melhor, porque eles não confiam na atividade pública da saúde.

            No nosso caso, do Brasil, há um aspecto bastante diferente. Não direi que aqui é um País das mil maravilhas em relação ao setor de saúde pública, mesmo porque há recursos faltando no orçamento do Ministério para atender milhões e milhões de brasileiros que não têm seguro-saúde, mais de 130 milhões, Senador Tião Viana.

            O SUS é o grande problema de saúde das amplas camadas desfavorecidas ou, como dizem os defensores públicos, dos hipossuficientes, daqueles que não têm condições de comprar remédio, de contratar um bom hospital, de ir a um bom posto médico porque não têm recursos, não têm dinheiro. Se os pobres não contassem com essa cobertura nacional, estariam morrendo à míngua. Na verdade, como os senhores sabem, o SUS não chega a ser um plano de saúde. Ele é um sistema de cobertura universal de saúde, gratuito e custeado pelos impostos pagos pelo povo brasileiro.

            Sou defensor de primeira hora do SUS. Sempre lutei por ele, por mais verbas e melhor gestão para o setor de saúde do Brasil. A PEC nº 29, que aqui foi aprovada, da qual fui Relator, por exemplo, confunde-se com o meu mandato. Por isso mesmo, sinto-me completamente à vontade para vir a esta tribuna pleitear mais atenção ao SUS.

            A propósito, Sr. Presidente, esta Casa, depois de anos e anos de estudos, deliberou aprovar a regulamentação da PEC nº 29, da autoria do Senador Tião Viana, que é a melhor proposta de regulamentação da nossa Constituição em relação à saúde. Inclusive, lá, na Câmara dos Deputados, há um substitutivo. Tive depoimentos, Senador Tião Viana, de Deputados que compõem o grupo parlamentar da saúde, no sentido de que a melhor proposta, a melhor redação, a mais consentânea com os destinos da saúde pública do Brasil é a redação proposta por V. Exª, que aqui foi aprovada e da qual tive a honra de ser Relator na Comissão de Justiça. É sobre ela que daqui a pouco falaremos.

         Neste momento, o que me motivou a fazer uso da palavra foi um recente alerta da Organização Mundial da Saúde (OMS), através de seu relatório de três anos atrás, complementado com dados mais atuais, mostrando que nosso gasto com saúde deixa muito a desejar se comparado com outros Países, inclusive com outros Países de índice de pobreza incomparavelmente menores.

            Lá, no relatório da OMS, consta que o gasto público em saúde no Canadá, que é um País rico - a verdade é essa -, atingiu US$2,587 mil per capita. Na Espanha, também um País desenvolvido da Europa, o gasto é de US$1,757 mil per capita. No Brasil, é de US$323. Quer dizer, há uma diferença muito acentuada entre esses Países da América do Norte e da Europa e o Brasil. A comparação foi feita com base no Poder Paritário de Compra, que é o PPC.

            Enquanto no Canadá a saúde representa 17,8% dos gastos totais do governo e, na Espanha, 15,5%, no Brasil, esse volume não passa de 7,2%. Se eu estiver errado, meu companheiro e amigo Tião Viana pode me corrigir. São dados que nós colhemos aqui, no Brasil.

            Também perdemos para a Itália, que tem uma aplicação de 14,2%; para o Chile, 14%; e para o México, 10,8%.

            Em 2007, o SUS teve de funcionar com R$42,80 por mês, por habitante. E isso inclui gastos com controle de endemias, vacinação, vigilância sanitária e epidemiológica, por exemplo. Já a saúde suplementar teve R$108,30 por mês para atender a cada um dos 39 milhões de usuários. Esse total corresponde apenas a assistência médica e, mesmo assim, complementada pelo atendimento do SUS. Se tirarmos esses 39 milhões de pessoas da conta do SUS, ainda assim, a saúde pública contaria apenas com R$54,30 por mês para cada habitante.

            Salta aos olhos, então, que gastamos pouco em saúde no Brasil. Além de pouco, nós, evidentemente, precisamos de grande melhora na gestão dos gastos. E nem falo da corrupção e das fraudes.

            Precisamos melhorar o modelo de gestão do SUS. O financiamento é tripartite: União, Estados e Municípios. Sua aplicação é pulverizada e exige difícil consenso entre as três esferas.

            Na verdade, a União deveria trabalhar para reduzir as desigualdades regionais, mas, infelizmente, a sua participação no financiamento vem sendo reduzida. Logicamente, houve uma queda de receita no momento em face da crise e, anteriormente, pela derrubada da CPMF. V. Exª terá oportunidade, se quiser, num aparte, de falar sobre este assunto.

            Proporcionalmente à receita corrente, o Ministério da Saúde já perde R$10 bilhões por ano em relação a 2000, ano em que foi aprovada a Emenda nº 29. Estados e Municípios é que garantiram a ampliação do financiamento, principalmente os Municípios. Existem mais de 20 Estados que não estão cumprindo religiosamente o que manda a Constituição.

            A desigualdade, Sr. Presidente, é ampliada pela falsa integralidade do sistema. O SUS tem que atender a tudo, o tempo todo, em todo lugar, e nem sempre conta com o equipamento necessário. Boa parte dos serviços de média e alta complexidade, fornecidos gratuitamente à população pelo SUS, são comprados de prestadores privados. Eis um problema que mereceria melhor atenção.

            O que percebo é que todo esse quadro explica duas coisas. Primeira: porque o imposto para a saúde - atualmente em discussão - é tão impopular. Em recente enquete feita pela CNT/Sensus, apenas 37% das pessoas aprovavam esse novo imposto, o qual, portanto, já nasceria impopular. É a chamada Contribuição Social para a Saúde, que está em discussão na Câmara dos Deputados. E segunda coisa: explica por que não param de se avolumar, na opinião pública, as reclamações sobre filas para marcação de consulta, de cirurgia e de exames.

            Em resumo, alguma coisa tem que ser mudada, essa bola-de-neve não pode seguir em frente. É sempre melhor prevenir do que remediar.

            Reconheço que o Governo tem se empenhado em outras esferas. Por exemplo, dados recentes mostram que a faixa de famílias que vivem na linha da pobreza diminuiu. Em pesquisa levada a cabo antes da deflagração dessa crise econômica mundial, ficou claro, segundo pesquisa com base de dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) que, entre 2003 e 2008, aproximadamente 3,8 milhões de pessoas saíram da classe E, abaixo da linha de pobreza (isto é, de renda familiar de até R$768,00).

            É verdade que a mesma pesquisa mostra que o número de brasileiros na classe AB subiu de 13,3 milhões para 19 milhões. Houve migração de baixo para cima. Mas o certo é que terminou sendo reduzido o número de famílias que vivem na pior situação, na miséria.

            Mas, exatamente por isso, estou tranquilo em pleitear deste Governo, da Administração Federal, do Congresso Nacional que esse avanço relativo na situação social, na vida social das pessoas, seja acompanhado de mudanças no SUS que permitam desafogá-lo.

(Interrupção do som.)

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Podemos pensar em mudanças no modelo de gestão, de forma a democratizá-lo muito mais, reduzindo sua burocracia facilitando o acesso das pessoas ao seu atendimento, como também pela garantia de mais verbas. Melhor gestão e mais verbas. Não podemos aceitar, como País socialmente mais carente, que tenhamos uma dotação orçamentária para a saúde bem menor que aqueles Países. A condição do nosso povo é evidentemente pior.

            Fui Relator, como já falei, da PEC nº 29, e a sua regulamentação está na Câmara dos Deputados, a regulamentação proposta pelo Senado, de iniciativa louvável do Senador Tião Viana.

            Senador Tião Viana, V. Exª apresenta uma saída magistral, que, na época, foi negociada com as Lideranças, com as Relatorias, tanto na Comissão de Justiça como na Comissão de Assuntos Sociais, de disponibilizar um mínimo de 10% das receitas correntes líquidas da União em favor da saúde, porque os Estados e Municípios já têm aquela obrigatoriedade: os Estados, 12%, e os Municípios, 15%, segundo a Emenda nº 29.

            Então, a saída colocada por V. Exª é magistral, porque acaba com essa história: o País não aplica; o pessoal reclama; os Municípios se acham assoberbados, onde há uma concentração de demanda no interior dos Estados, e terminam assumindo a sua maior parte, enquanto a União ainda não estabeleceu o quantitativo da sua participação.

            Concedo o aparte a V. Exª, Senador Tião Viana, autor da proposta que regulariza a Emenda nº 29 para disponibilizar, colocar à disposição da população brasileira recursos certos e determinados pelos Estados, Municípios e União.

            O Sr. Tião Viana (Bloco/PT - AC) - Meu caro Senador Valadares, considero muito importante ouvir um pronunciamento tão objetivo e tão correto, do ponto de vista técnico, sobre aquilo que é a maior dívida hoje do Brasil para com a sua população. A última pesquisa, ocorrida há dois dias pelo CNI/Ibope, mostrou que 59% dos brasileiros entendem que o maior problema a ser reivindicado para a cidadania é exatamente a saúde, seguidos pela educação e pelo problema do emprego. Então, temos de dar atenção. E é exatamente o que V. Exª faz com o pronunciamento que coloca hoje, quando cobra a regulamentação da Emenda Constitucional nº 29. Quero dar o meu testemunho. Em 2000, quando eu estava aqui exercendo o mandato parlamentar ao lado de V. Exª, vi a dedicação e a grandeza como V. Exª, como Relator daquela matéria, operou a sensibilização das Lideranças, dos partidos políticos, entendendo que a vinculação de recursos para a saúde era a primeira grande prova da integridade, da responsabilidade que o Brasil passaria a ter com as populações excluídas e esquecidas nos corredores dos hospitais de pobres do Brasil. E agora estamos diante de um novo dilema. Exatamente como deve gastar a União, os Estados e os Municípios com a saúde pública é o que diz a Lei Complementar à Emenda nº 29, de minha autoria. O que lamento é que 16 das 27 Unidades da Federação não cumprem a aplicação da Emenda nº 29 ainda. Ou seja, desviam argumentos para não gastar com a saúde pública. E tivemos a perda irreparável, causada pelos nossos amigos da Oposição, pressionados por setores da sociedade, que tiraram a CPMF dos recursos da saúde. Estamos falando de R$160 bilhões ao longo de 4 anos; e estamos falando de R$60 bilhões para a saúde pública especificamente. Creio que esse debate vai transcorrer o tempo, ele estará presente na agenda brasileira. E, hoje, a responsabilidade do Congresso Nacional e também do Governo Federal é a aprovação da Lei Complementar à Emenda nº 29. Então, quero cumprimentá-lo e dizer da admiração e do respeito pela postura coerente e sempre firme de V. Exª, entendendo que saúde pública é, sim, o item primeiro das necessidades da cidadania brasileira hoje. Muito obrigado.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Senador Tião Viana, agradeço o aparte e o incorporo - peço a V. Exª permissão para incorporá-lo ao meu discurso -, que significa um reforço de uma pessoa que entende de saúde. É um médico que, aqui no Senado Federal, atua na direção do social, em atender às camadas mais pobres da população. E V. Exª, entendendo essa situação, teve esta iniciativa marcante: apresentar uma proposta da regulamentação da Emenda nº 29, para tirar a dúvida de com quanto cada Unidade Federada deve contribuir e da forma como deve contribuir para que não haja desvios, nem fraude nem corrupção, e seja beneficiada a população mais pobre do Brasil.

            Parabéns a V. Exª pela sua posição. Tenho certeza de que o Brasil inteiro, principalmente as camadas mais necessitadas da população, está acompanhando detidamente o que se passa na Câmara dos Deputados. Que logo, logo, ainda este ano, tenhamos esse prêmio, prêmio do devotamento de V. Exª à saúde pública do Brasil.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. S/Patido - PI) - Os nossos cumprimentos ao Senador Antonio Carlos Valadares.

            Eu e o Paim sabemos que ele é um dos mais profundos conhecedores do Direito. Ele tem um espírito de legislador, acho, incorporado de Rui Barbosa. Mas agora V. Exª, Senador Valadares, nos surpreende, porque eu, tendo dedicado a vida à ciência médica, vi V. Exª, com tanta profundidade, mostrar a sua grandeza cultural, inspirando o Governo da República, o Executivo, a ter ações mais positivas no campo da saúde.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - Senador, V. Exª é um frasista, um intelectual, que acompanha todos os dias o que se passa no mundo e aqui no Brasil, e em termos de citações não existe um Senador aqui melhor do que V. Exª. No entanto, hoje, eu trouxe uma citação a respeito do silêncio de muitas pessoas sobre o problema da saúde pública no Brasil, de autoria do Martin Luther King:

O que mais preocupara não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem ética; o que mais preocupa é o silêncio dos bons.

            Essa é a frase magistral, pronunciada pelo saudoso Martin Luther King, americano, que tanto trabalhou pelos direitos civis, e por isso morreu assassinado nos Estados Unidos.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/09/2009 - Página 47184