Discurso durante a 166ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Esclarecimento sobre alguns pontos equivocados em certas análises, feitas com o propósito explícito de lançar dúvidas a respeito do acordo aprovado pela Câmara dos Deputados, entre a República Federativa do Brasil e o Vaticano, que em nada fere a Constituição, nem atenta contra a liberdade religiosa ou o conceito do Estado laico.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
IGREJA CATOLICA.:
  • Esclarecimento sobre alguns pontos equivocados em certas análises, feitas com o propósito explícito de lançar dúvidas a respeito do acordo aprovado pela Câmara dos Deputados, entre a República Federativa do Brasil e o Vaticano, que em nada fere a Constituição, nem atenta contra a liberdade religiosa ou o conceito do Estado laico.
Publicação
Publicação no DSF de 26/09/2009 - Página 47619
Assunto
Outros > IGREJA CATOLICA.
Indexação
  • ANUNCIO, APRECIAÇÃO, SENADO, ACORDO, BRASIL, PAIS ESTRANGEIRO, VATICANO, REFERENCIA, ESTATUTO, NATUREZA JURIDICA, IGREJA CATOLICA, RESPOSTA, ORADOR, QUESTIONAMENTO, CONSTITUCIONALIDADE, LIBERDADE DE CRENÇA, DESVINCULAÇÃO, ESTADO, ESCLARECIMENTOS, AUSENCIA, DEPENDENCIA, IGREJA, GOVERNO, POSSIBILIDADE, ABERTURA, CONVENIO, DIVERSIDADE, RELIGIÃO, CONSOLIDAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, JURISPRUDENCIA, DETALHAMENTO, MATERIA, ENSINO, CRENÇA RELIGIOSA, IMUNIDADE, NATUREZA TRIBUTARIA, RECONHECIMENTO, PATRIMONIO HISTORICO, FAVORECIMENTO, TOLERANCIA, EXPECTATIVA, APROVAÇÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Aprovado pela Câmara dos Deputados, o acordo entre a República Federativa do Brasil e o Vaticano, relativo ao estatuto jurídico da Igreja Católica em nosso país, tem sido virado pelo avesso por aqueles que questionam sua legitimidade constitucional.

            Como será em breve submetido à apreciação do Senado, antes de receber a sanção presidencial, convém esclarecer alguns pontos equivocados em certas análises, feitas com o propósito explícito de lançar dúvidas a respeito de um tratado que em nada fere a Constituição, nem atenta contra a liberdade religiosa ou o conceito do Estado laico.

            Antes de mais nada, deve-se ressaltar que, nos últimos anos, a Santa Sé firmou mais de 100 acordos desse gênero, especialmente com países do antigo bloco soviético, do Oriente Médio e da África, alguns dos quais sem tradição católica ou cristã, como é o caso dos países islâmicos.

            Na América Latina, o Brasil é uma das poucas nações que não têm acordo com o Vaticano. Não estamos firmando uma aliança destinada a proporcionar amparo financeiro ou instituir controle administrativo do governo sobre a Igreja Católica. O tratado tampouco constitui uma interferência sobre a liberdade de culto.

            Alegam seus opositores que ele não está em conformidade com o artigo 19, inciso primeiro, da Constituição. O artigo e o inciso estabelecem: “Artigo 19 - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - Estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.

            Pois bem, o acordo entre o Brasil e a Santa Sé, em primeiro lugar, não determina relação de dependência entre seus signatários. Não há, em nenhum de seus 20 artigos, qualquer previsão de que a Igreja passe a ser dirigida por agentes estatais, ou de que as demais religiões sejam prejudicadas por restrições.

            Pelo contrário, como afirmou dom Geraldo Lyrio Rocha, arcebispo de Mariana e presidente da CNBB, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, ele abre as portas para que formas de convênios possam ser feitas entre o Estado brasileiro e outras denominações cristãs e religiões não-cristãs. Ele próprio cita acordos firmados com a Igreja Luterana e outras confissões, na Alemanha, e com a Assembléia de Deus e a Igreja Adventista do Sétimo Dia, na Itália.

            O tratado entre Brasil e Santa Sé é o reconhecimento mútuo de sujeitos soberanos de Direito, um instrumento internacional que regula as relações entre os dois Estados, com o necessário respeito aos direitos fundamentais assegurados pela Constituição brasileira. Fazendo uso novamente das palavras de dom Geraldo, ele consolida, num único documento jurídico, o que já está contido na Constituição, na legislação do País e na jurisprudência.

            Desde a proclamação da República, o Estado brasileiro é laico. Durante o período da monarquia, o catolicismo era a religião oficial do Estado, mantida por ele, que desfrutava prerrogativas em sua administração e mesmo na liturgia. As

            Constituições, a partir de 1891, repetem a proibição de que o Estado crie, forneça subsídios ou dificulte o livre exercício de qualquer culto. Esta última, em seu artigo 11, proibia o Estado de “estabelecer, subvencionar ou embaraçar o exercício de cultos religiosos”. Com variações, o princípio da não-interferência prevaleceu nas Constituições que a sucederam.

            Trata-se, portanto, de uma tradição republicana, que não há de ser quebrada pelo acordo. O Estado não é inimigo das religiões, e sim protetor da liberdade de religião, por meio do tratamento sem discriminações. Pelo tratado, por exemplo, a matrícula em disciplina de ensino religioso continua sendo facultativa em escolas públicas de ensino fundamental. É o que estabelece a Constituição brasileira, em seu artigo 210, parágrafo primeiro, o qual diz que “o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”.

            Não há imposição aos alunos. E o acordo, ao reconhecer a matrícula opcional, é explícito ao definir que o ensino religioso não diz respeito apenas ao catolicismo, mas também a outras denominações religiosas.

            Quanto à imunidade tributária para as pessoas jurídicas eclesiásticas, patrimônio, renda e serviços que dizem respeito a suas finalidades essenciais, ela é reconhecida no artigo 15 do tratado, mas não há nisto novidade alguma. Ela é determinada pela Constituição, em seu artigo 150, inciso quarto, o qual reconhece que não é possível ao Estado restringir um direito fundamental, como o da liberdade religiosa, por meio de tributação.

            Tampouco é novidade o reconhecimento do patrimônio histórico, artístico e cultural da Igreja Católica, bem como de documentos guardados em suas bibliotecas e arquivos. São bens de inestimável valor, como atestam, por exemplo, o Convento da Penha, em Vila Velha, no Espírito Santo, e o Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo, Minas Gerais, com esculturas de Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, e que é reconhecido pela Unesco como Patrimônio Mundial.

            Em resumo, não há por que contestar um acordo que em nada atenta contra a sociedade pluralista e tolerante em que vivemos, marcada pela ausência de sectarismo religioso, tão presente - e causa de tantos conflitos - em certas regiões do mundo. O tratado é uma evolução normativa, e representa a abertura de uma oportunidade para que outros credos religiosos também façam o mesmo. Por tais razões, merece a aprovação desta Casa, tal como ocorreu na Câmara. O Estado deve colaborar com todas as igrejas tendo em vista o bem comum, mas necessita manter sua independência estrutural, decorrente da proclamação da liberdade religiosa que todas as Constituições do período republicano sempre asseguraram.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/09/2009 - Página 47619