Discurso durante a 173ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre o voto do Ministro César Peluso, relator, no Supremo Tribunal Federal, do julgamento do refúgio concedido pelo governo brasileiro ao italiano Cesare Battisti.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS.:
  • Considerações sobre o voto do Ministro César Peluso, relator, no Supremo Tribunal Federal, do julgamento do refúgio concedido pelo governo brasileiro ao italiano Cesare Battisti.
Publicação
Publicação no DSF de 02/10/2009 - Página 49194
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • COMENTARIO, VOTO FAVORAVEL, EXTRADIÇÃO, ESTRANGEIRO, AUTORIA, MINISTRO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), QUESTIONAMENTO, ASILO, CONCESSÃO, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), INEXATIDÃO, ALEGAÇÕES, INEXISTENCIA, DEMOCRACIA, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, OPINIÃO, ORADOR, NEGAÇÃO, CRIME POLITICO, DETALHAMENTO, HOMICIDIO, REU, REPUDIO, FUGA, JULGAMENTO, NECESSIDADE, BRASIL, RESPEITO, SOBERANIA, GOVERNO ESTRANGEIRO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é exemplar o voto do Ministro Cezar Peluso, Relator, no Supremo Tribunal Federal, do julgamento do refúgio concedido em janeiro pelo governo brasileiro ao italiano Cesare Battisti. Embora longo e complexo, pode ser sintetizado em uma de suas frases: “O refugiado é uma vítima, e não alguém que foge da Justiça”. No voto, favorável à extradição de Battisti, o Ministro Peluso cita a Lei nº 9.474, de 1997, cujo artigo 1º, inciso I, serviu de base para a concessão de refúgio pelo Ministério da Justiça.

            O inciso I alinha, entre os beneficiários qualificados para o reconhecimento como refugiado, todo indivíduo que, por “fundados temores de perseguição por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país”.

            Da forma como foi concedido, o refúgio alinha a Itália entre as ditaduras deste planeta, uma vez que confere a Cesare Battisti o status de vítima de um julgamento injusto, realizado sob regime de exceção. Mais ainda: se regressar a seu país, sofrerá perseguição por suas opiniões políticas. Negamos legitimidade à condição de democracia da nação italiana, para justificar, sob essa alegação sem o menor fundamento, o fato de abrigar entre nós um suposto ativista político.

            Em seu voto, o ministro Peluso atribui os assassinatos cometidos por Battisti, que motivaram sua condenação na Itália, a “puro intuito de vingança pessoal”. As ações homicidas, afirma, “foram praticadas em contexto diverso, à margem de qualquer luta política por um novo governo”.

            Relembremos um pouco da história de Cesare Battisti. Trata-se de alguém que, antes de encobrir suas ações sob o manto de um suposto ativismo político, era um criminoso comum, preso diversas vezes por delitos como lesões corporais e seqüestro. Em 1977, já um veterano das penitenciárias, juntou-se a uma quadrilha que, sob o nome de “Proletários Armados pelo Comunismo”, cometia assaltos e outros crimes.

            Battisti iniciou então uma série de assassinatos cruéis. Em 1978, tendo a namorada como cúmplice, matou, com tiros pelas costas, um carcereiro da prisão de Udine, onde cumprira pena anteriormente. No ano seguinte, em Milão, assassinou um joalheiro e roubou todas as mercadorias da sua loja. O comerciante morreu na frente do seu filho, na época com 13 anos. O menino, atingido por disparos, ficou paraplégico. Ainda em 1979, um açougueiro, acusado de ser “simpatizante do fascismo”, também foi morto por Battisti. Em seu último crime, ele assassinou um agente policial que tinha participado das investigações sobre a morte do joalheiro.

            Esta é, em síntese, a carreira do “ativista político” Cesare Battisti. Depois de fugir de uma penitenciária em Milão, passou algum tempo na França, país em que voltou a viver depois de uma breve temporada no México. Ao saber que a Justiça francesa concordara em devolvê-lo à Itália, embarcou para o Brasil. Aqui, encontrou amigos que encamparam sua causa e o transformaram de bandido em idealista.

            Esse disfarce não convenceu o Conare, o Comitê Nacional para os Refugiados, órgão interministerial que negou a concessão de asilo a Battisti. Seus integrantes reconheceram que o sistema jurídico da Itália é “capaz de resguardar a vida daqueles que cumprem pena em seus cárceres”, que país é uma democracia em que as instituições funcionam normalmente, sem notícia de violações dos direitos humanos. Mesmo assim, seu parecer foi ignorado.

            Cesare Battisti estava informado sobre as acusações que pesavam contra ele. Preferiu fugir da Justiça, como assinalou o ministro Peluso. Mesmo assim, contou com amplo direito de defesa, e a condenação à prisão perpétua pelos bárbaros assassinatos foi baseada nos depoimentos de 10 testemunhas. Battisti, diz o ministro em seu voto, “é indicado por múltiplas fontes” como o autor dos assassinatos. A sentença foi objeto de análise das Justiças da Itália e da França e da Corte Européia de Direitos Humanos, e não mereceu contestações. “Não há, portanto”, afirma o ministro, “que se emprestar caráter político a ações homicidas”.

            O julgamento do pedido de extradição não está finalizado, devido ao pedido de vista ao processo feito por um dos ministros. Mas cabe relembrar, já que o tema é extradição, que em 2008 nosso país requereu ao principado de Mônaco a extradição do banqueiro Salvatore Cacciola. O governo brasileiro exerceu intensa pressão para que o pedido fosse atendido, o que efetivamente ocorreu. Mais recentemente, pedimos ao governo da Islândia a extradição do médico Hosmany Ramos, que cumpria pena por homicídio e tráfico de drogas, fugiu da prisão em janeiro e foi capturado naquele país.

            Em momento algum Mônaco questionou o mérito das acusações contra Cacciola. Fazê-lo seria desrespeitar a soberania de outro país. Parecemos ter esquecido dessa regra elementar ao conceder, de maneira pronta e sob argumentos frágeis, refúgio a um criminoso. Como diz o ministro César Peluso, o Supremo Tribunal Federal não aprecia o mérito da condenação de Battisti. É uma “indeclinável observância” imposta ao Brasil pela necessidade de respeitar a soberania do governo da Itália. Um lembrete imprescindível para nossos governantes, e uma lição para que casos semelhantes não ocorram no futuro.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/10/2009 - Página 49194