Discurso durante a 177ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários sobre a reportagem do jornal O Estado de S.Paulo, no Caderno Metrópole, sobre a exploração infantil. A importância da renda básica de cidadania.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Comentários sobre a reportagem do jornal O Estado de S.Paulo, no Caderno Metrópole, sobre a exploração infantil. A importância da renda básica de cidadania.
Publicação
Publicação no DSF de 08/10/2009 - Página 50549
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • LEITURA, TRECHO, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), PESQUISA, PROSTITUIÇÃO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, UTILIZAÇÃO, DINHEIRO, BENS DE CONSUMO, ESPECIFICAÇÃO, TELEFONE CELULAR, AQUISIÇÃO, DROGA, ANALISE, INEFICACIA, RESULTADO, INSTITUIÇÃO ASSISTENCIAL, REDUÇÃO, PROBLEMA.
  • COMENTARIO, PESQUISA, FACULDADE, MEDICINA, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), LEITURA, TRECHO, CORRELAÇÃO, DESAPARECIMENTO, CRIANÇA, EXPLORAÇÃO SEXUAL, NEGLIGENCIA, POLICIA, INSTITUIÇÃO ASSISTENCIAL, ATENÇÃO, BANCO DE DADOS, NOME.
  • DEFESA, AMPLIAÇÃO, ACESSO, EDUCAÇÃO, IMPLEMENTAÇÃO, RENDA MINIMA, CIDADANIA, PREVENÇÃO, PROSTITUIÇÃO, INFANCIA, UTILIZAÇÃO, CRIANÇA, TRAFICO, DROGA, APRESENTAÇÃO, ALTERNATIVA, BUSCA, DIGNIDADE, QUALIDADE DE VIDA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Sem revisão do orador.) - Prezado Presidente, Senador Jefferson Praia, são 22 horas e 16 minutos e agradeço a V. Exª a paciência de ainda ouvir um último pronunciamento.

            Eu considerei muito significativa a reportagem hoje, no Jornal O Estado de S. Paulo, no Caderno Metrópole, que fala da exploração infantil: 65% das meninas que se prostituem usam dinheiro em bens de consumo. “Celular é o produto mais cobiçado; boa parte também admite que emprega dinheiro na compra de drogas”.

            A reportagem é de Fernanda Aranda e diz:

“Pesquisa pioneira no País sobre o perfil de crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual mostra que 65% usam o dinheiro recebido em troca de sexo para comprar objetos como celular, tênis ou blusa da moda. Três em cada dez assumiram vender o corpo para sustentar o vício das drogas. O valor médio recebido pelas relações é de R$ 37, mas há relatos de programas que custaram R$ 10.

Os resultados foram apresentados ontem pelo Instituto WCF-Brasil (Childhood), entidade internacional que atua no combate à exploração infantil. Foram acompanhados por psicólogos especializados em violência 66 meninas e 3 meninos de 10 a 17 anos, atendidos por instituições especializadas.

O trabalho mostrou, diferentemente do que se imagina, que elas não são meninas em situação de miséria absoluta, a ponto de trocar sexo por comida", diz o coordenador do estudo e psicólogo da Universidade Federal de Sergipe Elder Cerqueira-Santos. "O que mais apareceu como motivação foram bens de consumo."

Essa situação foi encontrada nos oito Estados pesquisados (Pará, Sergipe, Rio Grande Norte, Piauí, Bahia, São Paulo, Mato Grosso e Rio Grande do Sul).

Vivemos hoje uma situação de marketing infantil violento”, avalia a coordenadora da Associação Nacional de Centros de Defesa da Criança e do Adolescente, Fernanda Lavarello. “Todos são atingidos por esse fenômeno; quem tem ou não condições financeiras de comprar. O que muda é a estratégia para consumir.”

A frase “sem um celular você não é ninguém”, dita por uma das garotas, resume um dos principais problemas provocados pela troca de sexo por bem de consumo. Os especialistas avaliam que nem a sociedade nem as meninas notam que ocupam papel de vítimas na exploração. “Fizemos uma pesquisa com caminhoneiros brasileiros e os que admitiram (37%) já terem sido clientes de menores de idade mantiveram esse discurso”, ressalta Anna Flora Werneck, coordenadora de projetos da Childhood. “Não acham essa meninas coitadinhas - e sim responsáveis por aquela situação”, completou o psicólogo Cerqueira-Santos.

Outro dado que compõe o quadro da exploração, e também contribui para que as garotas sejam responsabilizadas, é o uso de substâncias químicas. Os índices de uso entre as garotas acompanhadas pelos pesquisadores foram mais altos do que os padrões de consumo da população da mesma faixa etária. Entre as exploradas, 88% relataram usar álcool e 36% maconha - em meninas de mesma idade, o percentual é de 4%, segundo a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Vulneráveis pela dependência química e culpadas por vender o corpo, as meninas fomentam o ciclo de abuso infantil que está espalhado por 1.819 pontos de risco, já mapeados pela Polícia Rodoviária Federal, apenas nas estradas brasileiras.”

            Sr. Presidente, considero que esta reportagem é muito significativa e merece nossa reflexão. Prossegue a reportagem de Fernanda Aranda:

        “Mais da metade das garotas envolvidas no mercado de exploração sexual infantil (52%) afirmou que trocar sexo por dinheiro foi uma possibilidade ‘apresentada’ pelas amigas. O ‘aliciamento’ feito pelo grupo foi mais presente, até mesmo, do que a figura do cafetão - citado em 38% dos casos estudados pelo Instituto WCF do Brasil. Foram 69 crianças e adolescentes que participaram do estudo, todos atendidos por instituições especializadas no acolhimento de vítimas infantis.

Para ganhar a confiança das meninas (66) e meninos (3) que ajudaram a compor o perfil das vítimas da exploração sexual, os pesquisadores acompanharam de perto os participantes. Antes de cada turno de entrevistas, era promovido um convívio de ao menos três semanas. ‘Foi um levantamento qualitativo e pioneiro também, já que a produção científica brasileira muitas vezes é de estudo de um caso. Nós reunimos 69’, afirma o coordenador da pesquisa, Elder Cerqueira-Santos.

        A influência das amigas para a entrada no ciclo de exploração sexual se dá mesmo com a presença de parentes na rotina (88% delas têm família). ‘No entanto, isso não anula a importância da figura do cafetão’, pondera Cerqueira-Santos. ‘Temos de lembrar que estamos falando de um universo de meninas que é atendido por uma instituição. A presença do aliciador pode ser muito maior na rotina de crianças que nem mesmo conseguem chegar às unidades (acolhedoras)’, afirma (...), Anna Flora Werneck.

Mas é a própria informação de que são adolescentes atendidos por instituições que reforça a influência do grupo no contexto de exploração sexual infantil.

        Antes de chegarem às instituições, 60% deles diziam que ainda trocavam sexo por dinheiro. O índice, porém, sobe para 65% quando passam a frequentar as unidades de acolhimento e conhecem jovens que conseguem custear, por meio de atividade sexual, seus celulares. ‘Isso nos faz questionar o trabalho prestado por essas instituições. Reforça que a atuação preventiva seria muito mais influente, já que é tão difícil fazer com que elas saiam desse meio’, opina a diretora (...) Ana Maria Drummond.

        Outro estudo divulgado ontem, pela Faculdade de Medicina da USP, também ressalta a importância de um olhar diferenciado das instituições que recebem crianças vítimas da exploração sexual. ‘A nossa ideia era apurar se existia correlação entre meninos desaparecidos e exploração sexual. Atestamos que a relação existe’, afirmou Gilka Gattás, coordenadora do Programa Caminho de Volta da Faculdade. ‘Fizemos um cruzamento entre os boletins de ocorrência registrados sobre desaparecidos na região da Baixada Santista com os acolhidos em uma unidade de referência de crianças exploradas. Em 8% dos casos, os nomes apareciam nos dois bancos, informação desconhecida tanto pela instituição quanto pela polícia’.

         Para os especialistas, o olhar superficial que as crianças recebem é o que perpetua o ciclo da exploração sexual e colabora para que casos de desaparecimentos fiquem sem solução (40%). E não é um problema exclusivo do Brasil. ‘Encontramos a mesma relação (desaparecidos e explorados) nas pesquisas feitas nos EUA, Canadá e México’, afirmou Richard Estes, do Departamento de Desenvolvimento Social da Universidade de Pensilvânia.”

            Ora, Sr. Presidente, Senador Jefferson Praia, será possível caminharmos na direção da diminuição significativa da exploração da prostituição infantil, algo muito grave, que preocupa as pessoas nos mais diversos Estados, inclusive naqueles onde há o turismo, seja em todo o litoral do Nordeste, no Centro-Sul, no Sul brasileiro, seja na própria região amazônica ou em São Paulo, em todo o território brasileiro?

            Eu tenho a convicção de que, quanto mais estivermos provendo as boas oportunidades de educação para todos os meninos e meninas, para todos os jovens, para todos os adolescentes, mas que isso esteja relacionado a condições de sobrevivência com dignidade, isso proporcionará às pessoas possibilidades de não ingressarem, necessariamente, na vida da prostituição.

            Por essa razão é que eu avalio seja tão importante que nós venhamos a tornar uma realidade em breve, no Brasil, aquilo que o Congresso Nacional já aprovou, felizmente, em 2004, e o próprio Presidente Lula sancionou em 8 de janeiro de 2004: a Lei nº 10.835, que institui uma renda básica de cidadania, o direito de toda e qualquer pessoa, não importa a sua origem, raça, sexo, idade, condição civil ou mesmo socioeconômica, receber uma renda que, na medida do possível, significará a possibilidade de a própria pessoa e todos na sua família partilharem da riqueza da Nação e terem o suficiente para a sua sobrevivência.

            No dia em que existir, de fato, uma renda básica de cidadania de nível considerado modesto que seja, mas razoável, qualquer menina ou moça, diante de uma única alternativa que tenha para a sua sobrevivência - a de vender o seu corpo -, poderá dizer: “Não”. E, melhor, poderá dizer: “Graças, agora, à renda básica de cidadania, eu e todos na minha família temos a possibilidade de encontrar uma outra atividade econômica que não seja esta que poderá significar a minha humilhação, risco maior para a minha saúde”.

            Assim como também aqueles jovens que, às vezes, por falta de alternativa, não têm outra saída senão a de se tornarem “aviõezinhos” das quadrilhas de narcotraficantes, ou, então, aqueles trabalhadores rurais que, às vezes, ali no interior da Amazônia, não veem alternativa senão a de se colocarem na condição de trabalho escravo, em meio até à Floresta Amazônica, enfim, essas pessoas, diante da percepção de algo que possa significar a humilhação, o risco à sua saúde, o risco à sua vida, poderão dizer: “Graças à renda básica de cidadania, posso aguardar um tempo, posso até fazer um curso de formação profissional, mas, em breve, poderei escolher um trabalho, uma profissão mais condizente com a minha vocação, com a minha propensão”.

            É nesse sentido que a renda básica de cidadania representa um salto de qualidade para que, numa nação como a brasileira - e espero isso possa ocorrer em breve -, haja muito maior dignidade e liberdade real para todos da população.

            Muito obrigado, Senador Jefferson Praia.


Modelo1 3/28/244:32



Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/10/2009 - Página 50549