Discurso durante a 178ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoraçãodo fim da Guerra do Contestado.

Autor
Ideli Salvatti (PT - Partido dos Trabalhadores/SC)
Nome completo: Ideli Salvatti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. POLITICA FUNDIARIA.:
  • Comemoraçãodo fim da Guerra do Contestado.
Publicação
Publicação no DSF de 09/10/2009 - Página 50580
Assunto
Outros > HOMENAGEM. POLITICA FUNDIARIA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, PRESENÇA, AUTORIDADE, SESSÃO, HOMENAGEM, ANIVERSARIO, EXTINÇÃO, GUERRA CIVIL, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), DISPUTA, TERRAS, SUPERIORIDADE, NUMERO, MORTE, IMPORTANCIA, ANALISE, PROBLEMA, ORGANIZAÇÃO FUNDIARIA, BRASIL.
  • COMENTARIO, HISTORIA, BRASIL, GOVERNO, AFONSO PENA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, CONCESSÃO, SUPERIORIDADE, VANTAGENS, EMPRESA, PAIS ESTRANGEIRO, ESTADOS UNIDOS DA AMERICA (EUA), CONSTRUÇÃO, FERROVIA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RS), DIREITOS, TERRAS, PREJUIZO, INTERESSE NACIONAL, USURPAÇÃO, AGRICULTOR, TRABALHADOR, AMPLIAÇÃO, CONFLITO, PROBLEMA, RELIGIÃO, DISPUTA, DIVISÃO TERRITORIAL, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), ESTADO DO PARANA (PR).
  • NECESSIDADE, ATENÇÃO, HISTORIA, BRASIL, PREVENÇÃO, REPETIÇÃO, ERRO, EXPLORAÇÃO, RIQUEZAS, RECURSOS NATURAIS, CONSTRUÇÃO, OBRA PUBLICA.
  • REGISTRO, HISTORIA, EXPERIENCIA, COMUNISMO, LUTA, RESISTENCIA, COMUNIDADE, AÇÃO COLETIVA, TRABALHO, AGRICULTURA, CULTURA, SOLIDARIEDADE, DESENVOLVIMENTO, IDENTIDADE, POPULAÇÃO, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), AUSENCIA, SUBORDINAÇÃO, EFEITO, DEMOCRACIA, MODELO, DISTRIBUIÇÃO, TERRAS, COMPARAÇÃO, ESTADOS, BRASIL, MAIORIA, PEQUENA PROPRIEDADE, COMENTARIO, DADOS, CENSO AGRICOLA, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), SUPERIORIDADE, ECONOMIA FAMILIAR, AMBITO ESTADUAL, ELOGIO, PRODUTIVIDADE, OFERTA, EMPREGO.
  • LEITURA, TRECHO, HINO, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), SAUDAÇÃO, CIDADÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª IDELI SALVATTI (Bloco/PT - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Agradeço, Sr. Presidente.

            Quero, inicialmente, cumprimentar o Senador Raimundo Colombo, que é o autor do requerimento desta sessão tão importante que está destinada a comemorar o fim da Guerra do Contestado. Quero saudar também o Senador Geraldo Althoff, Secretário de Articulação Nacional do Governo do Estado de Santa Catarina, que aqui está representando, tenho certeza, o Governador Luiz Henrique da Silveira; cumprimentar o meu ex-colega de Assembléia Legislativa, Deputado Estadual Gilmar Knaesel, que é Secretário - ele só cuida de coisa “ruim” - de Turismo, Cultura e Esporte, só coisa agradável; e o Senador Neuto de Conto, que, junto com o Senador Colombo e comigo, tem a honra de representar Santa Catarina no plenário deste Senado.

            Quero também cumprimentar a minha querida Anita Pires, Presidente da Fundação Catarinense de Cultura, ela que leva o nome desta que é a heroína de dois mundos, a nossa querida Anita Garibaldi.

            Quero saudar também as alunas que foram vencedoras do concurso “Eu Amo Santa Catarina”, que estão aqui acompanhadas das suas professoras: a Cristhine, a Rúbia, a Júlia, a Luana; e as suas professoras Nilva, Ericléa e Maribel. Então, sejam todas muito bem-vindas.

            Nas palavras do Presidente José Sarney, lidas pelo Senador Mão Santa, que preside esta sessão, foram colocados inúmeros aspectos que estiveram no contexto da Guerra do Contestado. Preparei um aspecto que eu gostaria, entre tantos outros, de realçar, porque a Guerra do Contestado foi uma das principais e talvez a primeira grande conflagração envolvendo milhares de pessoas, o aparato de Estado, interesses econômicos, nacionais e internacionais, em torno da disputa pela terra.

            A Guerra do Contestado teve várias outras nuances, mas o que sustentou e o que fez com que ela fosse tão cruel, com tantas mortes, um período de conflagração tão longo e sangrento, indiscutivelmente, foi a questão da terra. A terra era o pano de fundo. E em um país com tanta terra como o nosso, ficamos sempre nos perguntando: por que a disputa pela terra gera tanto conflito, até os dias de hoje?

            A questão da disputa da terra se deve, no caso da Guerra do Contestado, a um procedimento adotado - e está aí a principal razão - pelo Estado brasileiro, quando, à época do Presidente Afonso Pena, no início da nossa República, fez uma concessão para uma empresa norte-americana chamada Brazil Railway Company, que aqui no Brasil tinha o nome de Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande. Nessa concessão, o Governo brasileiro garantiu, por contrato, à Brazil Railway Company, uma subvenção de 30 contos de réis por quilômetro construído. Ou seja, quanto mais esticada ficasse a estrada, mais a empresa receberia.

            Também garantiu juros de 6% ao ano sobre todo o capital que fosse investido pela concessionária na obra. E, obviamente, como a empresa recebia contratualmente por quilômetro, ela cuidou de alongar a linha, com muitas curvas e nuances, que economizavam o dinheiro de aterros, pontes, viadutos e túneis, e ganhava em maior rendimento da obra.

            Além dessa concessão nesses termos financeiros, a empresa também obteve o controverso direito de explorar 15 quilômetros de cada lado da ferrovia, o que dava, ao longo de todo o trecho, 30 quilômetros para ela explorar, retirar a madeira, vendê-la, comercializar a terra. E isso tudo teve o aval do Governo brasileiro.

            A estrada era importante? Era. Era fundamental? Era. Mas a concessão, da forma como foi feita, acabou trazendo muito da base do problema que depois se colocou. E essa concessão talvez tenha sido uma das primeiras modalidades de concessão que coloca em dúvida o interesse da Nação frente à execução de uma obra ou da exploração de uma riqueza que seja importante para o Brasil, pois os interesses do Brasil e do povo brasileiro precisam estar em primeiro lugar.

            Por isso que analisar a Guerra do Contestado sob essa ótica da concessão ferroviária é muito importante num momento como este, quando nós estamos debatendo a descoberta de uma grande riqueza como é a do pré-sal. Que nós não cometamos mais os erros que cometemos em épocas históricas anteriores.

            Além disso, para a construção da ferrovia, foram contratados quase oito mil homens na população urbana do Rio de Janeiro, Santos, Salvador e Recife, que tiveram promessas de salários compensadores, mas também havia o compromisso de, terminada a obra, repatriá-los, ou seja, de que todos esses oito mil trabalhadores fossem devolvidos aos seus Estados de origem. Mas a empresa não o fez. Portanto, nós tivemos a execução de uma obra com um conflito já de 30 quilômetros ao longo de toda a ferrovia, com disputa de terra, perda de madeira, de ver quem seria o proprietário a partir da execução da obra. E, ainda, oito mil homens ficaram ali, naquela região toda, aquecendo ainda mais o conflito.

         Foi essa massa de trabalhadores, esses oito mil trabalhadores que executaram a obra, que se juntou aos interesses também contrariados, retirados e usurpados de milhares de agricultores, de pessoas que trabalhavam na terra em toda essa região e que perderam as suas terras para o Grupo Farquhar, que era o dono da Brazil Railway Company. E aí, a questão religiosa, a presença muito forte do monge José Maria, juntamente com disputas territoriais entre Paraná e Santa Catarina e tantas outras questões que se agregaram, acabaram transformando a Guerra do Contestado nesse conflito, que inclusive, durante muito tempo, sumiu da História de Santa Catarina e do Brasil.

            Por isso nós temos a tarefa de resgatar esta história, de trazer tudo que foi esse conflito para não repetirmos os erros e não termos mais situações tão graves como era aquela.

            Na resistência, foram criadas as “comunas”, os chamados faxinais. Tanto que lá em Santa Catarina nós temos Faxinal dos Guedes, e isso é uma marca. Porque os agricultores, os revoltosos se organizavam em verdadeiras “comunas”, onde boa parte da terra era comum, era trabalhada em comum, e essa era uma das formas, inclusive, de resistir à presença e à luta que se colocava.

            O espírito lutador e solidário do povo do Contestado é um espírito que sempre norteou as reivindicações de todo o povo catarinense. O povo de Santa Catarina tem esta marca de não se submeter, de não ser acanhar, de enfrentar e de buscar superar seja o que for, seja vindo da natureza, seja vindo de um grande empreendimento empresarial que não respeita quem já está lá, que não respeita direitos. O povo de Santa Catarina tem essa marca.

            É muito interessante que essa luta pela terra, que foi a base de sustentação do conflito da Guerra do Contestado, acabou produzindo em Santa Catarina talvez um dos modelos mais democráticos e distributivos de terra do País. Santa Catarina, não tenho a menor dúvida, é o Estado onde a distribuição da terra, a pequena propriedade é a sustentação. Isso tem tudo a ver com esse espírito guerreiro e lutador da população catarinense, que se forjou na Guerra do Contestado, que se notabilizou na Guerra do Contestado.

            Quando pegamos os dados - como tive oportunidade, aqui, ontem, de registrar - do censo agropecuário, coloca-se a força da agricultura familiar: detentora de mais de 85% das propriedades, só ocupa ¼ das terras no Brasil como um todo e consegue produzir quase 40% da riqueza que vem do campo e empregar 75% da população. É esse conjunto de homens e mulheres que não têm medo nem de sol, nem de chuva, nem de granizo - e lá, em Santa Catarina, nem de tornado, nem de furacão, nem de enchente, nem de estiagem -, que enfrentam tudo isso, que dá a força do modelo catarinense.

            Por isso, eu queria aqui saudar todos os que aqui estão, todos os que estão nos assistindo e, mais uma vez, o Senador Raimundo Colombo, que é o protagonista, o responsável por estarmos fazendo esta reflexão.

            Quero terminar com um trecho do nosso hino, do Hino de Santa Catarina. Pena que o nosso coral, tão maravilhoso, Senador Mão Santa, não o tenha entoado, porque o Hino de Santa Catarina é muito lindo. Eu quero terminar exatamente com as duas últimas estrofes:

Não mais diferenças de sangues e raças

Não mais regalias sem termos fatais,

A força está toda do povo nas massas,

Irmãos somos todos e todos iguais.

Da liberdade adorada.

No deslumbrante clarão

Banha o povo a fronte ousada

E avigora o coração.

O povo que é grande mas não vingativo

Que nunca a justiça e o Direito calou,

Com flores e festas deu vida ao cativo,

Com festas e flores o trono esmagou.

Quebrou-se a algema do escravo

E nesta grande Nação

É cada homem um bravo

Cada bravo um cidadão.

            Parabéns a todos os cidadãos catarinenses que têm na Guerra do Contestado um exemplo de vida e de luta.

            Muito obrigada. (Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/10/2009 - Página 50580