Discurso durante a 178ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do fim da Guerra do Contestado.

Autor
Raimundo Colombo (DEM - Democratas/SC)
Nome completo: João Raimundo Colombo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Comemoração do fim da Guerra do Contestado.
Publicação
Publicação no DSF de 09/10/2009 - Página 50582
Assunto
Outros > HOMENAGEM. DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, AUTORIDADE, PRESENÇA, SESSÃO, HOMENAGEM, ANIVERSARIO, EXTINÇÃO, GUERRA CIVIL, HISTORIA, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), IMPORTANCIA, VALORIZAÇÃO, MEMORIA NACIONAL.
  • COMENTARIO, CARACTERISTICA, POVO, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), SUPLANTAÇÃO, PROBLEMA, CALAMIDADE PUBLICA, VALORIZAÇÃO, SOLIDARIEDADE, BRASILEIROS, CAPACIDADE, RECUPERAÇÃO, REGISTRO, HISTORIA, EMIGRANTE, PAIS ESTRANGEIRO, ALEMANHA, ITALIA, MUTIRÃO, SOLUÇÃO, PRECARIEDADE, CONDIÇÕES DE TRABALHO, DETALHAMENTO, DIFERENÇA, CRESCIMENTO ECONOMICO, MODELO, BRASIL, DEPOIMENTO, FUNDAÇÃO, CRESCIMENTO, EMPRESA.
  • FRUSTRAÇÃO, DESCONHECIMENTO, BRASIL, DISCRIMINAÇÃO, ESTUDO, HISTORIA, MOVIMENTAÇÃO, POVO, ESPECIFICAÇÃO, ZONA RURAL.
  • ANALISE, GUERRA CIVIL, HISTORIA, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), FATOR, VIOLENCIA, RELIGIÃO, SOCIEDADE, POLITICA, ECONOMIA, CULTURA, DISPUTA, TERRITORIO, PAIS ESTRANGEIRO, ARGENTINA, FRONTEIRA, ESTADO DO PARANA (PR), EXPULSÃO, AGRICULTOR, MARGEM, FERROVIA, NEGLIGENCIA, ESTADO, INTERESSE SOCIAL, REPRESSÃO, TENTATIVA, PREVENÇÃO, REPETIÇÃO, CONFLITO, MUNICIPIO, CANUDOS (BA), ESTADO DA BAHIA (BA), ERRO, ALEGAÇÕES, GUERRA SUBVERSIVA.
  • COMENTARIO, CONCURSO, ESTUDANTE, ESCOLA PUBLICA, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), ESCOLHA, REDAÇÃO, ASSUNTO, GUERRA CIVIL, HISTORIA, REGISTRO, PRESENÇA, ALUNO, PROFESSOR, LEITURA, TRECHO, TRABALHO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. RAIMUNDO COLOMBO (DEM - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Mão Santa; Srª Senadora Ideli Salvatti; Sr. Senador, querido amigo, Neuto de Conto; Senador Flávio Arns, querido amigo, pois Paraná e Santa Catarina foram os protagonistas na busca da solução do conflito da terra; demais Senadores e Senadoras; meu querido amigo Senador Geraldo Althoff; meu amigo Gilmar Knaesel, Deputado e Secretário de Turismo, Cultura, Esporte e Lazer de Santa Catarina; a Presidente da Fundação Catarinense de Cultura, Profª Anita Pires; o nosso querido amigo Nilson Berlanda, Secretário de Desenvolvimento Regional de Curitibanos, uma das regiões onde o Contestado se deu de forma mais forte; Prof. Abelardo Ramos Gomes, neto do governador à época que administrou todo esse conflito, politicamente, por parte de Santa Catarina, o Governador Vidal Ramos; Valdir Rubens Walendowsky, Presidente da Santur, Santa Catarina Turismo; Sr. Aldair Goetten de Moraes, historiador e profundo conhecedor do Contestado - ele vai fazer aqui depois uma exposição rápida sobre tudo que representou, com seus conhecimentos técnicos; Marcelo Roveda, que resgata a rodovia e faz com que ela volte a funcionar sob o ponto de vista histórico, cultural, de turismo e também de lazer. Em nome de todos, eu queria cumprimentar também o André Eduardo Fernandes, que é uma pessoa muito querida e principal organizador deste evento.

            Em Santa Catarina, Senador Presidente Mão Santa, a gente olha para o futuro com muita confiança. Às vezes, vêm as enchentes, os tornados, os desafios, mas a gente tem muita confiança no futuro. Tem também muito orgulho do presente.

            Santa Catarina é um Estado desenvolvido, um Estado progressista, um Estado trabalhador, de um povo bom e amigo. Mas, sobretudo, Santa Catarina tem muito respeito, muito respeito mesmo pelo nosso passado, de heróis, de homens que dedicaram todo o seu ideal, a sua luta, o seu sangue em favor dos ideais de liberdade e de progresso.

            Santa Catarina tem passado momentos difíceis. Ano passado mesmo, houve aquelas enchentes que uniram o Brasil todo, para nos dar força para superar aquelas dificuldades. Mesmo agora, há alguns dias, novamente, outra enchente, tornados, dificuldades, enfim. Mas tudo isso a gente supera. Supera pela força do seu povo, pela solidariedade da Nação brasileira, que admira, que gosta e que respeita Santa Catarina e que destaca, de forma unida, a bravura do nosso povo. Bravura que não se impõe em limites geográficos, nem se limita aos fatos históricos, mas surge no dia a dia da luta nas fábricas, nas escolas, nas ruas, nas praças, defendendo o ideal de cada um.

            Eu lembro aquelas grandes enchentes, em 1983/1984. Naquela época, eu era Secretário de Estado, muito jovem, e chegava assustado com tudo o que via, com a dimensão da catástrofe das enchentes, com quantas mil pessoas sem abrigo, sem bens, sem nada. E ali a gente encontrava uma força, um vigor, uma capacidade daquele povo que nunca vi em nenhum outro lugar. E, tão rápido, tão de repente, tudo estava reerguido, todo mundo de cabeça erguida, construindo o futuro, com aquela força que a gente só encontra quando encontra os valores dentro da alma da gente.

            A nossa história, os nossos valores, a nossa vida comunitária pode ser focada por diversos aspectos, desde o nosso crescimento econômico, que se dá de uma forma muito bem equilibrada, muito bem distribuída, desde a chegada dos imigrantes alemães, que mostram realmente um modelo de conduta. Quando eles chegaram ao Brasil, Senador Mão Santa, há 150 anos, vieram com as terras prometidas, entendendo que ali já iam receber o seu lote para começarem a trabalhar. Mas a Coroa, o Império tinha sido vencido pela burocracia, e nada estava pronto. Em vez de se revoltarem, de contestarem, de irem para cima do Governo, eles se uniram e foram trabalhar, abrindo estradas a picaretas, num sistema de mutirão, para manter unido o povo e manter acesos os ideais de trabalho, de sustento à sua família, de modelo.

            Muitas vezes, tentamos regulamentar tudo por leis e leis, mas, na verdade, vamos encontrar a verdadeira energia nos valores. E Santa Catarina é pródiga em exemplos de valores, de relacionamento humano.

            Se formos olhar, vamos encontrar, por exemplo, outros momentos difíceis, como a Segunda Guerra Mundial, quando havia a maior colônia alemã no Estado e uma forte colônia italiana. Eu e o Neuto de Conto somos descendentes de italianos, e o Gilmar e o Geraldo são descendentes de alemães. Foram momentos difíceis. Vivi isso na minha casa. Meus avós eram italianos, e meu pai foi convocado para a guerra. Minha mãe estava grávida e ganhou nenê, o primeiro filho - era uma menina -, que acabou falecendo, quando ele estava se preparando para embarcar para a Itália. Graças a Deus, na semana em que ele ia embarcar, foi dada a previsão do encerramento da guerra para breve, de tal forma que ele acabou não embarcando. Mas olhem que momento difícil para o mundo inteiro, mas para Santa Catarina especialmente.

            Temos um modelo econômico que cresceu, mas cresceu de forma diferenciada. Quando vemos nos jornais, nos dados estatísticos, nas demonstrações de força, empresas como Perdigão, Sadia, Chapecó, Aurora, dizemos: “Poxa, como essas empresas cresceram!” Mas elas nasceram a não mais do que 50, 60 anos, no fundo de quintal de um ou dois operários, que começaram, através desse trabalho, a gerar riqueza. E não explorando, mas convivendo, de tal forma que os integrados eram parceiros desse desenvolvimento - foram o tempo inteiro -, num modelo cooperativista, como é a Cooperativa Aurora. O Neuto de Conto foi Secretário da Fazenda, Secretário da Agricultura, e conhece, mais do que ninguém, toda essa história em Santa Catarina,.

            Nós temos exemplo de uma das maiores empresas de motores eletrodomésticos, a Weg, que hoje é uma referência no mundo e que nasceu há 50 anos, numa reunião, numa mesa de bar, de três pessoas - um era especialista em mecânica, o outro em comércio, o outro em industrialização -, de tal forma que começaram vendendo um carro para arrecadar recursos e transformaram essa empresa em referência para o mundo. Hoje ela é a nona entre as cem maiores empresas competitivas no Brasil.

            Isso para não falar do setor de eletrodomésticos. Todo mundo já teve - ou tem - uma geladeira Consul. Essa história é muito bonita. Dois mecânicos, Rudolf Stutzer e Guilherme Holderegger começaram a produzir uma geladeira, e depois um comerciante de nome Wittich Freitag, que acabou sendo Deputado e Prefeito de Joinville, fez a primeira encomenda de uma geladeira. Eles não tinham recursos, Senador Mão Santa, e aí eles conseguiram, através do cônsul Carlos Renaux, uma primeira ajuda financeira para produzir a primeira geladeira. E hoje é uma das principais empresas do mundo no setor de eletrodomésticos. Isso tudo mostra a história do nosso povo, nossos valores, a grandeza da nossa gente.

            Há momentos épicos, como a nossa participação na Revolução Farroupilha. O senhor tão bem evocou aqui a nossa conterrânea Anita Garibaldi, homenageada no nome da nossa querida amiga e líder Anita Pires.

            Mas a Guerra do Contestado envolveu fatores que repercutem até hoje.

            Quando requeri esta Sessão Especial, com a ajuda do Senador Neuto de Conto, da Senadora Ideli, do Senador Flávio Arns e de todos os Senadores, fui movido pela importância que o tema possui para o Estado de Santa Catarina.

            Quando criança, na fazenda de meus avós, agora da minha mãe, na região de Curitibanos, nós saíamos a cavalo e meu avô ia me mostrando: “Aqui há um cemitério dos jagunços do Contestado; aqui houve uma batalha; aqui houve...”, isso sempre despertava em mim aquela vontade de conhecer mais, porque os locais, a história estavam presentes muito perto da gente.

            Com o passar dos anos, essa Guerra, apesar do seu tamanho e relevância, acabou sendo esquecida fora das fronteiras de Santa Catarina e do Paraná. A importância dessa Guerra, no entanto, é inconteste. Em seus momentos mais dramáticos, por volta de 1915, envolveu metade do Exército brasileiro.

            Ao lado desse esquecimento, há também o preconceito. Em tempos cada vez mais racionalistas, em que se busca uma explicação que consiga abarcar todas as variáveis possíveis, os movimentos sociais, especialmente os do meio rural, são vistos com doses de indiferença ou incompreensão.

            Nessa vertente de pensamento, esses temas de natureza regional seriam menores em relação aos grandes assuntos de interesse nacional, estes, sim, os únicos que mereceriam ser tratados pelos pesquisadores.

            Grandes movimentos sociais no interior do País recebem destaque. Não porque tiveram importância ou significado, mas porque, tal qual no caso de Canudos, foram tratados por um escritor do porte de Euclides da Cunha. Canudos recebeu até um filme em 1997 que foi e é um grande sucesso.

            A ignorância e o processo, juntos, levam os movimentos sociais a serem tratados de maneira superficial. Um exemplo é o caso do escritor Eduardo Galeano, conhecido pelo espírito contestador. Apesar de sua fama, em seu conhecido livro As Veias Abertas da América Latina, escrito nos anos 60, descreve o Contestado como “(...) uma das mais intensas páginas de fúria popular de toda a história do Brasil”. Apesar da ênfase das suas palavras em seu livro, ele não toca mais no assunto.

            Hoje, portanto, o nosso objetivo é trazer de volta o tema do Contestado à tona, porque é evento fundamental para a formação do povo e do caráter de Santa Catarina. Não desejo entrar nos registros que o Professor Aldair vai colocar aqui - e ele é um conhecedor tão profundo -, mas desejo apenas considerar o respeitado historiador Boris Fausto, que responde a essa questão em seu livro História do Brasil, afirmando que o movimento do Contestado combinou conteúdo religioso com reivindicação social e que surgiu à margem do sistema dominante.

            A definição, na minha opinião, é bastante apropriada. No entanto, ela precisa de alguns esclarecimentos.

            O Contestado foi, em primeiro lugar, o movimento social mais violento da história do Brasil República. Apesar dessa dimensão, é difícil de ser compreendido porque fatores religiosos, sociais, políticos, econômicos e culturais foram envolvidos em um grande caldeirão em que as partes nem sempre - ou até quase nunca - eram claramente discerníveis.

            Se temos a definição de Boris Fausto, precisamos, à maneira do que Euclides da Cunha fez em relação a Canudos, desenhar um quadro do que seriam a terra e o homem envolvidos no conflito para depois compreender a luta.

            O território que foi chamado de Contestado recebeu esse nome em razão das disputas territoriais que sofreu.

            O Brasil, ainda no tempo de colônia, avançou sua linha de fronteira em detrimento do território espanhol traçado pelo Tratado de Tordesilhas. A questão atravessou a nossa Independência, a nossa Proclamação da República e, só em 1895, a fronteira do Brasil com a Argentina foi definitivamente arbitrada. A terra em disputa abrangia justamente a metade do oeste catarinense.

            Além dessa disputa internacional, havia outra, interna, que envolvia os Estados brasileiros. O Paraná, ao ser desmembrado de São Paulo, em 1853, recebeu como herança as disputas territoriais entre paulistas e catarinenses, ocorridas desde o princípio do século XVIII.

            Na República, a questão foi levada, enfim, ao Supremo Tribunal Federal, que, em três ocasiões no começo do século XX, decidiu em favor de Santa Catarina. Um tratado definitivo, no entanto, só foi assinado entre os dois Estados em 1916, em consequência dos eventos ocorridos durante o conflito.

            Ao lado dessa rixa entre os dois Estados, havia questões econômicas e sociais. As econômicas estavam relacionadas à construção da estrada de ferro São Paulo/Rio Grande, pelo consórcio americano Brasil Railway Co., que tinha o direito de ocupação de 15 quilômetros de cada lado da ferrovia - a Senadora Ideli focou bem essa questão; imaginem 15 quilômetros de cada lado -, independentemente de títulos de propriedade ou posse pacífica existente anteriormente.

            A desocupação de terras levou a expulsão de muitos lavradores que há décadas viviam em suas propriedades e perderam os seus bens e meios de subsistência.

            Esse é o tipo de decreto que se faz na cúpula e que se impõe às pessoas - como se diz na gíria - goela a baixo, sem respeitar todo o trabalho, a vida, a família, os valores, todas as conquistas já realizadas, e foi uma das bases principais da reação popular que originaram a Guerra do Contestado. Uma coisa é realmente você fazer um decreto sobre alguma coisa material; outra é quando você desaloja, quando você tira as pessoas ali estabelecidas, você desmonta seus valores, você não dá um horizonte para onde elas vão.

            As razões sociais, por sua vez, diziam respeito às dificuldades inerentes a uma sociedade que no início do século XX ainda era essencialmente uma sociedade de fronteira. As disputas por terra eram frequentes, o poder era ocupado por coronéis locais, a chegada de levas de imigrantes estrangeiros e a ausência do Estado levavam a uma ordem bastante precária, em que os conflitos eram resolvidos de maneira violenta.

            O Estado existe para proteger e para promover as pessoas. Quando o Estado falta, quando o Estado não cumpre com seu dever, quando o Estado se omite, quando o Estado incentiva a desordem, o resultado é este: as pessoas reagem. Nós não queremos ver esse filme outra vez. Por isso, quando vemos alguns movimentos por aí que, escondidos em torno de uma certa justiça social, acabam cometendo as maiores atrocidades, vem-me à mente exatamente o que aconteceu no Contestado.

            As razões religiosas, por fim, envolviam a presença de curandeiros, andarilhos e monges que vagavam desde o Rio Grande do Sul até as partes meridionais de Mato Grosso e São Paulo. Eram homens simples, humildes, mas que, graças a alguns conhecimentos, eram tidos e havidos pela população local como curandeiros de grande capacidade.

            Houve dezenas de monges que andaram pelas bandas do Brasil meridional. No caso do Contestado, houve três que, de alguma forma, participaram dos acontecimentos.

            O primeiro, um italiano chamado João Maria, esteve presente na região durante boa parte do século XIX. Visto como um homem sem apego material, dono de grandes capacidades como curandeiro, benzedor e conselheiro, foi elevado à condição de santo popular.

            Dizem até, o Professor pode esclarecer melhor, que ele era um sacerdote, um padre na Itália com grandes conhecimentos intelectuais, mas que não exerceu o seu papel. E ele travou uma grande batalha intelectual e de valores com Frei Rogério Neuhaus, que era também uma pessoa extraordinária e que deixou um nome muito forte na região do Contestado. Houve uma época em que o nome das pessoas - agora entre 55 anos e 70 anos, na sua grande maioria - ou começava com Rogério ou tinha Rogério no meio, exatamente em homenagem a esse Frei.

            Para grande confusão, todavia, houve um segundo monge, também chamado João Maria. Estrangeiro como o primeiro, teve grande fama e acabou por ser imensamente respeitado pela população da região. Esteve no oeste catarinense até aproximadamente 1908.

            A influência desses dois homens foi tal que, pouco tempo depois do desaparecimento do segundo João Maria, apareceu um monge de nome José Maria, o qual esteve diretamente ligado aos eventos do Contestado.

            Da mesma forma que os dois que o antecederam, José Maria era respeitado como curador, benzedeiro e conselheiro. A diferença dos outros é que ele agregava um outro aspecto: o de profeta.

            José Maria afirmava que o fim do mundo estava próximo; que a volta de D. Sebastião, rei de Portugal desaparecido em batalha em 1578, se daria em breve, e um tempo de abundância, fartura e riqueza seria trazido por ele. Nesse sentido, a monarquia - aqui entendida como algo divino - deveria ser o regime a ser seguido.

            Todos os elementos para o desastre estavam postos. A religiosidade popular, os desmandos de coronéis, empresas ambiciosas e uma briga entre dois Estados pela definição de fronteiras.

            Se esse era o pano de fundo, vamos - ainda seguindo o modelo de Euclides da Cunha - à luta.

            O estopim foi uma briga de coronéis em 1912. O grupo de José Maria estava sob o abrigo do coronel Henriquinho, da cidade de Curitibanos. Seu adversário político, o coronel Francisco de Albuquerque, solicitou ao Governo do Estado que enviasse tropas para combater um grupo que defendia a monarquia.

            O medo de um novo Canudos ainda estava presente nas mentes dos políticos de então. No entanto, antes de a luta começar, José Maria e seus fiéis se refugiaram no Paraná. O Governo paranaense imaginou que se tratava de uma invasão, o que não era verdade. José Maria, dessa vez, porém, enfrentou as tropas estaduais. O monge foi morto, bem como o chefe das tropas enviadas.

            Os fiéis se dispersaram, mas, um ano depois, em 1913, uma menina de onze anos teve visões do retorno de José Maria. Em torno dela, foi se juntando outro grupo de pessoas. Depois, outro rapaz também começou a ter esse mesmo tipo de visão e passou a ser reconhecido como o sucessor de José Maria.

            Uma cidade-santa foi levantada pelas pessoas que foram se juntando ao grupo. Atacado pelas tropas do governo, o grupo se mudou para outro lugar, de mais difícil acesso, e várias cidades-santas foram erguidas. Haveria, em meados de 1914, pelo menos 20 mil pessoas vivendo nessas comunidades.

            O medo do Governo federal de que se tratasse de monarquistas ou subversivos levou a nova onda de repressão, desta vez comandada pelo general Setembrino de Carvalho, cuja estratégia, de 1914 até 1916, foi a da terra arrasada. Incapaz de vencer os fiéis em campo aberto partiu para uma estratégia aberta de queimada de plantações e das vilas criadas pelos fiéis.

            O último reduto rebelde caiu no início de 1915, quando foram mortos 600 rebeldes e queimadas 5 mil casas. Durante mais um ano, as tropas federais permaneceram na região para concluir as operações de eliminar as últimas manifestações de rebeldia, o que ocorreu com a prisão de Adeodato, último líder do movimento. Ele foi levado a pé até a cidade de Florianópolis para ficar na penitenciária. Foi mais de um mês de viagem.

            O número de baixas é difícil de ser estimado. Há quem fale em 20 mil pessoas no conflito que, como observei no início deste pronunciamento, solucionou a disputa fronteiriça entre Paraná e Santa Catarina, mediante acordo firmado em 20 de outubro de 1916.

            O Conflito do Contestado foi a maior revolta civil da República. Suas causas - como procurei mostrar ao longo deste discurso - são complexas e as interpretações sobre o que realmente se passou entre os anos de 1912 e 1916 ainda são variadas e divergem em relação à importância dos fatores que ocasionaram o conflito.

            É importante ressaltar que a incompreensão e a intolerância foram determinantes durante o desenvolvimento do conflito. O Governo - seja estadual ou federal - foi incapaz de compreender o valor da religiosidade do povo e enxergava tudo como apenas uma manifestação extemporânea da monarquia.

            Também é de se observar que a presença do Estado é necessária como agente de regulação social. Onde o Estado se ausenta dessa tarefa, como aconteceu na região fronteiriça, as chances de conflito crescem de maneira exponencial.

            Além disso, há um tema pouco percebido no evento que trata do Pacto Federativo, cuja função precípua é a de estabelecer a harmonia e evitar atritos entre unidades da Federação.

            Por fim, para o povo de Santa Catarina e do Paraná, a palavra Contestado guarda forte simbolismo. De um lado, marca o fim da questão fronteiriça entre os dois Estados. De outro, representou dura, longa e sangrenta rebelião civil marcada por aspectos religiosos e sociais que forjou a identidade e o espírito do povo catarinense.

            Por último, senhoras e senhores, nós fizemos um concurso com mais de 200 escolas públicas de Santa Catarina e selecionamos aqueles que tinham a melhor redação e que traziam o aspecto mais claro sobre a história de Santa Catarina, seu valores e a Guerra do Contestado.

            A Júlia, de Major Vieira, é uma das vencedoras e está aqui presente. Ela escreveu:

Povo determinado, mostrou que sabe recuperar-se. (...) e há pouco tempo, quando catástrofes climáticas assolaram o Estado, mesmo com a tristeza que abalou várias famílias, o povo otimista e trabalhador do nosso Estado não mediu esforços para recomeçar e mostrar a força da solidariedade.

            Como também a Rúbia, de Blumenau; a Luana, de Sombrio; e a Cristhine, de Petrolândia - predomínio das mulheres: 4 X 0.

            A Rúbia escreveu: “Adoradores de uma terra que possui no povo trabalhador a essência do seu sucesso”.

            A Luana: “Os catarinenses são um povo determinado e fiel a sua terra, que jamais abandonam seu belo estado”.

            E a Cristhine, de Petrolândia:

Esta terra nos faz admirar, além das suas paisagens e dos seus versos, faz exercermos o patriotismo, pois ser brasileiro é um presente; mas ser também catarinense é uma das maiores dádivas...[pela sua história, pelo valor da sua gente].

            Homenageando o Contestado com a presença de tão ilustres autoridades, dos Srs. Senadores e de autoridades do nosso Estado, cumprimento o Governando Luiz Henrique que aqui está tão bem representado, e agradeço a participação de todos.

            Um cumprimento especial ao Senador Neuto de Conto, que é o motivador especial, um homem que admiro muito e que foi um incentivador forte deste evento. E também o Senador Flávio Arns que foi outro paranaense que ajudou neste evento. Quero também cumprimentar a Senadora Ideli e a todos que aqui estão.

            Obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/10/2009 - Página 50582