Discurso durante a 178ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do fim da Guerra do Contestado.

Autor
Flávio Arns (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Flávio José Arns
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. REFORMA AGRARIA.:
  • Comemoração do fim da Guerra do Contestado.
Publicação
Publicação no DSF de 09/10/2009 - Página 50588
Assunto
Outros > HOMENAGEM. REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • SAUDAÇÃO, AUTORIDADE, PRESENÇA, SESSÃO, HOMENAGEM, ANIVERSARIO, CONCLUSÃO, GUERRA CIVIL, HISTORIA, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC).
  • ELOGIO, DESENVOLVIMENTO REGIONAL, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), DESENVOLVIMENTO, CIDADANIA, REITERAÇÃO, SOLIDARIEDADE, VITIMA, CALAMIDADE PUBLICA.
  • DETALHAMENTO, GUERRA CIVIL, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), DISPUTA, FRONTEIRA, ESTADO DO PARANA (PR), ANALISE, HISTORIA, AMPLIAÇÃO, CONFLITO, FRUSTRAÇÃO, POPULAÇÃO, VITIMA, INJUSTIÇA, POLITICA FUNDIARIA, INFLUENCIA, LIDER, RELIGIÃO, VIOLENCIA, REPRESSÃO, GOVERNO, NEGLIGENCIA, ATENDIMENTO, DEMANDA, POVO.
  • ANALISE, CORRELAÇÃO, FATO, HISTORIA, LUTA, SEM-TERRA, ATUALIDADE, DIFERENÇA, SITUAÇÃO, REPUDIO, ATUAÇÃO, FALTA, LEGITIMIDADE, DESTRUIÇÃO, PLANTIO, PROPRIEDADE PRODUTIVA, IMPUNIDADE, CRIME, CONCLAMAÇÃO, RESPONSABILIDADE, ORGANIZAÇÃO, MOVIMENTO TRABALHISTA, GOVERNO, BUSCA, ENTENDIMENTO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. FLÁVIO ARNS (S/Partido - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Quero cumprimentar V. Exª, Senador Mão Santa, cumprimentar as autoridades componentes da Mesa, particularmente os Senadores de Santa Catarina, colegas, inclusive, da Comissão de Educação e Cultura e Esporte, Raimundo Colombo, Neuto de Conto, também Presidente de Comissão aqui no Senado Federal; Geraldo Althoff, com muito prazer; as pessoas todas, as autoridades que estão acompanhando esta Hora do Expediente, para lembrarmos a Guerra do Contestado.

            E antes de me referir ao texto propriamente dito para essa homenagem, quero também dizer da minha admiração e até do meu amor por Santa Catarina. Quando alguém me fala de Santa Catarina, eu digo, com toda convicção, que eu amo Santa Catarina. A família do meu pai é de Santa Catarina, de Forquilhinha, perto de Criciúma. O meu avô foi um dos pioneiros naquele Estado, organizando aquele distrito que era de Criciúma. E a minha mãe e sua família são de Brusque. Então, dos dois lados. E quando eu falo de Santa Catarina, eu digo que admiro o litoral, admiro o interior, admiro a serra, admiro todos os cantos do Estado de Santa Catarina.

            Tive ocasião de ser Presidente da Federação Nacional das APAEs, e tivemos um evento extraordinário em Blumenau, no Congresso Nacional das APAEs, anos atrás, e, depois, a Olimpíada Nacional das APAEs, que aconteceu também na cidade de Blumenau. Então, Santa Catarina é um grande Estado; está-se desenvolvendo extraordinariamente num conjunto de aspectos fundamentais, que revelam cidadania, esperança, desenvolvimento econômico, social, indústria do turismo, e com uma natureza privilegiada.

            Que possamos todos auxiliar Santa Catarina em função dos graves problemas ambientais pelos quais o Estado passou.

            Fiquei muito impressionado, ainda no início deste ano, seis meses depois dos episódios do ano passado, ao passar perto de Blumenau e comentar com a minha esposa, que realmente a região toda estava destruída. Parecia um cenário de guerra. Eu fiquei imaginando, com todas essas chuvas atuais, as dificuldades pelas quais aquelas pessoas estarão passando também. Então, a nossa solidariedade, não só como brasileiros, como paranaenses, mas todos nós que queremos que o Estado de Santa Catarina se desenvolva da melhor maneira possível, valorizando o seu povo, a sua economia, numa articulação boa com o meio ambiente.

            Quero dizer a todos que nenhuma guerra é boa. Nenhuma guerra poderia ser chamada “guerra santa”. Nunca me verão dizer que acho justificável que façamos parte de um evento como este, mas a trajetória de uma nação dificilmente escapa de registrar revoltas ligadas à demarcação de fronteiras, à defesa de direitos, ao livramento do abuso de poder. O Brasil não fugiu a essa possibilidade!

            Como há pouco os gaúchos relembravam a sua Revolução Farroupilha, como há pouco homenageávamos, aqui no Senado Federal, o centenário de morte de Euclides da Cunha, autor que eternizou o episódio de Canudos, hoje venho lembrar - como já foi feito, de maneira brilhante, pelos Senadores que me antecederam - a Guerra do Contestado, de que participou o Paraná, como foi dito, há 97 anos.

            De outubro de 1912 a 1916, uma área rica em erva-mate e madeira era palco de uma disputa entre os Estados do Paraná e de Santa Catarina - algo impensável nos dias de hoje, não é verdade? Nessa época, ainda não tinham bem definidos os seus territórios. Dessa região, contestada pelos dois Estados, cunhou-se, então, a denominação, como o Senador Neuto de Conto mencionou, “guerra do contestado”.

            Foi um dos mais importantes movimentos sociais do País. Uma guerra deflagrada pela grande insatisfação popular. E posso citar algumas das razões: o favorecimento dos governos estaduais e federal a uma empresa norte-americana, como mencionado, a Brazil Railway Company, para a construção de uma ferrovia que ligaria o Rio Grande do Sul a São Paulo, o que provocou desapropriação de terras a muitas famílias e camponeses; o desemprego - quando da conclusão da obra - em função dos operários que foram de outros lugares para a região, atraídos à região; a concessão a uma segunda empresa coligada à norte-americana para exploração e comercialização da madeira da região, com o direito de revender as terras desapropriadas para pessoas ligadas à empresa construtora. Como disse antes, são só algumas das razões.

            Elementos - temos de admitir - não faltavam para um clamor dessas populações, principalmente das muitas famílias que foram expulsas de suas terras.

            Em meio a isso, surge a figura de um líder religioso, o monge, o beato José Maria, que reúne essa coletividade em torno da crença de um mundo novo, segundo as leis de Deus, pleno de paz, prosperidade, justiça e terras para trabalhar. Ele não será o único líder, mas o nome que inicialmente aglutinará em torno de si milhares de camponeses sem terra.

            A exemplo do que aconteceu em Canudos, em torno da figura de Antônio Conselheiro, essa liderança, José Maria, despertará preocupação nos governos estaduais, no governo federal e entre os coronéis da região.

            O Governo sente a República ameaçada. Talvez fosse a volta da monarquia, como mencionado. E envia o Exército para desarticular o movimento.

            Vejam que - como eu dizia logo no início da fala - nenhuma guerra é santa, nenhuma guerra é justificável. Reafirmo-o agora. A Guerra do Contestado, como muitas outras, poderia ter sido evitada. Aconteceu porque a presença do poder público era pífia, era fraca na região; aconteceu porque houve falhas na regularização da posse de terras. Somou-se a fragilidade da população que, sem a autoridade legalmente constituída para orientá-la, organiza-se em torno do messianismo encarnado na figura do beato José Maria, e crê participar de uma guerra santa.

            Vejam que, na falta de quem lhe orientasse, a população se revoltou com quem acabava com seus símbolos: destituía da terra, impunha altos impostos sobre a erva-mate e devastava os pinhais de araucária, de onde tirava a madeira e alimento. Era justo que lutassem, mas - repito - isso só aconteceu porque faltou governo.

            O Governo desconsiderou uma população pobre, que habitava o interior dos Estados do Paraná e de Santa Catarina, e privilegiou os interesses financeiros de grandes empresas e proprietários rurais. E o povo se organizou para negociar. A História relata isso. Contudo, as forças oficiais e as oligarquias locais preferiram a repressão.

            Quem me ouve, de acordo inclusive com pesquisas, talvez esteja vendo na Guerra do Contestado uma imagem da nossa época. Refiro-me ao MST. De fato, não é difícil relacionar os movimentos. Advirto que, como em todas as questões sociais, também em se tratando de reforma agrária, sou pelo debate, pelo direito de manifestação das partes envolvidas e pela resolução do problema com diálogo e legalidade. Mas digo que a Guerra do Contestado não pode ser comparada a esse movimento da atualidade, nem sequer entendida como um esboço do que seria o MST, por mais que o MST tenha suas razões e seja meritória a sua luta.

            Os camponeses daquele tempo moravam e trabalhavam na terra, criavam ali desde sempre as suas famílias. Foram desapropriados, foram expulsos. Foram apenas massacrados; jamais ajudados.

            Com essas palavras, expresso e reitero o que tem sido para mim uma certeza: nenhuma guerra - e acrescento -, nenhuma manifestação de violência, nenhuma forma de destruição do homem ou do patrimônio que ele compartilha com uma comunidade tem razão de ser.

            Lembro hoje a Guerra do Contestado, mas convido todos à reflexão sobre o acontecimento lamentável a que assistimos no Brasil esta semana, contra o homem e contra o patrimônio: a destruição de uma plantação produtiva, ficando essa ação impune, ao menos neste primeiro momento, quando o que os nossos olhos viram foi um ato criminoso, uma demonstração de violência; bem diferente da Guerra do Contestado, com razões diferentes, motivação diferente. Portanto, apesar de as pesquisas aproximarem os episódios, existem diferenças significativas que nos levam à reflexão sobre esses fatos, com movimento que também tem razões legítimas para existir.

            Ninguém tenha dúvida de que apoiamos toda manifestação responsável. É responsável o que melhora o País, o que busca resoluções pacíficas, nunca o que dissemina a discórdia; se não for a “boa discórdia”, aquela discórdia que produz o debate acalorado entre as pessoas verdadeiramente preocupadas em encontrar o bem-estar para a maioria.

            Há solução para casos como o da reforma agrária. A solução está no debate, no nosso trabalho à frente das comissões e na presença do poder público com mão de justiça em todas as situações, principalmente quando a dignidade humana estiver em jogo. Lembremo-nos que, na época do Contestado, o povo quis negociar; o governo sufocou uma manifestação responsável.

            Que não nos faltem hoje, decorridos quase cem anos, organização e responsabilidade por parte dos movimentos sociais, nem boa vontade e coerência por parte do Governo.

            Quero novamente dizer da satisfação de ter as autoridades componentes da Mesa, as autoridades do Plenário, os alunos das escolas que participaram do concurso de redação, os professores. Espero que esse episódio, que nos leva a refletir em conjunto no dia de hoje, possa ser uma referência na construção de um Brasil sempre mais desenvolvido, como foi mostrado que o Estado é desenvolvido - e é mesmo - agradável e acolhedor, mas, principalmente, que esses episódios nos levem a considerar a razão maior de tudo isso, que é o bem-estar do ser humano, a nossa maior riqueza, a maior riqueza do Brasil, o ser humano, a pessoa, com todos os seus direitos assegurados na sua caminhada pela vida, e este ser humano transformará Santa Catarina e o Brasil em lugares ainda melhores e mais justos.

            Obrigado.(Palmas.)


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/10/2009 - Página 50588