Pronunciamento de Jefferson Praia em 08/10/2009
Discurso durante a 178ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Comentários sobre matéria publicada na revista IstoÉ, de autoria de Maíra Magro, referente às histórias do mestre Daniel Munduruku, escritor brasileiro de origem indígena.
- Autor
- Jefferson Praia (PDT - Partido Democrático Trabalhista/AM)
- Nome completo: Jefferson Praia Bezerra
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA CULTURAL.
POLITICA INDIGENISTA.:
- Comentários sobre matéria publicada na revista IstoÉ, de autoria de Maíra Magro, referente às histórias do mestre Daniel Munduruku, escritor brasileiro de origem indígena.
- Publicação
- Publicação no DSF de 09/10/2009 - Página 50663
- Assunto
- Outros > POLITICA CULTURAL. POLITICA INDIGENISTA.
- Indexação
-
- HOMENAGEM, INDIO, POETA, PROFESSOR UNIVERSITARIO, ESTADO DO PARA (PA), ELOGIO, PRESERVAÇÃO, DIVULGAÇÃO, CULTURA, TRADIÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA, LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, PERIODICO, ISTOE, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), APRESENTAÇÃO, DADOS, OBRA LITERARIA, ESCRITOR, VALORIZAÇÃO, REGIÃO AMAZONICA.
- JUSTIFICAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, OBJETIVO, AMPLIAÇÃO, CONTEUDO, REGIÃO AMAZONICA, CURRICULO, ENSINO FUNDAMENTAL, ENSINO MEDIO, IMPORTANCIA, CONHECIMENTO, REQUISITOS, PRESERVAÇÃO, ELOGIO, ESCOLA PUBLICA, ADOÇÃO, LIVRO, ESCRITOR, ESTADO DO PARA (PA).
SENADO FEDERAL SF -
SECRETARIA-GERAL DA MESA SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA |
O SR. JEFFERSON PRAIA (PDT - AM. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sr. Presidente. Procuro representar bem o Estado do Amazonas, mas, quando V. Exª me coloca como representante do Estado do Pará também, com todo respeito aos demais Senadores do Pará, fico muito satisfeito, porque procuramos aqui lutar pela Amazônia.
Mas, Sr. Presidente, hoje quero fazer uma rápida homenagem ao mestre Munduruku, chamado Daniel Munduruku, é um índio. Vou aproveitar uma matéria que saiu, esta semana, na revista IstoÉ, cuja autora é Maíra Magro e que fala das histórias do mestre Munduruku, o mais famoso escritor brasileiro de origem indígena.
Veja bem, Sr. Presidente, nem conheço Daniel Munduruku, mas, pelo que vi na matéria, hoje procurei mais informações e fiquei muito satisfeito pelo trabalho que ele vem fazendo e, por essa razão, estou fazendo aqui este pronunciamento.
“[...] Daniel Munduruku preserva a sua cultura em dezenas de livros, a maioria deles adotada no ensino fundamental.”
E aqui, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero também, antes de começar a tratar um pouco do conteúdo dessa matéria, ressaltar que tenho um projeto no Senado que trata da questão relacionada a termos maior conteúdo sobre a Amazônia no ensino fundamental e médio. Entendo que somente conhecendo um pouco mais a Amazônia, poderemos amá-la mais e defendê-la muito melhor.
Continuo, portanto, Sr. Presidente, com a matéria da revista IstoÉ.
“Encantada com as histórias indígenas contadas pelo professor de filosofia, uma aluna perguntou: "Onde eu encontro essas informações?" O mestre, desconcertado, não soube o que responder. Elas não estavam escritas em lugar nenhum. Foi assim, há mais de uma década, que Daniel Munduruku, índio criado na aldeia Maracanã, no interior do Pará, decidiu transportar as lendas e tradições de seu povo para o papel.
Hoje, aos 45 anos, é considerado o principal representante de um gênero ainda em formação no Brasil: a literatura escrita pelos povos indígenas. Sua primeira obra, "Histórias de Índio" (Companhia das Letrinhas), de 1996, vendeu mais de 60 mil cópias e está na 16ª edição. A segunda, uma enciclopédia com verbetes nativos, ganhou o Prêmio Jabuti. Ao todo, Munduruku publicou 31 livros, a maioria voltada para o público infanto-juvenil - e lança outros dois na Feira Indígena de Mato Grosso, que acontece de 6 a 10 de outubro, em Cuiabá.
As obras ganharam destaque nas livrarias e são adotadas por escolas em todo o País.
Quero aqui fazer um parêntese, Sr. Presidente, para parabenizar todas as escolas que estão adotando as obras desse índio chamado Daniel Munduruku e de outros que escrevem sobre a Amazônia e sobre tudo que envolve as questões indígenas.
Continuo, Sr. Presidente:
"Ele é uma figura absolutamente original dentro da literatura brasileira", diz o escritor Moacyr Scliar. A temática de Munduruku não envolve apenas a tradição indígena e seus valores, mas também o respeito à natureza e à vida em comunidade.
É atual porque trata dos dilemas da civilização, questões que enfrentou desde criança - começando pelo seu nome de branco, Daniel Monteiro Costa (mais tarde, adotou a denominação de seu povo como sobrenome artístico). Na aldeia, a língua nativa era proibida durante as aulas com os missionários católicos.
"Uma violência tremenda, que nos fazia sentir excluídos", diz [Daniel Munduruku]. No livro "Meu Avô Apolinário", premiado pela Unesco, ele conta como os ensinamentos do avô paterno o ajudaram a valorizar sua identidade. Em outros, trata de mitos, brincadeiras infantis e também de amor. Na juventude Munduruku recorreu à Igreja para concretizar o sonho de ser professor.
Passou seis anos no seminário, onde se formou em filosofia, com especialização em história e psicologia: "Foi uma jogada inconsciente para continuar estudando" [diz Daniel].
“Hoje é ativista pelos direitos indígenas, tem um blog e faz doutorado em educação.Casado e pai de três filhos, ele não se preocupa em passar só para eles a tradição oral de sua cultura. Quer vê-la viva também nas escolas e no papel.”
Sr. Presidente, aproveito para dizer que entrei no blog de Daniel Munduruku e encontrei um documento que, acredito, externa um pouco o pensamento desse índio que faz um trabalho maravilhoso, na minha opinião. O texto é:
“Piolhos, poesia e política.
Solicitado a desenvolver uma reflexão sobre as questões ambientais contemporâneas, o líder indígena Daniel Munduruku discorre sobre os significados da expressão “relações harmônicas do homem com a natureza”.
Sr. Presidente, passo agora às palavras de Daniel Munduruku, que diz o seguinte:
“Na tradição do povo Mundurucu, quando a gente chega num lugar que não é a casa da gente, a gente tem que fazer uma saudação para as pessoas, e a saudação que eu fiz para vocês diz assim: boa noite a todos os amigos aqui presentes; eu espero que esse encontro seja tão bom para vocês como ele vai ser para mim. E eu queria agradecer mesmo pelo fato de ter um representante indígena num seminário, um simpósio de relevância tão grande, e dizer que eu estou aqui em um papel meio confuso, porque eu vim representando Ailton Krenak, que é o presidente do Núcleo de Cultura Indígena e que não pôde estar aqui hoje para conversar com vocês. É meio embaraçoso porque o Ailton tira poesia de pedra e eu não sei fazer isso.
Mas eu gostaria de dizer algumas palavras, colocando um pouco a nossa posição, a posição dos povos indígenas diante desse tema e dizer que eu sou de um povo lá da Amazônia, que é o povo Mundurucu, que é um povo que já tem um contato com a população brasileira há mais de 200 anos; um povo que tem passado por muitas transformações, e que tem procurado se adaptar aos novos tempos, nunca deixando de lado a sua própria tradição. Meu povo tinha um hábito cultural que também foi sendo deixado de lado ao longo do tempo, que é o hábito de cortar a cabeça dos inimigos de guerra. Por isso não mexam comigo! Cabeças rolarão. A gente está ali no Estado do Pará todo esse tempo, buscando nos manter vivos e nos manter atuantes dentro do cenário da própria Amazônia.
Eu queria, então, só desenvolver duas ideias como ponto de reflexão, lembrando até o conhecimento tradicional, um conhecimento dos povos indígenas do mundo inteiro, que é a ideia de que nós não somos donos da teia da vida, somos apenas um de seus fios, e que a gente não tem posse sobre o ambiente, a gente tem parceria, a gente tem que viver como parceiros e não como donos, até porque a terra nos é dada, a natureza nós é dada, a vida nos é dada como um brinde, como um presente, e a gente devia tratar isso como um presente que a gente tem que cuidar direito. Portanto, esse presente é que precisa ser bem cuidado.
Eu me lembro de numa passagem do grande Professor Darci Ribeiro, ele me contava um caso que aconteceu numa aldeia dos índios Gavião lá do Pará. Ele estava em uma situação um pouco tristonha, meio solitária. Ele era ainda um moço, um pesquisador novato de área, e ele estava lá meio triste, cabisbaixo, e ao lado dele tinha um casal. A mulher estava catando piolho na cabeça do marido, deitado no colo dela e ela catava o piolho na cabeça dele. A mulher, sensível como são as mulheres, perguntou ao Darci o que estava acontecendo, por que ele estava tão triste daquele jeito, e ele falou que estava triste porque estava com saudade de Berta Ribeiro, esposa, e que estava ali sozinho, muito solitário, e que não conseguia esquecer. Então estava assim meio jururu. E aí a mulher ficou olhando para ele e disse assim: ‘Então, vou te dar um presente para você levar para Berta, para quando você chegar lá, Berta ter o que fazer em você’. Pegou dois piolhos da cabeça do marido e jogou na cabeça de Darci e disse para ele: ‘- Olha, isso daí vai fazer com que ela deite você no colo dela e vai ficar um tempão cuidando de você’.”
Continuo, Sr. Presidente:
“Os seres da natureza são assim; servem para unir as pessoas,... [Olha só essa história!] ...eles não estão ali para estragar a união; não estão ali para destruir. Eles servem para unir. E, às vezes, a gente esquece disso. E a gente costuma tratar as coisas vivas da natureza como se fossem coisas que estão atrapalhando a nossa vida e, na verdade, elas estão ali é para unir a gente.
Uma segunda coisa que eu gostaria de dizer para vocês é que meu avô, ele falava com os seres da natureza. Ele sentava contando histórias para a gente e dizia que muitas vezes ele conversava com o rio, com as árvores, com os animais, e perguntava para esses seres o que ele devia fazer, como ele devia fazer o que tinha que ser feito. E esses seres da natureza, amigos que são sempre, contavam para ele o que ele precisava. E ele nos contava isso com muita simplicidade, simplicidade que os sábios têm, e contava isso dizendo que disso dependeria também o nosso futuro, aquilo que nós seremos mais tarde. E ele dizia que se a gente quebrar esse elo com os seres da terra, a gente vai quebrar a harmonia, e é possível que o céu venha a cair em cima da gente, é possível que a terra despenque no vazio. E ele afirmava assim, sobre os velhos pajés que ficam chacoalhando seu maracá, o seu chocalho, para curar as pessoas, ele ficava falando dos jovens que dançam muito tempo batendo os pés no chão, para manter a terra equilibrada. E ele contava que os rios não paravam diante dos obstáculos para poder manter a harmonia das águas. E ele contava do fogo, dizendo que era preciso manter o fogo sempre aceso. Tanto esse fogo externo que nos aquece quanto o fogo interno que gera esperança, que cria esperança. Essas coisas muito simples, ditas por um selvagem, é que no nosso jeito de entender o universo tem mantido o céu suspenso, tem mantido a terra viva. E é esse céu suspenso que nós queremos manter, não importa o nome que se dê a isso.
Psicologia, antropologia, filosofia, nomes, posses... A gente quer é que as pessoas se harmonizem com a própria natureza e que entendam que cada um de nós segure a ponta do fio que forma essa teia, essa teia invisível, que é formada no infinito e pelo infinito das pessoas que estão espalhadas por este planeta todo”.
Sr. Presidente, finalizo dizendo que essas são as palavras do líder indígena do povo Mundurucu lá do Pará, Doutor em Filosofia, especialista em Antropologia Social, o índio Daniel Munduruku.
Sr. Presidente, muito obrigado pela atenção de V. Exª.
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