Discurso durante a 180ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apresentação do resultado da pesquisa "Perfil dos Assentamentos Rurais", encomendada ao Ibope pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), para a qual foram ouvidos agricultores de assentamentos implantados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Autor
Kátia Abreu (DEM - Democratas/TO)
Nome completo: Kátia Regina de Abreu
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
REFORMA AGRARIA.:
  • Apresentação do resultado da pesquisa "Perfil dos Assentamentos Rurais", encomendada ao Ibope pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), para a qual foram ouvidos agricultores de assentamentos implantados pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Aparteantes
João Pedro, Romeu Tuma.
Publicação
Publicação no DSF de 14/10/2009 - Página 51425
Assunto
Outros > REFORMA AGRARIA.
Indexação
  • COMENTARIO, RESULTADO, PESQUISA, ENCOMENDA, CONFEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUARIA DO BRASIL (CNA), INSTITUIÇÃO DE PESQUISA, SITUAÇÃO, ASSENTAMENTO RURAL, INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRARIA (INCRA), REFORMA AGRARIA, CONFIRMAÇÃO, AGRICULTOR, INSUFICIENCIA, INFRAESTRUTURA, FALTA, QUALIFICAÇÃO, TRABALHADOR, IMPRODUTIVIDADE, PEQUENA PROPRIEDADE, MINORIA, PESSOAS, SUFICIENCIA, PRODUÇÃO, GARANTIA, SUBSISTENCIA, FAMILIA, INFERIORIDADE, RENDA, INEFICACIA, EQUIPAMENTOS, AGRICULTURA, SUPERIORIDADE, NUMERO, PEQUENO PRODUTOR RURAL, AUSENCIA, ACESSO, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), INEXISTENCIA, DOCUMENTO PARTICULAR, IRREGULARIDADE, LOTE, AMPLIAÇÃO, ANALFABETISMO.
  • DENUNCIA, AUSENCIA, REALIZAÇÃO, EXAME ESCOLAR, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, ZONA RURAL, AVALIAÇÃO, INDICE, DESENVOLVIMENTO, EDUCAÇÃO BASICA, ALEGAÇÕES, MINISTERIO DA EDUCAÇÃO (MEC), DIFICULDADE, LOGISTICA.
  • MANIFESTAÇÃO, DISPOSIÇÃO, ORADOR, CONTRIBUIÇÃO, GOVERNO, ALTERAÇÃO, MODELO, REFORMA AGRARIA, BRASIL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª KÁTIA ABREU (DEM - TO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente.

            Colegas Senadores e Senadoras, hoje, venho à tribuna para divulgar pesquisa Ibope, dizendo o que a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) fez nos assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Brasil.

            Sr. Presidente, na CNA, criamos o Instituto CNA, e uma das suas tarefas mais importantes e preciosas é a de estudar a pobreza no campo, os vazios institucionais no campo brasileiro. Para isso, criamos o Observatório das Desproteções Sociais no Campo, porque a CNA está interessada nos problemas do campo de modo geral.

            Nós, produtores do Brasil, do agronegócio, entendemos que uma cidadã ou um cidadão brasileiro, a partir do momento em que adquire ou recebe de um programa social um pedaço de terra, também se transforma em produtor rural, independentemente do seu tamanho, com os mesmos problemas que todos nós enfrentamos, alguns mais agravados, como demonstra a pesquisa Ibope feita nos assentamentos do Brasil.

            Precisamos da urgência do Senado Federal, do Congresso Nacional, no sentido de reverter a situação desses assentados da reforma agrária no Brasil. Estamos criando, Sr. Presidente, infelizmente, verdadeiras favelas rurais que ficam distantes dos olhos da elite política deste País, que ficam distantes das políticas públicas existentes no País.

            Fizemos uma análise bastante cuidadosa da aplicação dos recursos públicos, das políticas públicas no campo e observamos que, especialmente nos últimos quinze anos, houve um recuo exorbitante nos recursos gastos no campo brasileiro. Sabemos que, no campo, tudo é mais difícil, tudo é mais caro, pela logística, pelas distâncias, pela dificuldade de acesso. O Estado brasileiro e os Governos têm de entender que, quando se destinam R$7 mil para se fazer uma casa na cidade, no Programa Minha Casa, Minha Vida, isso provavelmente no campo custará R$10 mil, R$12 mil. Se, na cidade, um aluno custa “x”, Sr. Presidente, no campo, talvez, ele custe duas vezes mais.

            Não é impossível que as políticas públicas cheguem ao campo. Elas apenas são mais caras, mais custosas, pelas distâncias e pela logística que se impõe. E é exatamente isso que estamos querendo demonstrar, por meio de pesquisas: o Estado brasileiro, o Governo precisa, por meio de instituições como a CNA, como o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), unir forças, para minimizar as dificuldades que encontramos.

            Começo, dizendo que o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) de 2008 determinou, com muita clareza, que, de cada cinco pobres, nos países em desenvolvimento, quatro estão na zona rural. Quatro pessoas, quatro brasileiros estão na zona rural em extrema pobreza.

            Quero lembrar que há 8.310 assentamentos espalhados pelo Brasil e que 40% deles estão no Estado do Pará, na floresta amazônica. Nesses 8.310 assentamentos, há 870 mil famílias, quase 1 milhão de famílias assentadas nos assentamentos da reforma agrária, que ocupam 80 milhões de hectares. Para saber o que significam 80 milhões de hectares, apenas gostaria de fazer uma comparação. Toda a produção de grãos do País, que movimenta nossas exportações principalmente e o grande agronegócio brasileiro, está plantada em 60 milhões de hectares. E, hoje, já estão destinados à reforma agrária efetivamente 80 milhões de hectares.

            Começo, então, Sr. Presidente, aqui demonstrando que o tamanho médio de um lote de assentamento da reforma agrária, Senador Tuma, tem 29 hectares. E, desses 29 hectares, segundo a pesquisa Ibope verificou, apenas 18 hectares estão destinados e sendo usados de alguma forma para a produção. Encontramos ainda, Senador Tuma...

            O Sr. Romeu Tuma (PTB - SP) - Senadora, queria aproveitar esse trecho do pronunciamento de V. Exª - peço desculpas por interrompê-la, porque seu discurso é sempre importantíssimo -, para dizer que, hoje, durante o depoimento do Ministro da Reforma Agrária, a Senadora Serys Slhessarenko fez uma pergunta neste sentido: o Governo tem auxiliado com tecnologia a agricultura familiar? O que está acontecendo com os assentados? Tive de sair antes e não ouvi a resposta dele. Mas V. Exª está fazendo um questionamento muito sério, que realmente precisa de uma resposta à altura da sua solicitação.

            A SRª KÁTIA ABREU (DEM - TO) - Senador Romeu Tuma, muito obrigada pelo aparte. Pretendo lhe responder com essas pesquisas que o Ibope fez no dia 30 de setembro último em nove assentamentos do Nível 7, que são os 3% de assentamentos que, em tese, já estão emancipados. Portanto, fizemos questão de procurar os assentamentos mais velhos e aqueles que já receberam todos os benefícios da reforma agrária, que são apenas 3%.

            Encontramos 19% de trabalho infantil nesses assentamentos. Em 14% das moradias desses assentamentos, não há banheiro, Sr. Presidente. Não foi construído banheiro na época em que foram feitas as casas, para que as pessoas pudessem ter essa civilidade. Infelizmente, 14% dos assentados da reforma agrária não têm banheiro e, portanto, fazem suas necessidades a céu aberto.

            Sr. Presidente, com relação à qualificação profissional, 83% dos assentados responderam que nunca fizeram um curso de qualificação profissional em sua vida. E, dos 17% que já fizeram qualificação profissional, 53% fizeram pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), o nosso S do sistema CNA. Isso ainda é pouco. Conseguimos qualificar por ano um milhão de trabalhadores e patrões da pequena propriedade, mas isso ainda é pouco diante de tanta necessidade.

            O Ibope constatou que, dos mil entrevistados, 91% nunca participaram em sua vida de uma atividade cultural - apenas 9% já participaram de atividade cultural - e que 82% nunca participaram de atividade esportiva.

            Sr. Presidente, 37% dos mil entrevistados, quase 40%, declararam que não produzem absolutamente nada em suas propriedades rurais. E ainda observamos, levando mais transparência a este número especifico sobre a produção dos assentamentos, que apenas 27% dos mil entrevistados - ou seja, 270 pessoas - produzem o suficiente para a família e algum excedente para a venda. Trinta e sete por cento deles responderam que nada produzem; 10% não produzem nem o suficiente para a família; 24% produzem somente o suficiente para a família. Somando esses três números, 73% não geram renda na propriedade, Sr. Presidente: ou nada produzem, ou produzem insuficientemente, ou produzem apenas para a subsistência. Portanto, a geração de renda é zero, a não ser em 27%, e não medimos o quanto de renda esses poucos 27% têm produzido.

            Aqui, quero lembrar um dado mais grave ainda, caros Senadores, colegas Senadores e Senadoras, talvez o dado mais grave dessa pesquisa. Em cada casa, em cada residência da reforma agrária, dos assentamentos, há 4,3 pessoas. Essa é a mesma quantia nacional, não há diferença, pois, nas cidades, também são quatro pessoas por residência. Mas, infelizmente, 40% dessas famílias têm renda de um salário mínimo. Se divido um salário mínimo por quatro pessoas, isso significa que cada uma delas está vivendo com um quarto de salário mínimo, e o consenso mundial e nacional é o de que, com um quarto de salário mínimo, a pessoa está vivendo na mais extrema pobreza. Quarenta por cento dos assentados da reforma agrária estão vivendo com um quarto de salário mínimo na extrema pobreza, e a média nacional das cidades é de 18%, menos da metade. Isso significa - e reafirmo o que disse a ONU - que, de cada cinco pobres, quatro estão na zona rural. Então, infelizmente, 40% dos assentamentos no Brasil estão vivendo com a renda de até um salário mínimo, Sr. Presidente. E, no Brasil todo, encontramos 17.

            Ainda quero aqui demonstrar ao País quais são as ferramentas e os equipamentos utilizados nos assentamentos da reforma agrária. Repito o que diz a pesquisa Ibope encomendada pela CNA: 97% usam enxada; 94%, foice; 92%, pá; 28%, arado; 21%, carroça e carro-de-boi; 21%, machado. Apenas 15 - que equivale a 9% - estão usando trator, Sr. Presidente. Quinze por cento usam facão. A conta não fecha em 100%, porque o mesmo assentado possui várias ferramentas ao mesmo tempo. Repito: 97% usam enxada; 94%, foice; 92%, pá; 28%, arado; 15%, facão; 21%, machado. Sr. Presidente, não há propriedade rural que se possa desenvolver e ser produtiva, que possa gerar renda com instrumentos da Idade da Pedra. Não há condição para isso.

            Ainda aqui, quero demonstrar que, dos mil entrevistados, 55% declararam que não são os donos originais dos seus lotes. Apenas 39% declararam ser donos originais, terem adquirido o lote quando foi distribuído. Isso significa que a grande maioria desses lotes foi vendida. Muitos deles podem estar dentro da lei, podem ter sido vendidos após os dez anos da emancipação. Mas isso também demonstra que muitos assentados em todo o Brasil, pela proibição do Incra, que não deixa que eles vendam suas propriedades, estão vendendo-as com contratos de gaveta, contra o livre mercado, contra a livre iniciativa, contra a economia de mercado, Sr. Presidente. Não há lei que proíba o cidadão de vender aquilo que ele acha que é dele.

            Quero lembrar ainda, infelizmente, depois da renda, da extrema pobreza, um dado que me chocou profundamente, Senador Mozarildo: 21% dos mil assentados responderam, com relação ao Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf), que “sim, possuo e estou com os pagamentos em dia”; 4% responderam “sim, possuo e estou com o pagamento atrasado”; 75% dos assentados da reforma agrária responderam “não possuo crédito rural, não possuo Pronaf, nunca tirei o Pronaf”.

            Voltaremos a esses mesmos assentamentos e vamos perguntar a essas pessoas por que não estão tendo acesso ao Pronaf. Mais ou menos conhecemos a vida no campo e sabemos que os motivos são muitos. Se um Município estiver inadimplente em 2% na linha Pronaf, Sr. Presidente, todos os demais não podem tirar os recursos do Pronaf. A grande maioria não tem documento, nem garantia de produção para tirar seu Pronaf. Uma grande parte é analfabeta. Mais de 30% dos entrevistados, os chefes no campo são analfabetos, enquanto a estatística nacional é muito menor do que isso. Isso ocorre também, Sr. Presidente, porque essas pessoas não têm o direito de propriedade. Essas pessoas não podem ser identificadas, porque mais da metade delas está irregular: elas venderam seus lotes de gaveta e, portanto, não podem tirar sua certidão de pronafiano.

            Sr. Presidente, aqui está demonstrada a composição da renda total. A composição da renda total dos assentamentos do Brasil é de 1,7 salários-mínimos por mês, sendo que, para 43%, a renda é de dentro do lote; e, para os outros 49%, a renda é de fora do lote. Isso significa que, se as outras rendas não existissem, a média de renda do assentado seria menor do que um salário-mínimo, Senador Augusto Botelho, seria de 0,86% de um salário-mínimo. Mas, graças ao trabalho assalariado com carteira assinada (18%), seguro desemprego (2%), aposentadoria e Loas (24%), pensão alimentícia (1%), Bolsa Família (nos assentamentos, apenas 4%), todas essas rendas somam 49%. Se não existissem essas rendas de fora do assentamento, eles viveriam, Senador João Pedro, com 0,86% de um salário-mínimo. Essa seria a vida dos assentados do nosso País.

            Quero dizer com isso que nós, brasileiros, crescemos muito; nós, brasileiros, nos desenvolvemos muito. Aprendemos a fazer tanta coisa! Crescemos na engenharia, crescemos na arquitetura, crescemos na produção de grãos, na industrialização dos grãos. Somos um País competitivo do ponto de vista da produção agropecuária, mas, infelizmente, fomos incompetentes e não conseguimos aprender até hoje a fazer uma reforma agrária decente, que tire de verdade as pessoas da pobreza, que possa fazer com que elas tenham uma vida digna, porque, se alguém tem um direito legítimo na vida, esse direito é o de não ser pobre. E a pobreza no Brasil está resumida a uma transferência de renda. É uma situação, Sr. Presidente, maleável e que flutua. De acordo com o aumento ou o decréscimo do dólar, temos mais um milhão ou menos um milhão de pessoas no mundo com fome, ou não. Estamos nos preocupando apenas com a renda. Ela é importante. O Bolsa Família é necessário, mas ele, isoladamente, não tira as pessoas da miséria e da pobreza.

            O fato de eu receber R$70 ou receber R$120 por mês não significa que deixei de ser pobre. Eu ainda não tenho casa, não tenho casa com banheiro, não tenho emprego, não vou à universidade, não tenho remédio quando adoeço, frequento escolas de baixa qualidade. Isso tudo, Sr. Presidente, tem que ser composto neste grande mundo para que realmente as pessoas possam ser retiradas da pobreza.

            E ainda quero fazer uma denúncia no Senado Federal: a Prova Brasil, do Ideb, não é aplicada nas escolas rurais, porque o Ministério da Educação disse, Sr. Presidente, que a logística é complicada. E acredito. O Ministério tem razão, a logística é complicada, mas isso não é motivo para que não possamos medir as escolas do campo. Elas estão excluídas do mundo Brasil; elas estão excluídas da nota e das aprovações hoje, infelizmente, e ao longo dos anos. Vamos fazer justiça: isso não é só neste Governo, não. Ao longo dos anos, a escola rural tem se resumido à distribuição de transporte escolar. Distribuem-se ônibus para os prefeitos e dá-se um cala-boca a todos eles, para que se virem por lá.

            O senhor sabia que o Governo Federal, através dos governos dos Estados, repassa dinheiro para o transporte escolar por cabeça de aluno, sem considerar se o Município tem dez mil quilômetros quadrados ou cem mil quilômetros quadrados? Então, aquele prefeito de um Município pequeno recebe o mesmo tanto para o transporte escolar que o prefeito de um Município dez vezes maior, porque não é levado em consideração o tamanho do Município, nem quantas horas aquele aluno vai andar na poeira, com fome, para chegar à sua escola e ainda ter uma sala de aula com quinze a dezoito alunos de todas as séries misturadas, a 1ª, a 2ª, a 3ª, a 4ª séries da primeira fase do Ensino Fundamental.

            Sr. Presidente, é calamidade pública! Precisamos entender o campo brasileiro. precisamos pesquisar esse grande mundo rural.

            Estive no Ministério da Saúde, e uma técnica me disse: “Senadora, a desinformação no campo começa junto com a estrada de chão”. E é verdade.

            Quero aqui deixar esta denúncia, não apenas crítica partidária, de oposição, mas para que possamos unir nossas forças e dar uma olhada para esse mundo rural brasileiro, que emprega mais de dezesseis milhões de pessoas, que tem quase um milhão de pessoas assentadas, pessoas sofridas, que, neste mundo, Sr. Presidente...

            O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - V. Exª me concede um aparte, Senadora Kátia Abreu?

            A SRª KÁTIA ABREU (DEM - TO) - Perfeitamente. Só um minutinho. Eu quero apenas...

            O SR. JOSÉ SARNEY (PMDB - AP) - Senadora Kátia Abreu, peço licença para interromper o discurso de V. Exª somente para fazer um convite aos nossos colegas. Está visitando, agora, o Senado Federal o Primeiro-Ministro, Chefe do Governo, de Cabo Verde. Então, aos colegas que quisessem participar da sua recepção, estaria aqui feito o convite. Desculpe-me pela interrupção.

            A SRª KÁTIA ABREU (DEM - TO) - Imagine, Presidente! Muito obrigada. Sejam bem-vindos os nossos visitantes.

            Para encerrar, Sr. Presidente, quero apenas dizer que patrimônio não significa renda. O fato de se dar, ceder ou vender um pedaço de terra a alguém não significa que essa pessoa terá automaticamente salário e condição de vida e renda. O patrimônio precisa ser transformado em renda para que essa pessoa possa viver dignamente.

            Sr. Presidente, quero aqui lembrar ao Ministério da Saúde que fizemos um programa na CNA, o Útero é Vida, e fizemos dois mil e novecentos exames nos assentamentos do Brasil. Foram dois mil e novecentos exames nos Estados do Piauí, do Tocantins, do Pará e no entorno de Brasília. Infelizmente, nas duas mil e novecentas mulheres examinadas com câncer de colo de útero, encontramos o dobro da média nacional. A média nacional é de 0,2%. Nos assentamentos, encontramos 0,4%. Em contrapartida, Sr. Presidente, 89% das mulheres dos assentamenos examinadas estavam com inflamação pélvica, totalmente sem cuidados, sem médico, sem consulta, com dificuldades imensas de chegar ao posto de saúde da prefeitura local, porque não há transporte. Muitas dessas famílias vivem em função do transporte escolar, pegando carona no transporte escolar dos seus filhos.

            Quero conceder um aparte ao Senador João Pedro, que me pede.

            A palavra está à sua disposição, Senador.

            O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Senadora Kátia Abreu, ouvi o pronunciamento de V. Exª e o apelo no sentido de haver uma mobilização para fazer o enfrentamento dessa questão levantada por V. Exª, que é a questão do campo. V. Exª, no início, apresentou a pesquisa como da CNA. Eu gostaria de suscitar a V. Exª, no aparte, face a esse diagnóstico, que são números duros para o século XXI, para a economia que o Brasil tem... Pergunto a V. Exª, que é a Presidente da Confederação: de posse desse diagnóstico, qual a proposta que a CNA tem para reverter esses dados? Alguns dados são dramáticos, sob o ponto de vista do ser humano, da qualidade de vida. A CNA está preocupada em apresentar uma proposta para os assentamentos, já que estão focados os assentamentos do Incra? Não sei se V. Exª sabe que o crédito, hoje, de uma família que está entrando, que está iniciando no assentamento do Incra está em torno de R$18,4 mil, sendo R$3,4 mil para fomento e R$15 mil para habitação. V. Exª deu um exemplo, é claro que não fixou, mas deu um exemplo dos gastos de investimento na área urbana, mas eu estou dando, só para exemplificar, o crédito inicial para os assentamentos do Incra: R$18,4 mil. A pergunta fundamental é esta: o que a CNA está pensando, de posse dessa pesquisa nos assentamentos, sob o ponto de vista de contribuir, de propor para o Governo, enfim, de mobilizar a sociedade e reverter esse quadro dramático que V. Exª apresentou?

            A SRª KÁTIA ABREU (DEM - TO) - Colega Senador, eu não pretendo, sob hipótese alguma, tomar o lugar do Governo. Eu não estou, sob hipótese alguma, pretendendo fazer o papel do Governo. Eu estou apenas fazendo o meu papel como Senadora, como cidadã e como Presidente da CNA ao denunciar os números terríveis que, fiz questão de dizer, não são só do Governo de V. Exª, do seu partido. Isso vem ao longo do tempo. Então, nós não temos, a CNA, nenhuma obrigação de dar solução a um programa de Governo. Nós somos parceiros no sentido de viabilizar políticas públicas, ensinar e ajudar o Governo a chegar até o campo, porque parece que os governos não sabem chegar até lá.

            O nosso “S”, para o qual V. Exª protocolou um pedido de auditoria, é o único instrumento de qualificação profissional para os assentados da reforma agrária. Entre aqueles que já receberam qualificação profissional, 53% responderam que já receberam qualificação do Senar.

            Então, nós estamos nos colocando à disposição do Brasil, à disposição do Governo, de todas as instituições, para que nós possamos repensar o modelo de reforma agrária, porque essa pesquisa demonstra que esse modelo está errado. Disto eu tenho certeza absoluta: esse modelo é um modelo que não funciona.

            Para informar melhor V. Exª, uma família assentada custa R$71 mil e não R$18 mil. Mas não tinha nada, pois R$71 mil ou R$100 mil estariam muito bem empregados se essas famílias estivessem, pelo menos, com uma renda de quatro salários-mínimos por mês. No mínimo, isso. Infelizmente, nós estamos gastando R$71 mil para continuar com 40% dessas pessoas na extrema pobreza, Sr. Presidente.

            Então, nós temos de rever, porque o Brasil tem de procurar uma outra política, uma outra forma de ajudar essas pessoas; rever, fazer uma reflexão, conhecer, reconhecer os erros, reconhecer as falhas. Vamos juntar as cabeças pensantes e todos os instrumentos deste País para modificarmos a vida dessas pessoas, porque gente não é boi. Boi, quanto mais você tiver, melhor é. Agora, gente, não, Sr. Presidente. Não basta ter quantidade de gente assentada. Nós precisamos ter quantidade de gente assentada com qualidade, com perspectiva de vida, com vida decente. Não se faz isso com o ser humano. Não se anunciam, como fazem todos os governos, centenas e centenas de famílias assentadas na terra... Mas em que condições? Em que situação? Isso é justo com o Brasil? Isso é justo com essas pessoas, que estão numeradas como se estivessem resolvidos os seus problemas, e não estão? O que os olhos não veem, o coração não sente. Na favela, nos bairros da periferia das grandes cidades, é mais fácil encontrar os pobres. Os pobres estão na rua, os pobres estão dormindo na calçada, os pobres estão sem casa. Agora, na zona rural, não. Na zona rural, ninguém vê. Dificilmente o Poder Público, a não ser o prefeito e alguns vereadores do País, encontra essa pobreza, todos os dias, no meio do campo brasileiro.

            É isto que nós queremos: nós queremos conversar com o Ministério da Saúde, nós queremos estar com o Ministério da Educação, com o Ministério da Cultura, para levar cultura ao campo através da Lei Rouanet. Propusemos isso ao Ministro da Cultura e fizemos um modelo para que ele visse que dá certo.

            Enfim, precisamos fazer com que as políticas públicas cheguem ao campo. Não queremos rivalizar com os assentados da reforma agrária. Queremos encontrar solução para aqueles que estão lá, mas dizer que ganhou um pedaço de chão e que a vida está resolvida? Não está, não.

            Quem sabe, Sr. Presidente...

(Interrupção do som.)

            A SRª KÁTIA ABREU (DEM - TO) - Um minuto, Sr. Presidente. Obrigada pela tolerância.

            Quem sabe tanto dinheiro desperdiçado em alguns lugares pudesse ser aplicado, de verdade, nesses assentamentos que já existem, para que pudéssemos melhorar um pouco mais a vida dessas pessoas!

            Agora, estamos vendo o MST ser financiado com recursos públicos para invadir fazenda produtiva, para fazer esbulho possessório. É uma organização criminosa, que se assemelha às Farc no Brasil e que não quer pedaço de terra. Ela trabalha contra a propriedade privada, trabalha contra o lucro, trabalha contra o livre mercado. Portanto, essas pessoas deveriam procurar outro país, porque aqui impera a democracia. Aqui, o nosso regime democrático prevê a propriedade privada, o lucro e o livre mercado, e isso não será revertido. É bom que eles saibam disso. Eles não querem terras. Eles querem reverter a situação do status quo brasileiro.

            Estamos repassando o dinheiro do povo brasileiro, de, quem sabe, tantos assentados que ainda estão com a enxada, com a foice e com o machado na mão. Eles poderiam estar com uma ferramenta preciosa - um trator, assistência técnica -, poderiam estar usando tecnologia, operando um computador, poderiam ter banheiro dentro de casa, mas não têm.

            Encerro, Sr. Presidente, com muita tristeza. Os assentamentos do Brasil são vizinhos do agronegócio. Convivemos muito bem, graças a Deus! O agronegócio brasileiro não é contra os assentados. Muito pelo contrário. Somos solidários a esses pequenos agricultores abandonados. Agora, somos contra, sim, Sr. Presidente, o MST, as Farc do Brasil, a invasão de terra, o desrespeito à propriedade privada, o desrespeito à reintegração de posse, como estamos vendo no Pará nos dias de hoje.

            Encerro, pedindo ao Senado Federal que possamos criar uma comissão de avaliação da reforma agrária no Brasil, corrigir os erros cometidos e melhorar a vida de mais de 870 milhões de famílias espalhadas pelos assentamentos do Brasil e nas pequenas propriedades fora dos assentamentos.

            Muito obrigada, Sr. Presidente, pela sua tolerância.


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