Discurso durante a 182ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração do Dia do Professor.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.:
  • Comemoração do Dia do Professor.
Publicação
Publicação no DSF de 16/10/2009 - Página 51948
Assunto
Outros > HOMENAGEM. EDUCAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM, DIA, PROFESSOR, OPORTUNIDADE, DEFESA, LUTA, REVOLUÇÃO, EDUCAÇÃO, VALORIZAÇÃO, MAGISTERIO, MELHORIA, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, QUALIDADE, ENSINO, IMPEDIMENTO, ABANDONO, ALUNO.
  • HOMENAGEM, GUSTAVO CAPANEMA, DARCY RIBEIRO, JOÃO CALMON, EX SENADOR, PAULO FREIRE, ANISIO TEIXEIRA, PEDAGOGO, EMPENHO, LUTA, MELHORIA, QUALIDADE, CRIAÇÃO, SISTEMA NACIONAL, EDUCAÇÃO, LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL, ERRADICAÇÃO, ANALFABETISMO, REVOLUÇÃO, FINANCIAMENTO, EDUCAÇÃO BASICA, BRASIL.
  • ELOGIO, INICIATIVA, CIDADÃO, BRASILIA (DF), MUNICIPIO, MACAPA (AP), ESTADO DO AMAPA (AP), EMPRESARIO, COBRADOR, ONIBUS, DISTRITO FEDERAL (DF), MONTAGEM, BIBLIOTECA, CRIAÇÃO, PROGRAMA, INCENTIVO, LEITURA, DESTINAÇÃO, CRIANÇA, ADOLESCENTE, ADULTO.
  • DEFESA, IGUALDADE, PADRÃO, QUALIDADE, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, BRASIL, EQUIPARAÇÃO, SALARIO, PROFESSOR, MUNICIPIOS, ESTADOS.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Mão Santa, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, Senadora Marisa Serrano, que comigo assinou esse requerimento, hoje pela manhã, logo cedo, como acontece sempre, recebi telefonemas de jornalistas. Por incrível que pareça, parecia que tinham combinado, Senadora Fátima Cleide, porque todos me perguntavam: “Tem-se o que comemorar no dia de hoje?”. E eu respondi para eles que a gente comemora o aniversário mesmo quando está doente.

            A verdade é que nós, professores, temos o que comemorar, sim, no Dia dos Professores. Mas não podemos deixar de lembrar que a nossa comemoração vem carregada de um certo sentimento de descontentamento, de tristeza, pelo fato de nossa profissão ainda não ser reconhecida com a importância que tem no cenário do futuro de um país. Como eu costumo dizer, e outros também, quando você quer olhar o futuro de um país, olhe na escola desse país no dia de hoje. É muito difícil conhecer o futuro das pessoas. Existem bolas de cristal, existem cartas que dizem que falam o futuro, mas a gente sabe que nada disso de fato descreve o futuro. Mas há uma coisa que descreve o futuro: o futuro de um país tem a cara da sua escola no presente.

            E, medido por isso, o futuro do Brasil não parece ser muito bonito, porque as escolas estão depredadas. Não parece ser um futuro de muita eficiência, porque nossas crianças abandonam a escola numa velocidade de 60 por minuto. Não parece o futuro do Brasil, nessas condições, estar carregado de entusiasmo, porque os nossos professores, com o salário que recebem, pela maneira como são tratados, têm razão de se sentirem desmotivados.

            Mesmo assim, nós temos o que comemorar. Nós temos o que comemorar, em primeiro lugar, pelo fato de termos optado por uma profissão que constrói o futuro. Nós temos o que comemorar pelo heroísmo que significa, no Brasil de hoje e também dos últimos tempos, ser professor.

            Mas é por isso que, em vez de ficar prestando as homenagens que os professores merecem, eu quero dedicar este pequeno tempo em que vou falar a analisar aqueles que lutaram para que a educação fosse melhor e aqueles que hoje tentam complementar a educação com instrumentos próprios, com contribuições pessoais.

            Em primeiro lugar, aqueles que fizeram o possível para que nós tivéssemos uma educação de qualidade, aquilo que vem sendo chamado ultimamente de os educacionistas; não os educadores, que são os que estão dentro das salas de aulas, mas educacionistas, aqueles que estão nas ruas, lutando para melhorar as salas de aula.

            E aqui colocamos o nome e o rosto, a lembrança de alguns educacionistas.

            Educacionista como Gustavo Capanema, que, Ministro por um longo período, deu um salto nas escolas públicas brasileiras, embora em um número restrito de escolas. Criou um sistema que é o que a gente precisa, Senador Mão Santa: um sistema nacional de educação. Gustavo Capanema até exagerava ao dizer que se orgulhava de saber, a cada instante do dia, que aula estava sendo dada em todas as salas de aula do Brasil naquele dia. Isso pode até ser um exagero, porque tira um pouco da liberdade das escolas, mas é uma necessidade, porque enquanto não houver um processo de federalização, de nacionalização, de igualdade das escolas em todo o território brasileiro, nós não podemos dizer que o Brasil tem “a escola”. Tem algumas escolas, mas não tem “a escola”.

            A escola só será “a escola” no Brasil quando elas tiverem todas o mesmo padrão de qualidade, quando os professores dispuserem de uma carreira nacional do magistério, que pague um salário igual em qualquer parte do Brasil. E não como hoje, quando os pobres prefeitos não têm condições de pagar um salário igual nas cidades grandes e nas pequenas.

            Um educacionista como Paulo Freire, como Anísio Teixeira - um, baiano; o outro, mineiro -, um baiano que se preparou, que se dedicou a ser educador, mas foi também um educacionista. Ele não apenas fez com que as escolas fossem melhores, cada uma delas, mas lutou para que o conjunto delas fosse de qualidade. Anízio Teixeira deixou até hoje o marco de muito do que a gente deve seguir em cada escola, como educador, e no conjunto das escolas, como educacionista.

            Darcy Ribeiro, que foi desta Casa, que aqui sentou, que aqui lutou pela educação e que foi um educacionista, criando universidade, mas, sobretudo, lutando através dele próprio, e criando as leis básicas da educação brasileira. Ele fez a Lei de Diretrizes e Bases que rege a educação. Nós é que não estamos conseguindo cumprir essas leis como deveríamos e, obviamente, aprovar todas aquelas complementares que são necessárias.

            Uma figura como Paulo Freire, esse que foi também um educador e um educacionista. Um pernambucano que, desde cedo, decidiu que a vida dele seria para erradicar o analfabetismo no País; e que fez isso, primeiro, como técnico, criando um método novo, que permite alfabetizar rapidamente; e, segundo, como Secretário de Educação em São Paulo, tentando melhorar as escolas; como coordenador da campanha de Erradicação do Analfabetismo do Governo João Goulart. Ele foi um educacionista.

            Temos também, além de Anísio Teixeira, de Gustavo Capanema, de Darcy Ribeiro, a figura de João Calmon. João Calmon também sentou-se aqui por três mandatos e conseguiu fazer a revolução do financiamento da educação de base no Brasil, criando a chamada Emenda Calmon.

            Hoje, ao mesmo tempo em que homenageamos os professores, temos que homenagear essas figuras, que dedicaram suas vidas à luta pela educação não apenas como educadores, mas também, e fundamentalmente, como educacionistas, porque, hoje, o Dia do Professor tem que ser o dia da luta pela educação. Não pode ser apenas um dia de homenagem, como o Dia das Mães. Tem que ser mais que isso. Tem que ser um dia de luta para que, neste País, a gente faça a revolução educacional. E a gente sabe - todos sabem - como fazer essa revolução.

            É preciso que, neste País, todas as escolas tenham prédios bonitos, bem equipados, com quadras de esporte, com instalações de arte. Que nessas escolas os professores estejam entre a categoria melhor remunerada do País. E aí insisto em dizer: se não há dinheiro para se pagar bem o professor, então, baixemos os salários dos outros, que ganham muito. A grande dificuldade não é que se ganha pouco. É a diferença, a desigualdade, que faz com que os grandes jovens deste País terminem preferindo outra profissão em vez do magistério. Não dá para subir, Senador Flávio, o salário dos professores? Então, baixemos o dos outros, porque aí a gente vai receber pessoas que querem ser professores por causa do salário.

            Temos que ter professores que tenham a cabeça, o coração e o bolso combinados. O bolso, bem remunerado; a cabeça, bem formada; o coração, bem motivado. Isso em horário integral. Se a gente tiver prédios bem bonitos e bem equipados, os professores bem motivados, bem formados e bem remunerados, e isso em horário integral, não tenha dúvida de que a gente tem uma boa educação nessa escola.

            Mas é preciso fazer isso nas 200 mil escolas do Brasil. Essas 200 mil não vão poder ser modificadas de um dia para o outro. Não podemos fazer com a revolução educacional o que fizemos com a Abolição da Escravatura, em que se assinou a lei um dia e, no outro, os escravos estavam livres, ou, pelo menos, com a sensação de livres, porque a maior parte deles, até hoje, não se libertou plenamente dos resíduos da escravidão. Mas podemos fazer essa revolução por cidades.

            Ao longo de 20 anos, em 250 cidades por ano a gente cria uma carreira nacional do magistério, contratando 100 novos professores em concursos federais, com salários federais. Cem mil professores são 3 milhões de crianças atendidas, são 10 mil escolas cobertas, são 250 cidades. Aí a gente vai chegar lá!

            É sobre um dia de luta que falo hoje. Por isso, eu quis colocar aqui os educacionistas, e não apenas os professores. E tenho a impressão de que, se nem todos os brasileiros vão ser educacionistas, porque alguns ainda acreditam que o desenvolvimento vem da economia, e não da educação; porque alguns não perceberam ainda que a grande indústria, daqui pra frente, é a do conhecimento, e não mais a indústria mecânica; que o que importa hoje não são mais os braços fortes de um escravo, nem a mão hábil de um operário, mas os dedos com conhecimento de um operador que faça agir a máquina inteligente que move a economia; se alguns brasileiros não querem entender isso, os dois milhões e quatrocentos mil professores, todos eles, devem ser educacionistas também; devem ser educadores dentro da sala de aula e educacionistas nas ruas, nas urnas deste País, procurando fazer com que haja no Brasil o sentimento, a concepção, a opção pela educação como vetor do progresso para o País e como vetor da ascensão social para cada cidadão.

            Por isso eu quis falar dos educacionistas.

            Mas quero falar aqui também, na presença de Luiz Amorim e Jonas Banhos, de pessoas que conseguem preencher um pouco o vazio da educação, levando livros para quem quer ler ao redor de onde eles estão. O Luiz Amorim, em Brasília, e o Jonas Banhos, em Macapá, montaram bibliotecas que tentam levar a leitura para todos os brasileiros das suas cidades. As bibliotecas dos dois são colocadas em paradas de ônibus; são bibliotecas sem portas nos armários, nem portas para entrar; são bibliotecas ao ar livre e com armários sem portas.

            Em Brasília, isso é exemplo de cidadania, como a faixa de pedestres, porque esses livros ali ficam e não são roubados. Nem o lápis que a pessoa usa para anotar o livro que está levando e dizer o dia em que vai trazer desaparece.

            Acho que precisamos desses dois lados: o dos educacionistas e também o lado dos que complementam a atividade educacional.

            Queríamos prestar uma homenagem também - não sei se ele está presente - ao José Humberto Brotas. Está aqui na frente o Tibica! Ele é outro que, com o Cantinho de Leitura, em Planaltina, faz um trabalho inspirado no açougue T-Bone para levar livros às crianças.

            Chamamos o Antônio José Matias de Sousa, que há pouco fez um pronunciamento na Comissão de Educação. Ele é um empresário brasiliense, dono de uma cadeia de postos de gasolina, e, hoje, tem uma rede de bibliotecas, com um total de um milhão e duzentos mil livros, provavelmente uma das cinco maiores bibliotecas do Brasil, considerando-se o conjunto dessas pequenas bibliotecas mantidas por Antônio José Matias de Sousa.

            O Antônio Conceição Ferreira é cobrador de ônibus e autor do projeto Cultura no Ônibus, que, em fevereiro do ano passado, transformou o coletivo que faz a linha 82 para o Núcleo Bandeirante em uma pequena biblioteca sobre rodas.

            Eu gostaria de cumprimentar aqui um dos livreiros que frequento, que é o Chiquinho. Eu o conheci menino; e, desde menino, ele se dedica aos livros, colocando sua pequena livraria na UnB à disposição.

            A Maria José Lira Vieira e a Neusa Dourado são as criadoras da Mala do Livro, que tenho o orgulho de dizer que foi um dos grandes projetos do período em que fui Governador do Distrito Federal. Pequenas bibliotecas que a gente põe nas casas, porque as crianças veem bola desde quando nascem, mas raramente veem livros nas suas casas.

            Para concluir, a Cleide Cristina Soares, que não foi a inventora da Mala do Livro, mas foi aquela que implantou a Mala do Livro no Distrito Federal e que hoje se dedica a implantar um programa semelhante em todo o Brasil.

            Quero concluir dizendo que esses são capazes de levar livros, são capazes de ajudar, mas ninguém, privadamente, vai conseguir fazer a revolução educacional no Brasil. Ninguém vai fazer com que, no Brasil, as 200 mil escolas tenham a mesma qualidade, os dois milhões de professores tenham salários iguais, todas as escolas sejam bem equipadas. Essa é uma revolução de que o Brasil precisa; e essa revolução só vem pelo Estado, essa revolução só vem por meio da mudança das prioridades e dos objetivos dos governantes deste País.

            O Brasil fez suas revoluções, embora tímidas, da República, da Abolição da Escravatura, da industrialização. Os anos 1930, 1889 e 1888 foram marcos, mas falta o marco em que a gente vai começar a fazer uma revolução, que levará muitos anos, para que no Brasil as escolas sejam todas redondas. No Brasil, há bons jogadores de futebol, os melhores do mundo, porque a bola é redonda para todos; todos começam a jogar aos quatro anos e jogam até quando querem. Mas, no caso das escolas, lamentavelmente, umas são redondas, outras quadradas. Nelas entram alguns aos quatro anos; em outras, aos sete, aos dez e alguns não entram em nenhum momento na escola. Precisamos redondear as escolas do Brasil, fazendo com que, neste País, o filho do trabalhador estude na mesma escola do filho do patrão. Esse é o slogan do socialismo do futuro, não mais tirar o capital do capitalista e dar para o trabalhador através de um Estado, porque a gente viu que isso não funcionou; mas pegar o filho do trabalhador, e botá-lo na mesma escola do filho do patrão e deixar que cada um deles, a partir do seu talento, da sua persistência, da sua vocação, possa ascender socialmente.

            A escola é o aeroporto do futuro para um país, e a escola é a escada de ascensão social para cada cidadão e cidadã. Por isso, se a escola é o aeroporto, se a escola é a escada, o professor é o piloto que conduz o país ao futuro e que leva pelas mãos seus alunos a ascender socialmente.

            Feliz Dia dos Professores, mas sem esquecer que este é um dia sobretudo de luta por tudo aquilo que ainda falta fazer no Brasil pela educação e, portanto, pelos nossos professores!

            Feliz Dia dos Professores aos professores! Feliz dia de luta a todos os brasileiros por uma educação de qualidade para todos os brasileiros! (Palmas.)


Modelo1 8/16/249:20



Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/10/2009 - Página 51948