Discurso durante a 186ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação contrária à construção da Hidrelétrica de Belo Monte e a informação de recepção, pelo Presidente Lula, de comissão representativa de movimentos sociais contrários a essa construção. Importância de serem ampliadas as discussões a respeito dessa questão envolvendo os povos do Xingu.

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Manifestação contrária à construção da Hidrelétrica de Belo Monte e a informação de recepção, pelo Presidente Lula, de comissão representativa de movimentos sociais contrários a essa construção. Importância de serem ampliadas as discussões a respeito dessa questão envolvendo os povos do Xingu.
Publicação
Publicação no DSF de 22/10/2009 - Página 54032
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA. POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, CONDUTA, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESCUMPRIMENTO, COMPROMISSO, COMISSÃO, REPRESENTANTE, MOVIMENTAÇÃO, DEFESA, INTERESSE SOCIAL, REALIZAÇÃO, DEBATE, POLEMICA, CONSTRUÇÃO, USINA HIDROELETRICA, RIO XINGU, ESTADO DO PARA (PA), AGILIZAÇÃO, AUTORIZAÇÃO, PROCESSO, LICENCIAMENTO, MEIO AMBIENTE, POSSIBILIDADE, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), CONCESSÃO, LICENÇA PREVIA, PROJETO, VIABILIDADE, LEILÃO, REITERAÇÃO, CRITICA, FALSIDADE, AUDIENCIA PUBLICA.
  • ADVERTENCIA, ESPECIALISTA, ANALISE, CRITICA, ESTUDO, IMPACTO AMBIENTAL, APROVEITAMENTO HIDROELETRICO, RIO XINGU, COMPLEXIDADE, OBRA PUBLICA, DESTRUIÇÃO, MONUMENTO, BIODIVERSIDADE, ESTADO DO PARA (PA), IMPOSIÇÃO, DESLOCAMENTO, SUPERIORIDADE, NUMERO, PESSOAS, ESPECIFICAÇÃO, INDIO, POSSIBILIDADE, EXTINÇÃO, ESPECIE, PEIXE, FAUNA AQUATICA, AUSENCIA, VIABILIDADE, NATUREZA ECONOMICA, USINA HIDROELETRICA, IMPOSSIBILIDADE, PROCESSO, TRANSMISSÃO, ENERGIA ELETRICA, REGIÃO AMAZONICA, REGIÃO SUDESTE, EXCESSO, VALOR, LINHA DE TRANSMISSÃO, EXCLUSIVIDADE, DESTINAÇÃO, ENERGIA, ATENDIMENTO, INDUSTRIA, ALUMINIO, INFERIORIDADE, EMPREGO, CARATER PERMANENTE.
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, REUNIÃO, ENTIDADE, SOCIEDADE CIVIL, ESTADO DO PARA (PA), LANÇAMENTO, COMITE, DEFESA, PRESERVAÇÃO, MEIO AMBIENTE, OPOSIÇÃO, CONSTRUÇÃO, USINA HIDROELETRICA.
  • MANIFESTAÇÃO, APOIO, INCENTIVO, ORGANIZAÇÃO, REFORÇO, COMITE.
  • ANUNCIO, REALIZAÇÃO, SEMINARIO, MUNICIPIO, ALTAMIRA (PA), ESTADO DO PARA (PA), APRESENTAÇÃO, RESULTADO, AVALIAÇÃO, ESPECIALISTA, ESTUDO, IMPACTO AMBIENTAL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador João Pedro, Srªs e Srs. Senadores, no último dia 22 de junho, no Palácio do Planalto, o Presidente Lula recebeu uma comissão representativa dos movimentos sociais contrários à construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Estado do Pará. Segundo relato dos participantes, entre os quais o Bispo da Prelazia do Xingu e Presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Dom Erwin Kräutle, o Presidente assumiu, naquela ocasião, o compromisso de realizar um amplo debate sobre essa polêmica obra, no sentido de que ela “não seria enfiada goela abaixo”, expressão reproduzida pelo Bispo e por participantes da audiência, segundo os quais essa teria sido uma afirmação do Presidente Lula.

            Passados apenas quatro meses da promessa presidencial, é justamente o contrário o que vem acontecendo, sob o olhar indignado de amplo setor do povo paraense e de boa parte da comunidade científica nacional. O Governo Federal deslanchou, de forma açodada e autoritária, o processo de licenciamento ambiental do projeto, realizando, no mês de setembro, simulacros de audiências públicas. De forma frenética, impõe um cronograma que deve, nos próximas dias, resultar na concessão, pelo Ibama, da licença prévia, a fim de viabilizar realização do bilionário leilão ainda este ano.

            Há poucas semanas, Senador João Pedro, ocupei esta tribuna para denunciar a farsa dessas audiências públicas. Fiz coro à corajosa postura dos procuradores do Ministério Público Federal do Pará, que têm interposto diversas medidas, visando à imediata suspensão desse atropelado e antidemocrático processo.

            As audiências, em número de apenas quatro, não serviram, de fato, para ouvir o clamor das populações, que serão duramente atingidas pelo projeto. Foram espaços marcados pela falta de transparência e, ainda por cima, ostensivamente controlados por tropas da Força Nacional de Segurança, em aberto constrangimento aos que pretendiam criticar, de viva voz, as muitas falhas e omissões constantes dos 35 volumes, com mais de duas mil páginas, do processo de Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EIA-Rima), que foi produzido, na verdade, pelo consórcio de grandes empreiteiras e chancelado pelo Ibama sob a evidente pressão da Presidência da República.

            Não se trata de uma rejeição ideológica e apriorística ao aproveitamento hidrelétrico do rio Xingu. Trata-se, isto sim, de clamar para que não se repita, em escala ampliada, o desastre socioambiental da usina de Balbina, no Amazonas, de tão triste e lamentável memória, bem como o desastre e as consequências também lamentáveis da construção da usina de Tucuruí. Há poucos dias, realizamos, no Senado, audiência pública para tratar das reivindicações dos que foram retirados daquela área e reassentados em áreas definidas pelo Governo. Até hoje, algumas dessas pessoas, algumas dessas famílias não têm sequer garantia de energia elétrica produzida pela usina hidrelétrica de Tucuruí.

            Por isso, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, peço a reflexão de todos os que compõem este Senado para as análises do chamado Painel de Especialistas, que reúne 42 pesquisadores de diversas universidades brasileiras e estrangeiras, cujos pareceres foram anexados oficialmente ao processo de licenciamento, sob o título de “Análise Crítica do Impacto Ambiental do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte”, protocolado no dia 1º de outubro, no escritório do Ibama, em Belém.

            Em primeiro lugar, os especialistas alertam para a complexidade e grandiosidade da obra que se pretende construir no rio Xingu. O projeto de Belo Monte compreende três grandes barragens de concreto, vários canais concretados de 12,5km de largura, cinco represas nas terras firmes, com 28 diques no seu entorno, mais uma grande represa na calha do rio, o que resultará em uma movimentação de terra da ordem de duzentos milhões de metros cúbicos, volume semelhante às escavações realizadas no princípio do século passado na construção do Canal do Panamá.

            Para criar uma potência instalada de 11,2 mil MW e uma energia firme de cerca de 4,4 mil MW, o Governo pretende gastar algo entre R$11 bilhões e R$30 bilhões - repito: entre R$11 bilhões e R$30 bilhões -, pois não há sequer acordo sobre o custo total da obra. Entretanto, o maior custo será social e ambiental. Belo Monte pretende ser construída ao preço da destruição de um extraordinário monumento da biodiversidade: a Volta Grande do Xingu, um dos locais mais maravilhosos do País, com seus cem quilômetros de largas cachoeiras e fortes corredeiras, arquipélagos florestados, canais naturais rochosos, pedras gravadas milenarmente e outras riquezas arqueológicas, enfim, um extraordinário patrimônio natural do planeta.

            O impacto humano será sem precedentes, atingirá uma área superior a mil quilômetros quadrados. Mais de vinte mil pessoas sofrerão deslocamento forçado - ribeirinhos, em sua grande maioria -; populações indígenas de diversas etnias serão afetadas fortemente, e o caos social se instalará, causado pela imigração de mais de cem mil pessoas, atraídas, como sempre, pela enganosa promessa de emprego e de renda. Além disso, é enorme a chance de que várias espécies - sobretudo, peixes e fauna aquática - sejam extintas, em meio a uma catástrofe marcada pela insegurança hídrica e alimentar, além da emissão de gases de efeito estufa em enorme quantidade - gás metano, principalmente, que é 25 vezes mais impactante do que o gás carbônico.

            Em segundo lugar, os cientistas questionam, com base em análises lastreadas em anos de estudo, que Belo Monte não possui sequer viabilidade econômica. A energia firme só teria viabilidade durante três ou quatro meses do ano, uma ociosidade anunciada a um custo econômico e social incalculável.

            Cabe perguntar: por que construir Belo Monte e a quem ela pretende beneficiar exatamente? Já está claro que não haverá a anunciada interligação com os grandes mercados consumidores do Sudeste. As linhas de transmissão seriam onerosas em excesso. Seriam tão caras, Sr. Presidente, que inviabilizariam o processo de transmissão de energia da Amazônia para o Sudeste brasileiro.

            Então, a energia produzida a esse custo tão elevado seria destinada quase que unicamente às indústrias eletrointensivas do alumínio, notadamente, o complexo Albrás-Alunorte, da Vale, em Barcarena, no Pará, e também a usina da Alcoa, no Estado do Maranhão. Juntas, estas empresas já respondem hoje pelo consumo de 3% de toda a energia produzida no Brasil. Sem dúvida um escândalo sem precedentes, que desmoraliza o discurso de que Belo Monte se justifica para impedir a repetição de um novo e hipotético apagão elétrico.

            Um dado a mais para desmistificar o discurso que justifica a obra sob a alegação de que seriam criados milhares de empregos. De fato, no período das obras civis, que se estenderão por alguns poucos anos, milhares de postos de trabalho mal remunerados, especialmente na construção civil, servirão para atrair uma legião de incontáveis trabalhadores, com pouca ou nenhuma qualificação. Após construída, a usina deverá empregar algo em torno de 700 empregados. Isso mesmo: R$30 bilhões para criar apenas e tão somente 700 empregos permanentes!

            E não se alegue que na indústria do alumínio os prometidos empregos serão gerados, justificando as perdas e danos. Esse setor eletrointensivo emprega apenas 2,7 pessoas para cada megawatt de energia consumido, o que, sem dúvida, é um saldo indecente que perde apenas para as usinas de ferro-liga, que geram apenas 1,1 emprego por megawatt.

            Como se sabe, esse ramo de commodity de exportação gera muitos empregos, mas, é claro, não em nosso País. Gera empregos no exterior, na China, principalmente, enquanto a tragédia socioambiental continua sendo imposta aos habitantes do nosso País.

         Em suma, o Painel de Especialistas afirma que o EIA-Rima de Belo Monte está marcado pela inconsistência metodológica, ausência e falha de dados, correlações que induzem ao erro e/ou a interpretações duvidosas, além de utilizar uma retórica para ocultar os pesados impactos que serão gerados. Sobre esses impactos, alertam principalmente para as consequências desastrosas decorrentes do subdimensionamento da “área diretamente afetada” e da “população atingida”, afirmando categoricamente que é certo, ao contrário do promete o Ibama, que serão afetadas diversas populações indígenas, em especial os grupos Juruna, Arara, Xipaya, Kuruaya e Kayapó, que, imemorial e tradicionalmente, habitam as margens da Volta Grande do Xingu. Só este último aspecto já seria determinante para o cancelamento do processo, porque as nações indígenas não foram ouvidas, em aberto desrespeito ao ditame constitucional.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no último dia 15 de outubro, participei, em Belém, de um evento realizado sob o patrocínio de várias entidades da sociedade civil paraense, em memorável reunião ocorrida no Complexo Ver-o-Rio, exatamente no Memorial dos Povos Indígenas, uma obra que lembra a brilhante gestão do ex-Prefeito Edmilson Rodrigues. E, ali, reunidos naquele local, no dia 15 de outubro, como disse, testemunhamos o lançamento do Comitê Metropolitano Xingu Vivo para Sempre. Foi possível ouvir a voz de dezenas de representantes da sociedade civil paraense, que ali juntavam o seu protesto e a sua indignação à vontade de convencimento das autoridades governamentais para que mais esse crime contra o Pará e contra a Amazônia, em especial contra as populações que serão atingidas, não venha a ser efetivamente consumado.

            Portanto, quero manifestar, como disse naquela ocasião aos membros do Comitê Metropolitano Xingu Vivo para Sempre, que o mais importante é levar a mensagem e as informações sobre as conseqüências e os impactos que a construção da hidrelétrica de Belo Monte gerará para aquela região; sobretudo que o aproveitamento hidrelétrico do Xingu não servirá exatamente para levar energia à população mais pobre do País, mas servirá principalmente para servir à sanha de acumulação, primeiro, dos grandes grupos que serão responsáveis pela sua construção; depois para aqueles que a utilizarão sobretudo na cadeia produtiva do alumínio.

            Portanto, levo a minha palavra, mais uma vez, de apoio e de estímulo à organização e ao fortalecimento do Comitê Metropolitano Xingu Vivo para Sempre.

            E quero anunciar, Sr. Presidente, um importante seminário de apresentação dos resultados do Painel de Especialistas para análise crítica do EIA-Rima da usina hidrelétrica de Belo Monte, que será realizado no Município de Altamira, na próxima segunda-feira, dia 26 de outubro de 2009, no Centro de Convenções, das 9h às 18h.

            Infelizmente, não poderei estar presente, mas o nosso mandato estará representado para que possamos ali juntar a nossa voz à dos índios ribeirinhos, da Igreja, dos movimentos sindicais, do povo do Xingu, enfim, que resistem há mais de 25 anos, desde aquele memorável encontro realizado em 1985, quando a índia Tuíra, com um facão, naquele evento do I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, dirigiu-se ao Presidente da Eletronorte à época, Dr. Antonio Muniz, e ali, com aquele facão, simbolizava a resistência do povo do Xingu e dos indígenas do Xingu contra a construção do Belo Monte, resistência esta que hoje toma a forma de organização sob o nome Comitê Xingu Vivo para Sempre, que tem o nosso apoio e solidariedade para levar a cabo todos os objetivos da luta do povo do Xingu.

            Mas é preciso que se diga também, Sr. Presidente, com a consciência da extrema gravidade do momento que vivemos, que nem tudo está perdido, como disse, até por iniciativas como essa do Comitê Xingu Vivo para Sempre e por iniciativas como essa do Seminário que ocorrerá em 26 de outubro.

            Ainda há tempo para que o Governo do Presidente Lula tenha a sensatez de mandar sustar esse processo, abrindo um efetivo, urgente e indispensável debate com a sociedade brasileira. Repito: ainda há tempo, antes que se consolide, de maneira irremediável, um dos maiores crimes contra os povos da Amazônia e contra o futuro de todo o povo brasileiro.

            Estas reflexões, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, merecem, a meu ver, em nome daquele povo que luta e resiste há tanto tempo, que as autoridades governamentais examinem esse projeto, verifiquem o quanto ele será maléfico para o povo daquela região, e, enquanto é tempo, evitem mais um desastre, mais um crime contra a população da Amazônia.

            O apelo está feito. Cabe às autoridades governamentais responder afirmativamente, não permitindo que esse crime se perpetue. É essa a importância de aqui insistir, insistir e resistir. É o que faz o povo do Xingu, ao qual juntamos a nossa voz e a nossa luta, irmanados nesse sentimento de que não é possível simplesmente aceitar que planos governamentais, seja de governos anteriores, seja do governo atual, sejam realizados sem a participação efetiva da população daquela região.

            Esse é o apelo. A resposta, nós esperamos do Governo, resposta àquilo que quer e deseja boa parte da sociedade paraense e, em especial, o povo do Xingu.

            Muito obrigado.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/10/2009 - Página 54032