Discurso durante a 187ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Apresentação de requerimento de voto de pesar pelo falecimento do Coordenador de Projetos Sociais do Grupo AfroReggae, Evandro João da Silva.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM. SEGURANÇA PUBLICA.:
  • Apresentação de requerimento de voto de pesar pelo falecimento do Coordenador de Projetos Sociais do Grupo AfroReggae, Evandro João da Silva.
Aparteantes
Marcelo Crivella.
Publicação
Publicação no DSF de 23/10/2009 - Página 54372
Assunto
Outros > HOMENAGEM. SEGURANÇA PUBLICA.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, COORDENADOR, PROJETO, NATUREZA SOCIAL, GRUPO, MUSICA, CULTURA AFRO-BRASILEIRA, VITIMA, ASSALTO, HOMICIDIO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), REGISTRO, BIOGRAFIA, ELOGIO, VIDA PUBLICA, BUSCA, FORMAÇÃO, CULTURA, VALORIZAÇÃO, JUVENTUDE, FAVELA, CONSTRUÇÃO, ALTERNATIVA, TRAFICO, DROGA, SUBEMPREGO, LEITURA, TRECHO, OBRA ARTISTICA, ENCONTRO, ORADOR, APOIO, PROPOSTA, RENDA MINIMA, CIDADANIA.
  • OPORTUNIDADE, PRAZO, REALIZAÇÃO, OLIMPIADAS, BRASIL, CONCLAMAÇÃO, COMBATE, VIOLENCIA, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ).

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) - Prezado Presidente, quero encaminhar à Mesa requerimento, nos termos dos arts. 218, inciso VII, e 221 do Regimento Interno do Senado Federal, de inserção em ata de voto de pesar pelo falecimento, no último domingo, dia 18, do Coordenador de Projetos Sociais do Grupo AfroReggae, Evandro João Silva, de 42 anos, morto durante um assalto no Rio de Janeiro.

            Evandro João da Silva estava no AfroReggae há dez anos. Começou como professor de informática, foi promovido a coordenador do núcleo de Parada de Lucas, um dos cinco núcleos de cultura que o AfroReggae mantém em favelas do Rio, e atualmente era coordenador de projetos sociais da instituição. Dentre os muitos projetos pelos quais foi responsável está o Rebelião Cultural, promovido pelo F4 - pool de organizações não-governamentais formado por AfroReggae, Cufa, Nós do Morro e Observatório de Favelas -, cujo objetivo é levar cursos e oficinas para dentro de presídios cariocas.

            O Grupo Cultural AfroReggae surgiu em janeiro de 1993, inicialmente em torno do jornal Afro Reggae Notícias, um veículo de informação que visava à valorização e à divulgação da cultura negra, voltado sobretudo para jovens ligados em ritmos como reggae, soul, hip-hop e outros.

            Nessa época, já tinha como objetivo e missão oferecer formação cultural e artística para jovens moradores de favelas de modo a que tivessem meios de construir suas cidadanias e, com isso, pudessem escapar do caminho do narcotráfico e do subemprego, transformando-se também em multiplicadores para outros jovens.

            Com o passar do tempo, os projetos foram se aperfeiçoando, a instituição foi crescendo e os resultados começaram a aparecer. Em 1997, o Grupo AfroReggae inaugurou o Centro Cultural AfroReggae Vigário Legal, em Vigário Geral. Com um espaço físico bem estruturado na comunidade, o trabalho pode se desenvolver com maior qualidade e planejamento, e com isso foi possível tornar essa iniciativa uma referência de prática sociocultural na cidade do Rio de Janeiro.

            Atualmente, o AfroReggae desenvolve diversos programas e projetos em quatro comunidades diferentes. Em Parada de Lucas, favela vizinha a Vigário Geral, onde as facções rivais do tráfico vivem em guerra desde 1985, é desenvolvido, desde outubro de 2001, o projeto Rompendo Fronteiras, cujo objetivo é levar o trabalho social aonde quer que ele se faça necessário, independentemente do fato de lado a e lado b estarem em conflito.

            Na verdade, a guerra que os mobiliza é contra a pobreza e a violência.

            Lá em Parada de Lucas, suas armas são os cursos em diversas áreas da tecnologia digital oferecidos para a comunidade com o apoio da HP e da El Paso, além das oficinas de capoeira, história em quadrinhos e violinos.

            No Cantagalo-Pavão/Pavãozinho, o Grupo AfroReggae utiliza a linguagem do circo - malabares, trapézio, acrobacias etc. - para realizar um trabalho que traz alegria e consciência para jovens que viviam na corda bamba, em vários sentidos. Desde 1996, funciona no anfiteatro do Ciep de Ipanema uma oficina de circo aberta à comunidade. Como resultado dessas aulas, foi criada a trupe Levantando a Lona para fazer espetáculos públicos e propiciar aos alunos se profissionalizarem como artistas.

            Há ainda o Programa de Comunicação, que conta com o site www.afroreggae.org.br, portal sobre o GCAR e a cultura afro-brasileira em geral na Internet. Além disso, produzem matérias jornalísticas para o Canal Futura.

            Apesar de toda a diversidade de atividades, a música tem sido, em Vigário Geral, o melhor instrumento para atrair os jovens a participar do grupo AfroReggae. O sucesso obtido com a Banda AfroReggae, tanto artístico quanto como modelo de projeto social, fez com que outros jovens quisessem percorrer o mesmo caminho, e hoje há em Vigário mais três grupos musicais em fase de amadurecimento, mas que já fazem apresentações públicas: Banda Makala Música e Dança, Afro Lata e Afro Samba. Além disso, em Vigário Geral, existem os subgrupos Afro Mangue, Tribo Negra, Akoni e Kitôto.

            Eu mesmo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tive a oportunidade de conhecer de perto o trabalho do grupo. No dia 14 de agosto de 2008, a convite da Associação de Moradores do Complexo do Alemão e do Grupo Cultural AfroReggae, justamente tendo como coordenador do evento o Evandro João da Silva e o José Júnior, eu ali apresentei a proposição da renda básica de cidadania para mostrar àquela comunidade, como acreditaram José Júnior e Evandro João da Silva, que, se viermos a instituir o direito de toda e qualquer pessoa em nossa Nação, incondicionalmente, a uma renda básica de cidadania, isso poderá contribuir significativamente para que, então, se tenha um sentido de solidariedade, de realização de justiça, de fraternidade, contribuindo para que em nosso País, em especial em cidades como o Rio de Janeiro, São Paulo e tantas outras, haja menor índice de criminalidade e de violência.

            Assim como eu, muitos que conheceram Evandro e seu trabalho estão chocados com a barbárie que foi a sua morte. José Júnior, coordenador-executivo do AfroReggae, afirmou: “Choca ver uma pessoa que era um mediador dos conflitos, um cara que morou na favela, só fazia o bem, ser assaltado, roubado e morto da maneira que foi. Me choca a polícia não ter prestado socorro”.

            Já o diretor artístico do grupo diz que a morte de Evandro não significa o fim do seu trabalho: “O fato de Evandro ter partido não significa a sua derrota. Ele foi fazer companhia a outros que antes de nós dedicaram a sua vida a construir a paz e a justiça. Se um pouco de nós se foi com ele, um pouco dele também ficou em nós”.

            Acabo de receber, Sr. Presidente, a propósito da morte de Evandro João da Silva, um texto do poeta brasiliense - ele é de São Paulo, mas há cinco anos já radicalizado em Brasília - Daniel Campos. É um texto bonito - peço a gentileza de poder ler -, intitulado “Nenhum Motivo para a Guerra”.

            Peço às pessoas que nos visitam para aguardar dois minutos a mais, para que eu possa ler o bonito texto de Daniel Campos.

Como protagonista de mais uma tragédia cotidiana, Evandro João da Silva gritou por socorro e recebeu um tiro na barriga. Caído no centro da mesma cidade que receberá um dos maiores símbolos da paz entre os povos - as Olimpíadas -, Evandro sentiu na carne o destino de muitos jovens. Perdeu o tênis, a jaqueta, a carteira... Perdeu a vida. Gritou por socorro, mas foi silenciado. Silenciado pela violência que buscou combater na coordenação social do AfroReggae, que tem um dos trabalhos sociais mais bonitos desenvolvidos neste País que grita por socorro assim como gritou Evandro. Grita contra a fome, contra a insegurança, contra o descaso.

Foi difícil acreditar que o mesmo homem que desenvolvia trabalhos sociais em comunidades carentes e presídios, que transformava desigualdade em música, que me levou para falar de Renda [Básica de Cidadania] em uma das maiores favelas da América Latina, havia se tornado, num piscar de olhos, mais uma vítima, mais um índice, mais um motivo de choro e indignação. Ele que salvou tantas vidas não conseguiu salvar a sua.

Aquele tiro não lhe deu a oportunidade de terminar a faculdade de pedagogia, tampouco começar o mestrado que tanto sonhava ou de continuar colaborando com os mais de 65 projetos do grupo cultural.

            Muitos brasileiros tiveram a oportunidade, ontem à noite, de ver nos jornais de televisão como foi que Evandro João da Silva foi baleado. A polícia chegou, inclusive, a perseguir e prender os dois que o haviam matado, entretanto, acabaram ficando com seus tênis, suas roupas, seus pertences; jogaram dentro da viatura policial, e os dois bandidos acabaram se evadindo.

            O José Júnior me informou que o Governador Sérgio Cabral e o Secretário de Segurança fizeram questão de conversar com ele, dizendo que estão tomando todas as providências. Inclusive o Comandante da Polícia Militar de pronto chamou os dois policiais para que explicassem exatamente o que aconteceu.

            Senador Marcelo Crivella, se V. Exª me permitir, gostaria só de concluir este texto tão belo, que Daniel Campos sugeriu que eu lesse como meu, mas o texto é dele.

Evandro gritou e seu grito ecoou pelas favelas e pelos presídios deixando um sentimento de “vazio” naqueles que enxergavam nele a personificação da esperança. Esperança de uma vida nova, com mais oportunidades e respeito.

Atendendo a um desses gritos contra a injustiça social, contra o preconceito, contra a miséria, eu atendi seu pedido e expliquei a Renda [Básica de Cidadania] aos moradores do Complexo do Alemão. Evandro foi responsável pelo convite e pela organização do evento.

A comunidade participou, eu me emocionei e Evandro se empolgou ainda mais diante daquele mundo tão melhor quão possível. Depois da palestra, muita gente entendeu que o Brasil pertencia a todos e que tinha tudo para ser um País de muitos [ainda mais agora com a descoberta do pré-sal]. Embora tivesse somente 42 anos e fosse um entusiasta da renda mínima, aquele tiro disparado na esquina das ruas do Ouvidor e do Carmo fez com que ele não testemunhasse a completa efetivação desse programa que leva à paz social. Um programa que tem tudo para mudar o refrão de uma música da banda AfroReggae que, ironicamente, ilustra a morte de Evandro:

“Não aguento mais

são iguais sobrepondo

são iguais sobrepondo

são iguais sobrepondo os iguais.”

(Trecho da letra “São iguais sobrepondo os iguais” (Afroreggae)

Evandro gritou, mas as câmeras de segurança de prédios do centro do Rio de Janeiro não gravaram seus gritos. Gravaram policiais militares que ao passar pelo local não lhe prestaram socorro. Como “são iguais sobrepondo os iguais”, os policiais não só ignoraram os gritos de Evandro, como liberaram um dos bandidos que haviam detido. Além disso, eles se apoderaram de seu tênis e de sua jaqueta. Caído ao chão, Evandro era só um homem comum, sem títulos ou medalhas, ao contrário de um dos policiais que tinha a patente de Capitão.

Para que ouvir os seus gritos?

         Que a morte de Evandro seja uma oportunidade de tratar a violência não como uma questão individual, mas como uma questão inserida na trama social. Que o modelo de civilização excludente seja excluído e, enfim, superado. Uma sociedade excludente, que não se compromete com todos, pressupõe a existência da violência.

            (Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Fora do Microfone.) - Só mais um minuto, Sr. Presidente; dois minutos, no máximo.

Por isso, a chave deste problema está no modelo de civilização que tem tudo para ser aprimorado com a concretização da renda [...] [Básica de Cidadania], que beneficiará todos os brasileiros, sem distinção, inclusive aqueles que estão abaixo da linha da pobreza.

Há muitos anos tenho trabalhado para que a renda mínima seja uma importante ferramenta para se construir a paz, a justiça e a liberdade social, contribuindo para a formação de uma geração mais justa e livre de cenas como essa que calaram Evandro. Ele gritou pedindo socorro. Pediu socorro para aqueles que, com sua morte, ficaram desamparados. Ele, que dedicou sua vida a oferecer uma formação cultural e artística para que jovens moradores de favelas tivessem meios de alcançar suas cidadanias e escapar do caminho da violência, foi calado. Calado à força.

Que, por ele, aflorem, em tantos jovens, os sonhos que ele semeou buscando uma nova civilização. Que, por ele, o reggae tenha ainda mais força de transformação social e cultural. Que, por ele a Renda [...] [Básica] renda cada vez mais frutos. Que, por ele, mais e mais brasileiros cantem um dos sucessos da banda Afroreggae, fazendo com que a poesia da letra ganhe raízes na sociedade, de modo que os ideais de Evandro não se calem jamais:

“Nenhum motivo explica a guerra

Nem a grana

Nem a ganância,

Nem a vingança, nem avanço industrial,

Nem esperança, nem o ideal

Nem em nome do bem, contra o mal

Nenhum motivo explica a guerra [...] “.

(Trecho da letra de “Nenhum motivo explica a guerra”, do Afroreggae.

Senador Marcelo Crivella, com muito honra, se me permite o Presidente.

            O Sr. Marcelo Crivella (Bloco/PRB - RJ) - Senador Suplicy, eu não poderia deixar aqui de prestar total solidariedade ao pronunciamento que V. Exª faz nesta tarde da tribuna do Senado. Todos os cariocas, os fluminenses, os brasileiros de boa vontade, veem na morte de Evandro uma tristeza, um desalento, porque o Rio de Janeiro tem tanta violência, e, para contê-la, precisamos da solidariedade, e a solidariedade passa também pela solidariedade da Polícia, que deve prestar socorro aos cidadãos, porque é treinada e é paga para isso. O que mais dói nessa morte, o que mais nos atormenta e nos angustia é que a Polícia não prestou o socorro. Pelo contrário, apropriou-se de material roubado, passando a fazer parte do conluio, do crime bárbaro, do latrocínio. Eu gostaria de associar a minha voz aos sentimentos de V. Exª e pedir a Deus que nos ilumine, porque o Rio de Janeiro precisa de mais amor, de mais paz e, sobretudo, de mais Jesus no coração. Parabéns a V. Exª, e meus sentimentos à família de Evandro, a toda a comunidade da música reggae e a todos os nossos irmãos que hoje vivem nas comunidades carentes do Rio de Janeiro, procurando um caminho mais justo de vida. Parabéns a V. Exª.

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP) - Prezado Senador Marcelo Crivella, que, como Senador do Rio de Janeiro e morador da cidade maravilhosa, pôde aqui externar esse sentimento de todos os cariocas diante do grau de violência que, infelizmente, tem ocorrido em sua cidade...

(Interrupção do som.)

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP.) - ... e, ainda, às vésperas e em meio ao preparo para receber as Olimpíadas daqui a sete anos, possamos nós criar os meios para que o Rio de Janeiro, em breve, ofereça condições de todas as pessoas poderem se sentir numa cidade onde haja, além da sua beleza, que a todos nos encanta, a beleza fruto de instituições que signifiquem a solidariedade, a fraternidade, a realização, de fato, da justiça, como Evandro, José Júnior e os membros do Afroreggae tanto querem poder realizar.

            Meus cumprimentos e me honrará a sua assinatura no requerimento de pesar pela morte de Evandro.

            Muito obrigado, Presidente.

 

****************************************************************************************

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e §2º, do Regimento Interno.)

******************************************************************************************

Matéria referida:

Email com texto “Nenhum motivo explica a guerra”


Modelo1 4/26/246:33



Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/10/2009 - Página 54372