Discurso durante a 187ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Questionamento sobre a pretensão anunciada pelo bispo da diocese de Barra, na Bahia, dom Luiz Flávio Cappio, de construir, no local em que foi morto o terrorista Carlos Lamarca, um santuário em sua homenagem.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO.:
  • Questionamento sobre a pretensão anunciada pelo bispo da diocese de Barra, na Bahia, dom Luiz Flávio Cappio, de construir, no local em que foi morto o terrorista Carlos Lamarca, um santuário em sua homenagem.
Publicação
Publicação no DSF de 23/10/2009 - Página 54415
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO.
Indexação
  • QUESTIONAMENTO, DECISÃO, BISPO, ESTADO DA BAHIA (BA), CONSTRUÇÃO, MONUMENTO, HOMENAGEM, TERRORISTA, ALEGAÇÕES, LUTA, DEFESA, JUSTIÇA, COMBATE, DITADURA, REPUDIO, ORADOR, VALORIZAÇÃO, UTILIZAÇÃO, VIOLENCIA, COMENTARIO, BIOGRAFIA, DESERÇÃO, EXERCITO, ROUBO, CAMINHÃO, ARMAMENTO, PARTICIPAÇÃO, ENTIDADE, CLANDESTINIDADE, OBJETIVO, REVOLUÇÃO, HOMICIDIO, GUARDA CIVIL, ASSALTO, BANCOS, PLANEJAMENTO, EXPLOSÃO, ATENTADO, MORTE, SOLDADO, DIVERSIDADE, EXECUÇÃO.

                          SENADO FEDERAL SF -

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            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


           O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, é difícil acreditar, mas o bispo da diocese de Barra, na Bahia, dom Luiz Flávio Cappio, que freqüentou o noticiário ao fazer duas greves de forme contra a transposição do Rio São Francisco, em 2005 e 2007, anunciou esta semana seu próximo projeto. Ele pretende construir, no local em que foi morto o terrorista Carlos Lamarca, um santuário em sua homenagem.

           Para justificar o tributo a um terrorista assassino, dom Luiz diz que considera mártir “quem morre em defesa de uma causa justa e derrama seu sangue por valores evangélicos”. Logo, para ele, Lamarca é um mártir. “Quero valorizar o que ele fez de bom”, afirma, quando confrontado com o fato de que seu homenageado nunca hesitou em fazer uso da violência, bem ao contrário do que pregam os valores evangélicos.

           Vale a pena vasculhar a biografia de Lamarca, para tentar encontrar nela algum vestígio de apego à doutrina cristã. Capitão do Exército brasileiro, desertou de um quartel em São Paulo, em 1969, roubando um caminhão carregado de armamento e munição, junto com subordinados seus, para juntar-se à organização clandestina VPR, Vanguarda Popular Revolucionária, que lutava contra a ditadura militar, com o objetivo de implantar no País um regime totalitário de esquerda.

           Tornou-se desde então um dos mais ativos terroristas brasileiros. E dos mais violentos também. Na tarde de 9 de maio de 1969, comandou o assalto simultâneo a 2 bancos, no bairro da Moóca. O guarda civil Orlando Pinto Saraiva foi morto com 2 tiros, um na nuca e outro na testa, disparados por Lamarca, que se encontrava escondido atrás de uma banca de jornais. Um dos gerentes, Norberto Draconetti, foi esfaqueado.

           Embora sem participar diretamente, Lamarca planejou o atentado a bomba contra o quartel general do II Exército, em que foi assassinado o recruta Mário Kozel Filho, que estava de sentinela. No Vale da Ribeira, em São Paulo, em setembro de 1970, matou, juntamente com outros integrantes da VPR, com coronhadas na cabeça, o tenente Alberto Mendes Júnior, da Polícia Militar de São Paulo, seu prisioneiro, amordaçando-o para que não gritasse. Ele fora condenado por um “tribunal revolucionário” que não levou mais que alguns minutos para decidir executá-lo.

           Dias depois, sua organização emitiu um comunicado: "A sentença de morte de um tribunal revolucionário deve ser cumprida por fuzilamento. No entanto, nos encontrávamos próximos ao inimigo, dentro de um cerco que pôde ser executado em virtude da existência de muitas estradas na região. O tenente Mendes foi condenado e morreu a coronhadas de fuzil, sendo depois enterrado”.

           Ainda em 1970, no mês de dezembro, Lamarca e seu bando seqüestraram o embaixador suíço, Giovanni Enrico Bucher, numa rua estreita do Rio de Janeiro. O carro do diplomata foi bloqueado e Lamarca bateu no vidro da janela onde estava o segurança, o agente da Polícia Federal Hélio Carvalho de Araújo. Abriu a porta e disparou dois tiros com um revólver calibre 38. O segundo tiro atingiu as costas do agente, que se virara. Com a medula totalmente seccionada, ele morreu 3 dias depois, no hospital.

           Eis um currículo resumido do “herói” para o qual dom Luiz Cappio quer erguer um santuário. Um homem capaz de matar a sangue-frio, sem a menor piedade por suas vítimas. Planejador e autor de atentados, seqüestros e assassinatos, o que Lamarca fez “de bom”, para usar as palavras de dom Luiz? Lutou pela democracia?

           Pelo contrário, seu objetivo, e o de grupos semelhantes que atuavam contra a ditadura de direita, era substituí-la por outra, de esquerda. Não tinha a menor intenção de respeitar a liberdade de expressão e assegurar os direitos de quem discordava de seus dogmas. Seu exemplo e fonte de inspiração eram os regimes totalitários do Leste europeu e a Cuba de Fidel Castro.

           O homem em quem dom Luiz, sabe-se lá como, consegue enxergar qualidades que o tornam um benfeitor da população nada fez a não ser disseminar o terror e arruinar a vida de famílias. Se hoje é tratado como herói, é porque vivemos num país de memória curta, e onde o apego a idéias ultrapassadas ainda engessa a cabeça de muitos intelectuais.

            Agora, descobre-se que dom Luiz Cappio também continua preso ao século passado. Melhor seria se, em vez de gastar recursos com um memorial dedicado a um assassino, cuidasse de empregar o dinheiro em obras que aliviassem um pouco a miséria de seus paroquianos.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/10/2009 - Página 54415