Discurso durante a 188ª Sessão Especial, no Senado Federal

Homenagem póstuma ao Ex-Governador e Ex-Senador Gilberto Mestrinho, falecido no dia 19 de julho deste ano, em Manaus-AM.

Autor
Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem póstuma ao Ex-Governador e Ex-Senador Gilberto Mestrinho, falecido no dia 19 de julho deste ano, em Manaus-AM.
Aparteantes
Jefferson Praia.
Publicação
Publicação no DSF de 28/10/2009 - Página 54469
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM POSTUMA, GILBERTO MESTRINHO, EX SENADOR, EX GOVERNADOR, ESTADO DO AMAZONAS (AM), EX-DEPUTADO, ESTADO DE RORAIMA (RR), INCENTIVO, POLITICA, LOCAL, PARTIDO POLITICO, PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO (PTB), VITIMA, CASSAÇÃO, MANDATO, DITADURA, REGIME MILITAR, ELOGIO, VIDA PUBLICA, DEFESA, DEMOCRACIA, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, REGIÃO AMAZONICA, ASSISTENCIA, POPULAÇÃO, MANEJO ECOLOGICO, FLORESTA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Arthur Virgílio, que preside esta sessão e que também foi o autor do requerimento que a convocou, quero cumprimentar todos os membros da Mesa, no caso, começando pelo Presidente, o Senador Jefferson Praia, que não está mais na Mesa mas que presidiu o início desta sessão; o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, que também já se retirou, Dr. Mauro Campbell; meu amigo Thomé Mestrinho, que também tem uma história já em Roraima; seus filhos Luiz Carlos Mestrinho, Maria Raposo e Leila Raposo; os familiares aqui presentes; Srªs e Srs. Senadores e as senhoras e os senhores.

            Bastaria ser da Amazônia para já ter razão de falar sobre Gilberto Mestrinho, mas, sendo de Roraima, mais razão ainda tenho eu, que nasci em Roraima. Costumo dizer: “Eu não sou Senador por Roraima, eu sou um Senador de Roraima”, porque nasci lá, a minha mulher nasceu lá, os meus filhos nasceram lá, o meu filho mais velho já é juiz de Direito lá, em Roraima. Aliás, todos tiveram mais juízo do que eu, não seguiram a profissão de médico. O mais velho é juiz lá, a mais nova é juíza aqui, no DF, e a do meio é formada em Administração.

            Mas eu quero falar aqui - até me lembro quando começo - da época em que eu era, poderia dizer, um menino, quando Gilberto Mestrinho foi candidato a Deputado Federal em Roraima. Àquela época, não era permitida a reeleição dos Governadores. E Gilberto Mestrinho decidiu, pela amizade que tinha de muitas pessoas de Roraima, candidatar-se por Roraima. E foi eleito. Foi eleito, enfrentando uma oposição de pessoas muito queridas em Roraima, que eram dois médicos, Dr. Sílvio Botelho e Dr. Elesbão, pessoas dignas; inclusive o Dr. Sílvio Botelho tem hoje um filho que é Senador aqui, o Senador Augusto Botelho. E ele fez, realmente, uma campanha de paz, verdadeiramente de solidariedade. Era do PTB - partido a que hoje tenho a honra de pertencer, fui reeleito pelo PTB - e fez uma campanha dizendo justamente isto, que ele queria ajudar não só aqueles que eram do PTB, mas todos os de Roraima, incluindo até os amazonenses que pertenciam à colônia grande de Roraima àquela época.

            Mas nós viemos do Amazonas; Roraima veio do Amazonas, Roraima era Amazonas quando Getúlio Vargas, um petebista também, transformou aquele pedaço do Amazonas em território federal.

            Então, eu tive oportunidade, como disse, ainda como um pré-adolescente, como gosta de dizer o meu neto mais velho, de participar da campanha dele, de subir aos palanques e dizer da importância da eleição de uma pessoa que, embora não morando lá em Roraima, tinha o coração da Amazônia, tinha a alma da Amazônia. E foi eleito.

            E vejam bem: por onde ele foi cassado? Onde ele estava quando foi cassado? Era Deputado Federal por Roraima, foi cassado quando era Deputado lá pela nossa terra. E aquilo, para nós, foi um trauma muito violento, porque, de repente, tínhamos um Deputado que era influente, que nos ajudaria - como estava nos ajudando muito - e teve a sua carreira cortada por um ato, não é preciso dizer, arbitrário do regime da época. E nós perdemos, de repente... Lógico, quando digo nós... Roraima perdeu um Deputado, mas a Amazônia perdeu um grande estadista, e o Amazonas perdeu um grande amigo, no sentido de ter mandato.

            Realmente, isso nos tornou sempre muito amigos. Ele era muito amigo do meu pai, tinha pelo meu pai uma camaradagem, vamos dizer assim, fora do comum. Disso eu nunca me esqueci. E, àquela época, quando foi cassado, começou uma caça aos petebistas de Roraima. O primeiro Governador que chegou lá foi para cassar os petebistas.

            E havia um amigo nosso cujo apelido era Bem-te-vi. Ele tinha um carro-pipa que distribuía água para as casas, em um convênio com a prefeitura, e ele era petebista também, desses para valer, e pintou o carro dele todo com as cores do PTB, o vermelho, o preto e o branco do PTB. E botou, na frente do carro, as letras PTB. E ele foi preso. Foi o primeiro a ser preso logo lá, pelo Governador que chegou. E ele começou a apertá-lo para ele dizer o que sabia sobre o Mestrinho. Ele disse: “Um grande homem, uma pessoa excelente” e tal. “Por que você tem o seu carro pintado com as cores do PTB e ainda tem o nome do PTB?”. E ele disse: “O senhor sabe como sou conhecido aqui?”, perguntou ao Governador. E o Governador disse: “Não, não sei”. “Sou conhecido como Bem-te-vi”. “Mas por que PTB?”. Ele disse: “O senhor não sabe que o Bem-te-vi é um pássaro aguerrido, que persegue os outros e avança até em cima das pessoas? Então, sou conhecido como o Pássaro Terrível Bem-te-vi”. Para poder aliviar, digamos, aquela pecha que tinha por ser petebista.

            Então, desde aquela época, Senador Arthur Virgílio, eu tinha o sonho de ser PTB. Aliás, esse meu sonho começou quando, eu ainda criança, no suicídio de Getúlio Vargas, não tínhamos televisão à época, e as rádios ficavam repetindo, a cada momento, a leitura da carta-testamento. E aquilo realmente me tocou muito profundamente. Só que, quando cheguei na idade de ingressar para a política, o PTB, assim como os outros partidos, tinha sido banido. Não existia mais PTB, não existiam os outros. Só existiam a Arena e o MDB.

            E quero dizer, então, para registrar neste dia... E não vou falar da biografia, porque o Senador Arthur Virgílio já falou, com propriedade, com conhecimento da biografia do Senador - digo Senador porque foi a última convivência que tivemos aqui - Gilberto Mestrinho.

            Aliás, foi essa convivência que tivemos aqui que aprofundou minha admiração por ele, porque eu o conheci, obviamente, de maneira muito leve, durante a campanha; depois, eu o conheci quando era Deputado, mas não tinha, realmente, convivência com ele; vim a ter aqui, no Senado. E conheci mais ainda a condição humana de Gilberto Mestrinho.

            Na verdade, tenho um cacoete que, logicamente, vou levar para o resto da minha vida, que é da minha formação de médico: sempre digo que detesto os fundamentalismos. Não gosto quando a pessoa diz que é ambientalista e não gosto quando a pessoa diz que é ruralista, no sentido de não levar em conta o meio ambiente. E aí, a outra parte importante que foi dita, em parte pelo Senador Flexa Ribeiro, em parte pelo Senador Arthur Virgílio: o que temos que pensar referentemente à Amazônia, primeiramente, são nos seres humanos que estão lá, em 25 milhões de seres humanos que estão lá: homens, mulheres, crianças, negros, índios, caboclos, que são nossos mestiços; brancos de olhos azuis, dos quais o Presidente Lula não gosta, mas que estão lá - foram do Paraná, do Rio Grande do Sul. Esses é que têm que estar em primeiro lugar. Não quero dizer - e nem ele nunca disse isto - que temos que exterminar os animais, que temos que tratar diferentemente, no sentido degradante, os índios. Também não acho que a gente deve pensar que uma floresta é mais importante em pé; isto é - foi dito aqui -, uma árvore que nasce, cresce, reproduz e morre tem que ser deixada assim? Que burrice é essa que não podemos aproveitar, no momento certo, os frutos, que são a própria árvore, em benefício dos seres humanos que vivem lá?

            Recentemente, o Governador Eduardo Braga disse: “Vá dizer para um caboclo da Amazônia, que está lá com sua família, passando fome, que ele não pode derrubar uma árvore. Vá dizer!” Agora, qual é a alternativa para esse homem que está lá? Qual é a alternativa? Então, é isso o que temos que ter, infelizmente.

            No primeiro turno da campanha do Presidente Lula, votei no Ciro Gomes; no segundo turno, ficaram Serra e Lula. Pensei: ora, entre uma pessoa que é de São Paulo, que pensa muito mais como paulista, e uma que é do Nordeste, que veio da pobreza, acho que o Norte vai ganhar muito mais com um homem que pense... E também fui ler o programa dele. No programa, na parte que dizia respeito à Amazônia, li uma frase que, para mim, foi decisiva. Ele disse que era chegada a hora de acabar com essa história de dizer só o que não se pode fazer na Amazônia, mas, sim, o que se pode e se deve fazer na Amazônia. E é esse, realmente, o dilema que vivemos na Amazônia. Há leis demais proibindo tudo na Amazônia; proibindo tudo. Daí a história, que foi contada aqui, do jacaré e do homem. Dizem até que ele disse que, se você for pego prendendo um jacaré e chegar um fiscal do Ibama, mate o fiscal do Ibama, porque o crime não é inafiançável; mas, se você matar o jacaré, o crime é inafiançável. É um absurdo, realmente, mas essa é a realidade da lei. Matar um jacaré é crime inafiançável; matar um ser humano não é crime inafiançável.

            Tivemos aqui um embate muito forte na discussão da lei de gestão das florestas, porque a lei nada mais é do que um sofisma para se entregar a floresta para grupos. “Ah, mas não podem estrangeiros!” Ora, estamos cansados de ver: botam testas de ferro brasileiros e, na verdade, a gestão é de estrangeiros.

            O importante é que fique hoje registrada - é isto o que quero deixar - a imagem de um político humanista, de um político que se preocupava com as pessoas, de um político que pode até haver quem o acusasse de viver no populismo. Eu diria que ele vivia do humanismo, que ele se preocupava exatamente com uma criança que precisava receber no Natal um brinquedo; com a mãe que precisava, na miséria, de enxoval e de bom atendimento para ter seu neném.

            Então, essa era a imagem que eu tinha dele e que foi corroborada com a convivência que tivemos aqui, no Senado.

            Antes de encerrar, quero ouvir o Senador Jefferson Praia com muito prazer.

            O Sr. Jefferson Praia (PDT - AM) - Senador Mozarildo, quero aproveitar suas palavras, quando V. Exª aponta nosso saudoso Mestrinho como humanista. Se observarmos a luta que ele travou em toda sua vida, veremos que o foco principal vai ser o homem e a mulher da Amazônia. Isso mesmo. Gilberto Mestrinho é igual à Amazônia, que é igual a homens e mulheres da Amazônia. Percebemos também isso em todas as suas teorias, em todas as teses que defendeu. Onde estava o homem, a natureza... Se formos perceber hoje, quando se fala em crescimento econômico - porque, no desenvolvimento, já está inclusa a questão ambiental - fala-se em crescimento econômico mais natureza, que é o desenvolvimento sustentável. Portanto, para mim, nosso saudoso Mestrinho fica como aquele que lutou pela Amazônia que hoje buscamos, que é uma Amazônia com melhor qualidade de vida para os homens, para as mulheres, para as crianças, para a família da Amazônia. Muito obrigado pelo aparte.

            O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (PTB - RR) - Senador Jefferson Praia, fico muito honrado com o aparte de V. Exª, que é outro amazonense que aprendi a admirar. V. Exª assumiu a cadeira de um homem que era um símbolo em termos de político sério; e V. Exª não tem desmerecido essa posição e tem uma visão que nós, da Amazônia, devemos ter. É exatamente isto: é pensarmos em crescimento.

            Na verdade, esse movimento ambientalista se deixa levar muito por aspectos parecidos com o da Inquisição. Rotula-se. Por exemplo, o índio, por acaso, não desmata para plantar sua roça? Ele planta e desmata. Ele aprendeu com alguém? Não. É da tradição dele. Ele desmata, planta a roça e tira seu alimento. E assim faz. Agora, falam: “Tantos por cento da Amazônia foram devastados.” Devastados? Doze por cento. Ao longo dos 509 anos que existimos, devastados como? A Amazônia foi ocupada por cidades, vilas, estradas, assentamentos do Governo Federal, como os assentamentos do Incra. Agora, chegamos ao paroxismo, Senador Arthur Virgílio, de que nas nossas notas, no nosso dinheiro, não tem um ser humano, não tem um vulto histórico! De R$1,00 a R$100, 00 só tem bicho! Com todo respeito aos bichos, mas até Deus, quando criou a terra, disse que o ser humano teria que dominá-los e teria que reinar sobre eles e sobre a natureza. Agora é o contrário. Nós, humanos, somos, talvez, o terceiro na escala: a mata, o bicho e, depois, o ser humano. Espero que, realmente, todos aqueles que pensam a Amazônia de maneira humanista possam realizar o grande desafio, que é a inteligência de compatibilizar essas três coisas, priorizando o homem. Muito obrigado. (Palmas.)


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