Discurso durante a 198ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Análise sobre a adesão da Venezuela ao Mercosul.

Autor
Flávio Torres (PDT - Partido Democrático Trabalhista/CE)
Nome completo: Flávio Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Análise sobre a adesão da Venezuela ao Mercosul.
Publicação
Publicação no DSF de 29/10/2009 - Página 55687
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • JUSTIFICAÇÃO, VOTO, APOIO, ENTRADA, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), DEFESA, COMERCIO, INTEGRAÇÃO, AMERICA DO SUL.
  • CRITICA, AUTORITARISMO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA, RESTRIÇÃO, LIBERDADE, RESPEITO, SOBERANIA, POVO.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. FLÁVIO TORRES (PDT - CE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, desculpe-me pelo adiantado da hora. Peço desculpas também aos funcionários do Senado, que permitem que esta sessão continue, mas amanhã vou dar um voto sobre a questão da Venezuela e queria explicá-lo, queria ter o direito de explicar o meu voto. Já ouvi que o senhor vai votar diferentemente de mim.

            Sr. Presidente, no ano de 1977, a China invadiu o Vietnã na madrugada, e amanhecemos o dia com a notícia de que a China havia invadido o Vietnã. Por coincidência, naquele mesmo dia, uma pessoa do nosso grupo morreu - naquele tempo era o movimento da anistia, dos direitos humanos -, e fomos ao cemitério. No cemitério, fiz uma estatística. Comecei a conversar e peguei um papel. Listei vinte nomes de pessoas e não errei a opinião de ninguém a respeito da invasão da China sobre o Vietnã. Eu sabia. Se fulano é do PCdoB, vai apoiar a China. Se fulano é ligado aos trotskistas, vai dizer que está errado a China invadir. E por aí vai. Não errei nenhum, Senador Cassol. Eu fiz a relação. Aquilo eu usei muito, porque, para mim, é entristecedor e emburrificador a gente saber a posição que vai tomar sobre um assunto de que não sabíamos nada. A invasão havia sido de madrugada, e ninguém sabia de nada.

            Estou-me sentindo um pouco assim no Senado. Quando há um projeto do Governo, toda a Oposição vota contra, e todo o Governo vota a favor. Às vezes, quem é do Governo poderia discordar ligeiramente de um projeto do Governo. Do mesmo jeito, a Oposição, que é contra, mas concorda com alguma coisa do Governo. A gente não vê aqui esse diálogo, essa flexibilidade.

            Na questão do voto da Venezuela, é exatamente isso que estou vendo. Temos uma questão, mas o que vemos? Vemos o Governo votando a favor, defendendo o regime de Chávez - ou pelo menos os Senadores da situação -, e a Oposição, contra. Para mim, não é isso. Eu queria me colocar aqui. Vou votar amanhã a favor da entrada da Venezuela no Mercosul, mas não posso deixar de dizer aqui o que acho do regime de Chávez.

            Convidamos, para um depoimento na Comissão de Relações Exteriores, o Prefeito de Caracas, que nos disse que há 1.200 presos em Caracas. Sr. Presidente, passei boa parte de minha vida tentando que o Brasil não tivesse preso político. Então, não quero, de forma alguma, associar-me a um regime, nem de longe, que tem preso político.

            O Prefeito de Caracas disse que a Oposição, na Venezuela, tem o trabalho cerceado, não tem liberdade de fazer oposição. Sr. Presidente, eu passei uma boa parte da minha vida na oposição, brigando para que tenhamos liberdade, e eu não quero, de forma nenhuma, nem de longe, associar-me a um regime que cerceia a liberdade de atuação da oposição. E por aí vai.

            Essas milícias que o Presidente Chávez está fazendo na Venezuela me assustam muito, porque dar autoridade para uma pessoa que não foi formada... Você vai dar o quê? Vai dar uma arma para uma pessoa que não tem formação? É uma coisa, para mim, muito perigosa. Então, eu vejo tudo o que acontece na Venezuela com muita reserva. Eu declaro: eu não gostaria de estar vivendo na Venezuela, com o que eu vejo lá.

            Mas, dito isso, eu queria dizer o seguinte: eu acredito firmemente numa coisa chamada autodeterminação dos povos. Esse problema não é nosso. Esse problema, infelizmente, é dos venezuelanos. Os venezuelanos têm de ir para a rua, como nós fomos, têm de lutar pelos direitos humanos, têm de lutar pela liberdade de expressão, de oposição, têm de lutar pela liberdade de imprensa. Esse é um problema deles.

            E nós não temos o direito, o Brasil não tem o direito de ficar apontando, cobrando da Venezuela um regime democrático, porque nós mesmos, há muito pouco tempo, estávamos pendurando as pessoas pelos pés e dando choques elétricos para arrancar delas confissões.

            Nós temos uma democracia muito nova, muito recente e com uma história triste muito recente, que não dá ao Brasil o direito de ficar apontando. Deixem os países resolverem as suas situações. Com relação a este ponto que estamos tratando, a Venezuela vai entrar é numa relação de comércio, numa relação até de estreitamento de amizade, de relações, num continente que sempre olhou para o outro lado do mapa, para a Europa ou para a América do Norte, mas nunca olhou para os vizinhos, nunca olhou para si.

            Então, é importante que nós façamos um esforço de uma coisa que vai começar capenga, que vai começar fanhosa, que vai começar cheia de defeitos, mas que é a semente de uma união dos países da América Latina. Já temos um esforço no Cone Sul com a Argentina, com o Paraguai, com o Uruguai... São quatro países. Está na hora de a gente olhar para o norte para ver se outros países vêm se juntar ao Brasil nesse nosso esforço de tentar uma coisa latino-americana, que fale a nossa língua ou muito próximo da gente, que tenha os nossos mesmos defeitos, que tenha as nossas mesmas necessidades, porque temos coisas muito próximas na América Latina: temos o povo ainda analfabeto, nós temos ainda um povo sem acesso ao emprego, sem acesso à saúde, sem acesso ao trabalho.

            Então, quero aqui explicar que o meu voto a favor da Venezuela nem de longe redime ou diminui as críticas que faço com relação à Venezuela.

            Para completar, Sr. Presidente, nesta semana, quando a gente ainda estava estudando o voto, li uma declaração do Presidente Chávez. Ele disse que não vai mais financiar Professor Pardal - olhem para mim, e eu já boto a carapuça -, que vai estudar a atmosfera de Vênus; disse que os professores, os pesquisadores saiam de suas redomas e vão fazer ciência para as favelas de Caracas.

            Essa afirmação é de uma ignorância, é de uma bobagem de alguém que não sabe o que é ciência nem pelo dicionário. Porque não há ciência para favelado. Ciência é ciência, tem qualidade ou não tem. É a ciência que está descobrindo, que descobriu os remédios, que distribuiu a cura para as doenças, que descobriu a produtividade. Não há ciência para favelado. Felizmente, o mundo não espera pela ciência para resolver o problema dos pobres. Os pobres não têm comida, não têm emprego, não têm moradia, não têm saúde, por falta de opção política dos nossos governantes. Não é pela ciência. Nós sabemos plantar feijão, nós sabemos produzir antibiótico, nós sabemos construir uma casa. Não damos isso para as nossas populações porque os governos não têm suficiente coragem, vontade e determinação para fazer isso. Não é pela ciência.

            Eu estava vendo, na nossa pauta trancada, da nossa sessão, um requerimento do Senador Colombo sobre o CNPq, que abriu um edital para alfabetizar os assentados. É o mesmo erro. Isso não é para CNPq. O CNPq é o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Ele não tem que cuidar de educação de assentado, que é, no máximo, uma tarefa do Ministério da Educação, ou do prefeito onde o assentamento está ocorrendo.

            Quanto a esses desvios, esses erros, a gente tem que pôr a baliza aqui no nosso País. Mas vamos falar do que acontece no nosso País. O que acontece na Venezuela é problema dos venezuelanos. A gente negocia com a China, que não tem nada parecido com democracia. A gente pode negociar com o Irã. Cada povo tem a sua cultura e tem o seu regime. Vamos cuidar da gente, mas vamos fortalecer o embrião do que poderá ser um mercado forte dos países da América Latina.

            Sr. Presidente, era o que eu tinha a dizer.

            Muito obrigado.


Modelo1 4/25/242:18



Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/10/2009 - Página 55687