Discurso durante a 199ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem pelo transcurso, em 18 de outubro, dos 100 anos de nascimento do filósofo e pensador italiano Norberto Bobbio.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem pelo transcurso, em 18 de outubro, dos 100 anos de nascimento do filósofo e pensador italiano Norberto Bobbio.
Publicação
Publicação no DSF de 30/10/2009 - Página 55982
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, INTELECTUAL, CIENTISTA POLITICO, PAIS ESTRANGEIRO, ITALIA, ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, FILOSOFIA, DEBATE, CULTURA, ATUALIDADE, REGISTRO, EXISTENCIA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CENTRO DE ESTUDO, MANUTENÇÃO, GRUPO, PESQUISA, AREA, DIREITOS HUMANOS, DEMOCRACIA, DIVULGAÇÃO, CONHECIMENTO, PARCERIA, UNIVERSIDADE, DISPONIBILIDADE, BIBLIOTECA, SAUDAÇÃO, LANÇAMENTO, LIVRO, PUBLICAÇÃO, CONFERENCIA, AUTORIA, CELSO LAFER, JORNAL, O ESTADO DE S.PAULO, LEITURA, TRECHO, DETALHAMENTO, OBRA INTELECTUAL, DEFESA, PAZ, REFORÇO, INSTITUIÇÃO DEMOCRATICA, OPOSIÇÃO, ARMA NUCLEAR.

                          SENADO FEDERAL SF -

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            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pela Liderança do DEM. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador José Sarney, Srªs e Srs. Senadores, no domingo, 18 de outubro último, completaram-se cem anos do nascimento do filósofo e pensador político italiano Norberto Bobbio, nascido em 1909 e falecido em 2004.

Pela longa vida, pela intervenção intelectual e direta na política do seu país, pela lucidez e pelo rigor de seus escritos, Bobbio se tornou - segundo O Estado de S. Paulo -, ‘um interlocutor para a cultura internacional na segunda metade do século 20 e pode continuar a sê-lo no início do novo século’, observou Michelangelo Bovero, Conselheiro do Centro Studi Piero Gobetti, de Turim, Itália, uma entidade chave na difusão da obra do filósofo, e também membro do comitê oficial das comemorações desse centenário.

            Além de registrar a referida efeméride, gostaria de observar também que, em 2005, após o falecimento do cientista político, foi criado, em São Paulo, o Centro de Estudos Norberto Bobbio, que tem como missão pesquisar e divulgar os grandes temas abordados pelo filósofo italiano. Faz isso em parceria com o Centro Studi Piero Gobetti, instituição que cuida do legado intelectual de Bobbio na Itália.

            A iniciativa da criação desse Centro de Estudos Norberto Bobbio foi do ex-presidente da Bovespa, o Dr. Raymundo Magliano, que, leitor do Bobbio, acompanhou com muito interesse a criação desse instituto, que realiza seu intento atuando de diferentes formas.

            O instituto mantém grupos de pesquisa, dos quais quatro estão atualmente em atividade, sobre temas como direitos humanos e democracia. Também organiza eventos abertos ao público, geralmente em parceria com universidades e instituições da sociedade civil. Abriga ainda um acervo, aberto ao público, com mais de mil obras, das quais mais de cem textos de Norberto Bobbio inéditos em livro, doados por Andrea Bobbio, filho do filósofo italiano.

            Devo também registrar que foi lançado, recentemente, com prefácio da edição brasileira feito por Celso Lafer - aliás, um excelente prefácio, um longo e competente prefácio -, o livro O Terceiro Ausente, que compreende não somente textos inéditos de Norberto Bobbio, mas também especulações que ele faz com relação ao futuro, sobretudo naqueles temas que o preocuparam de modo especial, ao longo de sua douta e densa vida intelectual.

            Na mesma data, ou seja, no dia 18 de outubro, Celso Lafer publicou, em O Estado de S. Paulo, uma conferência que proferira, no Universidade de Turim, sobre Norberto Bobbio.

No campo das relações internacionais - recordou Celso Lafer -, o tema central de Norberto Bobbio é a situação-limite, paz/guerra, que, historicamente, molda a vida internacional. Sua análise tem como nota identificadora o empenho em prol da paz, levando em conta o impacto da mudança qualitativa trazida pelas armas nucleares, que, de alguma forma, representaram um fato novo na convivência internacional. Estas assinalam a possibilidade do uso da violência numa escala historicamente inédita e operam no horizonte do terror e da descartabilidade do ser humano. É nesse horizonte que se move a reflexão de Bobbio.

No colóquio com Pietro Polito, por ocasião dos seus 90 anos, Bobbio observou que ‘luz da razão é o sol de que podemos dispor para iluminar a treva na qual estamos imersos’ mas aduz Bobbio ‘que não há lugar para certezas absolutas’.

Daí Norberto Bobbio insistir na defesa do ‘overno das leis’ e das regras do jogo da democracia, que ‘conta cabeças e não corta cabeças’. Daí o seu pacifismo, pois os conflitos interestatais, quando deságuam na guerra, propiciam os casos mais clamorosos de violência coletiva.

Em suma”, - ainda me valho de observações, mais uma vez, de Celso Lafer - “o equilíbrio baseado no terror das armas nucleares é instável, não impede o uso das armas tradicionais, cujo impacto destruidor vem aumentando com as inovações científico-tecnológicas. E tende, em matéria nuclear, a reequilibrar-se no nível superior ou a desequilibrar-se de vez, como Gorbachev se deu conta na década de 1980. Daí a crítica de Bobbio aos estudiosos das relações internacionais que reconhecem o terror que as armas nucleares causam, mas minimizam a possibilidade de seu uso. Escondem o imenso problema que a sua invenção e seu armazenamento trazem para o destino da Terra e a sobrevivência da humanidade”.

“Esse imenso problema persiste” - observa Celso Lafer - “no século 21. Como aponta Jonathan Schell, autor que Bobbio muito apreciava, o potencial da escalada da violência trazida pelo evento inaugural da bomba atômica contra o Japão, em 1945, prolonga-se neste século 21. A era dos extremos, que é um tema de que recorrentemente tratava Bobbio, não se encerrou com o fim da bipolaridade e a desagregação da União Soviética, pois o risco do ‘over kill” tende a aumentar.

            O Sr. Mão Santa (PSC - PI) - Senador Marco Maciel...

            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Pois não. Ouço V. Exª, Senador Mão Santa.

           O Sr. Mão Santa (PSC - PI) - V. Exª, como o Presidente Sarney, engrandece este Senado, porque, além de terem exercido a Presidência da República, os dois pertencem à Academia Brasileira de Letras, dando esse ar cultural a esta Casa. E nós temos plena convicção... Charles de Gaulle, nas suas memórias, diz: “Nunca vi um comandante bom sem cultura” - Charles de Gaulle, o homem da resistência francesa. Então, V. Exªs traduzem um quadro da cultura, que é o Senado. São os dois membros que foram Presidentes da República e que pertencem à Academia, à cultura. Mas é muito oportuno o pronunciamento de V. Exª, porque, desde que Aristóteles disse que “o homem é um animal político”, e ninguém o desmentiu, esse animal político saiu criando e passou lá pela Itália, onde deixou a democracia de Péricles, direta - o povo todo falando, e era confusão muita, Presidente -, para entrarmos na democracia representativa de Roma, simbolizada pelo nosso Senador Cícero: “O Senado e o povo de Roma”. Nós, hoje, podemos dizer, e dizemos: “O Senado e o povo do Brasil” - que nós representamos. Mas, Marco Maciel, a nossa cultura passou pelo Renascimento da Itália. E lá eles têm Senadores que são os notáveis. São cinco vagas, Presidente Sarney. É diferente: V. Exª e o Presidente Sarney entraram aqui, são notáveis, mas receberam o voto. Lá, não; eles pegam cinco notáveis, e o Norberto Bobbio foi um desses, que viveu na época de Mussolini; ele que sabe bem o que é o absolutismo, foi professor de Direito. Mas, resumindo a vida dele, o último livro dele diz assim: “O mínimo que temos que exigir de um governo é segurança à vida, à liberdade e à propriedade”. Então, V. Exª trouxe à tona essa reflexão de que não está tudo 100%, não. Segurança à vida - na nossa sociedade é uma barbárie só -, à liberdade e à propriedade. Está aí a confusão. Então, V. Exª relembra esse que, sem dúvida nenhuma, é um notável teórico da democracia que queremos conquistar. E nós, o povo do Brasil, temos que agradecer ao Senado da República, porque V. Exª que está na tribuna e o Sarney, que neste momento preside, traduzem a grandeza cultural deste Senado que vivemos.

            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE) - Muito obrigado, nobre Senador Mão Santa, pelo aparte que V. Exª ofereceu, enriquecendo, consequentemente, as palavras que estou pronunciando.

            Prossigo, Sr. Presidente, lembrando, mais uma vez, com Celso Lafer, que:

Esta consciência com relação à questão da guerra nuclear hoje vai além dos intelectuais inermes de que falava Bobbio no seu livro, agora lançado, O Terceiro Ausente. Alcançou os que exercem o poder, que se deram conta, com realismo, como disse [certa feita Raymond] Aron, que a ameaça nuclear não é um instrumento nem de decisão, nem de poder imperial, pois permite exterminar, mas não reinar.

Todos estes componentes integram a arte combinatória do pacifismo ativo de Bobbio, por ele desdobrado em três vertentes, tendo em vista o seu foco - vale dizer, o da ação sobre os meios, sobre as instituições e sobre os seres humanos.

Esse pacifismo [bobbiano] tem guarida na ONU, que é, por sua vez, uma instituição do pacifismo institucional, na condição de uma organização internacional de vocação universal, voltada para conter os riscos da anarquia e que reputa a paz um bem e a guerra como um flagelo, como está dito no seu preâmbulo [documento que criou, em 1945, a Organização das Nações Unidas].

            A Carta da ONU, ainda hoje, é um documento em aberto, cujos preceitos são extremamente atuais.

            Bobbio, conforme observa Celso Lafer na publicação que acaba de ser feita em edição portuguesa, expressa-se no propósito de estimular o respeito aos direitos humanos por meio da cooperação internacional, conforme o art. 1.3 da Carta da ONU.

Este propósito teve como desdobramento a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, que traçou uma política de Direito voltada para consolidar, no campo dos valores, uma visão do mundo caracterizada pelo respeito e pelo reconhecimento do Outro.

            Sr. Presidente, eu não gostaria de encerrar tampouco sem fazer uma referência ao fato de que Bobbio, durante toda a sua vida, insistia muito na necessidade do fortalecimento das instituições, mesmo porque nós sabemos que as pessoas passam, e as instituições ficam. Daí a necessidade de sempre buscar fortalecer as instituições como forma de assegurar o enraizamento adequado da democracia em nosso País.

            Devo aludir agora ao lançamento do livro O Terceiro Ausente, que, na realidade, é uma coletânea de textos de Bobbio, alguns inéditos, e de muitos de seus colaboradores, porque Bobbio dispunha de uma enorme equipe de pensadores, filósofos, cientistas políticos e intelectuais, que muito concorreram para o clareamento de problemas políticos e, sobretudo, de ordem filosófica. No livro O Terceiro Ausente, Bobbio observa:

O sistema internacional sustenta-se, ainda, sobre o equilíbrio, que é por sua natureza precário e instável, de sujeitos que têm medo um do outro. A única garantia de estabilidade, que contudo é sempre uma estabilidade relativa, repousa sobre o princípio de reciprocidade [...].

Tendo irremediavelmente caído por terra a ideia de um progresso indefinido e necessário [que era sempre um pensamento kantiano. Kant achava sempre, com alguma razão, que o mundo estava sempre na marcha para o progresso], os sábios de hoje parecem ter-se dado conta de que a contingência desempenha um papel cada vez mais importante nas coisas deste mundo. Kant estava convencido de que o gênero humano estivesse em constante progresso em direção ao melhor. Hoje, não sabemos se avança em direção ao melhor ou em direção ao pior, ou em ciclos de grandeza e decadência, de liberdade e opressão, de paz e guerra. [...]

Depois da invenção das armas nucleares, estamos menos seguros disso. O augúrio que podemos fazer para o ano novo é que o pacto entre as duas grandes potências nos ajude a reconquistar a tranquila e consciente confiança de antigamente.

            Leio apenas, Sr. Presidente, antes de encerrar, um pequeno trecho da contracapa do livro O Terceiro Ausente.

            Diz Michelangelo Bovero:

A condição essencial para uma paz que não tenha mais a guerra como alternativa, é, segundo Bobbio, a democratização do sistema internacional, isto é, a criação de um poder de um ”Terceiro” não despótico, acima das partes, capaz de solucionar os problemas evitando o recurso à violência. Por esse caminho, paz e democracia confluem no ideal da não violência, definido pelo próprio Bobbio como “o momento utópico” desse livro, que se apresenta como um contraponto à análise realista e desencantada da dificuldade do problemaMas Bobbio mostra que o terceiro ainda está ausente. Não estão de todo ausentes os sinais premonitórios de um possível progresso em relação à meta final, e, também, por que não dizer, à meta ideal. Em certo sentido, também este livro é um dos sinais positivos. Não é um livro apenas para estudiosos. É um livro para a educação da paz.”

            Concluo minhas palavras, Sr. Presidente, dizendo que Bobbio, entre seus aforismas, um deles conceituado de forma muito concisa, ainda hoje é extremamente oportuno. Bobbio dizia sempre que a cultura une e que a política divide.

            Na realidade, este é o momento que vivemos em que a cultura reconhecidamente une, mas a política continua a dividir. E isso tem um certo fundamento porque a democracia é a convivência de contrários e, consequentemente, nunca há consensos generalizados sobre temas difíceis que exigem uma ampla reflexão antes de que soluções sejam adotadas.

            Era o que tinha a dizer. Agradeço a V. Exª pelo tempo que nos permitiu usar.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/10/2009 - Página 55982