Discurso durante a 201ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da aprovação de propostas de emenda Constitucional, em tramitação nesta Casa, que criam novos institutos de democracia participativa: o direito de revogação e o veto popular.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DEMOCRATICO. LEGISLAÇÃO ELEITORAL. :
  • Defesa da aprovação de propostas de emenda Constitucional, em tramitação nesta Casa, que criam novos institutos de democracia participativa: o direito de revogação e o veto popular.
Publicação
Publicação no DSF de 04/11/2009 - Página 56599
Assunto
Outros > ESTADO DEMOCRATICO. LEGISLAÇÃO ELEITORAL.
Indexação
  • REGISTRO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, DEBATE, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, GARANTIA, DEMOCRACIA, PARTICIPAÇÃO, SOCIEDADE, PRESENÇA, PROFESSOR, UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP), UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPIRITO SANTO (UFES), UNIVERSIDADE DE BRASILIA (UNB).
  • COMENTARIO, HISTORIA, DEMOCRACIA, DEFESA, IMPORTANCIA, DIVERSIDADE, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, ESPECIFICAÇÃO, PROPOSIÇÃO, SUBSCRIÇÃO, ORADOR, UTILIZAÇÃO, REFERENDO, INICIATIVA, POPULAÇÃO, REVOGAÇÃO, MANDATO ELETIVO, CARGO PUBLICO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEPUTADO FEDERAL, DEPUTADO ESTADUAL, SENADOR, GOVERNADOR, PREFEITO, VEREADOR, DISSOLUÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, ABERTURA, POSSIBILIDADE, CONGRESSISTA, ANULAÇÃO, CARGO ELETIVO, PRESIDENTE.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Mão Santa, Srsª e Srs. Senadores, gostaria de hoje falar sobre a democracia participativa no Brasil, comentar a audiência pública que, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, tratou do assunto e conclamar Senadoras e Senadores a discutir e votar as matérias que, apensadas, versam sobre o tema.

            Fruto de influências religiosas e iluministas, a supremacia do povo passa a ser reconhecida como tal, na segunda metade do século XVIII, pelo advento da Declaração dos Direitos do Povo de Virgínia, de 1776, e da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.

            Os conceitos oriundos do Direito Natural de Aristóteles, Tomás de Aquino, Hobbes, Locke, Rousseau, Kant e Thomas Jefferson conferiram ao povo “certos direitos inerentes à natureza humana, de cujo exercício não podem, por nenhum pacto estabelecido no momento da passagem para o estado de sociedade, privar ou desapossar a sua posteridade”. Dessa compreensão resultou que “todo o poder pertence ao povo e, consequentemente, todo poder deriva do povo”.

            A partir desse entendimento, o povo passou a dispor de um direito de resistência, fundado na natureza ou na vontade de Deus, sendo livre e soberano para decidir continuamente sobre o seu governo. A participação do povo nas decisões de seu próprio destino é uma “garantia de liberdade, uma forma de governo e um instrumento de educação política”.

            Em nosso País, o poder supremo do povo - o chamado princípio democrático - consta do parágrafo único do art. 1º da Constituição da República, que estampa: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.

            Desse dispositivo, retiram-se as duas vertentes da democracia em nosso País. A democracia representativa, ou indireta, é aquela em que o povo, fonte primária de todo o poder, se governa por intermédio de representantes eleitos por ele periodicamente, que toma em seu nome e no seu interesse as decisões políticas, no instituto denominado de representação política.

            O outro braço da democracia é a chamada democracia participativa, que se caracteriza pela coexistência de mecanismos da democracia representativa associados a procedimentos da democracia direta. Assim, a democracia participativa é o regime que propicia mecanismos de efetivo controle da administração pública pela sociedade civil, não se reduzindo o papel da democracia apenas ao voto.

            Como diz Lígia Helena Hahn Lüchmann, em tese de doutorado apresentada na Unicamp, na democracia participativa, “a legitimidade das decisões políticas advém de processos de discussão que, orientados pelos princípios da inclusão, do pluralismo, da igualdade participativa, da autonomia e da justiça social, conferem um reordenamento na lógica do poder político tradicional”.

            Em nosso ordenamento jurídico, os tópicos de democracia participativa são os que, de forma muito restrita, constam dos incisos do art. 14 do texto constitucional: o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular. Tais institutos estão regulados pela Lei nº 9.709, de 1998, que os admite apenas em casos de acentuada relevância nacional, sendo que a iniciativa popular, de difícil implementação prática, é limitada apenas à apresentação de projeto de lei, conforme o prescrito pelo § 2º do art. 61 da Constituição da República, e pelo art. 13 da citada lei.

            A audiência pública ocorrida na CCJ, em 24 de setembro, com a finalidade de instruir as Propostas de Emenda à Constituição nºs 80 e 82, de 2003, e nº 73, de 2005, todas relativas a institutos de democracia participativa, apensadas e relatadas pelo Senador Pedro Simon, teve como convidados os Profs. Fábio Konder Comparato, da Universidade de São Paulo; João Baptista Herkenhoff, da Universidade Federal do Espírito Santo; e Paulo Kramer, da Universidade de Brasília.

            A PEC nº 80, de 2003, que tem como primeiro signatário o Senador Antonio Carlos Valadares, introduz o direito de revogação, individual e coletivo, ou seja, o recall ou arrependimento eleitoral, que permite a revogação do mandato de governantes e parlamentares, bem como o veto popular, definido como a faculdade que permite ao povo se manifestar contra uma lei já elaborada.

            A PEC nº 82, de 2003, da lavra do saudoso Senador Jefferson Péres, prevê a possibilidade de realização de plebiscito de confirmação de mandato dos representantes eleitos pelo voto majoritário.

            A PEC 73, de 2005, que assinei como primeiro signatário, cria o instituto do recall, possibilitando a revogação dos mandatos eletivos de todos os cargos, inclusive com a dissolução da Câmara dos Deputados, mediante iniciativa e referendo popular a ser efetuado um ano após a posse. O referendo para a revogação do mandato do Presidente da República poderá, também, realizar-se por iniciativa da maioria absoluta do Congresso Nacional.

            Nas suas análises, o professor João Batista Herkenhoff conclui que “o sistema representativo já não corresponde aos anseios da sociedade e a democracia direta aparece inviável. Como resultado, começa a se fortalecer o conceito de democracia participativa, com características de democracia semidireta; ou seja, não desconsidera os representantes, mas aproxima a sociedade da arena decisória”. Em reforço a esse pensamento, retrata as palavras de Anderson Santana Pedra quando diz que “não há democracia sem participação, sem povo. O regime será tanto mais democrático quanto tenha desobstruído canais, obstáculos, óbices à livre e direta manifestação da vontade do cidadão”.

            O professor Paulo Kramer, por outro lado, apresenta-se contrário à proposta de implementação de democracia participativa em nosso País, argumentando que a frequência de consultas populares não é indicador de democracia nem de sanidade administrativa. Para ele, o melhor caminho para a nossa democracia é a adoção do voto distrital puro, por meio do qual, no Município, o eleitorado pode fiscalizar o trabalho do seu representante.

            Por seu turno, o professor Fábio Konder Comparato inicia seu pronunciamento fazendo uma digressão sobre a história do Brasil, na qual mostra que “a ausência do povo brasileiro, nas grandes decisões políticas do país, sempre se fez notar”. Sobre o tema da audiência pública, discorreu o professor Fábio Konder Comparato, da seguinte forma:

“Como introduzir a democracia neste País? Nós não podemos pensar em disposições rápidas e sem fundamento. Nós temos que nos fundar, em primeiro lugar, na educação do povo. O povo brasileiro aceita ser sujeito a uma minoria, que diz exatamente o que deve acontecer. Na verdade, depois de quase quatro séculos de escravidão, seria um absurdo que o povo brasileiro tivesse uma noção muito clara do fato de ele ser titular do poder supremo, ou seja, da soberania.

Mas não basta a educação, é preciso uma mudança normativa. Muitas vezes, a mudança normativa exerce um papel pedagógico e é exatamente o caso da introdução do recall. Sem dúvida, dirão: mas o que adianta o recall? Fez-se um referendo sobre o porte de armas e o povo votou exatamente como queriam os conservadores, ou seja, cada um armado, todos nós armados para enfrentar a violência.

Acontece que, à medida que essas manifestações vão se sucedendo, o povo se dá conta de que o poder está com ele. E que aquele que exerce o poder por eleição deve prestar contas. [...] Qualquer um de nós, quando atribui poderes a alguém para atuar em seu nome, manifesta confiança. No momento em que cessa essa relação de confiança, o mandato deve ser interrompido.

O recall não é, de forma alguma, uma medida revolucionária. Nos Estados Unidos, 18 Estados da Federação têm o recall. Dois Estados - Michigan e Oregon - têm o recall desde 1908 [Senador Mão Santa]. Não consta que o recall tenha sido uma causa de rebeliões ou de obstáculo ao governo democrático.

[...]

Pois bem, nós temos agora três propostas de emenda constitucional objetivando a introdução dessa revogação popular de mandatos eletivos. A Proposta de Emenda Constitucional 80, de 2003, a 82, de 2003, e a 73, de 2005.

Eu devo dizer [ponderou Fábio Konder Comparato] que a Proposta de Emenda Constitucional nº 80, de 2003, me parece demasiadamente sintética e, na verdade, deixa tudo ao legislador ordinário. Não me parece conveniente trilhar esse caminho.

A Proposta de Emenda Constitucional nº 82, de 2003, do sempre lembrado e saudoso Senador Jefferson Péres - que Deus o tenha -, não aplica o recall aos Parlamentares eleitos pelo sistema proporcional, e isto me parece uma falha na concepção da revogação popular de mandatos eletivos.

Quanto à Proposta de Emenda Constitucional nº 73, de 2005, ela propõe que seja aplicado o recall a todos os agentes políticos eleitos.

A Câmara dos Deputados, como os seus integrantes são eleitos pelo sistema proporcional, a Proposta de Emenda Constitucional nº 73, de 2005, propõe a dissolução da Câmara, o que também não é uma medida revolucionária. No sistema parlamentar é normal, quando o Presidente da República entende que o Parlamento perdeu, na sua maioria, a confiança da população, é normal dissolvê-lo.

Na Proposta nº 73, de 2005, há um componente muito mais democrático do que no Sistema Parlamentar de Governo, porque a dissolução da Câmara é decidida pelo próprio povo. Ou seja, não há donos do poder. O povo concede poder, mas também pode revogá-lo. A Proposta nº 73, de 2005, contém a iniciativa popular para a realização de recall, como nos Estados Unidos é habitual.

Em relação ao Presidente da República, ela propõe também que a destituição do Presidente possa ser feita por iniciativa da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional, mas a decisão é do povo, portanto uma diferença muito grande em relação ao impeachment, que é uma decisão puramente parlamentar. E, finalmente, propõe que Estados, Municípios e Distrito Federal regulem o recall em suas respectivas Constituições e leis orgânicas.

           Das palavras do professor Fábio Konder Comparato, retira-se, assim, a concepção de que devemos refutar a ideia de que a democracia participativa somente funciona em pequenas comunidades. Sabemos, todos, que a essência de uma Constituição é a limitação de poder. O povo, como guardião e garante de seus direitos, necessita estar atento à necessidade de, se necessário, conter o poder de seus representantes. Assim, precisamos equipar o indivíduo com direitos efetivos para que, no mais curto prazo, possa avaliar e revogar os mandatos de seus representantes políticos, quando houver quebra de confiança.

            Como primeiro signatário da PEC Nº 73, de 2005, avalio ser muito oportuno prosseguir, no Senado Federal, com esse debate sobre a democracia participativa, no que peço a atenção das Srªs Senadoras, dos Srs. Senadores e da sociedade em geral para todas as propostas de emenda à Constituição que tratam da matéria, a fim de respondermos a questão proposta pelo Professor Fábio Konder Comparato: “vamos continuar mantendo o povo brasileiro na condição de menor impúbere permanentemente ou vamos dar a ele, não uma soberania de fachada puramente simbólica, mas uma soberania efetiva?”.

            Eu quero muito agradecer a contribuição, sobretudo, do Professor Fábio Konder Comparato, que encaminhou, em nome da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), essas sugestões, uma das quais eu tive a honra de assinar.

            Que bom que este debate está frutificando! E que bom que o Senador Pedro Simon está sendo o Relator dessa matéria, ele que é um praticante e proponente de formas de democracia participava!

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/11/2009 - Página 56599