Discurso durante a 205ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Manifestação de repúdio às hostilidades praticadas por colegas contra uma estudante da Universidade Bandeirante - UNIBAN, em São Bernardo do Campo/SP, por usar um vestido curto, e à sua expulsão sumária da instituição, que teria ocorrido pelo mesmo motivo.

Autor
Serys Slhessarenko (PT - Partido dos Trabalhadores/MT)
Nome completo: Serys Marly Slhessarenko
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
FEMINISMO.:
  • Manifestação de repúdio às hostilidades praticadas por colegas contra uma estudante da Universidade Bandeirante - UNIBAN, em São Bernardo do Campo/SP, por usar um vestido curto, e à sua expulsão sumária da instituição, que teria ocorrido pelo mesmo motivo.
Aparteantes
Paulo Paim.
Publicação
Publicação no DSF de 10/11/2009 - Página 57817
Assunto
Outros > FEMINISMO.
Indexação
  • MANIFESTAÇÃO, REPUDIO, OCORRENCIA, ATO, DISCRIMINAÇÃO SEXUAL, MULHER, AUTORIA, ALUNO, UNIVERSIDADE PARTICULAR, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), DEFESA, PUNIÇÃO, RESPONSAVEL, CONSCIENTIZAÇÃO, SOCIEDADE.
  • IMPORTANCIA, ESFORÇO, PROTEÇÃO, EFICACIA, APLICAÇÃO, LEGISLAÇÃO, MULHER.
  • ELOGIO, TRABALHO, MINISTRO DE ESTADO, CHEFE, SECRETARIA ESPECIAL, DESENVOLVIMENTO, PREVENÇÃO, COMBATE, VIOLENCIA, AGRESSÃO, AMBITO, FAMILIA, EFETIVAÇÃO, PLANO NACIONAL, POLITICA, PROTEÇÃO, MULHER, REGISTRO, PROGRESSO, IMPLEMENTAÇÃO, ESTADOS, ESPECIFICAÇÃO, ESTADO DE MATO GROSSO (MT).
  • ANUNCIO, INICIATIVA, DELEGACIA, DEFESA, MULHER, MUNICIPIO, SÃO BERNARDO DO CAMPO (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ABERTURA, INQUERITO, INVESTIGAÇÃO, OCORRENCIA, UNIVERSIDADE PARTICULAR.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, senhores e senhoras que nos veem e nos ouvem.

            Em primeiro lugar, quero congratular-me com o Senador Paulo Paim e dizer que nós estamos sempre juntos nessa luta e que o acordo vai sair, Senador. Mais dia, menos dia, melhor ou mais ou menos, ele vai sair. Nós não temos dúvida disso. É uma vontade, uma determinação de todos.

            Mas, hoje, venho a esta tribuna para abordar um fato que me assustou muito como mulher, como política e como Senadora da República. Algo que parecia, numa primeira vista, não ter muita relevância de repente ficou muito complicado, em especial devido à intolerância. As grandes atitudes fascistas que se viram pelo mundo começaram com atitudes de intolerância. E essa atitude que estamos vendo hoje e que está em toda a imprensa brasileira é uma atitude de intolerância, do meu ponto de vista, gravíssima; gravíssima especialmente porque está acontecendo no meio de jovens, entre jovens.

            Todos nós assistimos há alguns dias em todos os telejornais, na internet, na mídia escrita e falada, o episódio em que uma jovem era hostilizada por uma turba enfurecida que a agredia com palavras, gestos e até mediante constrangimento físico. Isso pelo fato de aquela moça estar trajando uma vestimenta considerada pela universidade um tanto ousada, mas que de forma alguma se constituía num atentado ou desrespeito aos costumes e ao pudor.

            Eu, como tantos brasileiros e brasileiras, assisti àquelas cenas, a princípio, como se fossem brincadeiras de universitários, sem perceber que na verdade tratava-se de um ato coletivo de agressão ao direito de ir e vir, de se expressar e de exercer a individualidade. Aquilo que parecia uma brincadeira foi, sim, um dos maiores atos de intolerância e de desrespeito à autodeterminação de um indivíduo que não ofendeu nem desrespeitou qualquer lei.

            Fiquei chocada como política e como Senadora, como mulher que sempre lutou e luta intransigentemente pelos direitos da mulher e sua participação em ambiente de equidade e valorização social.

            Quero expressar daqui desta tribuna o meu repúdio a esse ato de vandalismo e histeria coletiva, que, em meio a um efeito manada, agrediu, em cadeia nacional, o simples direito de uma jovem se vestir e se trajar como achar conveniente.

            Eu me senti como numa máquina do tempo, assistindo à imagem dos anos 50, ou antes ainda, quando mulheres eram rotuladas e perseguidas pela sua forma de expressão. É um absurdo assistir ao desrespeito coletivo de direitos individuais tão básicos, numa sociedade democrática e igualitária, numa nação de expressões culturais tão amplas e plurais, chegando-se ao cúmulo de uma jovem,

ao colocar uma minissaia e se maquiar como se estivesse indo a uma festa, coisa tão normal entre os jovens, ser brutalmente hostilizada e rotulada da mesma forma preconceituosa, ultrapassada e covarde que se via entre os ultraconservadores até as décadas de 40 e 50.

            Ora, a moça não ofendeu nenhuma lei, nem o decoro! Ela simplesmente achou conveniente se trajar daquele jeito. Não se discute aqui nenhum motivo pessoal, até porque ela tem todo direito de se manifestar como deseja e de se vestir como bem entender. O que estou discutindo aqui e se repele é o fato de que atraiu a ira de centenas de colegas.

            Logicamente que esse evento foi provocado por uma minoria intolerante e prepotente, talvez mesmo com o estímulo de membros daquela Universidade. Mas o que assusta e avilta é a reação coletiva, que aponta para um comportamento social de grave risco, o qual nós, brasileiros e parlamentares, devemos ficar vigilantes para repudiar e repelir.

            Será que os valores, os direitos e mesmo o respeito tão duramente conquistados pelas mulheres se resumem a um frágil verniz social? Será que os direitos da mulher só podem ser garantidos pela força da lei?

            Colegas Senadores e Senadoras, nós assistimos a jovens, todos saudáveis e bem instruídos, na flor das suas idades, plenos de vitalidade, atacando covardemente uma colega, ferindo um enorme número de direitos individuais - isto é que é grave: ferir direitos individuais - simplesmente porque decidiram que ela não correspondia aos padrões arbitrariamente estabelecidos naquela universidade.

            Esse evento acende, senhores e senhoras, o alarme contra a intolerância, contra o preconceito e contra o desrespeito aos direitos dos indivíduos e principalmente das mulheres.

            Justamente agora, no momento em que travamos um amplo combate democrático na discussão da reforma do Código de Processo Penal, lutando pela manutenção das duras consequências das sanções que punem a violência contra a mulher, definidas pela nossa Lei Maria da Penha, não por acaso, nesse momento, o alarme social dispara e nos mostra o quão frágil e tênue é a fronteira entre o abuso e o crime que podem aviltar uma vítima indefesa inferiorizada.

            Estamos falando aqui de usos e costumes. Será que o costume de trajar roupas mais despojadas numa universidade pode explicar a agressão e humilhação desmedias sofridas por aquela moça em São Paulo? Da mesma forma, alguém poderia perguntar: será que o reiterado desrespeito e agressão contra as mulheres poderiam justificar que um homem agredisse a sua mulher, companheira ou namorada, num momento de raiva? Perguntamos. 

            Não! Não! Nada justifica nenhum desses atos odiosos contra as mulheres, nem contra qualquer outra pessoa.

            Vejam bem, Srªs e Srs. Senadores, não estamos falando de minorias estigmatizadas. Falo das mulheres em geral, falo de 52% da população brasileira - nós mulheres somos 52% -, mães, esposas, irmãs, mulheres, enfim, que nos vemos coletivamente desrespeitadas, agredias nesse absurdo episódio.

            (O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - Eu pediria mais um tempo, Sr. Presidente.

            Levanto a minha voz desta tribuna, como Senadora e mulher, para chamar a atenção deste Parlamento e de todo o Brasil para o fato de que não é possível ceder um milímetro que seja da luta pela proteção intransigente da saudável e civilizada relação entre homens e mulheres. Nada pode justificar que

todos os elementos de saudável convivência social sejam jogados por terra, invocando-se falsamente a defesa de uso e costumes. Essa é uma armadilha e um precedente muito perigoso.

            Ao ver jovens com acesso à educação de terceiro grau e ensino superior reagirem de forma desproporcionalmente violenta contra uma colega indefesa, percebo que ainda precisamos lutar para educar, informar e, em última instância, para punir aqueles que ainda insistirem em acreditar numa relação de supremacia e coação entre os gêneros.

            Estou convencida, mais do que nunca, de que devemos redobrar os esforços para proteger a eficácia e a inteireza da aplicação da Lei Maria da Penha. Ela é um marco, um divisor de águas, a certeza da punição dura contra aqueles que insistam em desprezar violentamente os direitos individuais das mulheres. O seu efeito coercitivo deve ser protegido e valorizado.

            Nesta constante luta, há poucos dias estive em reunião com a Ministra Nilcéa, na Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, que vem fazendo um excelente trabalho na área de gênero, para discutirmos propostas para 2010 na área da mulher.

            Destaco o árduo trabalho da nossa Ministra no desenvolvimento do Programa de Prevenção e Enfrentamento à Violência Doméstica e ao Plano Nacional de Políticas para as Mulheres. É importante enfatizar o avanço conquistado pela Secretaria na implementação do Pacto de Enfrentamento à Violência Doméstica em 22 Estados brasileiros.

            Em Mato Grosso, meu Estado, queremos mapear as áreas onde a violência é mais frequente e, assim, levar esses projetos com mais eficácia junto à Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.

            Só em um Município do meu Estado - e eu gostaria que os Srs. Senadores atentassem para conhecer os dados de seus Estados -, a juíza do Município “X” do meu Estado recebeu, em noventa dias - a juíza, não foram reclamações que chegaram na Delegacia de Defesa da Mulher, que lá foram mais de trezentas -, trinta processos de violência doméstica, nesse curto espaço de tempo. Precisamos ainda de muito trabalho.

            O incidente na Uniban, em São Paulo, é mais um exemplo entre tantos outros. As imagens são fortes e os sinais preocupantes. Até o tratamento dado ao fato das agressões sofridas pela jovem foram surpreendente. A universidade, em vez de punir os agressores, anunciou por jornal, em mais um grave desrespeito àquela moça já tão ofendida, a sua expulsão. Pasmem, Srªs e Srs. Senadores, a moça foi expulsa e informada pelos jornais, sem direito à defesa de sua imagem e de sua honra. Enquanto isso, a Universidade se diz ofendida por uma aluna que foi massacrada moralmente por uma turma de colegas, colegas esses que talvez refletissem a visão da direção daquela instituição.

            Os atos de repúdio à atitude covarde e inoportuna da Unibam já mobilizam o MEC - o nosso Ministério já se posicionou -, a UNE, enfim, todos os meios de comunicação do Brasil e até mesmo do exterior.

            Colegas Senadores, será que é isso que queremos passar para o mundo? As imagens da jovem coletivamente hostilizada diante de uma universidade complacente e arbitrária, sendo punida por se vestir de determinada maneira, não havendo cometido qualquer delito. Isso é demais. Esse não é o nosso Brasil.

            Foi uma minoria agindo de forma impensada, infeliz e inorportuna, em flagrante exercício arbitrário das próprias razões. Isso, sim, é um crime!

            Nossa terra é amiga, é plural, é solidária, é humana. Nosso povo é otimista, feliz, respeitando o direito de autodeterminação, numa terra onde todos convivem e aceitam a expressão da individualidade. Este é o nosso Brasil!

            Aqui, a questão central, a ferida aberta é o preconceito, a intolerância, o desrespeito, a injustiça que ainda se esconde na cabeça e no coração de alguns poucos. Felizmente, é de alguns poucos. Sentimentos tão pequenos que estão prontos a surgir a qualquer momento. Basta uma fagulha, um estímulo que seja, até mesmo da instituição que os abriga. Esse evento não pode e não será esquecido. Essa jovem deve ser protegida e seus direitos garantidos contra essas ofensas e arbitrariedades.

            Educação, bons exemplos, respeito à dignidade, à individualidade, valorização das mulheres e a punição dos que não as respeitarem. Essas são atitudes necessárias e cabe a nós lutarmos por isso. Vamos trabalhar para punir todo e qualquer cidadão que insista em ofender e agredir o seu próximo, independentemente de ser homem ou mulher. Vamos estimular o saudável convívio social entre os gêneros, entre homens e mulheres. Somos todos irmãos e irmãs, somos todos brasileiros e brasileiras. E atitudes facísticas não podem existir, porque a História já escreveu o que foi aquele terrível momento de intolerância. Vamos estimular, sim, a fraternidade, a generosidade, a solidariedade e o não à intolerância.

            Acabo de receber aqui a notícia de que a Delegacia de Defesa da Mulher de São Bernardo do Campo acaba de abrir inquérito para investigar o que aconteceu na Uniban, lá em São Paulo com a jovem sobre a qual estamos fazendo o pronunciamento. Então, não às atitudes fascistas, não à intolerância. Sim à fraternidade, à generosidade e, especialmente, à solidariedade.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Senadora Serys, antes de V. Exª sair da tribuna, gostaria de falar algumas palavras. Sei que o Presidente, Senador Papaléo, vai entender. Não quis atrapalhar o seu pronunciamento.

            A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - O meu tempo já se encerrou. Não percebi, senão já teria concedido o aparte a V. Exª.

            O Sr. Paulo Paim (Bloco/PT - RS) - Quero só deixar registrada a nossa solidariedade. No mínimo, como disse a UNE, que se estabeleça o diálogo, converse, explique. Simplesmente tiveram um gesto truculento de expulsar a moça. Achei, de fato, algo que nos lembra a pré-história. Por isso, quero apenas deixar registrado aqui no plenário toda a minha solidariedade ao seu pronunciamento. Que esse caso seja revisto e que se estabeleça um diálogo civilizado com essa moça. Ela é que acabou sendo agredida pela forma truculenta como foi expulsa. Meus cumprimentos a V. Exª.

            A SRª SERYS SLHESSARENKO (Bloco/PT - MT) - Obrigada, Senador Paim.

            Realmente, o Brasil inteiro está-se manifestando. O MEC já deu o seu depoimento, a Ministra, a UNE. Houve posicionamentos de todas as entidades. Deve-se abrir um diálogo e promover o entendimento e não provocar mais e mais intolerância.

            Muito obrigada.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/11/2009 - Página 57817