Discurso durante a 202ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Avanços na definição de proposta do governo brasileiro para ser apresentada na Convenção de Mudanças Climáticas, a realizar-se em dezembro próximo, em Copenhague. Análise sobre os índices de concentração de gases poluentes atualmente liberados na atmosfera, informado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas.

Autor
Marina Silva (PV - Partido Verde/AC)
Nome completo: Maria Osmarina Marina Silva Vaz de Lima
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Avanços na definição de proposta do governo brasileiro para ser apresentada na Convenção de Mudanças Climáticas, a realizar-se em dezembro próximo, em Copenhague. Análise sobre os índices de concentração de gases poluentes atualmente liberados na atmosfera, informado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Marco Maciel, Valdir Raupp, Valter Pereira.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/2009 - Página 56851
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • IMPORTANCIA, DEBATE, POLITICA, CONTENÇÃO, ALTERAÇÃO, CLIMA, REGISTRO, DISPUTA, MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE (MMA), MINISTERIO DA CIENCIA E TECNOLOGIA (MCT), EXPECTATIVA, PREPARAÇÃO, PROPOSTA, CONFERENCIA INTERNACIONAL, PAIS ESTRANGEIRO, DINAMARCA.
  • ANALISE, DADOS, NECESSIDADE, REDUÇÃO, GAS CARBONICO, POSSIBILIDADE, CONTROLE, TEMPERATURA, PLANETA TERRA, AVALIAÇÃO, SITUAÇÃO, PAIS INDUSTRIALIZADO, PAIS EM DESENVOLVIMENTO, INSUFICIENCIA, PROPOSTA, BRASIL, DESMATAMENTO, DEFESA, INCLUSÃO, COMPROMISSO, ALTERAÇÃO, MODELO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL.
  • IMPORTANCIA, DECISÃO, MINISTERIO DA AGRICULTURA PECUARIA E ABASTECIMENTO (MAPA), PARTICIPAÇÃO, ESFORÇO, REDUÇÃO, DESMATAMENTO, AMBITO, AGRICULTURA, PECUARIA, DEFESA, LIDERANÇA, BRASIL, COMPROMISSO, MOBILIZAÇÃO, TOTAL, SETOR, ECONOMIA, CONFIANÇA, ORADOR, DADOS, GRUPO, ESTUDO, MINISTERIOS, POSSIBILIDADE, DEFINIÇÃO, OBJETIVO, CONCLAMAÇÃO, AUTORIDADE, ATENÇÃO, URGENCIA, PROCESSO, NECESSIDADE, AMPLIAÇÃO, DEBATE, SOCIEDADE.
  • DEBATE, ALTERAÇÃO, CODIGO FLORESTAL, PROIBIÇÃO, DESMATAMENTO, REPUDIO, PROPOSTA, ANISTIA, CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            A SRª MARINA SILVA (PV - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Muito obrigada. Sobretudo se prevalece o princípio bíblico de que os últimos serão os primeiros, não é?

            A urgência que me traz a esta tribuna, Sr. Presidente, agradecendo aqui ao Senador Valter Pereira pela permuta e o acolhimento de V. Exª para esta fala, refere-se à questão das mudanças climáticas globais. O problema é urgente e, infelizmente, até bem pouco tempo não vinha sendo tratado no mais elevado nível de governo, estabelecendo-se, ainda, uma disputa entre os diferentes ministérios, sobretudo o Ministério do Meio Ambiente e o de Ciência e Tecnologia.

            Agora, tivemos um avanço, já tivemos duas reuniões no mais elevado nível de governo, mas, infelizmente, sem as respostas que a sociedade brasileira espera para que possamos chegar em Copenhague com uma proposta à altura do desafio que temos, tanto para a Convenção das Mudanças do Clima quanto para um país como o Brasil.

            Segundo o relatório do IPCC, para que tenhamos uma redução, ou melhor, para que tenhamos entre 40 a 60% de chance de a temperatura média da Terra não aumentar mais de 2º, a concentração de gases de efeito estufa não deve ultrapassar 450 ppm (partículas por milhão). Para que a concentração se limite a esse número de 450 ppm, as emissões de gases de efeito estufa, durante o ano de 2001 a 2100, devem ficar em torno de 1.800 gigatoneladas. Isso significa que devemos ter um nível de emissão em torno de 18 gigatoneladas por ano. As emissões que temos hoje já estão em torno de 44 gigatoneladas, e nós precisamos ter uma taxa de 1,5% ao ano para podermos atingir a meta. Em 2010, devem atingir cerca de 50 gigatoneladas. Nós precisamos estabilizar em 18 gigatoneladas e podemos chegar em 2050 com 50 gigatoneladas, ou seja, temos um grande dever de casa para ser feito, e ser feito a partir de agora.

            O que precisa ser feito? Os países em desenvolvimento em seu conjunto já têm uma emissão que é altamente relevante, os países do Anexo I. Portanto, eles devem ter um compromisso de zerar as emissões dos países do Anexo I, o que seria possível com a estabilização abaixo de 450 ppm.

            O IPCC recomenda que, para entrar numa trajetória que fica abaixo das 450 ppm, é necessário que os países do Anexo I reduzam suas emissões entre 25% e 40% em relação a 90. Os países em desenvolvimento façam um desvio substancial da sua trajetória de crescimento de emissões.

            Como isso pode ser traduzido?

            A tendência normal do Brasil, até 2020, com o seu crescimento no mesmo ritmo, sem ter um plano de desenvolvimento sustentável para a Amazônia, ou um plano de combate ao desmatamento que não seja efetivamente cumprido, sem metas de redução para a indústria, a agricultura e o setor de energia, ou seja, fazendo como sempre fez, o Brasil chegaria, em 2020, com 2,7 gigatoneladas de CO2, ou seja, com uma emissão de 2,7 bilhões de gigatoneladas de CO2. A emissão, em 1994, ano do inventário nacional, que foi feito por exigência da Convenção sobre Mudanças Climáticas, era de 1,5 gigatonelada. A emissão, em 2005, de 2,1 gigatoneladas, e a emissão com meta de 20%, chegaríamos, em 2020, igual às emissões do ano de 2005, ou seja, 2,1 gigatoneladas. A emissão com a meta de 40%, em 2020, chegaríamos ao que foram as emissões em 1995, ou seja, 1,6 gigatoneladas.

            As propostas que estão sendo discutidas dentro do Governo estão variando entre uma redução de 80% das emissões pela redução do desmatamento, que significaria uma redução de 20% das emissões em relação a 2020. Só que, com essa proposta, não teremos a contribuição dos demais setores. Seria redução apenas das emissões do desmatamento, o que, no meu entendimento, seria um prejuízo. Com essa proposta só para o desmatamento - seria uma redução de 20% até 2020 -, teríamos uma estabilização, em 2020, das emissões brasileiras ao nível do anos de 2005, ou seja, em torno de 2,7 gigatoneladas. Porém, os demais setores continuariam aumentando suas emissões, como já mencionei: energia, transporte, agricultura e indústria.

            Levantamento feito pelo Ministério do Meio Ambiente dá conta de que, entre 1994 e 2007, o setor agropecuário aumentou as emissões em 30%; o setor de energia aumentou em 54%; o setor industrial aumentou em 56%; e o setor de resíduos sólidos aumentou em 32%. Aliás, essa iniciativa do Ministério do Meio Ambiente é positiva, face a não termos os dados apresentados pelo Ministério de Ciência e Tecnologia em relação às emissões brasileiras, atualizando o inventário. Praticamente, não tem adicionalidade ao processo iniciado em 2004, com a criação do Plano de Combate ao Desmatamento da Amazônia, que estabeleceu as condições objetivas para que a formulação do Plano e da Política Nacional de Mudanças Climáticas fossem feitas.

            Ou seja: se não tivermos uma meta de redução para esses setores que ampliaram as suas emissões ao nível do levantamento feito pelo Ministério do Meio Ambiente, o que vamos levar para Copenhague é tão-somente o dever de casa feito a partir de 2004 com o Plano de Combate ao Desmatamento, do qual tive a felicidade de participar como Ministra do Meio Ambiente. O delta mais desses anos seguintes não estariam presentes, pois ficariam sem a contribuição desses setores e, portanto, não se teria uma adicionalidade ao esforço já feito. Ou seja: temos o Plano de Combate ao Desmatamento - e o desmatamento vem caindo desde 2005 - e é isso o que estamos levando para Copenhague. Acho que seria acenarmos com um chapéu que já acenamos, ainda que tenhamos de continuar os esforços para reduzir desmatamento, não apenas com ações de comando e controle, mas levando a cabo o eixo da forma correta do ordenamento territorial e fundiário, e o eixo correto do desenvolvimento sustentável, que, lamentavelmente, no âmbito do Plano de Combate ao Desmatamento, os Ministérios responsáveis, sobretudo pelo apoio às práticas produtivas sustentáveis, não fizeram a sua parte. Aí, sem sombra de dúvida, o Ministério da Agricultura tem um déficit altamente significativo.

            Fico feliz porque o Ministro da Agricultura tem dito que quer participar dessa agenda.

            Espero que a participação do Ministério da Agricultura seja com as medidas que, há dois anos, nós já havíamos proposto que fossem encampadas pelo Ministério, no âmbito do Plano de Combate ao Desmatamento, mas que não o foram. Espero que, a partir de agora, possa-se levar em prática a integração lavoura-pecuária que, inclusive, são estudos da Embrapa que sempre foram secundados, mas que agora podem vir a lume e serem priorizados pelo Ministério, além de outras ações. O desmatamento da Amazônia conta com uma dupla contribuição da agricultura: o desmatamento que é praticado para realizar a agricultura e as emissões que são feitas pelo uso da terra, inclusive, o metano, que é oriundo da produção e da criação de gado.

            A proposta da redução de 40%, que vem sendo defendida pelo Ministério do Meio Ambiente e por demais setores da sociedade, acho que é uma proposta perfeitamente factível de ser levada para Copenhague, até porque a metade disso tudo já está consignada no Plano de Combate ao Desmatamento, bastaria o compromisso de redução para os outros setores e chegarmos com esse desvio de 40%. Com essa proposta, nós, sim, estaríamos dando uma contribuição mais efetiva. Ou seja, ela faz com que as emissões caiam para 1,6 gigatoneladas, nível de emissões do ano de 1995, e volta, portanto, ao nível de emissão de 14 anos atrás, o que seria uma contribuição muito significativa.

            Com esta proposta de redução de 40%, Sr. Presidente, o Brasil passa a ser o primeiro país em desenvolvimento a assumir metas de reduções reais, e não apenas um desvio na tendência de aumento das emissões. Porque uma coisa é você conseguir, efetivamente, reduzir a partir do patamar que já estamos emitindo e outra coisa é fazer um desvio na trajetória de emissões que aconteceriam, caso não fizéssemos nenhum esforço para mudar determinadas práticas e, a partir daí, colher novos resultados.

            Além disso, essa proposta envolve redução em vários setores da economia. Essas reduções nos mais diferentes setores seriam obtidas por uma combinação de várias medidas. A título de sugestão, temos aqui, apenas uma ilustração: redução de 80% do desmatamento - que é esse esforço que começou desde 2004, com o Plano de Combate ao Desmatamento, que já mencionei, esse já está em curso -; redução nas emissões da indústria, com programas, inclusive, que podem ser feitos, e gerando emprego de eficiência energética; redução nas emissões do setor de transporte; ampliação do uso de biocombustíveis, que pode ser perfeitamente levado para o setor em uma quantidade significativa para fazer essa diferença; e aumento do reflorestamento - com o reflorestamento teremos aí um duplo processo de sequestro de carbono, porque a árvore, para crescer, também faz essa limpeza da atmosfera.

            Agora, Sr. Presidente, está sendo colocado um argumento de que não é possível ter compromisso de meta - algumas autoridades estão dizendo isso -, porque não haveria confiabilidade para chegar a um número. Ora, vários Ministérios têm feito estudos e têm mostrado que é possível termos uma meta que possa estar aí na casa de uma redução de 20% e 40% das emissões de efeito estufa em 2020.

            O Ministério de Ciência e Tecnologia, que instituiu a Rede Brasileira de Pesquisas sobre Mudanças Climáticas Globais - Rede Clima, com a finalidade de propor políticas e estratégias para lidar com as mudanças climáticas e de produzir dados e informações para subsidiar a posição brasileira nas negociações sobre o regime internacional de mudanças climáticas, apresentou recentemente um estudo em que aponta que o Brasil pode assumir uma meta de redução das emissões de 35% em 2020.

            Quando as autoridades falam que isso não é possível, pode ser que haja um desconfiança em relação ao que nossos cientistas e pesquisadores estão dizendo. No entanto, quando alguns cientistas e pesquisadores vêm a público e propõem, através de estudos cuja base de dados às vezes não se conhece nem como foram feitas essas pesquisas, mudança no Código Florestal, redução de reserva legal, uma série de investidas contra a legislação ambiental, esses, sim, são respeitáveis, confiáveis, e imediatamente se processa o que eles estão dizendo. E quase se fez isso aqui no Senado, quando se ia dar crédito a uma discussão que era ainda muito embrionária. Os dados foram mudando a cada debate que se fazia, inclusive um aqui no plenário desta Casa. Ficou demonstrado que o que se estava dizendo sobre a reserva legal para que ela fosse reduzida não estava em acordo com a realidade que vinha sendo estudada por outros pesquisadores.

            De sorte que nós temos aqui estudos de vários Ministérios: Ministério de Ciência e Tecnologia, Ministério do Meio Ambiente, Ministério de Relações Exteriores, Ministério da Agricultura. Enfim, essa rede que foi criada inclusive tem o Prof. Carlos Nobre à frente desse processo e está dizendo que é possível chegar a 2020 com uma redução em torno de 35%. O Ministério do Meio Ambiente está dizendo que é possível em torno de 40%.

            Assim, as autoridades brasileiras precisam assumir o sentido de urgência do que está acontecendo no planeta e no Brasil e chegar a Copenhague com uma proposta que tenha sido discutida não só no Governo, mas com a sociedade, com os empresários, com as ONGs, com a Academia e com o Congresso, que tem uma proposta, tem uma comissão que está estudando a questão de mudanças do sistema climático e quer apresentar um conjunto de sugestões, para que não tenhamos que ser surpreendidos, às vésperas de Copenhague, com uma delegação que viaja com uma posição que não é conhecida da sociedade brasileira.

            E eu espero, sinceramente, que se possa sair da próxima reunião, no dia 14, com uma meta não só de redução para o desmatamento, mas também para a indústria, também para a agricultura e também para o setor de energia. E, com certeza, o Brasil estará à altura da potência ambiental que ele é.

            Se nós continuarmos seguindo o mesmo caminho e a trajetória daqueles que, como a China, a Índia, com todo respeito, e até mesmo os Estados Unidos, estão dizendo que vão fazer um esforço interno mas que isso não significa um número, não significa metas, se o Brasil for por esse caminho, ele perde a chance de liderar o processo junto aos emergentes e junto aos desenvolvidos. Junto aos emergentes, mostrando que é possível um país em desenvolvimento se comprometer com metas. E junto aos desenvolvidos, criando um constrangimento ético de que se eles, com maiores condições e maiores emissões, não fazem a sua parte, um país em desenvolvimento, com menores condições, é capaz de fazê-lo.

            Eu concedo o aparte ao Senador Marco Maciel.

            O Sr. Marco Maciel (DEM - PE) - Nobre Senadora Marina Silva, ouço com atenção, como de resto todo o plenário, o pronunciamento de V. Exª, que trata da questão ambiental e, de modo especial, da próxima reunião de Copenhague, que será iniciada em dezembro próximo - e estamos muito próximos do mês de dezembro. V. Exª faz uma exposição muito completa sobre o quadro brasileiro e sobre as alternativas que nós devemos ou podemos oferecer nesse grande encontro internacional. Mas o que me preocupa no caso específico é que hoje já estamos no dia 4 de novembro e ainda não vi, de maneira muito clara, uma definição por parte do Poder Executivo, ou seja, acho que uma questão tão sensível como essa das mudanças climáticas precisaria de uma formulação com bastante antecedência, para que se pudesse fazer, como, aliás, V. Exª observa, inclusive uma negociação com os países desenvolvidos e com os países em desenvolvimento, tentando articular uma grande rede que pudesse fazer prosperar um resultado positivo de Copenhague. Eu insisto nesse campo por uma razão muito simples: nós vivemos aqui a experiência de Kyoto, grandes expectativas foram despertadas, e nós estamos vendo que Kyoto, mais uma vez, teve sua sorte logo comprometida, primeiro, pela recusa de Bush a assinar o documento e, posteriormente, pela inércia, resultado de uma certa paralisia dos não interessados em enfrentar a questão climática. Então, eu diria que o que V. Exª traz, como sempre o faz, à consideração do Senado é extremamente importante. Mas eu acho essencial que o Governo seja mais pró-ativo, para usar uma expressão muito em moda, no sentido de ter uma proposta que possa sensibilizar os países subdesenvolvidos, os em desenvolvimento, e, sobretudo, os desenvolvidos; ou seja, os países afluentes que são os mais influentes. Cumprimento V. Exª pela determinação e pela forma perseverante com que defende esse tema tão sensível para o País e para o nosso desenvolvimento.

            A SRª MARINA SILVA (PV - AC) - Obrigada pelo aparte de V. Exª. Concordo com o sentido de urgência e de que o governo já está atrasado em relação à formulação da posição brasileira.

            Concedo um aparte ao Senador Cristovam.

            O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senadora Marina, há pouco tempo, o Presidente da República falou que, no Brasil, para governar, a gente precisa fazer alianças entre anjos e demônios, para não usar uma metáfora mais sagrada, pois não gosto de brincar com essas coisas. Eu creio que ele está tentando fazer essa aliança também nesse caso; só que ele se esqueceu de dizer que, no Brasil, em todas as alianças entre anjos e demônios, são os demônios que vencem. São eles que ganham para manter a corrupção; são eles que ganham para não mudar a educação; são eles que ganham, inclusive, no que a senhora está falando, para não mudar o modelo econômico a fim de termos um desenvolvimento sustentável. Eu temo que o que vai sair dessas negociações, dessas conversas, vai ser mais um conjunto de acordos imprestáveis para reorientar o futuro do Brasil. Eu não estou querendo que se façam políticas autoritárias e que se tente uma revolução, passando por cima de todas as forças. Mas a liderança do Presidente poderia ser usada para de fato conseguir uma redução das emissões todas. Isso exige uma mudança no modelo industrial, e não apenas no modelo das serralharias. Não vejo essa vontade. Por isso, o seu discurso é importante. Mas eu queria dizer uma coisa: se o Presidente, de fato, está querendo - e tem uma posição de liderança -, acho que ele deveria fazer uma coisa que é comum nos países mais desenvolvidos. Estando já no último ano do seu Governo, ele deveria levar para Copenhague todos os candidatos a Presidente da República. A senhora deveria ser convidada; o Ciro Gomes deveria ser convidado. O PSDB está lá sem saber qual é o deles, então peça que indiquem um deles. E levaria não apenas o Governo de hoje, mas aqueles que representam o governo do futuro. Deixo essa sugestão, sabendo que ela não vai ser aceita. Mas, se eu fosse o Presidente, no último ano do meu mandato, eu levaria a senhora como parte da minha equipe, para mostrar ao mundo que haverá continuidade nos compromissos que nós assumimos. Até lá eu espero que a sua campanha continue crescendo, para convencer o Brasil de que estamos no rumo errado. Fazer PAC para acelerar em direção ao abismo, é melhor não crescer. Temos é que fazer uma inflexão no destino do Brasil, e não uma aceleração no velho e tradicional destino depredador e concentrador que temos seguido.

            A SRª MARINA SILVA (PV - AC) - Agradeço a V. Exª o aparte, sei que V. Exª tem todo...

            O Sr. Alvaro Dias (PSDB - PR) - V. Exª me permite um aparte?

            A SRª MARINA SILVA (PV - AC) - ...um compromisso com a agenda do desenvolvimento sustentável e sabe que os compromissos que precisam ser assumidos são de longo prazo, tanto é que os esforços precisam ter uma meta até 2020 e depois uma meta até meados do século.

            De sorte que V. Exª tem razão, quando diz que deve ser um compromisso, uma plataforma de todos os partidos, independentemente de quem vai ganhar o Governo. Não há mais como retroceder em relação ao desmatamento, não há como retroceder quanto a ter uma matriz energética limpa e segura, e não há como retroceder em relação ao Brasil mudar o eixo do seu desenvolvimento para uma economia de baixo carbono.

            Concedo o aparte ao Senador Valter Pereira e, depois, ao Senador Valdir Raupp.

            O Sr. Valter Pereira (PMDB - MS) - Senadora Marina Silva, constatei que compensou trocar o horário com V. Exª, porque, mais uma vez, vai V. Exª à tribuna, para mostrar ao mundo a preocupação que o Senado, o Congresso, o Brasil tem com a questão ambiental, com a questão do clima. O trabalho de V. Exª é por todos nós reconhecido. V. Exª efetivamente dá a maior contribuição para essas questões que são diretamente relacionadas à qualidade de vida de todos nós. Concordo com V. Exª em um aspecto: é preciso estabelecer metas. Mas há divergências quanto aos números que são possíveis de serem alcançados. Há divergências também quanto às formas de se alcançarem essas metas. Entendo que é prioridade neste momento o debate para encontrar a consistência desses números. V. Exª tem razão. Eu estava, se não me engano, presidindo a reunião à qual V. Exª se reportou, quando ocorreu a divergência mais direta, mais profunda sobre esse tema. Mas acho que é possível encontrar, até porque hoje a preocupação com as questões ambientais não está só na academia, não está só nos parlamentos. Ela ganha corpo em toda a sociedade. E acho que é até um equívoco, quando se inquinam alguns setores, como o setor produtivo, o do agronegócio e o da agricultura familiar, de responsáveis, por não se avançar, com mais celeridade, nessa direção.

(Interrupção do som.)

            O Sr. Valter Pereira (PMDB - MS) - Entendo, Senadora Marina, que a discussão suscitada por V. Exª precisa ser aprofundada. É preciso também que tenhamos a humildade suficiente para encontrar caminhos, que não são aqueles que entendemos que são os únicos. Acho que esse debate tem de comportar a transigência. Uma das questões que acho que tem emparedado um pouco esse debate é a do passivo. Essa questão realmente é delicada, porque envolve as mudanças na legislação, que, outrora, eram mais tolerantes com determinados procedimentos que foram adotados. Portanto, se houver um pouquinho de renúncia de cada lado, acredito que vamos encontrar as metas. Acho que tem de haver metas. Pode não ser a meta idealizada por V. Exª, pode ser que não seja a meta idealizada pelo Ministério do Meio Ambiente, mas que temos de buscar a meta possível, disso não tenho a menor dúvida. Parabéns a V. Exª por mais uma demonstração de compromisso com essa questão, que é crucial para a vida humana.

            A SRª MARINA SILVA (PV - AC) - Obrigada, Senador.

            E concedo já o aparte ao Senador Raupp, lembrando que a Mesa já comunica meu tempo regulamentar.

            O Sr. Valdir Raupp (PMDB - RO) - Serei bastante breve. Quero parabenizá-la pelo brilhante pronunciamento. Ninguém mais do que V. Exª tem autoridade para falar sobre o tema de meio ambiente no País e até fora do País. Mas nós temos uma proposta, Senadora Marina, que nunca esteve tão fácil de ser aprovada neste Congresso, na Câmara e no Senado, que é a do Desmatamento Zero. Por que não levar essa proposta do Desmatamento Zero para Copenhague? Sei que, na Amazônia, há a consciência, hoje, de que ninguém mais quer derrubar e queimar. Essa consciência está sendo formada, e V. Exª tem uma parcela muito grande de contribuição em tudo isso. Então, por que não aproveitar este momento fértil, que há agora, dessa proposta do Desmatamento Zero? Eu mesmo tenho uma proposta, mas não precisa ser a minha. V. Exª é Relatora, na CCJ, da minha proposta, mas não precisa ser a minha proposta. Há várias outras, tramitando na Casa, que poderão ser aprovadas. E podemos levar para Copenhague, ainda até dezembro, essa proposta de Desmatamento Zero. Basta que o Governo abrace essa causa, que os ambientalistas a abracem. Mas vejo que os ambientalistas não estão muito interessados nessa proposta. Não sei por que, mas há uma certa desconfiança. Vamos deixar a desconfiança de lado e acreditar nessa proposta, que é, talvez, a melhor para o Brasil, hoje: o desmatamento zero.

            A SRª MARINA SILVA (PV - AC) - Agradeço a V. Exª o aparte e agradeço à Mesa. Já concluo, Sr. Presidente.

            Acho que o Brasil não pode perder a oportunidade de ir a Copenhague com uma proposta, discutida com a sociedade; deve estar comprometido com metas. Obviamente, é um processo de negociação dentro do Governo, que envolve vários Ministérios - não apenas o Governo, mas também os diferentes setores da sociedade e do Congresso.

            Devemos ter uma vigilância muito grande, porque o que está em curso, agora, é o Floresta Zero, com a proposta que querem aprovar a toque de caixa, lá na Câmara dos Deputados, ou seja, a de mudar o Código Florestal. De sorte que precisamos de dar consequência, do ponto vista prático, à legislação ambiental: não mudá-la para voltar à velha forma de uso das florestas, à velha forma de uso da terra, mas criar os incentivos e os meios necessários para transitar dessa forma inadequada para a forma correta de desenvolver o nosso País.

            A proposta de Desmatamento Zero tem, sim, o acolhimento dos ambientalistas. Há uma divergência em relação a alguns aspectos. Alguns defendem o Desmatamento Zero em troca do perdão de tudo que foi praticado de irregularidade e crime até agora. Isso não é possível, até porque se fez isso em relação à regularização fundiária, dizendo-se que se iria dar terra, de forma indiscriminada, para todas as pessoas - 67 milhões, sem critérios -, e o que ficou demonstrado é que, em vez de diminuir o desmatamento, como disseram, ele voltou a crescer, não só nas propriedades particulares, mas em terra pública. Eu ouvi, neste plenário, o debate de que, se se aprovasse, conforme estava, haveria o marco zero, e, a partir daí, não haveria mais desmatamento. Infelizmente, não foi isso que aconteceu.

            Nós, então, precisamos trabalhar no sentido de andarmos para a frente - para a frente, rumo a um novo modelo de desenvolvimento, que seja capaz de atender às reais necessidades das gerações presentes, sem comprometer o futuro.

            Muito obrigada.


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