Discurso durante a 202ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Homenagem pelo transcurso dos 40 anos da morte de Carlos Marighela, que tombou na luta contra a ditadura militar. (como Líder)

Autor
José Nery (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/PA)
Nome completo: José Nery Azevedo
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Homenagem pelo transcurso dos 40 anos da morte de Carlos Marighela, que tombou na luta contra a ditadura militar. (como Líder)
Aparteantes
Eduardo Suplicy, Paulo Duque.
Publicação
Publicação no DSF de 05/11/2009 - Página 56863
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • LEITURA, TRECHO, OBRA LITERARIA, AUTORIA, PERSONAGEM ILUSTRE, OPORTUNIDADE, ANIVERSARIO DE MORTE, LUTA, DITADURA, ESTADO NOVO, REGIME MILITAR, DETALHAMENTO, BIOGRAFIA, ENGAJAMENTO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO (PCB), ATUAÇÃO, POLITICA, EX-DEPUTADO, ESTADO DA BAHIA (BA), CASSAÇÃO, CLANDESTINIDADE, FUNDAÇÃO, ALIANÇA NACIONAL LIBERTADORA (ANL), VITIMA, PRISÃO, TORTURA, HOMICIDIO, DEMORA, TRASLADO, RESTOS MORTAIS, HOMENAGEM, VIDA PUBLICA, DEFESA, LIBERDADE, JUSTIÇA SOCIAL.
  • HOMENAGEM POSTUMA, POETA, ESTADO DO PARA (PA), ELOGIO, CONTRIBUIÇÃO, CULTURA, TRADIÇÃO, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, LEITURA, TRECHO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, EX PREFEITO, CAPITAL DE ESTADO, HOMENAGEM, COMPOSITOR.

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            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Mão Santa, Srªs e Srs. Senadores, de vez em quando, a história produz seres extraordinários. O autor do poema abaixo, sem sombra de dúvida, foi um desses. Sua biografia se confunde com a luta pelo socialismo, pela liberdade e em defesa da vida.

            O poema, Sr. Presidente:

É preciso não ter medo,

é preciso ter a coragem de dizer.

Há os que têm vocação para escravo,

mas há os escravos que se revoltam contra a escravidão.

Não ficar de joelhos,

que não é racional renunciar a ser livre [...]

           São trechos do poema Rondó da Liberdade, de Carlos Marighella. Esse poeta lutador que, há exatos 40 anos, tombou na luta contra a ditadura militar.

           Nascido em Salvador, na Bahia, filho de pai italiano e mãe negra, sua luta começa cedo. Aos 18 anos, tornou-se militante do Partido Comunista Brasileiro. Aos 21 anos, vai, pela primeira vez, para a cadeia, é preso. Motivo: um poema contendo críticas ao interventor local. Desde então, sua vida é marcada pela perseguição das elites que dominam até hoje nosso País. Em 1º de maio de 1936, Marighella é preso novamente. Durante o ano em que ficou detido, enfrentou por quase um mês as terríveis torturas impostas por ninguém menos que Filinto Müller, que, entre outras atrocidades, foi o responsável, junto com Vargas, pela deportação de Olga Benário para a morte nas mãos assassinas do hitlerismo.

            Em 1939, vai novamente para o cárcere. Desta vez, fica preso por seis anos, Senador Mão Santa. Transferido para os presídios de Fernando de Noronha e Ilha Grande, Marighella resiste novamente à tortura. Sua bravura é registrada pelo médico Nilo Rodrigues que, em depoimento à CPI que investigou os crimes do Estado Novo, afirmou que nunca vira tamanha resistência a maus-tratos, nem tamanha bravura. Durante o período em que esteve preso, dedicou-se à formação política dos demais presos, forma de manter viva a luta pela liberdade.

            Anistiado em 1945, Marighella é eleito Deputado Federal Constituinte pela Bahia. Durante os dois anos em que foi parlamentar, proferiu mais de duzentos discursos, todos em defesa do povo e contra a tirania imperialista que se apoderava do País. Com a cassação imposta por Eurico Gaspar Dutra, volta para a clandestinidade, na qual permaneceu até sua morte, em 1969, pois o advento da ditadura militar, em 1964, só piorou a sua situação. Foi, por muito tempo, considerado o inimigo público número um pelos militares. Em 1964, foi emboscado num cinema por agentes da ditadura. Resiste à prisão, é baleado, mas sobrevive. Fica oitenta dias preso e, em razão de uma forte pressão popular, é solto novamente.

            Em 1966, por discordar do processo de adaptação e burocratização que vivia o Partido Comunista, pede desligamento e funda a ALN, Aliança Libertadora Nacional, que, entre outras coisas, defendia a luta armada contra a ditadura. Com o endurecimento do regime militar, Marighella passa a ser cassado implacavelmente. Em 4 de novembro de 1969, em mais uma emboscada patrocinada pelo Dops, então chefiado pelo Delegado Fleury, Marighella Tomba. Seu sangue mancha de rubro a alameda Casa Branca, em São Paulo. Os militares acreditavam que assim eliminavam seu sonho. Nada mais distante da realidade. Há quarenta anos sua força e sua luz servem de inspiração a todos aqueles que não se calam diante da iniquidade imposta pelo capital.

            Marighella foi também uma referência teórica para os comunistas. Ele, nas palavras de Florestan Fernandes, “alargou a teoria para que nela coubessem as crueldades sofridas pelos debaixo e estendeu a prática, incluindo nela coerência e firmeza”.

            Neste momento em que homenageamos Marighella, somo-me àqueles que pranteiam sua morte. Mas somo-me também àqueles que reverenciam sua vida, sua trajetória e sua luta. Dez anos depois de assassinado, seus restos mortais finalmente puderam ser transladados até sua terra natal. Para recepcioná-lo, seu grande amigo e parceiro de lutas, o escritor Jorge Amado, escreveu:

Atravessaste a interminável noite da mentira e do medo, da desrazão e da infâmia, e desembarcas nas aurora da Bahia, trazido por mãos de amor e de amizade.

Aqui estás e todos te reconhecem como foste e serás para sempre: incorruptível brasileiro, um moço baiano de riso jovial e coração ardente. Aqui estás entre teus amigos e entre os que são tua carne e teu sangue. Vieram te receber e conversar contigo, ouvir tua voz e sentir teu coração.

            São as palavras fortes e emocionadas do escritor Jorge Amado, ao receber os restos mortais de Carlos Marighella.

            Marighella, com certeza, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, não é uma unanimidade. O simples pronunciar do seu nome ainda causa tremores em alguns. Nada mais natural, pois Marighella nunca quis ser uma unanimidade. Quis, sim, ser reconhecido pelos seus pares, pelo seu povo, por aqueles que lutam incansavelmente pela liberdade.

            Ironicamente, a rua onde tombou faz referência a tudo aquilo contra o que lutou. A Alameda Casa Branca nos remete ao centro do poder imperialista. Seria justo que nós, brasileiros, defensores da liberdade - em especial, a quem cabe tomar uma decisão dessa importância, a Câmara Municipal de São Paulo - emprestássemos o seu nome a essa alameda para homenagear esse brasileiro insubstituível. Viva Carlos Marighella!

            É a homenagem do PSOL. É a homenagem, Sr. Presidente, Srs. Senadores, dos que acreditam num futuro de liberdade e justiça social para o nosso povo. Marighella, com sua luta, seu compromisso, sua firmeza, enfrentou a ditadura e todos os seus algozes. Deixa como legado o compromisso pela transformação social, o compromisso de luta pela justiça.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - V. Exª permite um aparte, Senador Nery?

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Concedo um aparte ao Senador Eduardo Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Prezado Senador José Nery, gostaria também de associar-me à homenagem que V. Exª, como Senador e Líder do PSOL, faz ao ex-Deputado Carlos Marighella. Também o faço na condição de Vice-Líder, e hoje Líder do PT, uma vez que o nosso Líder Aloizio Mercadante se encontra em viagem oficial na França e em Portugal nesta semana. Gostaria de transmitir que eu segui caminhos diferentes daqueles de Carlos Marighella, que optou pela luta revolucionária como forma de resistir à ditadura militar. Muitas pessoas em meu próprio partido, o PT, também avaliaram, naquela época, que se fazia necessária uma resistência e com atos que representavam, por vezes, um assalto ou ações armadas, por vezes sequestros. Mas eu sempre avaliei, essa é a minha convicção até hoje, que devemos realizar as transformações em todas as nossas sociedades por meios não violentos. Porém é importante nós sabermos a história de pessoas como Carlos Marighella, como Carlos Lamarca, como tantas pessoas que, especialmente naqueles anos da ditadura militar, avaliavam ser importante realizar as ações de resistência. E eles realizaram ações, inclusive, quando ao tempo da convicção da Nação brasileira, que era urgente, de caminharmos em direção à democracia plena. A compreensão foi de tal ordem que...

            (O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - ...resolveu-se anistiarem aqueles que tinham traçado aquele caminho como o de Marighella. Aqui lembro também da Clara Charf, sua companheira, hoje nossa companheira no Partido dos Trabalhadores e uma das pessoas que mais têm colaborado no âmbito do Partido dos Trabalhadores e do Governo do Presidente Lula. Eu acho que nós muito podemos aprender estudando a história de Carlos Marighella, assim como de todos aqueles que foram membros das organizações às quais ele pertenceu. Por isso, associo-me à homenagem que presta a esse herói,...

            (Interrupção do som.)

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Mais três minutos, eu prorrogo. E mais uma hora eu prorrogo, para que todos os presentes possam usar da palavra.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - ...que tanto batalhou para que houvesse justiça, maior igualdade e dignidade entre todos os brasileiros.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Obrigado, Senador Eduardo Suplicy.

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI) - Eduardo Suplicy, podia fazer uma pergunta? Você conheceu pessoalmente ele?

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Eu acho que pouco, e não me lembro de ter dialogado com Carlos Marighella. Mas tanto ouvi falar a respeito e vi as suas histórias, dialogando com Clara Charf e também com companheiros do partido... Fiquei chocado com a morte de Carlos Marighella, que se deu exatamente na rua onde eu morei até 1964, na Alameda Casa Branca. Eu morava na esquina da Alameda Casa Branca com a Alameda Santos. E Marighella foi morto acho que três, quatro quarteirões abaixo, numa ação em que havia os responsáveis pela Polícia Federal, à época, como que tramado algo, utilizando informações dos freis dominicanos para ali detectar onde estava Carlos Marighella, e aprontado uma ação que significou a sua morte sem qualquer possibilidade de defesa. Quem sabe se ele tivesse sido rendido e pudesse ter se defendido, ele iria dizer muitas coisas importantes para o conhecimento de todos, para que nós pudéssemos compreender em maior profundidade as razões que o levaram ao caminho da resistência armada. Mas eu não tive essa oportunidade de melhor conhecê-lo em profundidade.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Obrigado, Senador Eduardo Suplicy e Senador Mão Santa, que, presidindo, concedeu os três minutos.

            Agradecendo, peço a gentileza dos demais oradores de - ao fazer esta homenagem aos quarenta anos de Carlos Marighella, agradecendo o depoimento do Senador Suplicy - poder falar também de outro ser inesquecível que revolucionou a cultura paraense: o Rei do Carimbó, Augusto Gomes Rodrigues, o Verequete, que ontem faleceu aos 93 anos de idade, em Belém. O Verequete recebeu as homenagens, Senador Augusto Botelho, do povo paraense, que hoje levou ao cemitério uma homenagem muito digna e justa para um poeta popular analfabeto que conseguiu ser um grande compositor e se transformar no verdadeiro rei do carimbó paraense.

            Eu queria ler, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um texto escrito pelo professor, arquiteto e ex-Prefeito de Belém, Edmilson Brito Rodrigues, em homenagem ao Verequete - e queria aqui, Sr. Presidente, um pouquinho de paciência para poder concluir.

            Diz Edmilson em seu texto:

            Ao som dos tambores

            Verequete é nosso Rei

O galo cantou, me deu alegria

            O galo cantou, é sinal que vem o dia

            O galo cantou no romper da aurora

            O galo cantou e o Verequete vai embora.

Se é correto falar de imaginário amazônico, desde o ponto de vista de seu próprio povo, Verequete é, sem sombra de dúvidas, uma de suas sínteses mais belas e originais. Sua genialidade, expressada na força rítmico-melódica e na inventiva poética de suas composições, traduz uma postura filosófica, uma concepção e percepção de mundo, ao mesmo tempo amazônica e universal, simples e profunda como o mergulho de quem...

(Interrupção do som.)

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Prossigo:

(...) o mergulho de quem, empanemado de paixão, decide ir morar com “a sereia no fundo do mar”.

Augusto Gomes Rodrigues, ou melhor, Mestre Verequete, esse um que sabe “como é bom pescar na beira do mar em noite de luar”; esse caboclo cuja casinha “é tacada de taboca na beira de um riacho, coberta de pororoca” no bairro do Jurunas (...)

            Sr. Presidente, solicito que o texto completo do professor, arquiteto e ex-Prefeito Edmilson Rodrigues seja publicado na íntegra, para que fique registrada a homenagem pela voz de um daqueles que, também em vida, contribuiu muito para valorizar o trabalho de Verequete, da cultura paraense.

            Quero também dizer que, ao falar de Marighella, enquanto revolucionário da luta política por transformação, e de Verequete, como uma expressão da cultura paraense, alma de amazônida e também construtor de sonhos, de felicidade e de bem estar para o nosso povo, presto duas homenagens que, a meu ver, se encontram naquele sentido maior de fazer sempre do nosso País um país mais livre e justo para todos.

            Mas é com alegria, se V. Exª me permitir, Sr. Presidente, que eu concedo um breve aparte, encerrando o meu pronunciamento, ao Senador Paulo Duque, do Rio de Janeiro.

            O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - O Presidente Mão Santa costuma ser muito liberal, muito amigo dos parlamentares; ele vibra em ver alguém na tribuna defendendo ideologicamente seus temas...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - E eu não sei se S. Exª vai me permitir fazer um aparte, que não vai ser muito breve. Estou perguntando: permite-me?

            O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PSC - PI. Intervenção fora do microfone.) - Sim. Pode falar.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Pois não, Senador Paulo Duque. Ouvimos V. Exª.

            O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - Por um motivo muito simples. Eu, evidentemente, do Rio de Janeiro, lembro-me perfeitamente de quando prenderam o cidadão Carlos Marighella, na Praça Saens Peña, em um cinema da Tijuca. Foi exatamente lá. Lembro-me de que é o Rio de Janeiro que faz a história do País, desde a Proclamação da República. Foi o Rio de Janeiro que fez a história do Brasil! Isso foi dito não por mim, mas por Afonso Arinos, representante de Minas Gerais, na mesma Constituinte em que Carlos Marighella, também eleito, proferiu discursos. Ele dizia isso, e foi muito contestado por Leonel Brizola, que também era Constituinte na época, 1945/1946. Estou vindo à tribuna neste momento, porque o que está faltando aqui é exatamente o discurso ideológico, como antigamente no Palácio Tiradentes, como antigamente no Palácio Monroe, e que hoje aflora pela voz do nosso Senador pelo Pará, José Nery. Tanto isso é verdade que, há pouco tempo, ele, o Senador José Nery, recorreu ao Supremo para uma interpelação judicial, entendendo que eu havia maltratado um pouco seu partido. Ele não hesitou em interpelar-me, interpelação que eu respondi. O Ministro do Supremo Tribunal Federal aceitou as minhas explicações e arquivou o processo. É verdade isso? É verdade. Eu não fiquei zangado com ele nem ele ficou zangado comigo, porque aquilo que eu disse, numa entrevista...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - (...) ofensiva absolutamente. Mas ele hoje me deu uma alegria na tribuna, porque preencheu um espaço que está faltando aqui, o espaço do debate ideológico, que sempre houve no Rio de Janeiro, sobretudo no Palácio Tiradentes e no Palácio Monroe, onde os Senadores se reuniam. Meu Deus do Céu! Durante a Constituinte, depois de 45, nas eleições, depois de quinze anos sem eleições, o Rio de Janeiro era o Distrito Federal, a capital, e elegeu dois Senadores: um, o mais votado, Luiz Carlos Prestes; o outro, um médico católico chamado Hamilton Nogueira, pela UDN. Dois Senadores. E, logo no início da Constituinte que produziu uma das melhores constituições de nosso País, a de 1946, logo no começo, iniciou-se um processo de cassação do Partido Comunista do Brasil, sob várias alegações: a de que o partido teria dois estatutos; a de que o Partido não podia ser nacional, porque era internacional - havia o Partido Comunista da Argentina, o Partido Comunista da Noruega, o Partido Comunista da Finlândia, e vai por aí... Esse foi o argumento principal daqueles que iniciaram o processo e resolveram fustigar o Partido Comunista do Brasil. Nessa ocasião, houve um debate de três horas no Palácio Tiradentes. A Constituinte lá, reunida... Debate de três horas em um discurso de Luís Carlos Prestes. Aliás, há pouco tempo, em novembro agora, passei lá pertinho do túmulo dele, que é contíguo ao túmulo de Tom Jobim...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - E, nesse debate, Luiz Carlos Prestes havia dado algumas entrevistas aos jornais... Eu não sei se estou cansando V. Exªs...

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - V. Exª, com o seu preciso aparte e com a paciência do Presidente e dos demais oradores inscritos, testemunha a história vivenciada por V. Exª, o que, sem dúvida, enriquece muito este momento de homenagem a um dos mais bravos lutadores do nosso País.

            O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - Então, posso continuar.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Então, é por isso mesmo que é importante o depoimento de V. Exª, com a condescendência dos demais.

            O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - Mas, vindo as eleições, a bancada comunista conseguiu fazer, se não me engano, 12 Deputados.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Foram 15 Deputados e 1 Senador.

            O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - Foram 12 ou 15 - por aí. Eu sei mais ou menos. Jorge Amado era um deles; Alcedo Coutinho era outro; Osvaldo Pacheco. Era um grupo aguerrido. Gregório Bezerra era outro. Em suma, era uma bancada de combate. E evidente que Luiz Carlos Prestes, como líder maior do Partido Comunista do Brasil, provocado, deu algumas declarações à Imprensa, que queria saber o seguinte - era a pergunta-chave: “Senador, no caso de uma guerra do Brasil com a Rússia, com quem V. Exª ficaria? Com quem o partido de V. Exª marcharia?” Eu estou dizendo aqui, Senador Jefferson Praia, que está faltando um pouco de ideologia no Senado, e que hoje essa falta de ideologia foi quebrada pelo pronunciamento do nosso amigo ao homenagear um antigo líder esquerdista chamado Carlos Marighella. E eu, como assisti até à prisão do Carlos Marighella num cinema, na Tijuca, estou aqui dando este aparte. Desculpe-me tomar tanto tempo de V. Exª e das Srªs e dos Srs. Senadores.

(Interrupção do som.)

            O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - Mas não me esqueço que estamos falando para milhões de pessoas. Essa é que é a verdade. Milhões de pessoas no Pará, no Rio de Janeiro, no Rio Grande, na terra do Senador Inácio Arruda, o Ceará; enfim, para milhões de pessoas e não para quatro ou cinco aqui presentes.

(Interrupção do som.)

            O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - Então, eu diria que essa pergunta foi feita a ele numa entrevista pelo jornal A Voz do Operário, uma coisa assim, e ele disse, naquela ansiedade, naquele entusiasmo, ele, Senador da República de um lado, pelo Distrito Federal, do outro, Hamilton Nogueira, médico, líder católico, ele respondeu, de maneira meio dúbia, dando a entender que ficaria com a Rússia. Ora, pra quê? Durante a Constituinte de 46, enquanto um grupo se encarregava de elaborar a Constituição, o grupo maior frequentava o Plenário para fazer os discursos, os pronunciamentos de natureza ideológica. E, naquela época, o Juracy Magalhães, o Senador Juracy Magalhães, que era Constituinte, resolveu interpelar, nos trabalhos da Constituinte, o Senador Luiz Carlos Prestes. “Quero saber - e deu até a pergunta por escrito -, Senador Luís Carlos Prestes, nós queremos saber, a Nação quer saber, se em um eventual conflito guerreiro entre o Brasil e a Rússia como é que V. Exª marcharia?” A resposta foi imediata - eu guardei bem a frase, a resposta dele: “Ah, mas a pergunta de V. Exª é capciosa”. “Não, capciosa não. Eu estou sendo bem claro”. E repetiu a pergunta. Nessa altura, os debates começaram a tomar um outro caráter. De um lado, Hermes Lima; de outro, Affonso Arinos; do outro, Nereu Ramos. Em suma, aquelas grandes figuras da República que ali estavam, tomando...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - Eu sei que o Regimento da Constituinte permitia que um Senador se inscrevesse e cedesse o tempo para o orador que estava na tribuna. E foi passando o tempo, e todo mundo pressionando o Senador Carlos Prestes para que respondesse objetivamente a pergunta. Mas ele, com muita inteligência e habilidade - ninguém pode negar - afinal, ele passara 11 anos no cárcere, bem tratado, podendo estudar, ler, meditar. Tudo isso Prestes fez durante 11 anos. E, enquanto preso, ele esteve sofrendo muito. A sua companheira ou esposa, não sei se chegaram a contrair matrimônio, Olga Benário, foi devolvida à Alemanha, porque uma judia alemã, não pelo Filinto Müller, que foi aqui Senador conosco, mas foi devolvida porque o governo resolveu tomar essa atitude. Costumam culpar o Filinto Müller, o que é uma injustiça. Ele o fez cumprindo ordens do governo; foi o Governo brasileiro que fez. Tenho a impressão de que já estou cansando V. Exª. Dessa vez eu estou.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Senador Paulo Duque, na verdade, o senhor não nos cansa, até porque nos traz, de viva experiência, uma memória da história. Só verifico que os colegas inscritos para falar também estão ansiosos para vir à tribuna. Mas a contribuição de V. Exª neste momento em que homenageamos Carlos Marighella, contando fatos vivenciados por V. Exª, testemunho vivo da história, é de um valor inestimável para aqueles que guardam coerência, compromisso com a luta por mudança, por transformações em nosso País.

            O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - Então, para terminar, vou dizer o seguinte a V. Exª: à medida que o tempo ia passando, cada Deputado do Partido Comunista do Brasil ia se inscrevendo e ia cedendo tempo ao Luís Carlos Prestes para que prosseguisse...

(Interrupção do som.)

            O Sr. Paulo Duque (PMDB - RJ) - Todos ali estavam apertando o orador para que ele, finalmente, respondesse objetivamente à pergunta que lhe fora feita inicialmente pelo Senador Juracy Magalhães, da Bahia. Mas ele, de tal maneira, tinha uma capacidade de raciocínio que conseguiu terminar esse discurso, que durou três horas - o nosso, aqui, poderia durar também isso, mas vai durar só mais dois minutos -, e não respondeu objetivamente a pergunta de Juracy Magalhães. Agradeço a V. Exª a gentileza de ter me concedido o aparte, ao Presidente Mão Santa que está aí, com toda a paciência do mundo, beneficiando-nos com o seu apoio, com a sua audácia de presidir o Senado até quando seja necessário presidir. Quero dizer que V. Exª está de parabéns hoje não por Marighella, não pelo engenheiro Carlos Marighella, mas porque está tentando ressuscitar um debate ideológico aqui neste plenário, o que estava faltando há muito tempo. Muito obrigado a V. Exª.

            O SR. JOSÉ NERY (PSOL - PA) - Agradeço ao Senador Paulo Duque que, de forma muito tranquila e coerente, relata um aspecto da nossa história e, sem dúvida, enriquece a homenagem a Carlos Marighella. Agradeço sua brilhante intervenção e agradeço ao Presidente e aos demais que tiveram paciência para conosco. Não só para com o senhor, mas também para comigo.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR JOSÉ NERY EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do inciso I, § 2º, art. 210 do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

- “Ao som dos tambores. Verequete é nosso Rei.”


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/11/2009 - Página 56863