Discurso durante a 203ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Observações sobre a volta à pauta das discussões, do tema relativo à descriminalização das drogas.

Autor
Gerson Camata (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Gerson Camata
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DROGA.:
  • Observações sobre a volta à pauta das discussões, do tema relativo à descriminalização das drogas.
Publicação
Publicação no DSF de 06/11/2009 - Página 57566
Assunto
Outros > DROGA.
Indexação
  • REITERAÇÃO, CRITICA, PROPOSTA, DISCRIMINAÇÃO, COMERCIO, DROGA, COMENTARIO, POSIÇÃO, PROFESSOR, UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO (UNIFESP), ESPECIALISTA, ASSUNTO, DEFESA, CAPACIDADE, DEPENDENTE, DECISÃO, DELIBERAÇÃO, INTERRUPÇÃO, CONSUMO, INCOERENCIA, FUNDAMENTAÇÃO, DEFENSOR, INCAPACIDADE, APRESENTAÇÃO, PLANO, VIABILIDADE, LEGALIDADE.
  • ANALISE, DADOS, EXPERIENCIA, LEGALIDADE, COMERCIO, DROGA, PAIS ESTRANGEIRO, PAISES BAIXOS, GRÃ-BRETANHA, SUECIA, DEMONSTRAÇÃO, INEFICACIA, ERRADICAÇÃO, CLANDESTINIDADE, FORNECIMENTO, ENTORPECENTE, VICIADO EM DROGAS.
  • DEFESA, NECESSIDADE, POLITICA, SETOR PUBLICO, PRIORIDADE, PREVENÇÃO, REDUÇÃO, UTILIZAÇÃO, IMPEDIMENTO, ILEGALIDADE, ATIVIDADE, COMERCIO, ABASTECIMENTO, DROGA, BRASIL.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. GERSON CAMATA (PMDB - ES. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, por obra de insistentes declarações favoráveis de personalidades conhecidas, o tema da descriminalização das drogas vive voltando à pauta das discussões. Para os defensores do livre comércio e consumo de substâncias atualmente ilícitas, o mundo nunca ficará livre delas. Logo, o melhor é liberá-las e deixar de gastar dinheiro no combate ao tráfico e, ao que tudo indica, na prevenção do seu uso.

            Por mais que tentem encontrar fundamentos para essa tese, trata-se de uma visão que, propositalmente ou não, trata de evitar ou ignorar qualquer dos aspectos mais complexos da questão. Em primeiro lugar, como assinala o professor Ronaldo Laranjeira, da Universidade Federal de São Paulo e especialista no tema, a tese da descriminalização encara os dependentes químicos como pessoas capazes de tomar decisões, de deliberar sobre o consumo de drogas e até determinar quando devem interromper o seu uso.

            Sabe-se que as drogas causam sérios danos à capacidade cognitiva dos indivíduos. Na verdade, elas provocam alterações cerebrais, modificando os circuitos e acionando o mecanismo de dependência. Ou seja, ao produzirem uma sensação momentânea de prazer, incentivam o usuário a repetir a experiência.

            As principais alegações dos apologistas da liberação são de que, como grande parte dos roubos, assassinatos e outros tipos de crime está ligada ao controle do comércio de drogas por quadrilhas de traficantes, os índices de criminalidade cairiam, pois eles passariam a lucrar menos. Outro argumento é o de que, com drogas mais confiáveis à disposição, além de seringas e agulhas não contaminadas, os viciados não contrairiam doenças como Aids e hepatite.

            Ora, uma regra elementar diz que basta aumentar a disponibilidade de qualquer produto e o consumo crescerá. Quem se atreve a duvidar que, com a possibilidade de compra de drogas sancionada pelo Estado, a demanda sofrerá uma escalada geométrica? E o que vai ser feito para controlá-la, se atualmente não conseguimos sequer tratar os viciados existentes?

            Há quem diga que, como o governo passaria a arrecadar impostos sobre a venda de drogas, estes seriam aplicados em programas de prevenção e de tratamento. É um paradoxo: a liberação incentivaria o consumo, aumentaria a arrecadação, o número de viciados cresceria, e o dinheiro serviria para campanhas de desestímulo ao consumo de drogas... Além disso, presume-se que as drogas não seriam fornecidas gratuitamente. Já que a maioria dos viciados não tem condições de trabalhar, ou pelo menos de permanecer muito tempo num emprego, recorreria à violência, como faz hoje, para assegurar o suprimento da droga sem a qual não pode viver.

            Não faltam defensores da legalização das drogas ilícitas. Mas, como aponta o professor Laranjeira, até hoje ninguém foi capaz de apresentar um plano operacional que viabilize essa legalização. Quem as receberia? Qual a idade mínima para comprá-las? Quais seriam as doses máximas permitidas? Só dependentes poderiam utilizá-las, ou não dependentes também teriam acesso? Se alguém cometesse um crime sob efeito de drogas, quem seria responsabilizado? O estabelecimento que as vendeu ou o usuário? Como fiscalizar a venda para menores de idade, se hoje vemos adolescentes ingerindo bebidas alcoólicas em lojas de conveniência, durante a madrugada, apesar da proibição imposta pela lei? Como garantir que não surgiria um mercado negro lucrativo, com o desvio do que é comprado em lojas legalizadas?

            Essas perguntas não são respondidas quando se apresentam propostas de legalização das drogas. Simplesmente defende-se a descriminalização, e ponto final. Não se analisam as conseqüências que uma medida tão grave poderia provocar, os dilemas que suscitaria, nem os imensos problemas com que o Estado passaria a se defrontar.

            Não há dúvida de que a humanidade está condenada a conviver com as chamadas substâncias psicoativas pelo resto de sua existência. Afinal, elas são ingeridas, sob diversas formas, há mais de 10 mil anos. As tentativas de controle e de proibição são relativamente recentes, e surgiram à medida que se descobriam os danos que as drogas podiam causar. No século 19, até o início do século 20, a cocaína ainda era ingrediente ativo de remédios, para citar um exemplo. Nem por isso devemos regredir no tempo e voltar à permissividade.

            As experiências de outros países deveriam servir de lição. Nos anos 1970, o governo da Holanda optou por tolerar a posse de quantidades reduzidas de maconha, o que, em tese, liberaria a polícia para combater o tráfico de drogas mais pesadas. A partir de 1980, até 1988, permitiu-se a venda de maconha em cafés. Foi aí que o consumo disparou, aumentando em mais de 10 vezes, em parte devido ao surgimento de cafés em cada esquina de Amsterdã.

            O número de jovens que faziam uso de maconha na Holanda, em 1984, era de 15 por cento. O percentual subiu para 30 por cento em 1992, e deve ter crescido nos últimos 17 anos. Entre 1998 e 1993, as apreensões de heroína cresceram 79 por cento, e as de LSD tiveram um incrível aumento de 39.800 por cento.

            Na Grã-Bretanha, na década de 1960, os médicos podiam prescrever heroína para os dependentes da droga. Até que o governo descobriu que as clínicas só eram procuradas como último recurso, quando se esgotava o dinheiro ou era difícil encontrar o produto no mercado. Em resumo, os traficantes continuaram a prosperar. Na Suécia, entre 1965 e 1967, autorizou-se a distribuição de drogas com receita médica. Não demorou para descobrirem que os pacientes estavam revendendo com lucro considerável tudo o que podiam conseguir junto aos médicos.

            A legalização, portanto, é incapaz de desmantelar a estrutura clandestina que abastece os viciados. Ela persiste, e até extrai rendimentos extras do desvio de drogas obtidas legalmente. Não será com a venda livre que esvaziaremos as prisões, ou livraremos os bairros da periferia das grandes cidades das guerras entre quadrilhas pela posse de territórios do tráfico.

            Qualquer política pública relacionada com o consumo de drogas deve estar voltada para dois objetivos prioritários, de prevenir e reduzir o seu uso, e coibir a atividade dos bandidos que abastecem esse mercado. É importante assinalar que não há como excluir a maconha, a falsa “droga leve”. Ela é, como já foi provado por inúmeras pesquisas científicas, a “porta de entrada” para as drogas mais pesadas.

            Liberação ou “redução de danos” - esta última uma tese segundo a qual é possível diminuir os danos causados pelas drogas, “educando” os viciados, mas sem livrá-los da dependência - são propostas inócuas, para dizer o mínimo. Não levam em conta os danos causados aos consumidores, muito menos o sofrimento de suas famílias. Tolerância para com as drogas é um dos caminhos mais curtos para a desagregação da sociedade e a proliferação da violência a níveis incontroláveis.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/11/2009 - Página 57566