Discurso durante a 209ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comemoração dos 120 anos da proclamação da República Federativa do Brasil.

Autor
Marco Maciel (DEM - Democratas/PE)
Nome completo: Marco Antônio de Oliveira Maciel
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Comemoração dos 120 anos da proclamação da República Federativa do Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 13/11/2009 - Página 58393
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, PROCLAMAÇÃO, REPUBLICA FEDERATIVA, BRASIL, REGISTRO, HISTORIA, IMPORTANCIA, HERANÇA, PACIFICAÇÃO, TOLERANCIA, CONCILIAÇÃO, ORDEM, PROGRESSO, EXPECTATIVA, SUPLANTAÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, GARANTIA, JUSTIÇA, IGUALDADE, SOCIEDADE, CONSCIENTIZAÇÃO, PARTICIPAÇÃO, TRANSFORMAÇÃO, PAIS.
  • LEITURA, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, OBRA LITERARIA, AUTORIA, CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, POETA, ESTADO DE MINAS GERAIS (MG), HOMENAGEM, REPUBLICA.

                          SENADO FEDERAL SF -

            SECRETARIA-GERAL DA MESA

            SUBSECRETARIA DE TAQUIGRAFIA 


            O SR. MARCO MACIEL (DEM - PE. Pronuncia o segundo discurso. Com revisão do orador.) - Srª Presidente desta sessão, nobre Senadora Serys Slhessarenko, Srs. Senadores e Srªs Senadoras, no prefácio do livro de Raymundo Faoro, A República Inacabada, o jurista Fábio Konder Comparato lembra que:

a partir do término da Guerra do Paraguai, a ideia de democracia, ou de república democrática, foi rapidamente expurgada de suas conotações subversivas, e passou a ser invocada de público, não obviamente como soberania popular, mas como justificativa retórica da autonomia política no plano local. [E acentua.] Democracia e expressões cognatas, como solidariedade democrática, liberdade democrática, princípios democráticos ou garantias democráticas, aparecem nada menos de 28 vezes no Manifesto Republicano de 1870. [do qual participou Rui Barbosa, que é o patrono do Senado Federal] Um dos seus tópicos [acrescenta ele] é intitulado a verdade democrática.

            Esse testemunho, Srª Presidente, serve para demonstrar que o movimento republicano nasceu no Brasil sob o signo da democracia. Mais do que isso, evidencia que a República, antes de ser apenas um movimento militar contra o regime então vigente, surgiu da inspiração de ideias e aspirações democráticas por que ansiava o País.

            Creio que esses argumentos soam indiscutivelmente como a comprovação de que o ideal republicano entre nós sempre foi indissociável da democracia. Nabuco de Araújo - cujo filho Joaquim Nabuco, no próximo ano, estaremos celebrando cem anos de morte - tantas e tantas vezes, serviu à Monarquia e, 20 anos antes da Proclamação da República, denunciava da tribuna parlamentar:

Vede este sorites fatal, este sorites que acaba com a existência do sistema representativo: o poder moderador pode chamar quem quiser para organizar ministérios; esta pessoa faz a eleição; porque há de fazê-la; esta eleição faz a maioria. Eis aí está o sistema representativo do nosso País.

            Srª Presidente, isso não quer dizer que as eleições, durante a República Velha, ganhara autenticidade. Conforme observou Gilberto Amado - político, que foi inclusive Deputado Federal, e grande escritor -, as eleições podiam não ser autênticas, mas, sem dúvida, eram, como ele chamou, representativas. A sua presença no parlamento republicano foi a maior evidência dessa representatividade. O fato é que essas aspirações democráticas, nascidas com a República, continuaram a inspirar o movimento republicano e a clamar pelo aprimoramento do regime instituído por Deodoro da Fonseca, como fundador, e a ação de Floriano Peixoto, como consolidador.

            No Governo de Wenceslau Braz, demos um enorme e significativo passo nesse sentido, quando o alistamento eleitoral foi entregue à magistratura, num prenúncio que permitiu a criação, em 1932, da Justiça Eleitoral, logo após a Revolução de 1930, quando Getúlio Vargas houve por bem concebê-la e dotar o País do seu primeiro Código Eleitoral. Éramos já uma democracia formal, com garantias de um Estado de direito pleno, assegurado pelo Supremo Tribunal Federal que, convém lembrar, é obra também da Constituição Republicana de 1891.

            Essa primeira Carta, como sabemos, estabeleceu que a República haveria de ser federativa, atendendo, aliás, aos desejos sopitados durante o Império, bicameral e presidencialista, inspirando-se num modelo do constitucionalismo norte-americano.

            De lá para cá, Srª Presidente, foram muitos os avanços para que atingíssemos o atual estágio, em que o processo de automação das eleições, iniciado em 1985, com a informatização do cadastro eleitoral, pôs fim a mazelas como “o mapeamento” dos resultados eleitorais. A discussão quanto à legitimidade da representação política e a criação de instituições que, após a Constituição de 1988, buscam aprimorar o regime através do aperfeiçoamento da democracia, nunca abandonaram o sentimento que poderíamos, com propriedade, denominar de “afã de legitimidade”, que tem sustentado e oferecido à República a expressão que ela adquiriu nos dois últimos séculos em que nos coube viver.

            Quando, como agora, rememoramos, comemoramos e celebramos as conquistas de mais de um século de práticas republicanas em nosso País, é indispensável e conveniente lembrar que a Proclamação da República não se cingiu a mudanças no sistema de governo.

            Vivemos, em 1889, uma revolução cujos resultados significaram a transformação radical de nossos costumes e práticas políticas. Mudamos a forma de Estado, isto é, deixamos de ser Império em um País unitário para nos transformarmos em uma República. Da modalidade unitária, passamos a ser uma Federação, caracterizada pela descentralização. Transitamos do sistema de governo semipresidencialista, que praticávamos no Império e, sobretudo, no Segundo Reinado, para o presidencialismo. Da mesma forma como passamos de um Estado dotado de uma religião oficial para um Estado laico.

            Superamos, assim, o regime que Nabuco de Araújo chamou da tribuna, no Parlamento, de absolutista, conquistando a democracia representativa que construímos ao longo de mais de um século, fundada, como já me referi no início das minhas palavras, nos sólidos fundamentos da democracia, tal como concebida no fim do século XIX.

            Srª Presidente, passamos por dificuldades, enfrentamos insubordinações, revoltas, rebeliões, revoluções e movimentos armados de toda natureza. Padecemos o fechamento do Congresso em mais de uma oportunidade. Nossos percalços se acentuaram na medida em que enfrentamos crises econômicas, tensões sociais e conflitos políticos e ideológicos.

            Mas em todos esses movimentos dramáticos, em que os princípios democráticos estiveram em jogo, a integridade republicana jamais esteve ameaçada. O nosso sistema político resistiu. Devemos reconhecer que as aspirações republicanas pela democracia nunca se abateram, sem deixar de povoar o imaginário coletivo, como a busca permanente na evolução histórica do País. Somos um País pacífico, a despeito dos surtos de violência de que padecem, sobretudo, os grandes centros urbanos. Resolvemos todos os contenciosos territoriais com nossos vizinhos - e aí as nossas homenagens a Rio Branco -, pela negociação pacífica, pelo arbitramento e pela diplomacia. Reagimos sempre que agredidos.

            Aliás, sobre o tema, o publicista Gilberto Dupas, falecido há cerca de dois anos, observou em um dos seus últimos livros:

Embora seja possível utilizar res publica como a expressão latina genérica para indicar o Estado e suas formas de governo, antes de tudo, ela significa ‘coisa pública’. Povo deve ser entendido aqui não como multidão reunida, mas como sociedade organizada em torno da comunhão de interesses e da busca da justiça mais ampla possível. (...) Os revolucionários franceses foram influenciados pelo conceito de república de Montesquieu, uma espécie de ‘modelo moral’ de Estado ideal; portanto, um estado como ‘deveria ser’.

            Norberto Bobbio, no Diário de um Século - Autobiografia, observava que:

             

(...) já o dissera o velho Montesquieu, que o fundamento da boa república, antes mesmo das boas leis, é a virtude dos cidadãos.

            O escritor português Antero de Quental, In Prosa, em pregação incessante pela implantação da República em Portugal, somente ocorrida em 1910, sentenciou:

Quem diz democracia diz naturalmente república. Se a democracia é uma idéia, a república é a sua palavra; se é uma vontade, a república é a sua ação.

            Srª Presidente, a propósito da instituição republicana, o inesquecível poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, em crônica no Jornal do Brasil, de 21 de junho de 1983, dizia:

O Senador Marco Maciel apresentou projeto que cria uma comissão especial mista, destinada a promover as comemorações do centenário da República, a efetuar-se daqui a seis anos. Tão cedo? Perguntará alguém. Respondo pelo Senador: nunca é cedo para se falar em República, palavra raramente escrita ou pronunciada em pronunciamentos políticos - já notaram? O pessoal fala muito em democracia, para desejá-la plena ou para limitá-la, relativizando-a.

Mas a República mesmo, que entre nós já tem 94 anos de idade, parece que saiu da moda no vocabulário. Ninguém mais é republicano neste País. Todos são democratas cem por cento, ou democratas relativos ou, finalmente, homens da esquerda ou da direita, indiferentes à qualificação da forma do governo, desde que eles assumam o poder.

Ora, pois, a República fará cem anos em 1989, e pouca gente saberá disto. Sabe-se, é claro, que ela foi proclamada em 1889, mas depois disso há poucas notícias de sua existência, chegando mesmo alguns a supor que ela nunca foi proclamada no Brasil: foi apenas anunciada nas folhas estampadas em armas brasonadas, por sinal que esteticamente mal concebidas.

            Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, como aqui foi salientado, temos carências a suprir, temos obstáculos a superar, temos fragilidades a corrigir, temos desigualdades a vencer. Mas temos, como legado das gerações que nos antecederam, uma legenda de paz, de concórdia, de tolerância num espírito pacífico, ordeiro e conciliador que é um dos mais caros traços da nossa nacionalidade.

            Não somos um povo sem defeitos nem vivemos num regime acabado. Mas temos a ordem como princípio e o progresso como fim, conforme preconiza a divisa positivista. Esse dístico, perpetuado em nosso maior símbolo, a bandeira, justifica-se por termos padecidos demais, quem sabe, e isso tem marcado a nossa existência como Nação livre e independente, como foi o caso do regime servil, mas não nos impedem de buscarmos, consciente e permanentemente, o respeito dos governos e das gerações que se sucedem, o regime político com que sonhamos, a superação das diferenças sociais e o progresso econômico que torne nossa sociedade mais justa, mais igualitária, mais consciente e mais participante.

            A Constituição em vigor, embora passível ainda de muitos aperfeiçoamentos, proporcionou-nos avanços que seguramente são e continuarão sendo irreversíveis. Afinal é o primeiro texto constitucional que reconhece como entes federativos os Municípios.

            Como outros de que podemos nos orgulhar, esses são, Sr. Presidente, os ideais republicanos por que sempre sonhamos e as aspirações democráticas continuarão a alimentar as nossas esperanças, nossas expectativas e nossos desejos e aqui, hoje, nesta solenidade, renovamos como conquistas da nacionalidade que vivemos.

            Continuo, Srª Presidente, citando mais uma vez o artigo do acatado vate mineiro:

(...) o pensamento do Senador Marco Maciel é desde já irmos cuidando do centenário, por meio de discussão objetiva de normas democráticas a serem observadas daqui por diante, de modo que a data seja assinalada menos pelo seu reduzido valor histórico, do que por significar o marco de começo de um novo espírito republicano. Começo que terá a sorte de encontrar uma população de maioria jovem, em condições de exercer a prática real do regime e do sistema, desde que bem elucidada sobre suas características por intensa doutrinação teórica a partir dos bancos escolares. Os debates pretendidos pelo Senador não serão de todo vãos se deles resultar o esclarecimento de ideias e concepções que conduzam essa mocidade a implantar a República verdadeira, aquela que nós, os de gerações sucessivas, durante quase um século, não fomos capazes de construir.

            Srª Presidente, encerro lembrando Gilberto Freire. Gilberto Freire sempre dizia que tempo era tríbio - ele enriqueceu o vocabulário brasileiro com muitos de seus verbetes -, ou seja, o tempo era marcado por uma interposição de presente, passado e futuro. Portanto, não podemos deixar de ter presente que algo do passado habita dentro de nós e que, igualmente, há sempre a presença do futuro a nos conduzir. Daí por que acredito, como Drummond, que é a hora de aproveitarmos este instante para pensarmos o País, o seu povo e as suas instituições.

            Pediria a V.Exª, Srª Presidente, a gentileza de autorizar a transcrição da crônica do poeta Carlos Drummond de Andrade, a que me referi neste pronunciamento.

            Muito agradecido. 

 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MARCO MACIEL EM SEU PRONUNCIAMENTO

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I, § 2º do Regimento Interno.)

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Matéria referida:

“A República sonhada sempre”.


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Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/11/2009 - Página 58393